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E a Idalina continuou:
- Vem para descanso. Todos os anos a encontro na Feira de S.
Miguel. Conhecia-a na feira das cebolas, e ela fez-me muitas
perguntas sobre as gentes destes stios. Parece-me que queria
mandar isso para o jornal. At que eu este ano disse-lhe que a
minha casa era casa de pobre, mas, se quisesse vir c passar uns
dias, que tinha muito gosto nisso. E vai da ela aceitou logo. E aqui
est a boa da Idalina para receber... E a menina vai-se deixar dessas
tristezas em que anda (aqui para ns a menina deve ter um grande
desgosto que qualquer dia vou descobrir...) e vai ter companhia.
Comem as duas, conversam as duas e at pode ser que ela d com a
menina uns passeiinhos at escola... At escola -pensava ela. S
se fosse para a substituir... De bom grado!
Quando a Idalina saiu, ela deixou-se ficar a meditar em senhoras
que compram cebolas, em Idalinas hospitaleiras, e em dias de
descanso e aldeias to velhas como os Incas...
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Decididamente, aquele dia era mais um dia no. Ela chamava
no queles dias em que tudo lhe parecia correr mal... Tinha
dormido pouco. porque o temporal toda a noite fizera bater portas e
janelas, e a casa da Idalina no era nenhuma fortaleza. Deitada de
olhos abertos na cama estreita e dura, pensava com angstia no
abatimento em que se deixara afundar... Na tarde do dia anterior,
quando vira chegar aquela senhora miudinha, de cabea branca,
olhos gaiatos e sorriso afvel, vestida com gosto e penteada com
esmero, sentira vergonha de si mesma. Onde estava aquela
preocupao diria de parecer bem a colegas e professoras? Onde
estava aquele brio de se mostrar uma rapariga educada, simptica e
acessvel? A velha senhora mantivera uma conversa amena e
conciliadora, mas ela soubera conservar o muro de separao. E a
velha senhora, ainda que pouco exigente no trato, compreendera e
aceitara o toque. Caminhava a pensar em tudo com calma ironia.
Melhor assim. Mas eis a escola!
Abriu a porta e tudo lhe pareceu sombrio e rido. A humidade
descia pelas paredes e a chuva cada de noite inundara as ltimas
filas das carteiras. Tinha que sentar as crianas trs a trs...
Entraram atrs dela embiocadas, silenciosas, de olhos tristes e
rostos friorentos. Leitura... operaes... ditados... problemas. A vida
de todos os dias. Sempre igual.