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ECOLOGIA POLITICA DO DESENVOLVIMENTO DA


ÁGUA E A ENERGIA NO BRASIL:

AS ENCHENTES E O DESASTRE ECO-POLITICO NA BACIA


DO RIO SÃO FRANCISCO PODEM SE REPETIR NA
PLANICIE INUNDAVEL AMAZONICA

Camilo Torres Sánchez1

SUMARIO

0. INTRODUÇÃO 2

1. A PLANÍCIE INUNDÁVEL AMAZÔNICA E O RIO SÃO FRANCISCO 2

2. O DESASTRE CLIMÁTICO ERA PREVISIVEL: A POSIÇÃO DOS CIENTISTAS E


ENGENHEIROS 3

3. AS CARACTERISTICAS DO DESASTRE E A IMPREVIDENCIA DOS 5

GOVERNANTES E TECNOBUROCRATAS 5

4. A CULTURA DO DESASTRE DA “SECA”: O LUCRO DO PODER E O PODER DO


LUCRO NA RELAÇÃO SOCIEDADE NATUREZA 8

5. A TRAJETORIA ATUAL DO DESASTRE ECO-POLITICO NA AMAZÔNIA 12

6. ÁGUA, ENERGIA E DESENVOLVIMENTO DA AMAZÔNIA 16

7. PARA QUE O DESASTRE ECO-POLÍTICO NÃO SE REPITA NA PLANÍCIE


INUNDÁVEL AMAZÔNICA 22

1
Biólogo, 34, mestre em planejamento do desenvolvimento e doutorando em desenvolvimento agricultura e
sociedade Universidade Federal Rural de Rio de Janeiro CPDA/UFRRJ.
2

0. INTRODUÇÃO

Durante quatro semanas, entre Janeiro e Fevereiro de 2004, tem se desatado no


nordeste brasileiro uma quantidade enorme de chuvas, que com o correr dos dias geraram um
desastre humano e ecológico, de proporções ainda não avaliadas pelo governo e a sociedade.
Este texto pretende mostrar desde a perspectiva da Ecologia Política do Desenvolvimento, que
este desastre não foi produto do azar; tem causas complexas porem racionais e que podem e
devem ser discutidas publicamente. Afirma-se aqui era um desastre passível de ser evitado
pelos mesmos cientistas, agentes e gestores que promoveram as alterações radicais das
paisagens nestas regiões nos últimos cinqüenta anos. Que tem se criado no nordeste um
discurso do desastre da “seca” que viabiliza ações políticas que suportam o poder e lucro de
grupos de cientistas, técnicos, políticos, empresários e meios de comunicação de massa.
Mostrara-se que os custos do desastre recaem maciçamente na população mais pobre da
região que sofre a discriminação dos cientistas, políticos, empresários e comunicadores. Se
mostrara que as trajetórias deste fenômeno de desastre ecológico e político podem reproduzir-
se nas bacias do rio Tocantins, Pará e Amazonas onde interesses destes grupos de poder e
lucro pretendem implantar vários projetos agro-industriais, hidrelétricos e de transporte
terrestre daqui a cinqüenta anos.

1. A PLANÍCIE INUNDÁVEL AMAZÔNICA E O RIO SÃO FRANCISCO

A bacia Amazônica estende-se por 3.889.489,6 km², representando um quinto de toda a


reserva de água doce do planeta. Seus rios estão condicionados ao regime das chuvas e
constituem praticamente as únicas vias de transporte dos habitantes locais. Existem mais de 20
mil km de vias fluviais navegáveis, ligando comunidades distantes na região. O rio Amazonas
é o segundo mais extenso do planeta e o primeiro em volume de água (100.000 m3). Nasce no
planalto de La Raya, no Peru, passando a se chamar Solimões quando entra em território
3

brasileiro. A partir da confluência com o rio Negro, nas proximidades da cidade de Manaus,
recebe o nome de Amazonas. Dos seus 6.515 km de extensão, 3.600 correm em território
brasileiro a uma velocidade de 2,5 km/hora, levando em seu leito toneladas de sedimentos
arrancados das margens, o que torna a sua coloração amarelada. Sua largura varia de 4 a 5 km,
chegando a alcançar 10 km em certos locais. A profundidade média do rio Amazonas chega a
quase 100 m. Entre seus mais de sete mil afluentes, os principais são os rios Madeira (que
percorre uma extensão de 3.200 km), o Xingu e o Tapajós, na margem direita; e os rios Negro,
Trombetas e Jari, na margem esquerda2

O Rio São Francisco tem como nascente a Serra da Canastra - Minas Gerais e sua foz
no Oceano Atlântico entre Sergipe e Alagoas, tem um comprimento de 2.700 km, a área da
sua bacia é 640.000 km2, ou seja, 64.000.000 há. Vazões observadas na estação de Traipu
(foz): média anual máxima: 5.244 m3/s; máximas mensais, da ordem de 13.743 m3/s, ocorrem
em março; média anual: 32.980 m3/s - corresponde a uma descarga média anual de 94 bilhões
de m3; média anual mínima: 1.768 m3/s;mínimas mensais, da ordem de 644 m3/s, ocorrem
em outubro.

A bacia do São Francisco possui uma área de 640.000 km2 e o curso principal do Rio
tem uma extensão de 2.700 km entre as cabeceiras, na Serra da Canastra, em terras do
município de São Roque de Minas, no estado de Minas Gerais, e a foz, no Oceano Atlântico,
entre os estados de Sergipe e Alagoas, onde se observa uma vazão média anual de 2.980 m3/s,
o que corresponde a uma descarga média anual da ordem de 94 bilhões de m3.

2
www.ana.gov.br, http://www.hidricos.mg.gov.br/in-bacia.htm
4

2. O DESASTRE CLIMÁTICO ERA PREVISIVEL: A POSIÇÃO DOS


CIENTISTAS E ENGENHEIROS

Observando as animações das imagens produzidas pelo CPTEC/INPE3, da primeira


semana de fevereiro, do deslocamento das massas de nuvens na América do Sul, os fenômenos
climáticos que atingem o Nordeste são: a ZCIT (Zona de Convergência Intertropical)
--composta de um aglomerado de nuvens distintas que trazem chuvas para as regiões Norte e
Nordeste do país—, a Frente Fria de nuvens do Sul --que está se deslocando com facilidade
para o Nordeste--, estas dois retiram água do Atlântico Sul que esta com temperatura mais
quente do normal; e as massas da Alta Bolívia --que transportam a umidade retida nos Andes
para o Amazonas e para as regiões Centro-Oeste e sertão do Nordeste. Estas massas de nuvens
estão jogando seis vezes mais água do normal no sub-continente sul-americano segundo o
ministro da integração nacional Ciro Gomes e o diretor do Inmet Antônio Divino Moura para
a Folha de São Paulo4.

Os meteorologistas dizem que "Geralmente esses fenômenos acontecem em épocas


diferentes do ano. O encontro dos três gera toda essa instabilidade climática que está
acontecendo no Nordeste", explica a meteorologista do Inmet, Ivanete Ledo (Instituto
Nacional de Meteorologia) à Folha de São Paulo. Isso pode ser verdade mas, fica a pergunta
sobre, há quanto este padrão fora do comum de comportamento está-se gestando, foi há dois
meses, há um mês, três semanas, e porque os técnicos do Inmet e do Inpe não deram a alerta a
sociedade a tempo para evacuar as áreas em risco5.

É equivocado dizer que três fenômenos climáticos tem se juntado para provocar as
chuvas e enchentes no Nordeste. É muito possível que isto tenha acontecido outras vezes, nos
milênios que o rio São Francisco tem drenado desde seu nascimento, que estende-se desde as
cabeceiras, na Serra da Canastra, município de São Roque de Minas. E é bastante possível que
isto tenha já acontecido nos 50 anos em que a bacia tem sido objeto de monitoramento pela
Codevasf e outros órgãos de governo. Como nunca foi comunicado à população o ocorrer
destes fenômenos, sofre agora com as enchentes, acreditando que seja um castigo do “céu”.
3
Imagem satélite Goes-12 Channel 4, 2004/ 01-02 / 20-5. http://satelite.cptec.inpe.br/
4
http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u89768.shtml.
5
http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u89517.shtml
5

O que realmente existe de novo e é a causa principal do desastre eco-político6 é a


existência do conjunto de barragens e hidrelétricas sob o rio que impedem o escoamento da
água. Também o desflorestamento generalizado da bacia do rio para o uso agrícola intensivo
que reduz o armazenamento da água na vegetação e no subsolo. E o assoreamento do rio
produzido como resultado conjunto dos dois anteriores fatos7.

3. AS CARACTERISTICAS DO DESASTRE E A IMPREVIDENCIA DOS

GOVERNANTES E TECNOBUROCRATAS

Os efeitos das chuvas e das enchentes sentiram-se em 295 municípios de 15 estados


brasileiros, atingidos pelas chuvas segundo a Codevasf. Entre eles no Alagoas - Santana do
Ipanema e Poço das Trincheiras. Bahia- Alagoinha, Cardeal da Silva e Juazeiro. Ceará -
Arneiroz, Barbalha e Salitre.Paraíba - Gurinhém e Mulungu; em Pernambuco, Águas Belas,
Floresta, Orocóe Petrolina. Piauí –Picos e Itanópolis-. Rio Grande do Norte- São José do
Campestre e Nova Cruz. Sergipe –Poço Redondo8.

Por exemplo na cidade de Petrolina (PE), situada exatamente no final da hidrelétrica de


Sobradinho, onde a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do
Parnaíba possui alguns dos seus projetos mais importantes foi afetada mostrando o efeito
negativo destas atividades de irrigação sob a paisagem regional e a imprevidência com que
estas obras foram feitas. No final de semana, o grupo de trabalho coordenado pela
superintendente Isabel Cristina fez uma avaliação do fenômeno causado pelo excesso de
chuvas e pelos problemas de drenagem existentes no município.

Nesta avaliação os próprios técnicos da Codevasf reconhecem que o fenômeno da


inundação, com conseqüências danosas à população do município de Petrolina, está
6
A ocorrência de um evento extremo junto a uma situação de vulnerabilidade que excede a capacidade de uma
comunidade para sobreviver a seus efeitos é um desastre. Depois de um desastre o desenvolvimento de uma
comunidade seria o processo que contribui a reduzir esta vulnerabilidade. Assim o tratamento de um desastre
deve estar associado dentro de um projeto mais amplo de desenvolvimento local e regional.
7
http://www.mabnacional.org.br/site/historia.html
8
http://www.codevasf.gov.br/noticias/artigo_197_3SREmergencia.htm
6

relacionado principalmente aos aspectos de precipitação pluviométrica e de drenagem.


Drenagem que foi objeto de modificações radicais nos últimos anos com a instalação dos
perímetros de irrigação.

Estes técnicos indicam que a média histórica das precipitações pluviométricas do


município no mês de janeiro de um ano normal, é da ordem de 72 lt/m2, enquanto em janeiro
de 2004, foi registrado um índice que ultrapassou os 618 lt/m2. Este fato indica que, além do
volume de chuvas ter sido atípico, estas concentraram-se num curto período de 15 dias,
ultrapassando a “capacidade natural de drenagem” (grifo nosso) da microbacia constituída
pelos três principais cursos de águas que atravessam a zona urbana da cidade: riachos Porteira,
Morrinhos e um talvegue que conflui para o dreno artificial construído na zona nordeste,
envolvendo inclusive, a malha de drenagem superficial do Perímetro irrigado Senador Nilo
Coelho, que há 15 anos atende às demandas operacionais para que foi construída. O que eles
não mostram é que este talvegue e as obras do Perímetro irrigado foram as responsáveis
principais da redução da capacidade de drenagem das microbacias.

Outro fator a isto relacionado, e mencionado pelos técnicos no relatório, diz respeito
aos excessos de aterros e construções de obras de arte (pontes, pontilhões, bueiros, etc) sub
dimensionadas, que estrangularam os referidos cursos naturais. A isto se agrega o fato da
ampliação do loteamento urbano em áreas de risco, cujos terrenos foram rebaixados pela
retirada de material para construção da cidade. Este loteamento e a extração de materiais
nunca foram objeto de controle efetivo pelo governo municipal. Todos estes aspectos, juntos,
concorreram para as inundações de partes dos bairros. A concepção e a implantação da
macrodrenagem para a cidade de Petrolina tornam-se imprescindíveis e prioritárias, em face
da velocidade do crescimento urbano em todas as direções possíveis. A macrodrenagem se
resume na ordenação dos cursos de água para os talvegues naturais e/ou coletores superficiais
edificados para facilitarem o escoamento das águas de uma microbacia hidrográfica.

Estes técnicos da Codevasf, se lavam as mãos quando ressaltam que a malha de


drenagem do Perímetro Irrigado Senador Nilo Coelho foi dimensionada com eficiência para
drenar as águas que são sobras da irrigação, mas não para drenar as águas que de forma natural
7

vem das cabeceiras do Rio São Francisco. A tecnificação da agricultura irrigada permitiu a
ampliação de áreas plantadas, principalmente com fruticultura, em áreas no entorno da cidade,
impedindo a existência de uma vegetação protetora das margens dos rios que impeça a erosão
e facilite o escoamento freático das águas superficiais.

Estes mesmos técnicos afirmam que o volume de escoamento da rede de drenagem,


mesmo nos períodos de maior intensidade de irrigação, não afeta o sistema de drenagem atual
da cidade, muito menos contribui para a formação das lagoas hoje existentes na zona urbana.
Sem apresentar nenhum estudo da situação atual e sem atender a situação emergente e real de
que estes drenagens de irrigação ajudaram a agravar a situação da enchente.

Os técnicos reconhecem que o plano diretor de macro drenagem urbana da cidade de


Petrolina, não se encontra concluído. Tal projeto deverá atender a drenagem natural das bacias
de contribuição. Aceitando uma situação esdrúxula onde se privilegia o interesse econômico
do agro-negocio por encima do interesse da população urbana e rural quando se trata de
destinar recursos para a proteção ambiental das bacias. A CODEVASF, cinicamente afirma
que está atenta para as ocorrências no interior do município Petrolina e demais municípios da
bacia do São Francisco, em Pernambuco, para avaliar o estado das obras construídas -
barragens, açudes, sistemas de abastecimentos de água e estradas vicinais, com o objetivo de
promover, através do Ministério da Integração as ações suplementares da Defesa Civil. Porque
não previram isso com anterioridade.

Os mesmos técnicos que ajudaram a criar o problema aplicando modelos de engenharia


obsoletos agora assinam convênios para avaliar os danos e reproduzir assim de novos o
modelos antigos de transporte rodoviário em detrimento do transporte hidroviario. É cínica a
atitude presidente da Companhia, Francisco Guedes, quando afirma que “...coordena o grupo
de trabalho que planeja e executa as medidas emergências para conter as águas que podem
inundar os perímetros irrigados da Companhia, causando prejuízos à empresa e aos
produtores”, sem pensar nas conseqüências para o restante da população da bacia do rio São
Francisco.
8

O rio São Francisco tem drenado desde seu nascimento que estende-se desde as
cabeceiras, na Serra da Canastra, município de São Roque de Minas, até a cidade de Pirapora
(MG), abrangendo as sub-bacias dos rios das Velhas, Pará e Indaiá, além das sub-bacias dos
rios Abaeté a oeste e Jequitaí a leste, que conformam seu limite, sendo que o monitoramento
hídrico do rio somente data de 1960.

4. A CULTURA DO DESASTRE DA “SECA”: O LUCRO DO PODER E O


PODER DO LUCRO NA RELAÇÃO SOCIEDADE NATUREZA

Para exemplificar a construção de discursos interessados sobre os problemas de água e


energia no Brasil vai-se analisar um texto jornalístico publicado no mesmo dia em que o
presidente do Brasil Lula da Silva visitava os atingidos pelas enchentes do rio São Francisco e
publicado na versão eletrônica do jornal O Globo9.

Intitulado “Os riscos na energia o colunista Xisto Vieira Filho recorre os assuntos que
se segundo ele se relacionam com a matriz energética e o desenvolvimento brasileiro no
futuro. Ele afirma que “O consumo de energia elétrica no Brasil cresce a taxas elevadas em
relação ao PIB desde 1980. Esta tendência foi interrompida em 2001, devido ao racionamento,
mas será retomada tão logo ocorra o reinicio do crescimento econômico. Em qualquer hipótese
de expansão da economia a partir de 2004, o país chegará ao fim da década com uma demanda
maior que a oferta, exigindo novos investimentos no setor.”

Sem refletir em nenhum momento como a política de racionamento elétrico poderia


converter-se de uma política de conjuntura como resposta à ausência de eletricidade em uma
política permanente de poupança de eletricidade com resultados muito importantes na
mudança cultural e na proteção do recurso água e energia no Brasil. O crescimento
econômico pode ser alcançado sem construir novas barragens e consumir mais energia de
origem hidrelétrica, apelando para as energias alternativas, e sem produzir e consumir
produtos e serviços ineficientes energeticamente.

9
O Globo Online www.oglobo.com.br
9

Concorda-se junto com o articulista que “Com um sistema 86% baseado na geração
hidrelétrica, o Brasil também corre riscos elevados de sofrer com a falta de energia devido a
estiagens prolongadas.” Por isso deve-se mudar a outras fontes de energia diferentes das
originadas no carvão, gás, petróleo e as barragens hidrelétricas, como a energia eólica,
maremotriz e solar. Evitando os riscos de enchentes e desastres ecológicos como os que
aconteceram no vale do rio São Francisco no inicio de 2004, produzidos pela construção de
hidrelétricas.

Segundo Aline Monteiro, em setembro de 2003 foi implantado em Maracana no Pará,


o Projeto São Tomé, fruto de uma parceria entre Universidade Federal do Pará, Petrobrás e
Fundação Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), que está gerando energia eólica, solar e
de um gerador a diesel para as cerca de 200 pessoas da comunidade. É um sistema híbrido de
abastecimento que capta a energia através de uma turbina eólica com potência de 10
quilowatts e de um painel fotovoltaico de 3,2 quilowatts, além de um motor a diesel de 20
KVAs. O vento e o sol alimentam as baterias que fornecem energia para as casas. O gerador a
diesel funciona como reserva. O consumo é pago previamente, com um sistema similar aos
cartões de telefone celular pré-pago. Cada cartão dá direito a 30 quilowatts e custa R$ 12. Em
média, cada família tem usado um cartão por dois meses. Para o ano que vem, está sendo
pensada uma segunda etapa do projeto, que incluiria a eletrificação externa e a instalação de
um poço comunitário com água puxada por uma bomba elétrica alimentada pelo sistema. A
comunidade ainda não tem abastecimento de água. A casa de força instalada às margens do rio
Maracanã abriga os equipamentos que são operados por dois membros da comunidade, que
deixaram a pesca para lidar com os geradores depois de passarem por um treinamento
ministrado pelos membros do Grupo de Estudos e Desenvolvimento de Alternativas
Energéticas (Gedae) da UFPA, responsável direto pelo projeto. O custo total de implantação
do projeto foi de cerca de R$ 400 mil, sendo que foi submetido à avaliação em 2001 e
começou efetivamente em janeiro de 2002. Mas a verba só foi liberada mesmo em maio do
ano passado. O estudo de viabilidade realizado pelo Gedae apontou que o custo seria mais ou
menos equivalente ao da implantação do sistema convencional de energia, mas a perspectiva é
10

de que a energia de fontes renováveis possa ser uma alternativa mais viável para outras
comunidades isoladas. Energia do sol e do vento abastece comunidade10.

Discorda-se com o articulista quando afirma que “O racionamento sai caro para o país,
mas existe uma alternativa economicamente viável e adequada para evitá-lo: aumentar a
participação das termelétricas na matriz energética.” Pois o racionamento foi uma
oportunidade interessante de gerar consciência civil sobre o problema do aquecimento da
atmosfera e os modos de produzir, consumir e viver ineficientes e ambientalmente
inaceitáveis, como seria o caso dos Perímetros Irrigados no rio São Francisco. As
termelétricas são sujas, poluidoras, ineficientes, caras, reproduzem um modelo centralizador
de geração de energia, foco de corrupção política e utilizam combustíveis importados que vão
acabar num futuro não muito longínquo.

O articulista esta equivocado quando afirma que “Para ter o sistema elétrico ideal, de
acordo com o estudo - O risco de déficit e o papel da geração térmica no Brasil: qual
composição otimizada do parque gerador -, realizado pela Tendências Consultoria, da qual são
sócios Mailson da Nóbrega e Gustavo Loyola, a participação das termelétricas deveria passar
dos atuais 16% para, no mínimo, 22,6%; e dependendo da utilização de parâmetros mais
realistas na comparação hidrelétrica versus termelétrica, o percentual poderia chegar a 33%”

Propõe-se que, este esforço deve estar orientado a fazer que o 33% da energia gerada
no Brasil seja de origem alternativa, de pequenas hidrelétricas que não demandem de grandes
obras de barragem e inundação, geradores eólicos, maremotrizes e solares, fáceis de
administrar no nível local e que alternativamente vão desconcentrar o poder de decisão sobre o
desenvolvimento do plano nacional para o plano local, contribuindo para a formação de
pequenas e medias empresas nos municípios brasileiros fora das grandes metrópoles como Rio
de Janeiro, São Paulo ou Belo Horizonte, já saturadas e cheias de problemas ambientais e
sociais.

10
26/11/2003 Local: Belém – PA Fonte: O Liberal Link: http://www.oliberal.com.br/index.htm
11

Afirmar como o articulista o faz que “... a tendência é de redução do preço do gás
natural e aumento dos custos das hidrelétricas com transmissão a longas distâncias, além da
adoção de metodologia mais justa para a tarifa pelo uso da transmissão.” É propor um cenário
falacioso pois o preço da energia no mercado mundial só tem a subir pela crise no Oriente
Meio e América Latina e o esgotamento geral do petróleo e do carvão. È verdade que o preço
da transmissão vai subir pela grandes distancias de transporte da energia, só que o custo de
construir uma termelétrica, sua rede de transmissão e o combustível para funcionar, é muito
maior que o custo de instalar uma rede desconcentrada de geração local baseada nas energia
alternativas que não tem custo em dólares; já que sua fonte de potência é de livre acesso, o
vento a energia do sol e das mares.

Segundo este autor “O sistema de geração do país foi baseado predominantemente em


hidrelétricas devido às condições geográficas, sociais e econômicas do passado.” O autor faz
tábua rasa dos desastres ambientais, sociais que este modelo autoritário de desenvolvimento
deixo em cidades como São Paulo e as cidades do vale do rio São Francisco afetadas pela
imprevidência do planejamento tecnoburocratico da ditadura militar.

Deve-se concordar com o autor quando afirma que “... hoje, porém, o cenário é outro.
Os locais propícios para a construção de hidrelétricas são cada vez mais distantes dos centros
de consumo, exigindo investimentos maiores em linhas de transmissão. Pesa ainda o alto
impacto ambiental desse tipo de investimento e o custo das obras e de desapropriação das
terras alagadas. Isso significa que a capacidade de armazenamento tende a se reduzir nos
futuros reservatórios.”

A participação das termelétricas na matriz energética foi ampliada após o blecaute de


1999, supostamente para garantir maior confiabilidade ao sistema. As térmicas tornaram-se
importante alternativa, também, porque sua competitividade aumentou, devido à ampliação da
oferta do gás natural decorrente das recentes descobertas de novas reservas próximas dos
centros consumidores. O que não é dito é o cumulo de fatos de afetação ambiental e corrupção
que acompanharam este processo envolvendo multinacionais como a ENRON e a AES, e os
choques políticos entre Brasil e Estados Unidos que a extração do gás natural da Bolívia esta
gerando que fazem instável esta fonte de energia.
12

Deve-se discordar como o governo atual que no modelo setorial preparado reconhece a
necessidade de aumentar a segurança do sistema através de maior participação de geração
termelétrica. A tendência deve ser a geração de eletricidade utilizando fontes de energia
alternativas, que desconcentrem a oferta e o poder político e econômico que advém da gestão
de macro-projetos de desenvolvimento energético, com eficiência e protegendo o meio
ambiente.

Para finalizar deve-se indicar que XISTO VIEIRA FILHO é o atual presidente da
Abraget, que é a Associação Brasileira de Geradoras Termelétricas. Como este homem pode
escrever este texto defendendo sua própria associação sem manifestarlo explicitamente no
texto. Só consultando no sitio de internet da Abraget foi possível saber que ele era o presidente
deste órgão11.

5. A TRAJETORIA ATUAL DO DESASTRE ECO-POLITICO NA


AMAZÔNIA

Segundo a jornalista do jornal O Liberal de Belém do Pará Renata Gobatti, de Tucuruí


as Chuvas já preocupam Eletronorte pois as “comportas da usina hidrelétrica de tucuruí estão
sendo abertas gradualmente”12 . Apesar do prolongamento da estiagem, verificada este ano, o
volume de água das chuvas já superou a média de 2003, começando a causar preocupação para
a Eletronorte. Se as cabeceiras do rio Tocantins continuarem a encher com a mesma
intensidade dos últimos dias, a região pode sofrer enchentes que há anos não são registradas.

Segundo o técnico de operação da estatal, José Batista Rocha, "pelas nossas previsões,
vamos ter uma cheia maior que a do ano passado". A análise foi feita comparando e
acompanhando o ritmo de subida do nível da água em sete dias corridos. As bacias
hidrográficas de Goiás, Minas Gerais, Tocantins e Mato Grosso influenciam diretamente na
cheia do Lago. A verificação feita é que o nível da montante (área do Lago de Tucuruí) está

11
www.abraget.com.br
12
O Liberal Online www.oliberal.com.br
13

aumentando cerca de 60 centímetros por dia, enquanto a jusante (no Rio Tocantins) está
crescendo em menor proporção, mas também de forma rápida, em 40 centímetros diários.

No primeiro dia foram abertas quatro comportas e já são 16 ao todo. Porém, esta
abertura máxima não supera 2,25 metros, dos 19 metros possíveis, liberando cerca de 6 mil
metros cúbicos por segundo. Para o prefeito municipal de Tucuruí, Parsifal Pontes, está
começando a ficar preocupante este nível. "A notícia é de muita chuva na cabeceira, e vem
mais chuva por aí", declara.

Como resultado disso o Rio Tocantins sobe quase 13 metros e deixa Marabá à beira da
calamidade. As chuvas da madrugada de segunda-feira, 16, acirraram ainda mais o problema
da cheia em Marabá. Desde o último sábado, o nível do rio Tocantins subiu 27 centímetros.
Hoje pela manhã, o Corpo de Bombeiros informou que o leito do rio já está 12,70 metros
acima do nível normal. A previsão da Eletronorte é de mais chuvas para o período de 21 a 25
de fevereiro. Será decretado estado de calamidade pública pela Defesa Civil caso o nível do
rio ultrapasse a marca dos 13 metros.

Para o meteorologista José Raimundo, do Instituto de Meteorologia do Pará, após


alguns dias, a região sul do Pará terá novos impactos em função da continuidade das chuvas
nas cabeceiras dos rios Araguaia, Itacaiunas e Tocantins. Até o momento, o volume já
ultrapassa os 300 milímetros. José Raimundo arrisca dizer que as chuvas só darão uma trégua
na região a partir de meados do mês de março.

Uma suposta ação integrada entre os governos estadual e municipal está em andamento
para atender as 1.018 famílias desabrigadas até o momento. Segundo informações do relatório
da “Operação Enchente”, da Defesa Civil, os números confirmam que 4.935 pessoas estão
ocupando os espaços dos 36 abrigos improvisados na região. Em Tucuruí, 50 famílias já estão
desabrigadas, em Parauapebas, 100; em Palestina, 30 famílias e em São João do Araguaia, 96.
Em Marabá, os bairros do Santa Rita, Santa Rosa, Vila do Rato, Vila Socó e Francisco Coelho
foram os mais atingidos.
14

Segundo o capitão Edvaldo, do Corpo de Bombeiros, os números oficiais de


desabrigados crescem diariamente. Integrantes do governo e da Defesa Civil continuam em
alerta e visitaram, ontem, os municípios de Palestina do Pará e São João do Araguaia para
levar apoio moral às vítimas da enchente. Em Palestina, as famílias de ribeirinhos tiveram as
suas lavouras inundadas pelo rio. O Corpo de Bombeiros usou uma lancha para fazer a entrega
dos mantimentos doados pelo governo do Estado. Mais de 1.500 cestas básicas já foram
distribuídas. A última distribuição foi entregue no bairro da Feirinha, na Marabá Pioneira,
onde 120 famílias receberam cestas básicas e foram cadastradas pelos Bombeiros. À tarde, a
Defesa Civil distribuiu mais 120 cestas para os desabrigados que estão alojados no Clube de
Mães, no centro da cidade.

Além das cestas básicas e da infra-estrutura necessária para atender a população


prejudicada pelas cheias, o governo está disponibilizando assistência médica, controle
epidemiológico e vigilância sanitária. A prefeitura está fazendo o levantamento que vai indicar
o número de pessoas que precisam receber redes, lençóis e colchonetes da Defesa Civil. Nos
próximos dias, um novo lote de medicamentos será enviado a Marabá pela Secretaria
Executiva de Saúde (Sespa). O governo do Estado também continua trabalhando no
atendimento das famílias nos municípios de Parauapebas, Tucuruí, Altamira, Itaituba, entre
outros que se encontram ou em situação de emergência ou em estado de alerta.13

Somente na vila Porto da Balsa, a cerca de 40 quilômetros da sede do município, a


tendência é que pelo menos 200 famílias tenham que ser removidas de suas casas. Na manhã
de ontem, Valciney Gomes recebeu a visita de uma equipe da Defesa Civil do Estado,
coordenada por Regina Telma Martins. Ela percorreu a orla de Palestina, onde visitou algumas
famílias desabrigadas. Regina e sua equipe estão percorrendo os vários municípios que estão
em situação de emergência. O caso mais crítico, segundo ela, está sendo registrado em
Marabá. No município o número de desabrigados já atinge 1.018 famílias, cerca de 4.935
pessoas. Este o número oficial monitorado pela Defesa Civil, número que pode ser bem
superior levando-se em conta que muitas famílias mudam por conta própria e estão em casas
de parentes ou amigos, ou mesmo alugaram algum imóvel temporariamente.
13
http://www.oliberal.com.br/atualidade/default7.asp#n1
15

“Estamos com uma ação emergencial do governo do estado, atendendo essas famílias,
prioritariamente as desabrigadas”, disse Regina Telma a O LIBERAL em Marabá. Ela
confirmou que para Palestina do Pará foram destinados inicialmente 500 quilos de alimento,
para atender famílias cadastradas pelo Corpo de Bombeiros que está com uma equipe há duas
semanas no município, em trabalho de prevenção junto aos ribeirinhos. De Palestina, a equipe
seguiu para São João do Araguaia, onde também seria feita a distribuição de cestas básicas
para outras famílias desabrigadas pelo rio Araguaia.

Na avaliação de Valciney Gomes, a situação mais crítica é a dos ribeirinhos que


moram em vilas ao longo da orla ribeirinha do rio alagado. Nesses locais, disse o prefeito,
muitos colonos estão perdendo seus roçados, de milho, arroz e feijão, entre outras culturas. “O
prejuízo está sendo grande. A água está cobrindo tudo”, disse o prefeito. Em alguns Projetos
de Assentamento, a situação também é crítica.

Em Marabá, enquanto aumenta o número de desabrigados na Marabá Pioneira e alguns


bairros da Nova Marabá, a prefeitura é obrigada a preparar novos abrigos em pontos
estratégicos da cidade. O governador Simão Jatene continua enviando ajuda para os flagelados
através de secretarias específicas e da Defesa Civil Estadual. Inclusive medicamentos já estão
sendo encaminhados para reforçar a Secretaria Municipal de Saúde de Marabá.

Os municípios de São Félix do Xingu, Tucumã, Ourilândia do Norte e Água Azul do


Norte, no sul do Pará, correm o risco de isolamento e desabastecimento em virtude das fortes
chuvas que caem na região. Vários trechos da PA-279 estão com atoleiros e trasbordamento de
córregos e rios. Já há sinais de estocagem de gêneros de primeira necessidade pela população
que teme até o comprometimento do fornecimento regular de gêneros alimentícios. Os
estoques de combustível e de gás de cozinha começam a atingir níveis preocupantes e o
racionamento é eminente.14

14
Val-André Mutran, de Xinguara . http://www.diariodopara.com.br/Regional/Re_01.asp
16

Os motoristas que saem de Xinguara em direção aos quatro municípios terão que
enfrentar um grande atoleiro próximo de Água Azul do Norte, “quem conseguir vencer esse
obstáculo terá outra surpresa desagradável perto do km 50, à altura do rio Karapanã, em São
Félix do Xingu, que transbordou”, preveniu Antônio Machado Lopes, 53, motorista de
caminhão que está preso à beira da ponte improvisada sobre aquele rio com uma carga de
secos e molhados que corre o risco de estragar.

6. ÁGUA, ENERGIA E DESENVOLVIMENTO DA AMAZÔNIA

Segundo as Centrais Elétricas do norte do Brasil S/A Eletronorte, no seu documento,


Cenários Sócioenergéticos da Amazônia 2000-2020: pode-se considerar que os dez atores com
maior influência sobre a região são: Órgãos Federais de Desenvolvimento; Estatais;
Empresários Nacionais da Agroindústria; Órgãos Federais de Desenvolvimento (internos);
Agências de Desenvolvimento Sub-Regionais; Empresários Nacionais; Instituições
Multilaterais de Financiamento; Empresários Locais; Empreiteiras; e Ecologistas.

Deste ponto de vista, o Estado (setor público) constitui o mais importante ator presente
na Amazônia e com grande capacidade de influenciação no seu futuro, aparecendo nos dois
primeiros lugares – Órgãos de Desenvolvimento e Estatais - e incluindo ainda as Agências de
Desenvolvimento Sub-Regionais, que têm um caráter misto (público e privado).

Os Empresários Nacionais também possuem uma posição destacada na hierarquia,


especialmente os do Setor Agroindustrial e as Empreiteiras. No geral, o maior destaque cabe
aos atores externos, ressaltando, além das Instituições Públicas e do Empresariado, os
Ecologistas e as Instituições Multilaterais de Financiamento.

O único ator rigorosamente interno entre os dez mais influentes é o Empresariado


Local, na medida em que os Órgãos Federais de Desenvolvimento têm uma forte ligação com
17

o Governo Federal e as Agências de Desenvolvimento Sub-Regionais dependem de decisões


dos Agentes Públicos Federais e dos Empresários Nacionais15.

Nesse contexto de atores o debate acerca das causas e soluções para a crise energética
corre o grande risco de ficar dominado pela perspectiva de curto prazo do governo, submetido
a uma verdadeira chantagem do imediato. O Governo anterior parecia querer transformar a
crise de 2001 em pretexto para aprofundar a opção privatizante. Através da chamada "garantia
cambial", que significa indexar as tarifas ao câmbio. Promete-se comprar toda a energia que
for produzida, ao preço que for solicitado.16

Para a Amazônia, em razão do grande potencial representado pela maior rede


hidrográfica do Planeta, foram projetados inúmeros reservatórios mas apenas cinco estão em
operação, sendo um de grande porte (Tucuruí) e os demais de média e pequena capacidade
geradora (Curuá-Una, Coaraci Nunes, Samuel e Balbina).

A geração centralizada de grandes blocos de energia aumentou as desigualdades


sociais e econômicas na região pois a oferta seguiu o mesmo modelo da distribuição da renda
isto é, foi direcionada apenas para uma parte da sociedade. Essa opção beneficiou o
denominado "mercado capital", que inclui as mais importantes cidades amazônicas, e os
projetos eletrointensivos localizados no interior mas com grande investimento de recursos.
Esse conjunto composto pelos grandes consumidores têm hoje a questão energética resolvida
ou pelo menos encaminhada no Plano Decenal 2000-2009 da Eletrobrás.

Nos anos 60-70 o Brasil definiu seu modelo para geração de energia e a priorização da
hidroeletricidade como principal fonte geradora, desencadeou a construção de várias barragens
que deram ao país uma matriz com cerca de 91% de energia hidráulica. Esta opção implica a
elevação das tarifas, com graves ônus tanto para os consumidores residenciais quanto para o
desenvolvimento do país e da Amazônia. Implica também a entrega a interesses privados de

15
Centrais Elétricas do norte do Brasil S/A Eletronorte, Cenários Sócioenergéticos da Amazônia 2000-2020:
Contexto Nacional, Versão Técnica Revisada e Atualizada, Fevereiro de 2001, 105 p.
16
CARLOS B. VAINER é professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ;
CÉLIO BERMANN é professor do Programa de Pós-Graduação em Energia da USP.
http://alainet.org/active/show_text.php3?key=1516
18

importante patrimônio público, representado tanto pelas empresas estatais ainda não vendidas
quanto pelas águas e pelo potencial hidrelétrico.17

De outro lado, muitos supostos “críticos” do projeto privatizante têm defendido o


modelo centralizado de grandes barragens hidrelétricas, que alcançou seu ápice sob a ditadura
militar e cujas conseqüências principais foram o aprofundamento das desigualdades sociais e
regionais e a privatização da rede de distribuição de energia na região. Um milhão de pessoas
deslocadas compulsoriamente por grandes barragens engrossaram o êxodo rural e o
crescimento da miséria nas favelas e periferias urbanas. Isso para não falar da ocupação
violenta dos territórios de povos indígenas; da destruição acelerada de recursos ambientais; da
transformação das empresas estatais em mecanismos de poder e corrupção, operando à
margem de qualquer controle social, um certo tipo esdrúxulo de “privatização”.

Esta infra-estrutura da produção e distribuição de energia não atende ao "mercado


centralizado" da região que inclui as sedes municipais e vilarejos de maior porte, onde a
solução ficou por conta dos Estados que, por falta de um Plano melhor elaborado, optaram
pelo uso de geradores movidos a derivados de petróleo. E deixa de fora por completo o
"mercado disseminado" onde moram, cerca de 50% de amazônidas morando em comunidades
isoladas, o modelo não tinha e continua hoje sem ter qualquer projeto ou solução. Este modelo
operava segundo dois princípios básicos: em primeiro lugar, um sistema altamente
centralizado; em segundo lugar, a dependência quase exclusiva da hidreletricidade e, mais
particularmente, de megaempreendimentos hidrelétricos.

Parte deste "mercado centralizado" vai continuar com problemas muito graves pois a
deficiência tem causas estruturais que não estão sendo totalmente solucionadas. No interior do
Estado do Amazonas por exemplo, o sistema isolado de geração depende de unidades térmicas
movidas a diesel ou óleo combustível cujo custo de aquisição é subsidiado em cerca de 60%
pela Conta de Consumo de Combustível (CCC). Por causa das distâncias que podem significar
17
CARLOS B. VAINER é professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ;
CÉLIO BERMANN é professor do Programa de pós-graduação em Energia da USP.
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19

o gasto de até 2 litros de combustível para cada litro transportado, a produção de energia nas
80 principais localidades do interior amazonense, têm um custo médio de R$230,00/MW,
muito acima do poder aquisitivo dos consumidores da região. Esse valor médio contudo não
reflete a realidade estadual pois ele esconde os números extremos que vão de R$40,00/MWh
em Manaus, à R$827,61/MWh em Campinas, uma pequena cidade do interior do Estado.

O governo do Amazonas tem sinalizado como solução para este "mercado


centralizado", a substituição dos derivados de petróleo pelo gás natural que, mesmo sendo o
menos poluente dos combustíveis fósseis, vai promover a emissão de gases do efeito estufa e
construção de gasodutos de muito impacto ambiental. Essa solução, embora tenha aspectos
favoráveis do ponto de vista político e econômico, não é a mais inteligente e criativa do ponto
de vista ambiental tendo em vista as possibilidades reais do uso de Pequenas Centrais
Hidrelétricas e da utilização, em grande escala, dos óleos vegetais, ou a energia eólica e solar.

A atual tentativa de resgatar o modelo dos anos 70 e 80 está fundada na idéia de que
um sistema nacional interligado, estruturado sobre grandes barragens hidrelétricas, é eficiente,
barato e pouco impactante do ponto de vista ambiental. Esta idéia cai por terra quando se lê o
relatório "Barragens e Desenvolvimento: Um Novo Modelo para a Tomada de Decisões",
lançado em novembro de 2000 pela Comissão Mundial de Barragens, organismo independente
do qual participaram representantes de diferentes setores envolvidos com o tema18.

Após dois anos consagrados a uma ampla avaliação das grandes barragens no mundo, a
comissão concluiu: a) grandes barragens custam muito mais que o previsto e produzem menos
energia que o planejado; b) seus impactos ambientais são enormes e irreversíveis; c) além de
terem deslocado de 40 a 80 milhões de pessoas em todo o mundo, provocaram o
empobrecimento nas regiões onde se formaram imensos lagos artificiais.

Mais importante: o relatório concluiu que a economicidade de grandes barragens


"permanece imponderável, pois os custos ambientais e sociais foram mal contabilizados". E

18
World comission of dams (Ed.). Dams and Development: A New Framework for Decision-Making, 2000.
http://www.dams.org/report/
20

acrescentou: "a não- contabilização desses impactos e o não-cumprimento dos compromissos


assumidos levaram ao empobrecimento e sofrimento de milhões de pessoas".

Como se vê, o mundo vem aprendendo com o fracasso do modelo baseado em grandes
barragens. Já se encontra em discussão no Congresso americano projeto para que os
representantes dos Estados Unidos em organismos multilaterais votem contra qualquer
proposta de construção de barragens que não considere as recomendações da Comissão
Mundial de Barragens.

E o que recomendou a comissão? Em primeiro lugar, que todas as alternativas sejam


profundamente estudadas, tanto para economizar ou produzir energia quanto para promover a
oferta de água e o controle de cheias. Em segundo lugar, que nenhuma barragem seja
construída sem a aceitação pública das populações atingidas. 19

O chamado "mercado disseminado" lamentavelmente, continua como um grande e


difícil problema. As estimativas brasileiras atuais apontam a existência de 20 a 25 milhões de
pessoas sem oferta de energia com 20% delas vivendo na Região Norte (que é diferente da
Amazônia Legal) em cerca de 40.000 comunidades, das quais 7.500 no Estado do Amazonas.

Uma questão importante ligada a este "mercado disseminado" é o fato de as


comunidades isoladas amazônicas praticarem uma economia significativamente baseada na
troca de produtos da floresta por produtos industrializados. Sem economia monetarizada, não
há como remunerar o fornecimento de bens e serviços, razão pela qual a energia nesses locais
não pode ser entendida como insumo econômico mas como insumo social e portanto dever do
Estado. Para equacionar esse problema o governo Federal deveria ter também um Plano
objetivando a distribuição eqüitativa de energia como fundamento de justiça social. Pelas
características dos locais a serem atendidos, esse Plano não pode se afastar do uso das fontes
renováveis que, além de resolver de forma satisfatória a questão localizada, ainda tem a grande
19
CARLOS B. VAINER é professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ;
CÉLIO BERMANN é professor do Programa de pós-graduação em Energia da USP.
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21

vantagem de utilizar os recursos naturais para melhorar a qualidade de vida das populações
interioranas.

A região amazônica é rica em fontes naturais de energéticos tanto físicos como


biológicos que podem atender tanto o "mercado centralizado" como o "mercado disseminado".
A energia solar é abundante durante todo o ano atingindo a média de 493 calorias/cm²/dia; há
importantes jazidas de ventos na região litorânea do Amapá, Pará, Maranhão e provavelmente
nas áreas montanhosas; muitos rios e igarapés da bacia de drenagem podem ser aproveitados
em Pequenas Centrais Hidrelétricas; e todos os milhares de cursos de água possuem correnteza
ou corredeiras que podem ser aproveitadas para geração de pequenas, mas suficientes,
quantidades de energia, utilizando as denominadas rodas d'água.

O uso da biomassa no entanto é a solução de maior vigor. Essa alternativa inclui


grande variedade de espécies vegetais que tanto podem ser usadas para geração de calor, como
para produção de óleos a serem utilizados como combustível em motores fixos e móveis.
Alguns levantamentos botânicos de campo e experimentos em escala de produção mostram
que os óleos vegetais são abundantes e estão disponíveis, podendo ser extraídos até mesmo
através de tecnologias simples. Além da incidência natural condensada de algumas
oleaginosas nativas como o buriti (Mauritia fleuxosa), há ainda a possibilidade de recuperar
áreas degradadas com cultivo do dendê (Elaeis guineensis) como atestam as experiências da
EMBRAPA (Amazonas) e do Projeto Vila Boa Esperança (Pará).

Além de gerar energia limpa, um programa voltado para as renováveis permitiria a


agregação de valor aos produtos próximo aos sítios de coleta, a criação de empregos, a
melhoria de renda, de qualidade de vida e ainda levaria educação à esses distantes e
esquecidos brasileiros. E para aqueles que insistem em dizer que energia alternativa é cara, é
bom lembrar que muito mais caro é investir na ignorância20.

20
http://www.comciencia.br/reportagens/amazonia/amaz16.htm .Ozorio Fonseca - Doutor em Ciências, Membro
da Ordem Nacional do Mérito Científico, Ex-Diretor.
22

7. PARA QUE O DESASTRE ECO-POLÍTICO NÃO SE REPITA NA


PLANÍCIE INUNDÁVEL AMAZÔNICA

E quais são as lições que podem ser deduzidas do desastre e crise energética mostrada
aqui? Uma é que a política energética de um país de regiões como o Brasil não pode ser objeto
de decisões secretas e centralizadas. O modelo e a política energéticas, assim como as decisões
relativas a recursos hídricos, devem resultar de amplo debate público municipalizado.

A outra lição a tirar da crise que é possível reduzir o consumo de eletricidade no sul –
sudeste antes de faze-lo na Amazônia. A economia seria infinitamente maior se, ao invés da
simples pressão sobre o consumidor residencial, fossem revistos os acordos de fornecimento
com indústrias eletrointensivas que se beneficiam de enormes subsídios. As indústrias de
alumínio, por exemplo, exportam 70% da produção e recebem subsídios de 200 a 250 milhões
de dólares ao ano para as fábricas do Pará e Maranhão. Isto quer dizer que se dizimam as
florestas, inunda-se terras férteis, expulsa-se do campo populações ribeirinhas, para subsidiar
o consumo de alumínio nos países dominantes que, desde a crise do petróleo, deslocaram para
os países periféricos os setores industriais que consomem grandes quantidades de energia. Isto
para não falar dos efeitos internos: enquanto a indústria de alumínio emprega 2,7 trabalhadores
por cada 1.000 MWh consumidos, a indústria de alimentos e bebidas, voltada essencialmente
para o mercado interno, oferta 70,2 postos de trabalho para o mesmo consumo energético.

Também tem-se muito a fazer no terreno da redução e racionalização do consumo.


Compare-se o consumo energético de um centro comercial, cuja arquitetura energeticamente
ineficiente exige iluminação e refrigeração artificiais por todo o dia, com as tradicionais áreas
comerciais de nossas cidades. E quanto ainda poderia ser economizado se fosse aumentada o
rendimento dos eletrodomésticos das indústrias?

O próprio sistema elétrico opera hoje com perdas técnicas da ordem de 16,5%, que
ocorrem nas linhas de transmissão mal isoladas e nas redes de transmissão com
transformadores antigos ou defeituosos. Se alcançássemos o padrão internacional, de 6% de
perdas, resultaria uma economia equivalente à metade da produção de Itaipu, ou cerca de 10%
de toda a potência instalada no país. Se ao lado disso se engajasse um programa de
23

repotenciação de usinas, das usinas com mais de 20 anos de operação, poder-se-ia alcançar um
acréscimo de potência de 7.7607.600 MW.

Existem enormes possibilidades abertas por fontes alternativas de energia cujos


impactos sociais e ambientais são irrisórios quando comparados com as energia de fonte
térmica ou hídrica. Podemos olhar para o futuro. Explorar a inesgotável fonte representada
pela economia, racionalização e conservação da energia. E avançar na fronteira promissora das
fontes alternativas.21

21
CARLOS B. VAINER é professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ;
CÉLIO BERMANN é professor do Programa de pós-graduação em Energia da USP.
http://alainet.org/active/show_text.php3?key=1516

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