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http://www.ionline.pt/conteudo/43513-o-principe-perfeito
O único motivo que pode ria leva r José Eduardo dos Santos a suje itar-se ao
escrutínio popular e a todas as coisas mesquinhas e desagra dáveis que,
para alguém como ele, tal processo implica, se ria conseguir o respe ito da
comunidade internacional
Na passada quinta-feira, dia 21, o partido no poder em Angola fez aprovar um novo
projecto de constituição que prevê a eleição do Presidente da República pela
Assembleia Nacional e não mais através do voto popular, em eleições directas, o
que em princípio assegurará a permanência no poder de José Eduardo dos Santos.
Os deputados da UNITA, o principal partido da oposição, abandonaram a sala antes
da votação.
Devíamos, talvez, começar por aqui. O único motivo que poderia levar José
Eduardo dos Santos a sujeitar-se ao escrutínio popular, e a todas as coisas
mesquinhas e desagradáveis que, para alguém como ele, tal processo implica,
incluindo discursos em comícios, banhos de multidão e entrevistas, seria conseguir
o respeito da comunidade internacional. José Eduardo dos Santos está um pouco na
situação do escritor brasileiro Paulo Coelho, o qual depois de conquistar milhões de
leitores, depois de enriquecer, ambiciona agora ser levado a sério como escritor.
Quer o respeito dos críticos.
A diferença é que José Eduardo dos Santos, não tendo o respeito da comunidade
internacional, começa a beneficiar do temor desta - o que para um político pode ser
algo bastante semelhante.
O crescimento económico de Angola, por pouco que seja, e ainda que afectado por
distorções de todo o tipo, representa uma garantia de bons negócios para um vasto
grupo de empresas multinacionais. A prosperidade de Angola é u ma boa notícia
também para os jovens quadros portugueses no desemprego. Favorece, aliás, todo
o tipo de sectores. Lembro- me de ter lido há poucas semanas uma notícia segundo
a qual dezasseis por cento dos produtos de luxo vendidos em Portugal são
adquiridos por cidadãos angolanos.
Há uns dois anos almocei num simpático restaurante da Ilha de Luanda com um
diplomata português. Antes de chegarmos à sobremesa já ele me dava conselhos:
"Você só tem problemas porque fala de mais", assegurou- me. "Escreva os seus
romances mas não ataque o regime. Não há necessidade." Depois disso tenho
escutado conselhos semelhante vindos de editores, empresários e políticos
portugueses.
"Já não posso ouvir o José Eduardo Agualusa e todos os outros portugueses e
angolanos cá em Portugal que não se cansam de denunciar os desmandos e a
corrupção do governo angolano", escreveu Miguel Esteves Cardoso numa
extraordinária crónica, publicada nas páginas do jornal "Público" a 30 de Outubro
de 2009, e depois reproduzida no "Jornal de Angola": "Angola é um país soberano;
mais independente do que nós. [...] Os regimes políticos dos países mais nossos
amigos são como os casamentos dos nossos maiores amigos: não se deve falar
deles. [...] Não são só nossos amigos: são superiores a nós."
No meu último romance, "Barroco T ropical", esforcei- me por expor a forma como,
em regimes totalitários, o medo vai pouco a pouco corrompendo as pessoas,
mesmo as melhores. O medo é uma doença contagiosa capaz de destruir toda uma
sociedade.
Mais extraordinário é perceber como um regime totalitário consegue exportar o
medo. Não já o medo de ir para a cadeia, é claro; ou o medo de ser assassinado na
via pública durante um suposto assalto. Trata-se agora do medo de perder um bom
negócio. Do medo de ofender um cliente importante.
Alguns deles, curiosamente, são os mes mos que ainda há poucos anos iam fazer
piqueniques a essa espécie de alegre Disneylândia edificada pela UNITA no Sudeste
de Angola, a Jamba, vestidos à Coronel Tapioca, e que apareciam em toda a parte
a anunciar Jonas Savimbi como o libertador de Angola.
José Eduardo dos Santos decidiu fazer--se eleger pelo parlamento, por mais cinco
anos, por mais dez anos, troçando da democracia, por uma razão muito simples:
porque pode. Porque já nem sequer precisa de fingir que acredita nas virtudes do
sistema democrático. Enquanto Angola der dinheiro a ganhar, aos de fora e aos de
dentro, e mais aos de fora que aos de dentro, como sempre aconteceu, ninguém o
incomodará. Para isso, para que Angola continue a dar dinheiro, exige -se alguma
estabilidade social, sim, mas não democracia. Democracia é um luxo.
Bem pode Ana Gomes manifestar a sua indignação. Mais facilmente os dirigentes
do partido que representa a admoestarão a ela, por ter tomado tal posição, do que
incomodarão os camaradas angolanos.