And in the end/ the love you take/ is equal to the Love you make. Paul McCartney, The Beatles, 1969
Lendo este capítulo, a revolução do final da década de 1960 e do início da década de
1970 pode parecer uma série de acontecimentos fundamentalmente infernais e estados mentais psicóticos. Mas, apesar de todos os excessos de repressão e revolução, a década também foi caracterizada por muita energia contracultural ofuscantemente positiva. Como escreveu Hunter Thompson, “Havia uma sensação vencendo. (...) Nossa energia simplesmente iria prevalecer. Nós tivemos o momentum, nós estávamos deslizando na crista de uma onda enorme e bela.” As pessoas levaram suas liberdades ao limite, deixaram seu desejo de mudanças reais abafar sua razão, deixaram a excitação e o amor que eles sentiam por sua coletividade cauterizar suas almas. Realmente parecia que um empurrão na direção certa poderia derrubar todos os muros da prisão que a humanidade tinha construído: no mundo material, no mundo das relações e nas mentes e corações de cada indivíduo. E finalmente foi, como cantou George Harrison , “demais”. Em parte reagindo à repressão externa, ela se voltou para si mesma com um frenesi antiautoritário que algumas vezes se tornava autoritário pela intensidade de sua insistência. Provavelmente a principal falácia que guiou todo período dos anos 1960 do idealismo para a insensatez foi o pensamento utópico – a alucinação de Ginsberg de que podia “tomar o poder do universo e se transformar na próxima consciência”. Como filosofia totalizante, o pensamento utópico é autoritário na sua essência . ( Jim Morrison cantou sobre a “soft parade” hippie: “Everythink must be this way”.) Em pequena escala, experiências utópicas como a comuna de Brook Farm dos transcendentalistas podem motivar amor, generosidade e criatividade. E surtos ocasionais de energia utópica podem ser necessários para mover períodos contraculturais que buscam mudanças sociais. Mas quando a visão utópica tenta conquistar grandes populações. Luta contra seus limites. Os utópicos exigem perfeição, e aqueles desgraçados seres humanos irascíveis que se recusam a se adequar ao modelo tendem a se tornar inimigos. O altruísta “Novo Homem” dos anos 1960 de Che Guevara era uma bela idéia, mas ele utilizou o poder do Estado para tentar forçar o povo cubano a viver de acordo com as exigências do ideal. A contracultura de esquerda ocidental nunca chegou tão longe, mas as pessoas que estavam no meio dela costumavam brincar sabiamente sobre “campos de reeducação de LSD”. Deixando de lado digressões irritantes, o ideal de esquerda hip realmente era antiautoritário, até mesmo anarquista. Com exceção de alguns poucos grupos , como os Panteras Negras, que tinham fantasias leninistas acerca de comandarem um Estado revolucionário centralizado liderado pela vanguarda, a esquerda hip não propôs um sistema alternativo. Eles ofereceram oposição aos sistemas. A visão central era de que a “revolução” em si iria inspirar evoluções pessoais e coletivas em escala massiva. Os comportamentos que permitiriam à sociedade funcionar sem m sistema de governo surgiriam espontaneamente – uma cooperação espontânea entre indivíduos e grupos autônomos ligados em rede iria fazer com que as necessidades humanas bascas fossem garantidas. Seu teatro, seus caminhos psicodélicos para o crescimento pessoal , sua participação democrática de base em comunas e coletivos , suas orgias de rock and roll gratuitas e celebrações festivas produziriam tal plenitude que as pessoas não iriam desejar muito além de suas necessidades materiais básicas. O consumo e a propriedade de bens excessivos, de imagens de mídia, de atividades de lazer comercial riam simplesmente desaparecer. E, de qualquer forma, em poucos anos as maquinas nos tornariam igualmente ricos. Essa história imaginária ainda exerce grande força sobre muitos dos anarquistas de hoje ( embora muitos tenham abandonado os “igualmente ricos” em benefício de uma rejeição da tecnologia). Ela tem a vantagem de que nunca foi tentada em escala de massa por tempo razoavelmente longo, e dificilmente será. Assim, ela nunca pode ser desaprovada e permanecerá para sempre romântica. Ironicamente , é duvidoso que qualquer coisa como a excitável contracultura dos anos 1960 poderia ter surgido nos Estados Unidos e a economia mundial não estivessem extremamente saudáveis. Aqueles que queimaram dinheiro como uma representação dos interesses desumanos e um símbolo de relacionamento antinaturais sabiam que ou economia abundante iria sempre produzir mais dinheiro ou que o sistema monetário seria substituído por algo mais idealista. Por mais bizarro que possa parecer hoje, naquela época era fácil acreditar nessas duas coisas ao mesmo tempo. O que antes era um artigo de fé para alguns de nós – até que ponto uma sociedade pós-penuria baseada em brincadeira e Eros era (ou é) possível – é, hoje, uma área para investigação e pesquisa. Certamente os privilégios econômicos que deram a juventude ocidental dos anos 1960 a possibilidade de sonhar sonhos assim têm relação com os problemas ambientais, a realidade de pobreza de uma economia global cada vez mais integrada e as políticas econômicas esmagadoras de consolidação empresarial e capitalismo desenfreado. Tanto os estilos quanto os conteúdos do período radical da contracultura moderna permanecem conosco hoje. Na verdade , a maior parte dos episódios contraculturais bem-sucedidos são medidos contra a extremidade dessa época. Espera-se que, no futuro , se um movimento contracultural de massas parecer prestes a atingir algum tipo de extraordinária transmutação de uma grande nação-estado ou de todo planeta, ela evite os erros que aqueles brilhantes mas confusos experimentadores cometeram o decorrer da história.
Contracultura Através dos Tempos – Ken Goffman e Dan Joy