PIMENTEL, Samadhi Gil Carneiro. Anacronismo - Ensaio sobre Citação de O. Dumoulin. Salvador, Bahia: Universidade Federal da Bahia (UFBA); Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) / Instituto de Física / Programa de Pós-Graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências (PPGEFHC) / Disciplina Teorias e Métodos em História e Filosofia das Ciências, 2014.
Trabalho elaborado como pré-requisito para aquisição de créditos de disciplina em curso de doutorado.
PIMENTEL, Samadhi Gil Carneiro. Anacronismo - Ensaio sobre Citação de O. Dumoulin. Salvador, Bahia: Universidade Federal da Bahia (UFBA); Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) / Instituto de Física / Programa de Pós-Graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências (PPGEFHC) / Disciplina Teorias e Métodos em História e Filosofia das Ciências, 2014.
Trabalho elaborado como pré-requisito para aquisição de créditos de disciplina em curso de doutorado.
PIMENTEL, Samadhi Gil Carneiro. Anacronismo - Ensaio sobre Citação de O. Dumoulin. Salvador, Bahia: Universidade Federal da Bahia (UFBA); Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) / Instituto de Física / Programa de Pós-Graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências (PPGEFHC) / Disciplina Teorias e Métodos em História e Filosofia das Ciências, 2014.
Trabalho elaborado como pré-requisito para aquisição de créditos de disciplina em curso de doutorado.
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA (UFBA) / UNIVERSIDADE ESTADUAL
DE FEIRA DE SANTANA (UEFS)
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM MODELAGEM EM CINCIAS DA TERRA E DO AMBIENTE (PPGFHC) DEPARTAMENTO DE FSICA GERAL INSTITUTO DE FSICA UFBA DISCIPLINA TEORIAS E MTODOS EM HISTRIA E FILOSOFIA DAS CINCIAS FISA03 PROFESSOR OLIVAL FREIRE Discente: Samadhi Gil C. Pimentel
17/11/2014
AVALIAO ESCRITA ENSAIO SOBRE A CITAO DE O. DUMOULIN
O historiador choca-se com uma aporia, da surgindo debates interminveis sobre a legitimidade das noes de feudalismo no Japo, de classes na Antiguidade, []. O anacronismo traz em si, ao mesmo tempo, a morte e a ampliao da histria; dialeticamente, o historiador tem o poder de recusar o que distorce a dimenso das coisas, o tempo, e da manipulao de um pecado que, bem como o pecado original, tambm fonte do conhecimento (Dumoulin, 1993).
Esta citao de O. Dumoulin (1993) constitui o pargrafo de
encerramento do verbete, de sua autoria, sobre Anacronismo, publicado no Dicionrio
das
Cincias
Histricas
(Burguire,
1993).
Trata-se
indubitavelmente de um tema caro construo de uma perspectiva histrica
coerente com o tempo sobre o qual uma anlise se debrua, bem como para a tomada de conscincia das limitaes impostas pela tendncia quase irrefrevel de transpormos aquilo que prprio de ns mesmos para o que olhamos e representamos. Por um lado, assume-se a necessidade de analisar fenmenos, objetos e sujeitos histricos em seu contexto, sem transliteraes de outros tempos e espacialidades especficos. Seja do presente para o passado, evitando, portanto, influir na anlise histrica com, por exemplo, valores, conceitos e significados hodiernos. Seja de um tempo passado para outro ou mesmo de uma sociedade para outra (situadas em um mesmo perodo, porm sem contiguidade espacial, nem conexes socioeconmicas). Nestes casos, o anacronismo pode ocorrer pela transposio de modelos e at por erros de interpretao, se porventura o historiador incluir entidades, fatores e processos que no so apropriados para o objeto da anlise.
Barros (2007) apresenta uma proposta de definio bastante concisa e
clara para o anacronismo na anlise histrica: [...] transplantes de um modelo vlido para uma poca ou espacialidade social para um outro contexto histrico onde o modelo no tenha sentido real, correspondendo apenas a uma fico estabelecida pelo prprio historiador.
Neste sentido, pode-se sugerir que anacronismos so passveis de
ocorrer inclusive em anlises de conjunturas ou descries etnogrficas feitas sobre o momento presente. Tanto diante da possibilidade de supor uma continuidade de processos e estruturas do passado no presente, que podem no existir, quanto pela interpretao de uma situao (um dado acontecimento ou um contexto geogrfico especfico) com base em pressupostos de outra, exemplo do que ocorre com o olhar etnocntrico sobre a cultura numa condio de estranhamento. Por outro lado, o olhar anacrnico, apesar de, a priori, parecer como equvoco de pensamento, desvio ideolgico, erro de interpretao, acidente. No necessariamente o . Conflui na limitao humana de no sair totalmente de si para enxergar o mundo de fora. Enxergamos sempre a partir de nosso ponto de vista. Imprimimos nas representaes e discursos que construmos nossas intenes, peculiaridades culturais, particularidades temporais, traos de nossa humanidade. Deste modo, ocorre a intencionalidade nas pesquisas em geral, o antropomorfismo na primatologia e o anacronismo na histria. Assim a afirmao de uma verdade histrica livre de dissonncias de outras temporalidades pode funcionar como o mito da neutralidade cientfica, disfarando a intencionalidade da produo de conhecimentos e tambm de tecnologias no caso das Cincias como um todo . Ao refletir sobre o anacronismo na Histria da Filosofia, Aubenque (1998), faz-nos uma contundente pergunta de retrica: a intemporalidade no a mscara muito frequente da ideologia?. Depois Aubenque (1998) afirma: [O] questionamento propriamente "anacrnico", [...], inevitavel. Pleiteio simplesmente que o anacronismo seja consciente. Um anacronismo confesso metade perdoado. Controlado, pode tornarse fecundo [...].
Aps a incurso inicial sobre o tema do anacronismo, inclusive
extrapolando os limites da citao que objeto do presente ensaio, voltemos a ela e nos debrucemos de forma mais hermtica. Dumoulin (1993) considera o anacronismo uma aporia. Segundo o dicionrio Michaelis online1 significa:
1 Retrica Dvida ou hesitao, que o orador tem ou finge ter sobre
o que h de dizer. 2 Filos Dificuldade lgica oriunda do fato de haver ou parecer haver razes iguais, tanto pr quanto contra uma dada proposio. Quando as duas razes parecem comprovantes, a aporia torna-se antinomia (grifos e itlicos do original).
evidente no verbete de Dumoulin (1993) a dificuldade que o historiador
tem perante o anacronismo. Embora seja contraproducente na reconstruo dos fatos histricos, sujeitando a interpretao de uma realidade a uma forma diferente dela ou pelo menos introjetando caractersticas que no a pertencem como Csar morto por um tiro de browning (Dumoulin, 1993) , paradoxalmente apresenta a possibilidade do uso heurstico do anacronismo, projetando questes ou tcnicas de anlise contemporneas sobre o tempo pretrito. Tal antinomia torna-se ainda mais evidente nas palavras do autor ao dialogar com Lucien Febvre, afirmando que o anacronismo tem uma definio a contrrio da histria ao passo que toda interpretao expe ao anacronismo. Ora, seria possvel historicizar sem interpretar? Eis a dvida e o motivo da hesitao. Os exemplos do feudalismo no Japo e das classes na antiguidade parecem esclarecedores. A noo de feudalismo diz primariamente respeito ao desenvolvimento histrico da Europa, circunscrito em um perodo delimitado em seu incio pela derrocada do imprio romano, escravocrata, e em seu fim pela emergncia do capitalismo e do trabalho assalariado. O feudalismo no Japo emergiu de forma independente, sem continuidade espao-temporal com o europeu e se desenvolveu ainda durante perodo considervel de expanso capitalista ocidental. Por sua vez, a teoria social que sedimentou seno criou a noo de classes sociais surgiu na Europa em um perodo cuja maior fora poltica da sociedade era representada pelo capitalismo industrial, caracterstico pela explorao do trabalho assalariado e pela induo da urbanizao acelerada, 1
pelo aumento vertiginoso da produtividade, mas tambm pela precariedade das
condies de vida da imensa maioria da populao, uma sociedade marcada por crescentes contradies de classes sociais opostas (burguesia e proletariado). Logo, uma teoria que foi fortemente influenciada pelo seu tempo. Um tempo que, do ponto de vista humano, dista demasiadamente da antiguidade, quando burgueses e proletrios sequer existiam. Os anacronismos nestes dois casos consistem em transpor modelos de estrutura social e de sociabilidade, sobretudo, de um lugar para outro, no primeiro caso, e de um perodo para outro, no segundo caso. Logicamente, estas transposies podem consistir em lentes que distorcem a realidade. Entretanto, tais transposies no so incontornavelmente um obstculo para a compreenso histrica do sistema socioeconmico japons e da diviso social do trabalho na antiguidade. Ao contrrio, podem fornecer elementos profcuos de interpretao e parmetros de comparao, o que pode fazer avanar a construo do conhecimento e estabelecer bases mais robustas, uma vez que tem maior amplitude, para uma prxis sobre o mundo. Desta forma torna-se bastante compreensvel porque, como afirma Dumoulin (1993), o anacronismo traz em si, ao mesmo tempo, a morte e a ampliao da histria. A morte porque sepulta a interpretao de uma realidade por ela mesma, pode levar a comparar o incomparvel, extrapola o seu contexto, distorce a sua temporalidade, traindo-a, na medida em que no permite atribuir um sentido absoluto de uma histria em seu prprio tempo histrico. A ampliao porque contribui para uma compreenso mais generalizada do desenvolvimento histrico global da humanidade e canais mais acessveis de dilogo e comparao entre perodos e contextos distintos, de modo que tambm pode contribuir com mais facilidade para formulaes de interveno sobre a realidade concreta. Reconhecer este paradoxo, decerto, um importante passo para lidar com o anacronismo, para evitar que ele plasme por si s uma interpretao da histria totalmente enviesada e, sendo assim, sem valor cientfico. Reconhecer a impossibilidade de anul-lo totalmente ou, inclusive, a inadequao de proceder desta forma, tomar conscincia, explicitar o que h de anacrnico nas anlises, bem como o que sincrnico e diacrnico, pode tornar o resultado de
pesquisas histricas mais robustas e produtivas, alm de conferir um grau mais
alto de honestidade intelectual. Domoulin (1993), afirma que este tipo de relao, passvel de ser dada entre o sujeito que transcreve a histria e o anacronismo, tem a potencialidade de ser desenvolvida dialeticamente. Importante destacar que a citao apresenta-se, em nossa interpretao, como a sntese do verbete, no qual se tratou o anacronismo como um paradoxo enfrentado na produo da Cincia Histria. Portanto, o ltimo perodo do texto de Domoulin (1993) emerge, por sua vez, a nosso ver, como uma tentativa de sntese dialtica do paradoxo, onde as teses e antteses do anacronismo podem existir dialeticamente2. Vale ressaltar que a sntese dialtica pressupe a emergncia do novo diante do movimento das contradies e no uma coexistncia inerte e indiferente s contradies. Interessante trazer aqui o conceito de superao dialtica. Segundo Konder (2008), este conceito foi mobilizado por Hegel utilizando a palavra alem aufheben com trs sentidos. 1) negar, cancelar ou anular; 2) pegar e erguer uma coisa, mantendo-a erguida e protegida como que para ser observada; 3) elevar a qualidade, passando alguma coisa para um plano superior. Mais precisamente, considerando-se a realidade do anacronismo, grosso modo no caso do presente ensaio: [...] superao dialtica simultaneamente a negao de uma determinada realidade, a conservao de algo de essencial que existe nessa realidade negada e a elevao dela a um nvel superior (Konder, 2008).
Ento, plausvel considerar que o primeiro sentido da superao
dialtica envolve o poder de recusar o que distorce a dimenso das coisas (Domoulin, 1993). O segundo envolve a manipulao, o aproveitamento daquilo que for produtivo no anacronismo. E o terceiro justamente a produo de um conhecimento com legitimidade cientfica e social. Cabe pontuar que dentre estes trs sentidos os quais tambm podem ser considerados como momentos da superao dialtica, assim como tese, anttese e sntese so componentes , o terceiro funciona como a sntese dialtica, que no independente dos demais momentos. 2
As aparentes redundncias das palavras sntese e dialtica so propositais.
Parece-nos razovel sugerir que o movimento de superao dialtica em
torno do anacronismo deve ser dado caso a caso, considerando-se os contextos e as necessidades da pesquisa e de aplicao em ensino, por exemplo. Em cada caso deve-se tomar o cuidado para que o pecado original da manipulao do anacronismo no seja sem controle, para que as consequncias nefastas da caixa de pandora no se ressaltem sobre o fogo do conhecimento da esperana de Pandora, para que as consequncias nefastas do livre-arbtrio e da mortalidade no impeam o bom usufruto da vida da histria. Alis,
reconhecer
anacronismo
como
tendncia
universal
fundamental fonte de conhecimento at mesmo para interpretaes que
supostamente busquem isentar-se de qualquer anacronismo. Isto , no seriam o fatos histricos, outrossim, repletos de anacronismos? Por acaso, objetos de uma poca e lugar no so transpostos para outras? Documentos e autores no possuem influncia extempornea? Comportamentos por vezes no se apresentam como surpreendentemente retrgrados ou frente do seu tempo? Considerar estas possibilidades certamente agua o olhar sobre a histria, uma vez que, conforme Vogel (2009), o anacronismo em si tem uma temporalidade histrica, atravessando todas as contemporaneidades. Por fim, pontuemos uma reflexo sobre filosofia e outra sobre ensino. No que diz respeito filosofia, tomar conscincia do anacronismo fundamental porque, de acordo com Aubenque (1998), criticar um texto no repeti-lo e uma boa interpretao filosfica no aquela que se detm na descrio literal do objeto, mas sim aquela que interessante e fecunda. Desta forma, conceitos e princpios atuais podem ser postos em dilogos, com a devida cautela, para contribuir mais diretamente na construo de conhecimento atual e para potencializar a compreenso do passado. Por interessante e fecundo, consideremos ainda outro autor no intento de encerrar o ensaio e fazer a conexo com o tema do ensino: O anacronismo necessrio e fecundo quando o passado mostra-se insuficiente e constitui, inclusive, um exerccio para a compreenso do mesmo [...] no somente para que o passado faa sentido, mas tambm com intentos de que esse acesso ao pretrito possa gerar, sobretudo, uma maior compreenso da contemporaneidade em que vivemos (SILVA, 2014).
No artigo de Silva (2014), apresenta-se uma pesquisa emprica sobre
uma experincia de ensino de artes, utilizando-se de anacronias, concluindo com resultados positivos da percepo e recepo dos estudantes sobre este mtodo. Refora-se e generaliza-se, ento, a afirmao de Domoulin (1993) de que o anacronismo fonte de conhecimento. Claro, desde que se tenha em devida conta as suas distores e limitaes.
REFERNCIAS
AUBENQUE, P. A Histria da Filosofia ou no Filosfica? Sim e No.
Princpios Revista de Filosofia, Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN, v. 6, 1998. BARROS, J. Histria Comparada um novo modo de ver e fazer Histria. Revista de Histria Comparada, Instituto de Histria UFRJ, v. 1, n. 1, jun. 2007. BURGUIRE, A. (Org). Dicionrio das cincias histricas. Rio de Janeiro: Imago, 1993. DUMOULIN, O. Anacronismo. In.: BURGUIRE, A. (Org). Dicionrio das cincias histricas. Rio de Janeiro: Imago, 1993. pp. 47-48. KONDER, L. O que Dialtica. So Paulo: Brasiliense, 2008. SILVA, C. Estratgias de ensino: a histria da arte de forma anacrnica. 24 Seminrio Nacional de Arte e Educao. Anais. Editora da Fundarte, 2014. Disponvel em: < seer.fundarte.rs.gov.br/index.php/Anaissem/article/view/182>. Acesso: 14/11/2014. VOGEL, D. Revista, Imagem e Anacronismo. VIII Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo. SBPJor (Associao Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo), UFM (Universidade Federal do Maranho), So Lus, novembro de 2009. Disponvel em: <http://sbpjor.kamotini.kinghost.net/sbpjor/admjor/arquivos/cc_12.pdf>. Acesso em: 14/11/2014.