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março de 2008
Autores
Todas as imagens publicadas são de domínio
Ana Cristina Rodrigues público ou royalty free.
Denis da Cruz
Jurandir Araguaia
Marcia Szajnbok
Pedro Faria
Autores Convidados
Aline Gallina
Marcello Henrique
Priscila Lopes
Textos de:
Gregório de Matos
Machado de Assis
Imagem da capa:
Walt Whitman
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Índice
Recomendações de Leitura 3
GREGÓRIO DE MATOS GUERRA
MACHADO, O CRONISTA
Aposentadoria 8
Volmar Camargo Junior
A Pirâmide do Mundo 10
Henry Alfred Bugalho
Koyaanisqatsi 12
Marcello Henrique
Príncipe Heróico 13
Ana Carolina Brazil
O Beijo 14
Denis da Cruz
Exame último 17
José Espírito Santo
MICROCONTOS 19
Sonhos Moídos 26
Jurandir Araguaia
TRADUÇÃO 28
Folhas da Relva, de Walt Whitman
Estrelas 34
Marcia Szajnbok
Agonia 35
Giselle Natsu Sato
Penetrável 36
Aline Gallina
Estrambolia Melancótica 36
Aline Gallina e Priscila Lopes
Peixe Seco 37
Priscila Lopes
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Samizdat 2 - março 2008
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Recomendações de Leitura
GREGÓRIO DE MATOS GUERRA
Marcia Szajnbok
Patrono da Cadeira 16 da Academia
Brasileira de Letras
Foi o primeiro poeta a cantar o elemento brasileiro, o tipo local, produto do meio
geográfico e social. Sua poesia é a maior expressão do Barroco literário brasileiro, no
lirismo. Sua obra compreende: poesia lírica, sacra, satírica e erótica. Ao seu tempo
a imprensa estava oficialmente proibida. Suas poesias corriam em manuscritos, de
mão em mão, e o Governador da Bahia D. João de Alencastre, que tanto admirava “as
valentias desta musa”, coligia os versos de Gregório e os fazia transcrever em livros
especiais. Não se pode afirmar que toda a obra a ele atribuída haja sido realmente
de sua autoria.
Fonte: http://www.academia.org.br/
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SONETO
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MACHADO, O CRONISTA
Machado de Assis
Biografia
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- Artura não qué dizê nada, não, O meu plano está feito; quero ser
senhô... deputado,e, na circular que mandarei aos
meus eleitores, direi que, antes, muito
- Pequeno ordenado, repito, uns seis antes da abolição legal, já eu, em casa, na
mil-réis; mas é de grão em grão que a modéstia da família, libertava um escravo,
galinha enche o seu papo. Tu vales muito ato que comoveu a tôda a gente que dêle
mais que uma galinha. teve notícia; que êsse escravo tendo
aprendido a ler, escrever e contar, (simples
suposições) é então professor de filosofia
- Justamente. Pois seis mil-réis. No
no Rio das Cobras; que os homens puros,
fim de um ano, se andares bem, conta
grandes e verdadeiramente políticos, não
com oito. Oito ou sete.
são os que obedecem à lei, mas os que
se antecipam a ela, dizendo ao escravo:
Pancrácio aceitou tudo; aceitou até és livre, antes que o digam os poderes
um peteleco que lhe dei no dia seguinte, públicos, sempre retardatários, trôpegos
por me não escovar bem as botas; efeitos e incapazes de restaurar a justiça na
da liberdade. Mas eu expliquei-lhe que o terra, para satisfação do céu.
peteleco, sendo um impulso natural, não
podia anular o direito civil adquirido por
Boas noites.
um título que lhe dei. Êle continuava livre,
eu de mau humor; eram dois estados
naturais, quase divinos.
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Samizdat 2 - março 2008
Aposentadoria
Volmar Camargo Junior
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cinco continentes que atalhos não são trecho tinha, pelo que ficamos muito
aconselháveis. Hans Christian Andersen gratos. O normal dessas vias é serem
e os Irmãos Grimm estão aí para não me “cascalhadas” ou “empedradas” — dá
deixar mentir. no mesmo — mas em situações como
aquela, não serviriam para nada nem
A estradinha, de fato, não era das cascalho, nem valeta. Ficou só o barro e
piores. Quando já estávamos quase nos o aguaceiro.
arrependendo de duvidar do “motora”, e
ele, exibindo seu modo muito particular Descemos, e a água não nos
de mostrar a todos que ele é quem estava arrastava por pouco. Conseguimos subir
com a razão, justamente nesse momento no tal barranco para, com a pouquíssima
aconteceu o que era visto. O “Fonforeco” luz dos aparelhos de telefonia móvel,
apagou. Bem numa subida. E São Pedro, assistirmos ao espetáculo de camarote.
nada de dar arrego. Em instantes, o Fonforeco deslizou
um pouco; depois mais um pouco; na
Era para ser apavorante, um grupo de terceira, deslanchou de vez em uma ré
dez pessoas no meio do nada (na verdade, sem controle ladeira abaixo. Pendeu
estávamos, sim, no meio de uma fazenda, para a direita, escorregou e acabou com
a Granja Santa Y.), a quilômetros de as rodas enfiadas na valeta, fazendo
qualquer coisa, debaixo da maior chuva. com que o corpo do carro pendesse para
Estava muito, muito escuro. O Gringo, por aquele lado até, finalmente, tombar. Breve
acaso, não tinha uma lanterna no ônibus. silêncio. Era aterrador. Alguém soltou um
Foi então que alguém lembrou da única “Puta Merda!” tão sentido que não deu
utilidade de um celular em uma estrada pra agüentar. Caímos na gargalhada.
de colônia: a luz.
Foi aí que alguém teve a idéia de olhar
Confirmando a previsão do experiente para os celulares. Pois um deles estava
italiano com sangue (e teimosia) de mostrando, com costumava-se dizer, “um
alemão, a chuva aumentou. Como já dito, pauzinho de sinal”. Por acaso, era o meu.
era uma subida, que por aqui chamamos Disquei o número de alguém conhecido
muito por “perambeira” ou “perau”. da prefeitura. A bateria do aparelho só deu
A torrente descia por aquela estrada tempo para dizer “Busca nós na subida
barrenta feito uma cachoeira. O veículo da Granja Santa Y”. Como se vê, o lugar
começou a se mexer sozinho. Alguém já tinha fama.
falou, meio em tom de ordem, “vamo
descer, gente”. E outro, decididamente Pra encurtar a conversa: voltamos
imperativo, e gritando, disse “Devagar!”. para B.V. na Kombi da Secretaria de
Um a um, os professores e o motorista Obras. Duas vezes tivemos que descer
desceram a escadinha, enfiando em para empurrar. A chuva? Essa só parou
seguida o pé no barro. uns três dias depois.
Para quem não sabe como é uma Depois dessa, o “Fonforeco d’um zóio
estrada de fazenda, eis a descrição: em só” finalmente foi aposentado.
geral é de terra, ladeada por valetas
fundas o suficiente para a água da chuva (publicado no Recanto das Letras em
não “empoçar”. Algumas têm, em uma ou 03/02/2008)
nas duas margens, um barranco. Aquele
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A Pirâmide do Mundo
Henry Alfred Bugalho
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Koyaanisqatsi
Marcello Henrique
Esse foi um dos trabalhos mais Longe dos campos de batalha, a cidade
legais da ECO (UFRJ) que eu fiz. Curti moderna surge esmagando a paisagem
de verdade escrevê-lo. Tudo bem, eu de outrora. A selva de pedras é palco
fui obrigado, mas isso não significa que para um frenético ritmo de vida. Sob os
não tenha sido divertido. Por isso quero imponentes arranha-céus os mais bizarros
compartilha-lo. cenários são casualmente esquecidos.
Nos becos, a miséria, a fome e a tristeza
É a representação escrita do filme de vidas sem esperança passam ao largo
Koyaanisqatsi, do diretor Godfrey Reggio da rotina alienada. A Cidade – o ente,
(aliás, vale a pena assistir!) quase vivo – não tem tempo para dar
atenção a isso. É necessário seguir em
seu alucinado ciclo de construir, destruir,
construir, destruir, construir e destruir.Mola
mestra dessa engrenagem, o Homem
Koyaanisqatsi esta agora por toda a parte. Multidões
deslocam-se para todos os lugares e para
Muito, muito tempo atrás. A Natureza lugar nenhum pelas ruas da metrópole.
ainda é a única responsável por tudo que Não são pessoas. São ternos, capacetes,
acontece no planeta azul. Em harmonia, uniformes, compromissos e agendas,
fauna e flora compõem silenciosamente o alucinados. O Bombeiro, o Policial, o
cenário: nada vive, nada morre, nada se Soldado, o Executivo. Não importam os
constrói, nada se destrói.A Terra, porém, nomes, não importam os sentimentos,
parece saber o que a esperava num futuro esses, escondidos no brilho dos olhos por
ainda distante e se revolta. O Vento, trás de tudo isso. Mas isso, meus caros,
célere, não hesita em carregar nuvens e só é visível em câmera lenta. A cidade
o que mais vier furiosamente, anunciando não tem tempo. Nunca tem.
os novos tempos. Lá embaixo, as ondas
dançam a dança que só elas sabem, À noite, as ruas ligam os trabalhadores,
no oceano sem fim. A Terra está viva... exaustos, de seus postos aos lares. Nos
Fumaça. E onde há fumaça, há fogo. apartamentos, pontinhos de luz iluminam,
Os homens marcham firmes passos a felizes, a cidade, que descansa. Nos
caminho do salvador progresso; ou da metrôs e trens, o fluxo é contínuo e
temida destruição, quem iria saber? É automático. Na próxima cena, salsichas
o começo do fim do reinado da Mãe são empaladas em séria na linha de
Natureza. produção. Pago um prêmio para quem me
disser a diferença!. A cidade é um copo
De alquimia a tecnologia de ponta, d’água e seus habitantes, moléculas de
a ciência evolui vertiginosamente. O H²O.
fogo, o mesmo dominado por selvagens
para cozinhar, agora jorra de explosões Do espaço, a Terra parece dormir.
assassinas, certeiros, em direção a Assim como um micro chip, em que bits
inocentes, tão humanos quanto eu ou circulam a mil por hora, parece inerte aos
você. A guerra torna-se uma realidade. nossos distantes olhares.
Nasce a indústria bélica.
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Príncipe Heróico
Ana Carolina Brazil
Depois de procurar O Mais Isolado Mas... E as horas cavalgando sozinho
dos Castelos, enfrentar o Dragão pelos campos, enquanto treinava? E a
Guardião e procurar A Mais Alta Torre, busca pelas Maiores Aventuras, a luta
finalmente tinha alcançado o fim de seu com Monstros Horrendos, os desafios a
treinamento de Príncipe Heróico e estava Lutadores Poderosos, as caçadas aos
a poucos passos de cumprir aquilo que Dragões Mágicos – e, claro, encher a cara
estava escrito, despertando a Princesa de cerveja na taverna enquanto desfiava
Adormecida para futuramente casar- seus Grandes Feitos?
se com ela e herdar todo o seu próprio
reino! Trocaria tudo isso por horas diante da
lareira, um cachorro correndo no tapete
Ela estava deitada numa cama no junto das crianças pequenas, a Princesa
meio do quarto, o Príncipe Heróico deu Adormecida amavelmente bordando
solenes passos em sua direção. Segundo brasões a seu lado?
a Antiga Lenda, bastava apenas Um Beijo,
um Único Beijo, para quebrar a Maldição Definitivamente, não.
e despertar a Princesa Adormecida!
O Príncipe Heróico deu meia-volta.
Enquanto a observava em seu sono Logo apareceria outro Dragão Guardião
profundo, não podia negar que ela era e a Antiga Lenda seria cumprida por
bonita. Não parecia ter muito mais do que Alguma Outra Pessoa.
dezesseis anos, os cachos castanho-
avermelhados caíam levemente por
seu rosto e ombros, os lábios rosados
pareciam um botão de rosa pronto para
ser tocado pelos seus... Vai ver seria http://prisaodevidro.blogspot.com/
agradável ser seu marido e Senhor de um
Vasto Reino.
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O Beijo
Denis da Cruz
Não me conformei, mas acredito que
meu rosto mostrava compreensão. Aquele
encontro às escondidas era o momento
perfeito para selar a corte que há muito
eu vinha fazendo à Allice. Porém, nada
saiu como meu coração desejava.
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Por mais que o tempo tenha passado, Atrás dela um homem lhe segurava
não consigo me livrar das imagens da pior pelos cabelos. Sorriu desdenhoso
das minhas noites; a escuridão engoliu enquanto eu descia do cavalo com o
meus sonhos e levou consigo meu beijo. florete empunhado firmemente.
- Ele vai levar Allice – disse fracamente. - Ah, o amor, o beijo; o beijo, o amor –
Parecia haver sangue até mesmo dentro soltou Allice e veio em minha direção.
das órbitas de seus olhos. – Ele vai matar
a todos.
Meu corpo parecia ter petrificado. Não
conseguia tirar meus olhos daquela figura
Pude assistir a vida fugindo do corpo hipnotizante que se fundia as robustas
de Joe. Eu não sabia do que se tratava, sombras do ambiente.
mas se Allice fosse morrer, eu morreria
com ela.
- Isto é tão lindo. Um rapazote
apaixonado que vem para salvar sua
Peguei um florete e me apropriei amada – seu rosto estava frente ao meu;
do cavalo do meu senhor. A escuridão seus olhos pareciam ordenar que eu não
me abraçava enquanto meu coração me mexesse. – Ela vai morrer, Tom. Vai
apontava a direção. morrer agora e levará com ela o que você
mais deseja: o beijo.
As sombras debruçavam pesadas
em toda a pequena propriedade da E assim foi. Aquele maldito virou-se e
minha amada. Parecia haver movimento rasgou com as mãos a garganta de Allice.
apenas no silo. Cavalguei e forcei o A vi arfar o próprio sangue e se debruçar
cavalo a arrombar as portas com as patas sobre a poça vermelha.
dianteiras.
A cena me tirou do transe e avancei.
Queria que o tempo curasse as feridas Cravei a espada nas costas do assassino.
da mente. Mas não cura. Rasgados no Vingança. Pelo menos isto eu teria.
chão do silo, estavam os corpos dos pais
e de dois irmãos mais velhos de Allice. Ela
Ele virou-se sorridente; o florete
estava pouco mais ao fundo; ajoelhada
atravessando seu ventre. Finalmente
e de vestes brancas, manchadas com o
percebi o que estava diante de mim.
próprio sangue, olhava para mim e para
Aquela criatura gargalhou enquanto
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tirava a espada do corpo e pude ver suas pela criatura que, depois de muito brincar,
imensas presas. matou a todos.
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Exame último
José Espírito Santo
Cambaleio e é com coragem que sigo e olho em frente e fito um por um os meus
interlocutores. Meus olhos castanhos gastos, cansados não me respondem e não
correspondem atempadamente a todos os meus anseios. Toda eu sou tormento e
dor quando entro trémula em silêncio na sala grande e fria. E já não consigo ser
eficaz. Não tenho mais a capacidade de estar a sós comigo mesma e nessa calma
ver com a clareza e discernimento de antes. Sempre omnipresente está a dor! A muito
custo mantenho minha presença e compustura. e meu ânimo já não é o que era.
Tenho a doença, aquela doença, sabem !... E sei que minhas hipoteses de cura são
extremamente reduzidas. A radioterapia e os outros tratamentos provavelmente não
farão mais do que adiar um pouco o que já é inevitável.
E sinto medo. Porque hoje vou a exame e este teste é diferente, de todo desprovido
de qualquer estudo ou preparo. O resultado não depende de mim mas sim deles.
Daquele grupo de desconhecidos que se perfila ao fundo por detrás da secretária.
Serão humanos ou será que serei para eles apenas mais um número, roda dentada
de métrica de eficiência e contenção de custos de tostões onde se continua gastando
milhões sem quê nem porquê? Não sei. Por isso estou temerosa. E espero...
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De repente percebo tudo e vejo que nada adianta lutar contra essa máquina surda.
Que me aprova! Má sorte passar neste exame sem exame. Meu último!
P.S:
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MICROCONTOS
Contos Mínimos
José Espírito Santo
Bebedeira
Fechou-as colocando a rolha nas duas. Num único momento, ao mesmo tempo.
Então, pensou “Que bom!”. Estava perto de obter o dom da ubiquidade.
Compreensão
Ela amava-o. Só que às vezes era uma pessoa confusa. Não entendia bem o que
diziam. Por isso, quando lhe perguntaram, respondeu “Não!”. E ficou solteira.
Corrida
Intenção
A casa
Viagem
Dois sobreiros conversam entre si. Diz o primeiro “Estou farto disto pá. Queres ir
comigo para a América?”. Responde o segundo “Gostava mas não posso. É aqui que
tenho as minhas raízes!”
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Acidente
Então, o pneu da frente disse para o de trás “Queres trocar de lugar comigo?”
A tartaruga e a lebre
A tartaruga sabia que a história estava escrita para ela ganhar. Dormiu em vez de
correr. Perdeu.
Ao contrário
Então, nesse preciso momento, a loira entendeu a piada. Passam duas horas.
Riu-se do que ele contou.
Procura
Fala
Escrita
Levava consigo para todo o lado o pequeno bloco de notas. Saiu. Á medida que
o tempo passava, observava e riscava as palavras. Ao final da tarde regressou o
vazio.
A formiga e a cigarra
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Céu
Era bom, honesto e íntegro ajudando os outros o mais que podia. Naquela noite
vestiu-se a rigor e saiu para ir com a mulher ao Concerto. A partir daí tornou-se mau,
uma verdadeira peste. Vigarizou, roubou, mandou matar. Morreu e não foi para o céu.
E ainda bem (pensou). Porque detestava verdadeiramente o som de Harpa.
Timidez
Eram os dois tímidos. Tão tímidos que namoravam há cinco anos sem saber. Um
dia, terminaram. Sem saber.
Atrapalhadas
Marcia Szajnbok
Atrapalhada, lado A
Dormiu mal, acordou atrasada. Vestiu qualquer coisa, tomou num gole o café
requentado. Irritou-se com o marido: maldita mania de apagar cigarros no pires!
Atrapalhada, lado B
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O coração disparou. Sob a árvore um pacote grande, papel dourado, laço vermelho
imenso. Ele veio, pensou, ele existe e eu sou feliz!
Toda a manhã o pai passou montando trilhos. Postos no lugar locomotiva e vagões,
chegaram os primos. Uma revolução aqueles primos! A prima menor, atrapalhada,
entrou correndo, sem olhar por onde andava.
Pisou no trilho.
Denis da Cruz
A Chave?
Não estava na ignição, mas nas mãos do seu filho que, ao seu lado, olhava
espantado.
Ciúmes
Acostumado com boas obras, deu carona para uma grávida num dia chuvoso.
Tão logo ela foi deixada em casa, foi morta pelo marido. Enciumado, há muito
desconfiava que o filho não era seu.
Inferno
Não se perdoou.
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Vida de traça
Aposto numa comida leve. Rumo para o Sidney Sheldon mais próximo.
Assédio
Olhei. Ele não viu. Mexi o cabelo. Nem notou. Sorri, tossi, deixei cair o celular.
Nada. “Oi!” Será que é surdo? Chamei um brigadiano. “Foi esse aí!”. Levaram. Voltei
para casa realizada.
Olho-gordo
— Que cachorro lindo, Ju!
— É, né Pa?
— Muito. Só que...
— O quê?
— Nada.
— Fala!
— Bobagem.
— Ó, preciso ir. Se cuida.
— Tchau...
À tarde, Ju foi atropelada. Amigos e parentes comovidos: Pa adotou o cão.
Má Sorte
— Joguei no bicho: galo na cabeça. Gato preto cruzou meu caminho. Chutei.
Dono do gato me acertou uma paulada. Deu galo.
— Na cabeça?
— É. Na minha.
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Continhos
Pedro Faria
Igor estava sentado numa cadeira, em sua faculdade. Essa se localizava próxima
a um famoso morro, lar de uma famosa favela, que por sua vez era lar de alguns
não tão famosos traficantes. O dia estava quente, a aula estava chata, e Igor estava
debruçado numa janela, pensando. Sobre balas.
“Ora, eu não sei! Talvez eu não morresse na hora. Talvez eu ainda sentisse
algo”.
“Meu Deus, que idiota! Bem, não posso discutir com isso. Você venceu”.
“Mas e...” - Só que nesse momento o sinal tocou. O professor e os alunos se foram.
Apenas Igor ficou, olhando para fora, os olhos abertos, uma bala em sua testa.
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Confissão
O que eu mais amava em seu corpo eram seus longos cabelos ruivos.
Depois que o fogo apagou, ela se tornou frígida. Não queria mais nada comigo.
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Sonhos Moídos
Jurandir Araguaia
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TRADUÇÃO
Folhas da Relva
Walt Whitman
trad.: Henry Alfred Bugalho
(fonte: Wikipédia)
Para Você
Eu me sento e observo
Vejo, na vida mundana, a mãe maltratada por seus filhos, morrendo, negligenciada,
macilenta, desesperada;
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A tudo isto — a toda maldade e agonia sem fim, eu, sentado, observo.
Enquanto eu, sentado, ouvia ao astrônomo, enquanto ele palestrava com muita
aclamação no auditório,
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Samizdat 2 - março 2008
Aqueles dos mecânicos — cada um cantando o seu, tal qual deve ser, contentes
e fortes;
(fonte: http://www.bartleby.com/142/)
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Samizdat 2 - março 2008
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Em certo ponto, ainda próximos E no meio de tudo isso, Billy Bob Jones
da Terra, os contâiners explodiram. caminhava sereno pelas ruas, com seu
Quantidades inacreditáveis de lixo detonador na mão, um sorriso no rosto, e
entraram em órbita, transformando nosso respirando mais fundo do que nunca.
planeta em uma rocha fedida no meio do
espaço.
Borboleta
Ana Cristina Rodrigues
Hoje, finalmente arrumei a casa. Pela Dobrei o papel em cuidadosos
primeira vez depois que você se foi, fiz a pedacinhos (lembra do curso de origami
faxina que prometi a mim mesma. que fizemos juntos?). Transformei
tudo aquilo em uma borboleta de papel
Minha vontade foi rasgar os livros que branco.
lemos. Quebrar ao meio os cd´s com as
músicas que embalaram nossas noites de Soprei-a da janela do 15º. andar,
amor. Amassar as contas velhas, pagas nesse dia chuvoso, como tantos em São
em conjunto. Paulo.
Quis destruir o passado como se assim Ela começou a cair, devagar. Como se
pudesse exorcizar a sua presença. meus sentimentos tivessem dado vida à
borboleta! Ou teria sido o meu sopro?
Mas preferi não.
Sei que vi o pequeno ser de papel
Ao contrário, guardei tudo. Arrumei adejar, batendo as brancas asas contra o
os livros na ordem que decidimos juntos. fundo cinza.
Organizei os cd’s por ordem de preferência
das músicas. Até as contas velhas eu E hoje, finalmente, nossa casa voltou
arquivei com todo o cuidado... a ser só minha.
No fim, peguei uma folha em branco. Seu fantasma foi exorcizado nas
asas frágeis de uma borboleta de papel
Nela, escrevi todo o amor, toda a branco.
raiva, toda a tristeza, todo o rancor, toda
a alegria. Todos os sentimentos que
alimentei por você.
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Samizdat 2 - março 2008
Estrelas
Marcia Szajnbok
estrelas
de muito longe
há muito tempo
luz tardia no espaço lançada
agora umedecida
em reflexo abandonada
na superfície noturna do mar
(lindas... vês?
e, vendo-as, sonhas?
- comigo... sonhas?)
sonhos vívidos
nos despertam pelo tato
ultrapassam as imagens,
têm gosto, temperatura, cheiro
no corpo adormecido
um toque, um afago, um beijo
apertam-se os olhos
na ilusão ou inefável ensejo
de segurar dentro o sonho
na vigília transformado em desejo
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Agonia
Giselle Natsu Sato
Estou trancada num barraco imundo, amarrada por fios e cordas, deitada no chão
de terra, não me sinto mais humana, sou um bicho enjaulado, fedendo a suor, mijo,
imunda, à beira da loucura,só quero sobreviver ou ter uma morte rápida.
Como policial cada minuto neste cativeiro significa o esforço dos companheiros
que já devem ter cercado o morro e tomado cada viela.
Tenho 22 anos, passei no último concurso para a Polícia Civil, ainda estou novinha
na função. Estava fazendo um reconhecimento de área em uma favela no Rio de
Janeiro quando pegaram meu parceiro. Tentei revidar, mas uma pancada muito forte
na cabeça fez com que perdesse os sentidos.
Acordei assim. Preferia estar morta. Ouvi quando meu parceiro foi executado. Eles
deram muitos tiros, mas não o mataram logo; ele sofreu muito nas mãos daqueles
bandidos covardes. O barraco onde estou fica no alto do morro, ouço os helicópteros
sobrevoando a área e os bandidos estão monitorando cada passo da polícia pelo
rádio. Estou nas mãos deles há seis horas, são muitas vozes discutindo o que fazer.
Matar, queimar, fuder, estou perdida, se pudesse me
matava agora. A polícia está apertando o cerco e eles estão cada vez mais
agitados.
Eles entram e me colocam em pé, são oito bandidinhos de merda, alguns ainda
adolescentes. Tento falar mas levo um, dois, perdi a conta dos socos. Minha boca
sangra, alguns dentes caem e eles não param de bater. Um deles parece o líder, é
mais velho, atarracado,olhos injetados, muito doidão. Ele arranca minhas roupas e
expõe meu corpo magro, xinga, grita que sou uma puta, polícia de merda, me arrasta
pelos cabelos, fura os meus seios com um facão, morde meus mamilos, suplico,
imploro e eles riem. Sou uma aberração que urra numa poça de sangue: — Me mata,
me mata por favor, me mata.
Imploro. Eles não ouvem, estão fumando e cheirando sem parar, cada vez mais
loucos e violentos. Não sei quantas vezes fui penetrada, por quantos, não sei como
suportei tanta dor. Fui tragada pela escuridão e lá busquei conforto. Nada mais importa
agora. Penso nos meus pais, chamo o nome da minha mãe várias vezes, esperando,
apenas, o final da dor.
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Samizdat 2 - março 2008
Penetrável
Aline Gallina
Ela soma o ar da janela
Tropeça na mão direita a cada 20 segundos
O dia cinza reflete em seu corpo
sujo
Bolas pretas gigantes que se movem
no rosto -
Precisa escondê-las hoje
- rolam para debaixo da cama
Não guarda mais o segredo das cartas antigas
Eis a caixa da caixa
Onde vive, morta para dormir
No necessário.
A paçoca de papel e capim, sua -
melhor amiga - do peito.
De quantas chamas é feito o dia?
24 goles ásperos e a cortina para
cada lado do ombro.
Perde as pontas dos dedos em cada passado.
Imprime a sombra no rosto, pois
a lua fere quando sorri.
Estrambolia Melancótica
Priscila Lopes e Aline Gallina
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Peixe Seco
Priscila Lopes
Girava, girava (saltos no ar)
Juntando os elementos da terra
- Mas vai durar? Até quando?
Por que é tão frágil o que nasce
da pedra?
Era um peixe quase golfinho
tamanha a peraltice
– prateava o céu azul
Infantil e lindo –
não percebia o turista deslumbrado:
o peixe estava partindo.
Sobre as Autoras
Aline Gallina é de Florianópolis (SC), estudante de Artes Plásticas e de Arquitetura
e Urbanismo. Já participou de diversas antologias de contos e poesias pela Câmara
Brasileira de Jovens Escritores, também pela Editora Mar de Idéias (Menção Honrosa).
Possui um poema-plaquete com previsão de lançamento em Santa Catarina para
março de 2008. E-mail: aalien.soul@gmail.com
http://cincoespinhos.blogspot.com
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Samizdat 2 - março 2008
Denis da Cruz
Advogado, Servidor Público, marido de Elisa e pai dos pequenos Lívia e Kalel.
Escritor amador, faz da literatura um agradável e despretencioso passatempo. Mais
detalhes, o leitor poderá flagrar nos textos que serão apresentados na Samizdat,
afinal, já escreveu certa vez: “não sou nenhuma de minhas personagens, mas sou
todas elas vivendo ao mesmo tempo”.
http://www.recantodasletras.com.br/autores/kzar
Giselle Sato
http://www.trilhasdaimensidao.prosaeverso.net/
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www.samizdat-pt.blogspot.com
Jurandir Araguaia
Escritor goiano, nascido em Brasília aos 8/11/65.
http://www.jurandiraraguaia.com/
Marcia Szajnbok
Médica formada pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, trabalha
como psiquiatra e psicanalista. Apaixonada por literatura e línguas estrangeiras, lê
sempre que pode e brinca de escrever de vez em quando. Paulistana convicta, vive
desde sempre em São Paulo.
Pedro Faria
Estuda Matemática na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, músico amador
e escritor quando dá na telha. Nascido e criado no Rio.
http://civilizadoselvagem.blogspot.com/
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