Vous êtes sur la page 1sur 92

A Fonte dos Desejos

Barbara Cartland

Título original: Dancing on a Rainbow


Copyright: (c) Barbara Cartland 1986
Tradução: Ercília Magalhães Costa
Copvright para a língua portuguesa: 1986
Editora Nova Cultural Ltda. - São Paulo
Esta obra foi composta na Artestilo Uda. e impressa na Editora Parma Ltda.
Nova Cultural - Caixa Postal 2372

NOTA DA AUTORA

Na última década do século XIX, Paris tornou-se a capital do mundo civilizado, do modo elegante de viver, do
prazer e dos génios artísticos.

A Torre Eiffel, construída em 1889, sendo a mais alta estrutura metálica de todo o mundo, foi o símbolo de um
século turbulento e de grandes feitos em Paris.

Paris cresceu muito e foi se tornando cada vez mais burguesa. Foi, ao mesmo tempo, tornando-se cada vez mais
democrática, apesar das injustiças sociais. As dívidas de guerra haviam sido pagas à Alemanha vitoriosa antes do
prazo previsto, e o império colonial da França crescia rapidamente.

Em Paris, as áreas que haviam sido devastadas pelo fogo e pela artilharia inimiga haviam sido reconstruídas. Foi
concluída também a construção do Teatro de Ópera. Pouco havia na capital da França que revelasse que ela fora
uma cidade sitiada, agitada por uma guerra civil.

Para os amantes dos prazeres mais intensos e mais refinados, cidade alguma poderia igualar-se a Paris. Já
famosa como centro da moda feminina, famosa também por sua comida, sua música, pela vida brilhante de que
gozava a alta sociedade, a partir de 1889, Paris foi presenteada com o fascínio do Moulin Rouge. A partir dessa
data, as grandes asas de madeira vermelha do moinho de vento giravam constantemente sobre a entrada do
prédio; o Moulin Rouge tornou-se, durante toda a década seguinte, a Meca daqueles que tinham muito dinheiro
para gastar.

Escritores e artistas da época encontravam completa liberdade em Paris. Podiam escrever, pintar e viver o que e
como quisessem, no meio de um povo apaixonado por tudo o que fosse novidade.

1
Havia liberdade de imprensa, liberdade de convicções políticas, e liberdade para se pensar.

CAPITULO I

1889

Antes de desmontar, lady Loretta Court deu umas palmadinhas carinhosas no pescoço de seu cavalo.

- Hoje ele comportou-se maravilhosamente, Ben - ela disse ao cavalariço, que esperava para levar o belo animal
aos estábulos.

- Ele sempre gostou de ser montado pela senhora, milady

- disse Ben com um sorriso.

Lady Loretta também sorriu para ele e subiu alguns degraus, entrando no grande hall.

Quando já se achava no alto das escadas, um criado que vinha apressado ao seu encontro lhe disse:

- Sua Graça deseja falar-lhe, milady, e lhe pede que vá à biblioteca imediatamente.

Loretta suspirou. Tendo cavalgado durante duas horas, sua vontade era tomar um banho e tirar a roupa de
montaria. Entretanto, se o pai desejava vê-la, nada podia fazer senão obedecer.

Desceu as escadas, entregou ao criado as luvas e o chicote, que nunca usava; numa atitude quase hostil, tirou o
chapéu e deu-o também ao criado.

Depois de ajeitar os cabelos, atravessou o hall e foi caminhando pelo longo e largo corredor que conduzia à
biblioteca do pai.

Loretta fazia conjeturas sobre o que seu pai poderia querer lhe dizer. Talvez apenas quisesse adverti-la a não sair
cavalgando sem a companhia de um dos cavalariços. Isso era uma coisa que ela sempre fazia e que o pai
desaprovava. com certeza ele falaria muito sobre o assunto, e seria difícil escapar da biblioteca tão cedo.

Loretta amava o pai, mas desde a morte da esposa ele tornara-se extremamente autoritário. Como muitos
homens mais velhos, raramente ouvia o que as pessoas tinham a dizer.

Em sua posição de governador do condado, o duque vivia muito ocupado, mas jamais deixava de dedicar parte
de seu

tempo à filha única.

Ao mesmo tempo, suas ideias sobre convenções sociais eram

severas, enfadonhas e rígidas ao extremo.

Ela abriu a porta da biblioteca e entrou, apreensiva, sem deixar, entretanto, de observar que aquele cómodo
2
continuava lindo e agradável como sempre.

O que mais apreciava naquele aposento eram as telas, que retratavam belíssimos puros-sangues, pintados pelo
próprio

duque.

Quando mais jovem, ele havia sido um dos mais bonitos

nobres da corte da rainha Vitória.

Ao ver o pai escrevendo, sentado à escrivaninha, Loretta notou que ele estava de muito bom humor.

Havia uma pilha de papéis diante dele, porque, apesar de ter um secretário, o duque tinha um lema: "Se quiser
alguma coisa bem-feita, faça-a você mesmo".

O resultado disso era que sempre tinha muito trabalho para

fazer.

Ao ver Loretta, ele sorriu e pensou, como sempre, que era um homem afortunado por ter uma filha tão
encantadora. Não se poderia esperar o contrário, tendo sido a mãe de Loretta a mulher mais linda que ele já
vira.

- Queria falar comigo, papai?

- Sim, Loretta, tenho algo importante para lhe dizer. Quis falar-lhe sobre isto ontem à noite, mas achei que não
convinha, pois sentia-me cansado depois das corridas, e, além disso, queria que você dormisse bem.

Uma expressão aborrecida toldou o olhar de Loretta, e ela

perguntou:

- E o que é que não quis contar-me ontem à noite?

O duque levantou-se e caminhou até o outro lado da biblioteca, ficando em frente à cornija da lareira,
lindamente entalhada, acima da qual pendia um lindíssimo quadro pintado por Sartorius.

- Ontem, quando estive em Epsom - ele começou -, vi meu velho amigo, o duc de Sauerdun.

Como o duque falasse devagar e com certa pompa, Loretta percebeu que ele ia contar uma longa história. Então,
sentou-se em uma poltrona.

Ela sempre ouvira o pai falar no duc. Embora fossem de nacionalidades diferentes, os dois cavalheiros tinham
algo em comum: ambos gostavam muito de cavalos, e seus puros-sangues corriam tanto na Inglaterra como na
França, sempre numa competição acirrada.

- Seu cavalo venceu o do duc na corrida de ontem?

- Para dizer a verdade, Minotauro ganhou com facilidade. Chegou com meio corpo de vantagem sobre o de
Sauerdun! exclamou o duque, satisfeito.

- Fico contente, papai, por vê-lo tão feliz.

- Depois de terminada a corrida - continuou o pai, como se a filha nada tivesse dito -, Sauerdun e eu tomamos
um drinque juntos, e ele me sugeriu algo em que não havia pensado antes, mas que achei muito interessante.
3
- O que foi, papai?

Loretta estava achando que o pai fazia muitos rodeios, e imaginava como poderia sair dali e ir para seu quarto.

- Já faz muito tempo que me preocupo com você, minha filha. Gostaria que se casasse. A sugestão do duc é que
você se case com o filho dele. Seria uma ótima solução para o problema.

Loretta endireitou-se de repente, e todo o seu corpo ficou tenso.

- O que. o que está dizendo, papai? Não entendo aonde quer chegar!

- Estou falando sobre seu casamento, querida. Teria grande prazer em dar sua mão ao marquis de Sauerdun, que
herdará, quando o pai morrer, um castelo magnífico no vale do Loire, bem como muitas propriedades na
Normandia, lugar de origem dos Sauerdun.

- Mas... papai! Não pode estar falando sério! Como pode arranjar um casamento para mim... e com um homem
que nem conheço? Além disso, prometeu levar-me a Londres, para

a temporada.

- Sim, eu sei, eu sei! - disse o duque, um tanto irritado.

- Mas, francamente, minha querida, esta é uma oportunidade boa demais para que a percamos.

Loretta ficou de pé. Ela era magra e de estatura média; mesmo assim, ergueu a cabeça e olhou de maneira
desafiadora para o pai, bem mais alto do que ela.

- Pode dizer o que quiser, papai, mas não tenho a menor intenção de me casar com um homem que não amo!

- Amor? Ora, o amor virá depois que vocês se casarem. O que tem a fazer, sendo minha filha, é casar-se com o
homem certo; um homem com uma sólida posição na vida, o homem que eu escolhi para você.

- Mas, papai, sou eu quem vai se casar com ele, e não

você!

- Sei disso - disse o duque, zangado. - Mas está muito enganada se pensa que vou permitir que se case com
algum joão-ninguém que fique impressionado pela sua posição social ou que pense em herdar sua fortuna, uma
vez que é minha única

herdeira.

- Mas, papai, os únicos homens que vejo no momento são os que vivem no condado e que conheci desde
criança! - protestou Loretta.

com voz triste, ela continuou:

- Depois que mamãe morreu, não vou a festas ou bailes, nem a lugar algum onde possa encontrar bons partidos.

- Mesmo que frequentasse bailes, jamais iria conhecer homem nenhum que fosse melhor partido do que o
marquis de

Sauerdun.

- Ele pode ser um ótimo partido do ponto de vista social, mas como posso saber se ele será um bom marido, se
nunca
4
o vi?

- Vai conhecê-lo! Claro que vai conhecê-lo! Eu disse a Sauerdun que trouxesse seu filho para ficar conosco em
Madrescourt, antes das corridas de Ascot. O duc achou uma boa

10

ideia. Poderemos anunciar o noivado de vocês antes do término da temporada.

- Ora, papai, está arranjando tudo sem me dar a chance de decidir por mim mesma se desejo me casar com o
marquis ou se não gosto dele, a ponto de recusá-lo.

- Recusá-lo? O que quer dizer com isso? Nunca ouvi tamanha tolice! Na França, Loretta, como bem sabe, os
casamentos são arranjados. O duc tem certeza de que aceitará seu filho, e o marquis não cometerá erros uma
segunda vez.

- Segunda vez? Como?

- O marquis casou-se quando era muito jovem - replicou o pai. - Ao que parece, confiou-me Sauerdun, ele ficou
louco por uma jovem que conheceu em Paris. Ela vinha de boa família, e o duc não viu por que não aceitar o
casamento, que acabou se transformando num desastre. Os dois jovens não se davam bem, e não havia sinal de
herdeiros. Felizmente, a jovem sofreu um acidente de carruagem, ficou muito ferida e veio a falecer.

Loretta não sabia o que dizer. O duque fez uma pausa e depois continuou:

- Desta vez Sauerdun não quer correr riscos. Ele quer escolher uma esposa para seu filho com o mesmo carinho
com que escolhe seus cavalos de raça.

- Cavalos! - gritou Loretta, mas o pai continuou, sem lhe dar ouvidos.

- O duc já ouviu falar de sua beleza, minha filha, e está determinado a realizar esse casamento logo depois de
você e o marquis se conhecerem e ficarem noivos.

- Não farei isso, papai! Sei muito bem o que quer dizer: que não tenho escolha e vou ter que me casar com o
marquis. Quando ele chegar aqui, todos os nossos parentes já estarão sabendo a razão de você tê-lo convidado.

Ela ergueu a voz e prosseguiu:

- Depois que todos já estiverem sabendo que nós dois estamos comprometidos, será impossível eu não aceitar o
pedido de casamento do marquis, se é que ele vai fazer algum pedido.

Quando Loretta terminou, o duque teve um súbito ataque de raiva. Todos naquela casa conheciam bem os tais
ataques.

11

O duque era um homem alto e corpulento, e tornava-se assustador quando ficava zangado.

Ao ver o pai tão enfurecido, Loretta foi ficando cada vez

mais pálida.

O pai chamou-a de ingrata, egoísta, imprudente e insensível. Disse ainda que a filha fazia questão de contrariá-
lo, sabendo que ele se sentia só e infeliz depois da morte da esposa. Acusou Loretta de estar sendo desapiedada.

Apesar de ela ter tomado a firme resolução de não se deixar influenciar pelo que o pai dizia, ficou com os olhos
5
rasos de lágrimas. Finalmente, quando quis falar, ele não quis ouvi-la.

- Você vai se casar com Sauerdun, nem que eu tenha que arrastá-la pela nave da igreja até o altar! Não vou mais
ouvir essa tolice de que precisa estar apaixonada.

Ele olhou para a filha com um olhar inflexível.

- Tem que me obedecer, Loretta. Está ouvindo? Vai fazer exatamente como eu disse, e não se fala mais sobre o
assunto!

O pai, a essa altura, gritava, e Loretta não pôde mais suportar ficar ali. Saiu correndo da biblioteca, soluçando.

Quando chegou ao alto da escada, depois de ter atravessado o hall, as lágrimas lhe rolavam copiosamente pela
face.

Ao entrar em seu quarto, ela bateu a porta com força, tirou o casaco de montaria, sentou-se na cama e cobriu o
rosto com

as mãos.

- O que devo fazer? Oh, meu Deus, o que devo fazer?

Desde que tinha idade suficiente para ler histórias de amor,

Loretta emocionava-se com elas. A primeira que leu foi Romeu

e Julieta; desde então, sonhava em viver um grande amor. Ela

haveria de encontrar o homem de seus sonhos.

Loretta foi crescendo, e esse homem tornava-se mais e mais real. Ela não podia identificar seu rosto, mas tinha
certeza de que não estava distante dela.

Ela partilhava seus pensamentos com o homem de seus sonhos, e sabia que um dia ele iria materializar-se, e
ambos viveriam felizes para sempre.

Podia parecer um conto de fadas para crianças, mas esse sonho fazia parte da vida de Loretta, que nunca
passava um

12

dia ou uma noite sem pensar no amor que viveria com esse homem ideal.

O homem de seus sonhos estava sempre ao seu lado. Juntos, escalavam montanhas no Himalaia, navegavam
pelo Amazonas, eram náufragos numa ilha deserta, eram perseguidos por bandidos ou por uma tribo hostil de
árabes.

Ele sempre a salvava, e, ao lado dele, ela nada temia.

Em segredo, Loretta acalentava a esperança de ir para Londres, logo depois de terminar o período de luto pela
mãe. Lá estaria o homem de seus sonhos, esperando por ela.

Talvez o encontrasse em um dos bailes de gala oferecidos por anfitriãs importantes, todas amigas de seu pai. Ou
poderia conhecê-lo no baile que o pai ofereceria a ela na mansão da família, em Park Lane.

Seria ainda mais romântico se ela o encontrasse no Palácio de Buckingham, na sala do trono, quando, com as
6
três plumas brancas do Príncipe de Gales no cabelo, ela fosse apresentada à rainha. Se a rainha Vitória estivesse
indisposta, ela seria apresentada à linda princesa de Gales.

Já havia sido planejado que a mansão Madescourt, em Park Lane, fosse aberta para receber Loretta e seu pai.

A tia de Loretta, a condessa de Brendon, que era sua chaperon quando ela se achava em Londres, a
acompanharia às festas.

A condessa havia mandado para a sobrinha, que se achava no castelo, no campo, vários vestidos, todos
lindíssimos, para usar na ocasião de seu début. Os vestidos vinham das melhores, mais caras e mais requintadas
casas de moda da Bond Street.

Loretta achou os vestidos maravilhosos, ambos um tanto convencionais, mais ao gosto da tia. O duque, muito
generoso, autorizou-a a comprar muitos outros vestidos a seu gosto, escolhidos por ela mesma, assim que
estivesse em Londres.

Agora ela sabia que o pai não a levaria a Londres, apesar de ser tradição uma jovem de sua idade ser
apresentada à rainha no grande salão do Palácio de Buckingham.

O duque só pensava na visita do duc de Sauerdun e do filho, o marquis, que, segundo as previsões de Loretta,
seria no fim de maio ou começo de junho.

13

"Não terei a chance de conhecer alguém especial, depois de tudo o que disse a papai", pensou Loretta.

Sendo muito ligada ao pai, ela sabia exatamente como a mente dele trabalhava, e tinha certeza de que ele
apresentaria todo tipo de desculpas para não levá-la a Londres. Ele iria concentrar-se nos preparativos para
receber seu futuro genro, dispensando-lhe um tratamento digno de rei.

"Mas isso é injusto... muito injusto!", dizia Loretta a si mesma, sentindo-se presa em uma armadilha, da qual não
via

como escapar.

Ao mesmo tempo, estava disposta a lutar para não ser forçada a fazer um casamento sem amor, o que seria
desastroso não só para ela, como para o homem com quem se casasse. Era preciso evitar tal desastre. E não ia
ser fácil. Loretta sabia disso muito bem. Seu pai não voltava atrás depois de haver tomado uma decisão.

Loretta também era bastante inteligente para reconhecer que a ideia de ter como marido o filho do duc de
Sauerdun era, na verdade, muito sensata, do ponto de vista dos pais, lógico. O marquis era, segundo os
comentários, "um partidão", e ela duvidava que pudesse haver na Inglaterra algum candidato à sua mão que se
pudesse igualar a ele, tanto em posição social

como em riqueza.

Havia muitos comentários sobre a fortuna fantástica do duc, que era conhecida e exaltada nos meios sociais.
Além disso, ele possuía muitas propriedades espalhadas pelo mundo todo. Loretta nunca prestara muita atenção
quando o pai lhe falava sobre as telas valiosíssimas que os Sauerdun possuíam, que rivalizavam com as do
Museu do Louvre e da National Gallery. Mas devia admitir que sempre se impressionara com os cavalos do duc
de Sauerdun. Seus estábulos eram muito maiores, e seus puros-sangues tinham muito mais vitórias do que os de
seu pai, ou talvez do que os de qualquer outra pessoa na Inglaterra.

Ela podia entender por que o pai havia ficado de tão bom humor, quando seu melhor cavalo, o Minotauro, havia
7
vencido o cavalo do duc. Fora certamente por isso que ele havia aceitado a sugestão do amigo sobre o
casamento de seus filhos.

14

Loretta pensava que o duc de Sauerdun devia ter uma razão muito especial para querer arranjar um casamento
para o filho com tanta pressa, em vez de convidá-la, e ao pai, para ir visitá-los na França.

"Ah, mas é bem próprio de papai tomar uma decisão apressada. Agora fica insistindo para eu me casar com um
francês que nunca vi, só porque ele e seu amigo têm interesse pelo mesmo esporte", pensou Loretta.

Ela não ignorava que, como o pai havia dito, na França os casamentos eram, em geral, arranjados.

Mesmo na Inglaterra isso acontecia entre as famílias aristocráticas.

"Pensem o que quiserem, mas vou ser uma exceção a essa regra", disse Loretta para si mesma, de maneira
desafiadora.

Ela não ignorava que seria muito difícil não fazer o que o pai queria, e que precisaria de muita astúcia para
conseguir escapar dos planos que o pai tinha para ela.

Se ele podia ser tão obstinado quando queria uma coisa, ela também o seria.

Depois de se trocar, Loretta desceu para almoçar; estava pálida e arrasada.

Esperava que o pai, vendo-a abatida, angustiada, silenciosa e de olhos baixos, se sentisse um tanto culpado.

Entretanto, ele estava de tal bom humor ante a ideia de um casamento tão a seu gosto, que mal notou o
aspecto da filha. Pensava que, por ter sido tão severo com Loretta, ela não ofereceria resistência.

Pai e filha almoçaram sozinhos, pois Emily, a prima de Loretta, que já estava há alguns meses no castelo,
apanhara uma forte gripe e achava-se acamada.

O duque passou uma parte do almoço falando sobre as corridas que havia assistido no dia anterior. Ele
descreveu detalhadamente como seu cavalo havia derrotado muitos competidores famosos, inclusive o do duc
de Sauerdun.

- Depois de amanhã - disse ele - irei a Newmarket, onde espero ser tão bem-sucedido como fui ontem.

Loretta não respondeu, e o pai disse, irritado:

- Ora, filha, pelo amor de Deus, por que essa cara de

15

quem perdeu uma moeda de ouro? Qualquer jovem estaria dando pulos de alegria só em pensar que iria fazer
um casamento extraordinário, o maior da temporada!

- Mas não me levou a Londres para a temporada, papai! lamentou a filha.

O duque considerou o argumento e disse em seguida:

- Bem, se está ressentida por causa disso, posso ver o que pode ser feito. Mas não adianta abrirmos nossa casa
em Londres para oferecermos um grande baile para você, como

havíamos planejado.
8
Ele ficou pensativo por alguns segundos e acrescentou:

- Vamos oferecer um baile aqui, quando os Sauerdun estiverem conosco. Portanto, converse com sua prima
Emily e planejem um baile que seja o mais encantador de todos os que já

oferecemos.

Loretta sabia que o pai estava pensando em anunciar seu noivado com o marquis nesse baile. Mas disse
simplesmente:

- Parece ser uma boa ideia, papai.

- Então está feliz? Você é mesmo uma boa filha! Prometo que a levarei a Londres para ser apresentada
formalmente à rainha, no palácio. Isso será em meados de maio, não?

- Sim, papai.

- Muito bem! Iremos a um ou dois bailes e assistiremos a um jogo de pólo em Ranelagh. Não abriremos a casa
completamente, como havíamos planejado. Poderemos ficar em Londres até depois das corridas de Ascot.

- Sim, papai.

Terminado o almoço, o duque saiu apressado para uma reunião, e Loretta trocou-se, vestindo novamente seu
traje de

montaria.

Saiu sozinha, desobedecendo às severas ordens do pai de sempre se fazer acompanhar por um dos cavalariços.

Sabia que na beira do bosque, a três milhas dali, Christopher Willoughby estaria esperando por ela.

Christopher era um rapaz que ela conhecia desde a infância. Ele possuía uma propriedade localizada ao lado da
do duque, mas muito menor, e por isso o pai de Loretta a considerava sem importância.

16

Na verdade, o duque tratava Christopher e o pai com altivez. O pai de Christopher, apesar de ser um baronete,
não era rico, portanto pouco contribuía para as organizações beneficentes cujo patrono era o duque. Se este
soubesse que a filha costumava encontrar-se com Christopher para cavalgarem juntos, ficaria furioso.

Mas Christopher era o único rapaz que Loretta conhecia bem. Embora ele já estivesse apaixonado por ela há três
anos, ela o via como o irmão que nunca tivera.

Ele era seu maior amigo, e, por isso, era muito mais divertido cavalgar ao lado dele do que de um cavalariço. Por
essa razão, sempre que saía para dar um passeio a cavalo, Loretta marcava um lugar onde pudessem se
encontrar.

Juntos, eles atravessavam os campos ou o bosque, e conversavam sobre assuntos que interessavam a Loretta e
que Christopher procurava entender, por amá-la demais.

Assim que viu Loretta aproximar-se, Christopher soube que algo não estava bem.

- O que aconteceu? - ele perguntou.

Ela nem notou que ele já sabia instintivamente que ela estava aborrecida, e respondeu apenas:

9
- Não via a hora de contar a você o que meu pai está planejando para mim.

- O que é?

- Meu casamento!

O tom de Loretta era dramático, e por um momento houve silêncio. Então, numa voz sufocada, ela disse:

- Oh, meu Deus! Eu sabia que isso iria acontecer, mais cedo ou mais tarde.

Christopher era um bonito rapaz de vinte e cinco anos. Tinha ombros largos, e montava muito bem. seu cavalo
de raça não muito apurada - que era o que seu pai podia comprar. Havia servido num bom regimento, mas
preferira voltar para casa e cuidar de sua propriedade e das terras, para fazê-las dar lucro.

Amando Loretta desmedidamente, ele não perdia uma oportunidade que fosse de estar com ela, e com isso
negligenciava seus deveres. Mesmo sabendo que seu amor era sem esperanças,

17

pois nada tinha para lhe oferecer, sua vida era extremamente feliz só por poder estar ao lado de Loretta.

Assim que Loretta lhe contou sobre o casamento que o pai havia arranjado para ela, foi como se o mundo
tivesse escurecido de repente. Tudo o que era mais importante para ele ruíra aos seus pés, em pedaços.

- Você não pode ficar noiva de um homem que nunca viu! - ele disse, enquanto Loretta fazia uma pausa para
respirar.

- Foi isso o que eu disse a papai, mas ele não quer me ouvir. Oh, Christopher, o que posso fazer? Não quero me
casar com um francês com quem nada tenho em comum. Também não vou viver na França, longe de tudo o que
amei desde

minha infância!

Ela pensava naquele momento nos bosques, nos jardins e na beleza dos campos ao seu redor, que eram todo o
seu

mundo.

- Mas tudo isso é um erro! Chega até a ser absolutamente

desumano! - disse Christopher com firmeza.

- Eu sabia que me compreenderia. Mas como poderei fazer meu pai entender que o modo como me trata é
injusto?

Não havia o que responder, e Christopher sabia, assim como todos naquelas redondezas, que, quando o duque
decidia algo, ninguém o demoveria de sua decisão.

- Se mamãe estivesse viva - continuou Loretta -, tenho certeza de que ela conseguiria que papai fosse mais
razoável. O marquis poderia muito bem vir à Inglaterra e nós nos conheceríamos em uma festa ou um baile em
Londres, sem que ninguém falasse em noivado ou casamento.

- Vamos supor que você o detestasse.

- Se isso acontecesse, pelo menos eu teria a chance de recusar seu pedido de casamento. Mas, como sabe, foi o
duc quem sugeriu que nos casássemos, e meu pai aceitou a sugestão sem me consultar. Portanto, só me resta
10
aceitar o anel que o marquis porá em meu dedo, tornando-me sua esposa!

- Não pode fazer isso!

- Mas é exatamente assim que vai acontecer, a menos,

18

claro, que eu possa evitá-lo. Você sabe como papai é obstinado, e ele sempre admirou o duc de Sauerdun. Ela
fez uma pausa e prosseguiu a seguir:

- Tenho ouvido falar tanto sobre o duc e seus cavalos, que até parece que esses cavalos são meus.

- Logo serão mesmo - disse Christopher com amargura.

- Não quero os cavalos do duc! Também não quero seu filho!

Christopher respirou fundo.

- Quer fugir comigo, Loretta?

Surpresa, ela olhou para ele e percebeu que até o momento só havia pensado em si mesma. Seu olhar
transformou-se, de zangado, em terno e suave.

- Querido Christopher! Você me oferece uma oportunidade dessas, e eu aceitaria sem hesitar, se estivesse
apaixonada por você.

- Vamos! Deixe-me levá-la daqui! - ele implorou. Loretta acenou negativamente com a cabeça.

- Não posso fazer algo que irá arruinar sua vida e a minha, justamente por gostar muito de você.

- Mas por quê? Por quê? - perguntou Christopher. - Eu a amo, e juro que farei com que me ame também. Quero
que seja minha esposa.

Era difícil para Loretta explicar ao amigo que ele não era, de forma alguma, o "homem de seus sonhos".

Na verdade, Christopher era bondoso, solidário, compreensivo, e ela gostava muito dele. Mas o que ele sugeria
não era o que ela desejava da vida; não era o amor com o qual sempre sonhara. Loretta sabia que, quando o
homem de seus sonhos surgisse, o reconheceria imediatamente.

Loretta estendeu a mão e Christopher segurou-a enquanto ela dizia:

- Obrigada, Christopher, por ser tão compreensivo, mas a solução para o meu problema não é fugir com você; é
tentar salvar-me de um casamento com um homem que não conheço. Para mim, esse marquis deve ser uma
pessoa abominável, por mais que meu pai o elogie.

19

- Não é correto seu pai fazer por você uma escolha de importância tão vital como essa - disse Christopher em
voz

um tanto baixa.

Ele sabia que seus argumentos não tinham muito peso, pois era comum um homem na posição do duque
escolher o futuro marido da filha, sem dar ouvidos ao que ela pudesse dizer

11
sobre o assunto.

Embora o pai de Christopher fosse relativamente pobre, ele havia crescido numa sociedade que acreditava que
"sangue azul" devia sempre se unir a "sangue azul". Também se acreditava que um homem que possuísse um
título deveria assegurar um casamento vantajoso, que trouxesse terras para a

família.

O pai de Christopher jamais considerara, por um instante que fosse, que seu filho tivesse a chance de casar-se
com Loretta. Por isso, sempre que podia, aconselhava o rapaz a escolher para esposa uma jovem que tivesse um
grande dote.

- Quando se tornar o sexto baronete, meu filho - ele costumava dizer -, você e sua família não terão os
problemas financeiros que temos agora.

Christopher fez mais uma tentativa desesperada para não

perder Loretta.

- Prometa-me que, ao conhecer o marquis, se achar que será impossível casar-se com ele, vai dizer-me isso com
toda a franqueza. Se for assim, eu a levo comigo. Ah, só Deus sabe como detesto até mesmo pensar nesse
homem.

- Quer dizer que fugiremos?

- Poderemos nos casar obtendo uma licença especial disse Christopher. - Pelo menos, casar comigo não vai ser
tão assustador como casar com um estranho.

- É verdade - disse Loretta pensativamente. - Ao mesmo tempo, Christopher, vou lutar, e hei de encontrar um
modo de impedir que papai anuncie meu noivado no baile que pretende oferecer na semana das corridas de
Ascot, quando o duc e seu filho estiverem hospedados em casa.

- Por que ele não vem vê-la antes disso? Acho tudo isso muito estranho. Afinal, o marquis deve estar, como
você, ansioso para que se conheçam.

20

- É exatamente o que eu penso, mas suponho que ele também esteja dominado pelo pai, e deve agir como o duc
mandar.

- Se for assim, que tipo de homem ele é? Um homem tem que se impor! - disse Christopher com firmeza. - Estou
achando essa situação ridícula. Para mim, cada um de vocês está bem confortável em seu próprio país, com o
canal da Mancha entre ambos, e nenhum tem coragem de encontrar o outro.

Ele falou com violência, como nunca costumava falar com Loretta, mas ela não pareceu estranhar; apenas disse:

- Isto me dá uma ideia, Christopher!

- O que lhe dá essa ideia?

- O que acaba de dizer. Se o marquis não vem me conhecer, por que não devo eu ir conhecê-lo?

- Como poderia? O duc não a convidou para ir visitá-los, e, como seu pai disse, ele talvez tenha razões para agir
assim.

12
Christopher percebeu que estava sendo maldoso, mas, em matéria de amor e de guerra, tudo é válido. Fixando
nele seus grandes olhos, Loretta disse:

- Você é muito esperto, Christopher! Muito mais esperto do que eu imaginava!

- Não estou entendendo aonde quer chegar.

- Estou pensando uma coisa - disse Loretta em voz baixa.

Christopher ficou alarmado.

- Escute, Loretta, não vá fazer nenhuma tolice! Não importa o que eu tenha dito, você não pode ir para a França
sem um convite do duc de Sauerdun. Isso causaria um escândalo, além de comprometê-la. Você teria que se
casar com o abominável marquis.

- Não sou tão tola a ponto de fazer uma coisa dessas.

- Então, no que está pensando? Por favor, diga-me logo!

- ele pediu, ansioso.

- Foi só uma ideia que eu tive - disse ela, rindo. - Obrigada, Christopher. Sinto-me bem melhor depois de lhe ter
contado tudo isso. Mas agora preciso ir para casa.

- Não! - protestou Christopher. - Vamos cavalgar juntos sob aquelas árvores. Você me deve isto, depois de ter-
me

21

dado essa notícia tão triste. vou ficar muitas noites sem dormir, sabendo que a perderei.

Impulsivamente, Loretta estendeu-lhe a mão.

- Você nunca me perderá completamente, Christopher. Faça eu o que fizer, sempre haverá um lugar em meu
coração

para você.

Aquelas palavras encheram os olhos de Christopher de ansiedade. Loretta afastou a mão e partiu a galope, e
Christopher seguiu-a, entrando ambos no bosque.

Dentro do bosque havia trilhas onde só passavam dois cavalos andando lado a lado; mais adiante havia uma
clareira, pois algumas árvores haviam sido cortadas.

Era ali que eles sempre desmontavam para conversar. Loretta sabia que Christopher estava aborrecido e poderia
querer beijá-la, por isso não parou na clareira e seguiu deliberadamente para o outro lado do bosque.

Eles falaram muito pouco. Christopher estava contente só por estar ao lado dela, mesmo sofrendo.

Christopher era muito importante em sua vida, por ser seu único confidente, seu único companheiro, uma
pessoa em quem podia confiar e a quem podia dizer qualquer coisa que lhe viesse à cabeça. Mas não estava
apaixonada por ele, e sabia que o sentimento que nutria pelo amigo jamais se transformaria em amor.

Quando, finalmente, saíram do outro lado do bosque, ela despediu-se e, vendo a expressão triste no rosto do
amigo, achou que havia sido cruel demais em lhe falar sobre seus

13
problemas.

Mas não podia recorrer a ninguém mais, pois não confiava

em quem quer que fosse.

- Estarei esperando por você amanhã à tarde, Loretta. Se por acaso quiser ver-me antes, mande um bilhete por
intermédio de Ben. Pode confiar nele.

- Acho que todos sabem que nos encontramos, exceto papai, claro. Mas ninguém ousará contar-lhe.

- Espero que não.

Christopher havia marcado o encontro para a tarde porque

22

havia muito o que fazer em suas terras, pela manhã. Ele disse mais uma vez:

Bem, se precisar de mim, mande Ben me avisar, que virei encontrá-la o mais depressa possível.

- Muito obrigada, Christopher, por ajudar-me. Já não me sinto tão desesperada como antes.

- Cuide-se bem, Loretta.

Havia amor nos olhos de Christopher, e Loretta ficou comovida, mas intimamente reforçou o propósito de que
jamais se tornaria esposa dele, por mais desesperada que estivesse.

Cavalgando para casa sozinha, ela foi meditando sobre o que haviam conversado, e um único pensamento
invadia sua mente:

"Se o marquis não vem me ver, então eu devo ir vê-lo".

Mas ela não poderia ir a Paris como Loretta. Isso seria um erro. Se ela pudesse ver o marquis, se pudesse
descobrir que tipo de homem ele era, como se comportava, e se depois de tudo viesse a descobrir que de fato
ele era uma pessoa que odiaria, ameaçaria seu pai, dizendo que fugiria se ele a obrigasse a casar-se com um
homem tão detestável.

Loretta não tinha a menor ideia de algum lugar aonde pudesse ir, mas pelo menos poderia desaparecer por uns
tempos, indo para onde ninguém a pudesse encontrar.

Se desaparecesse por algumas semanas, ou mesmo meses, seu pai haveria de capitular. Apesar de ser um
homem de génio difícil e mesmo gritando com ela sempre que não conseguia as coisas a seu modo, ela sabia
que, para o duque, agora que a mãe estava morta, ela era a pessoa mais importante do mundo, e que ele
realmente a amava.

"Tenho que ver o marquis, mas como? "

Subitamente, como se em resposta a uma prece, ela lembrou-se de sua prima Ingrid.

Loretta sempre gostara muito de Ingrid, que era seis anos mais velha do que ela. Ingrid casara-se com a idade de
dezessete anos, tendo feito o que se considerava socialmente "um casamento brilhante".

Seu marido, um homem trinta anos mais velho, o conde de Wick, era muito rico e de grande projeção social.

Agora Loretta compreendia que a prima não tivera escolha e fora obrigada a casar-se com o conde. Na verdade,
14
Ingrid fora levada ao altar pela ambição dos pais, encantados de ver a filha, que mal terminara os estudos,
ocupar um lugar tão importante na sociedade.

Sem nada saber sobre os homens ou sobre o amor, Ingrid achava o marido um velho cansativo e obstinado.

O único interesse do conde era que sua jovem esposa lhe desse um herdeiro para o título e que fosse uma
anfitriã perfeita para receber os amigos, todos muito mais velhos do que

ela.

com o passar dos anos, Ingrid amadurecera e se tornara uma mulher lindíssima. Era evidente que acabaria por
apaixonar-se.

Certo dia ela conheceu o marquês de Galston, em uma

caçada.

O conde de Wick, nessa época, costumava deixar a esposa sozinha em sua casa de campo. Ele saía com os
amigos para caçadas ou ia a jantares em Londres, reunindo-se aos amigos de seu regimento. No outono ele
preferia ir caçar veados na Escócia, onde não era perturbado por mulheres.

Ingrid vivia sozinha, e como o marquês de Galston estava tão desiludido como ela com o casamento, era
inevitável que fossem solidários um com o outro.

O marquês casara-se ainda muito jovem com uma linda moça por quem acreditara estar profundamente
apaixonado, até descobrir o quanto ela era inconstante e histérica. Em dois anos ela começara a demonstrar
sinais de perturbação mental. Finalmente, mesmo contra a vontade, mas a conselho médico, ele acabara
internando a mulher em uma clínica particular, com a supervisão de enfermeiras que a ajudavam a conviver com
sua

terrível doença.

O marquês e Ingrid abriram seus corações um ao outro, falando sobre seus problemas, e acabaram
apaixonando-se.

O que sentiam um pelo outro era completamente diferente de tudo o que haviam experimentado antes.

Achando que a vida seria intolerável se tivessem que se separar, ambos fugiram, causando um escândalo que
repercutiu nas famílias tanto do marquês como na do conde e do duque.

24

Ingrid e o marquês passaram a viver em Paris, e nunca mais voltaram à Inglaterra. O conde divorciou-se depois
de um longo e demorado processo que envolveu até um ato do Parlamento.

Infelizmente, mesmo estando livre, Ingrid não pôde casar-se com o marquês, porque a esposa dele continuava
viva, embora mentalmente irrecuperável.

Loretta lembrava-se de que em sua família fora proibido pronunciar o nome de Ingrid, mas de vez em quando
ouvia-se algum cochicho sobre ela.

Mais tarde, quando alguém voltava de Paris, sempre se perguntava sobre Ingrid e o marquês, com muita
curiosidade na voz.

"Por acaso soube notícias de Ingrid e o marquês? "


15
Loretta ouviu perguntas desse tipo dezenas de vezes, e ficava atenta, temendo ouvir algum comentário
desagradável sobre a prima que amava e que sempre havia sido bondosa para com ela.

Mas, e se a prima e o marquês estivessem separados, havendo morrido o amor que existia entre ambos? A
notícia mais recente que ouvira fora de que Ingrid continuava linda, e que era sempre vista na ópera ou em
outros lugares públicos.

Logicamente, uma pessoa respeitável como o duc de Sauerdun não devia conhecê-los.

Os dois viviam "em pecado", o que lhes fechava muitas portas, pois seu comportamento era considerado
vergonhoso.

Agora, pensando em Ingrid, Loretta viu que uma luz se acendia na escuridão em que se achava e onde havia sido
lançada pelo pai.

Sua prima a compreenderia: Ingrid saberia, por experiência própria, que seria impossível Loretta casar-se com
um homem sobre quem nada sabia, e que poderia ser tão negligente em relação à esposa como havia sido o
próprio conde de Wick.

Ao ver por entre a vegetação o castelo de seu pai, Loretta achou que havia algo austero e até mesmo duro
naquela construção, que jamais notara antes.

Então disse a si mesma, triunfante:

- vou procurar Ingrid e falarei com ela. Se papai não compreende o que sinto, Ingrid compreenderá!

25

CAPITULO II

Nessa noite, ao jantar, o duque informou a Loretta que se ausentaria por uma semana.

- Estarei em Newmarket nos primeiros cinco dias. Depois vou passar dois dias em Suffolk, com seu primo
Marcus.

- Marcus tem excelentes cavalos, não, papai?

- É por isso que pretendo ir até lá.

Eles conversaram sobre diversos assuntos, e Loretta tomou o maior cuidado para não fazer a menor alusão ao
duc de Sauerdun. Depois de ficar mais um pouco na sala de visitas, fazendo companhia ao pai, ela subiu e foi
para seu quarto.

Durante o tempo todo em que conversava com o pai naquela noite, Loretta estivera planejando uma aventura
tão ousada que, só de pensar nela, ficava amedrontada.

Mas precisava fazer alguma coisa, pois suas objeções não seriam consideradas, e ela acabaria casando-se com o
marquis, a quem ficaria presa para sempre.

Na manhã seguinte, em vez de ir cavalgar, que era a primeira coisa que costumava fazer depois de se levantar,
Loretta foi

à vila.

Lá, em uma das casas do duque, vivia Marie, uma ex-empregada que havia trabalhado durante muitos anos no

16
castelo, como costureira. Depois da morte da duquesa, ela preferira mudar-se para a vila, por não se dar bem
com os outros criados.

Apesar de gostar muito de Marie, Loretta reconhecia que ela era uma mulher geniosa, talvez por ser francesa e
sentir-se, na Inglaterra, "como um peixe fora da água".

Marie viera para a Inglaterra como aia da esposa do embaixador francês. Quando sua ama voltara à França com
o marido, ela preferira ficar na Inglaterra. Afinal, não tinha parentes em seu próprio país e crescera fora dele.

26

Era uma costureira muito habilidosa, e a duquesa relevava seu génio difícil.

Loretta gostava muito dos vestidos que Marie fazia. Seu trabalho era perfeito, pois ela aprendera a costurar em
um convento, na França.

Enquanto desmontava em frente da graciosa casinha, no fim da vila, e amarrava o cavalo na cerca de madeira,
Loretta imaginava se Marie aceitaria ou não o que ia pedir.

Bateu à porta, e a própria Marie atendeu sem demora. Loretta achou-a bem-disposta e muito conservada para
seus cinquenta e cinco anos.

Mesmo não esperando visitantes, Marie vestia-se com a elegância própria de uma francesa.

- Milady! - exclamou ela ao ver Loretta. - Quelle surprise!

- Vim vê-la para falar de um assunto muito importante disse Loretta entrando na casinha, que estava muito
limpa.

Marie, como toda dona-de-casa francesa, punha diariamente sua roupa de cama na janela para tomar sol e
arejar, e considerava os ingleses desleixados por não cultivarem esse costume.

- Aceitaria uma xícara de café, milady?

- Oh, sim, Marie, obrigada!

A melhor maneira de quebrar o gelo quando conversasse com Marie seria tomarem juntas o café excelente, com
o qual Marie gastava uma boa parte de sua pensão.

Enquanto a costureira se ocupava fazendo o café e depois servindo-o em xícaras imaculadamente limpas,
Loretta pensava no que iria dizer.

Era melhor contar logo toda a verdade. Então, enquanto tomavam o café, ela disse a Marie que o duque tinha a
intenção de torná-la esposa do marquis de Sauerdun. Os olhos da ex-costureira brilharam.

- O duc de Sauerdun é um ilustre aristocrata! - ela exclamou.

- Sim, sei disso. Ao mesmo tempo, recuso-me a aceitar como marido um homem que nunca vi e que possa
detestar. Também pode ser que ele me deteste.

Marie ficou calada, e Loretta continuou:

27

- Decidi ir à França visitar minha prima Ingrid, que mora em Paris. Tenho certeza de que ela dará um jeito para
que eu veja marquis sem ele saber quem eu sou.
17
Marie olhou para ela, atónita, mas seu cérebro rápido captou exatamente o que Loretta pretendia fazer.

- C'est impossible, milady! - disse ela com firmeza. A condessa de Wick não é aceita por seu pai.

- Sei disso, mas Ingrid é a única pessoa conhecida que mora em Paris. Tenho que ir procurá-la e falar-lhe sobre
meu plano. Portanto, quero que me acompanhe até Paris, a não ser que queira que eu vá sozinha, o que me
assusta. Partiremos

amanhã.

Marie fitou-a de olhos arregalados, achando que Loretta

devia ter perdido o juízo.

- Amanhã? Non, non! Ma petite, não pode fazer isso!

- Pois pode crer que é o que vou fazer. Ficarei muito aborrecida se não vier comigo, mas, se não me
acompanhar, terei que ir sozinha. Como bem sabe, não posso recorrer a ninguém. Não confio nos criados lá de
casa. A primeira coisa que fariam seria contar a meu pai todos os meus planos.

- Isso é verdade. Aqueles criados idiotas iriam correndo contar a milorde, e ele ficaria muito zangado.

- Ficaria furioso! Você sabe muito bem que não adianta eu tentar falar com meu pai e fazê-lo ver a situação sob
meu ponto de vista. Ele já tomou a decisão, e têm que ser como

ele quer!

Marie fez um gesto bem típico dos franceses, o que significava

que era verdade o que ela dizia.

Tendo vivido no castelo durante muitos anos, ela sabia que o duque era extremamente autoritário quando isso
lhe interessava. Seus acessos de raiva assustavam a todos, desde o mordomo até o mais humilde lavador de
pratos da cozinha.

- O que temos a fazer - foi explicando Loretta - é partir assim que papai for para Newmarket. Ele sairá bem cedo,
pois vai até a estação pegar o trem para Londres, e pretende chegar a tempo de almoçar em seu clube, antes de
seguir para

Newmarket.

Marie assentiu, e Loretta continuou:

28

- Nós iremos de carruagem até a estação e pegaremos o trem que chega a Dover em tempo de tomarmos o
vapor da tarde para Calais.

Marie ergueu as mãos.

- Tem tudo planejado, milady! Mas já pensou na confusão que vai ser quando descobrirem que não está no
castelo?

- Ninguém vai saber que estarei indo para a França. Direi a todos que irei passar uns dias na casa de uns amigos,
pois minha prima Emily ainda está de cama. Emily vai ficar muito feliz em se ver livre de mim e não ter nada para
fazer até que papai volte.
18
Loretta segurou a mão de Marie, que olhara para ela, ligeiramente amedrontada.

- Por favor, ajude-me - ela suplicou. - Sabe muito bem que não devo ir para a França sozinha. Você sabe como
chegar até Paris, e poderá ajudar-me a encontrar minha prima Ingrid quando chegarmos lá.

Marie levantou-se, foi até um móvel e abriu uma das gavetas; pegou um maço de papéis, e Loretta viu que eram
recortes de jornais.

Por cima de todos eles, havia um que se referia a uma corrida de cavalos que havia sido vencida pelos cavalos do
duque.

Debaixo, havia diversos recortes sobre o marquês de Galston e a condessa de Wick.

- Onde conseguiu esses recortes, Marie?

- Tenho uma amiga na França que não vejo há vinte anos, mas que me escreve regularmente; sabendo que gosto
muito de corridas, mandou-me esses recortes sobre os cavalos de Sua Graça, quando eles ganharam corridas
muito importantes. Ela também sempre manda jornais que acha que me podem interessar.

Loretta começou a folhear os recortes apressadamente.

Havia uns quatro ou cinco que se referiam à beldade inglesa, a condessa de Wick. Um deles, o mais recente,
mencionava que o marquês de Galston havia comprado uma casa nos ChampsÉlysées. A nota descrevia a
decoração e os cómodos da casa, e terminava com a seguinte observação:

29

"A anfitriã das festas do marquês será a linda condessa de

Wick".

Assim que Loretta terminou de ler, pensou em como seus parentes ficariam chocados se lessem aquela notícia,
que se referia de maneira tão crua ao relacionamento do marquês e

Ingrid.

Mas nada disso interessava, no momento. O importante era que já sabiam para onde se dirigir, quando
chegassem a Paris.

Loretta deu mais uma olhada nos recortes, muitos deles já bem velhos, interessando-se pelos que se referiam
aos cavalos

do pai. Depois disse:

- Obrigada, Marie. Sabia que me ajudaria. Estará pronta amanhã cedo, às oito e meia, quando eu vier apanhá-la?

Sem hesitar, Marie disse, com um sorriso:

- vou acompanhá-la, milady, e ficarei muito feliz por rever

la belle France.

- É isso mesmo, Marie! Se tivermos sorte, estaremos de volta antes de papai voltar de sua viagem. Nem lhe
passará pela cabeça onde estive em sua ausência.

Ao dizer isso, ela pensou em ir cruzando os dedos desde aquele momento. Confiava, entretanto, que tudo
19
correria bem, e que era mesmo uma sorte poder contar com Marie.

- Às oito e meia, Marie! - repetiu Loretta. - E obrigada

pelo café!

Ao despedir-se de Loretta, Marie estava entusiasmada. Certamente já começaria a arrumar o que fosse preciso
para a viagem.

Como ela mesma havia dito, seria emocionante voltar ao seu país depois de tantos anos.

Ao chegar em casa, Loretta mandou chamar sua aia e disse-lhe para arrumar tudo o que fosse preciso para uma
viagem.

- Então vai viajar, mílady?

- Sim. vou passar uns dias com alguns amigos. Como ainda não falei com Sua Graça, por favor, não comente com
ninguém. Você sabe que ele se preocupa com tudo. Confio em você, Sarah, e peço-lhe que não mencione uma
palavra aos outros

criados.

Sarah gostava muito de Loretta, e fez exatamente como lhe

fora ordenado.

30

Loretta só esperava que seu pai não lhe fizesse perguntas excessivas sobre o que ela iria fazer na ausência dele.

Felizmente, o duque estava preocupado demais com seus afazeres.

Como a filha não mais tocara no assunto de seu casamento com o marquis, ele supunha que ela havia aceitado o
fato, e, por isso, estava de muito bom humor.

- Cuide-se bem em minha ausência - disse ele. - Espero que sua prima sare logo, assim você não ficará tão
sozinha.

- Sentirei muito sua falta, papai. Mas sabe que fico feliz cuidando dos cavalos, portanto, não se preocupe
comigo. Quando Emily melhorar, quem sabe poderemos ir fazer algumas compras.

O duque ia perguntar por que esse interesse em fazer compras, mas não disse nada, imaginando que tipo de
compras a filha iria fazer. Então, deu um sorriso de contentamento.

Mulher nenhuma poderia resistir à fascinação de comprar um enxoval. Ele estava certo de que qualquer
sentimento rebelde de Loretta logo desapareceria quando ela estivesse comprando roupas novas, e,
principalmente, quando estivesse escolhendo seu vestido de noiva.

O duque partiu na manhã seguinte, todo afobado, receando perder o trem.

No último instante, viu que ia esquecendo de pegar uns papéis, e os criados tiveram que correr de um lado para
outro, para cima e para baixo, em grande agitação.

Quando ele partiu, afinal, ainda não eram oito horas, e Loretta teve tempo suficiente para fazer o que queria.

Ordenou que preparassem uma carruagem com os cavalos mais velozes, e foi pegar o passaporte que o pai
20
guardava na gaveta de uma mesa. Esse passaporte era apenas uma folha de papel com os dados impressos e
com a assinatura do ministro das Relações Exteriores.

O duque já o usara diversas vezes. Ainda havia o nome da mãe de Loretta no passaporte. Foi fácil para Loretta
escrever seu nome ao lado do da mãe, e ficou tão perfeito, que ninguém suspeitaria que não tivesse sido escrito
por uma autoridade.

Subitamente, Loretta lembrou-se de que não havia perguntado

31

a Marie se ela ainda tinha passaporte. Mas acreditava que uma mulher tão cuidadosa não jogaria fora um
documento tão importante, mesmo vivendo na Inglaterra há tanto tempo.

Ao chegar à casa de Marie, encontrou-a esperando à porta, com muito pouca bagagem. Preocupada, perguntou-
lhe:

- Está levando o passaporte, Marie?

- Oui, oui! Eu não iria perder uma coisa tão preciosa! Marie entrou na carruagem, depois de ter trancado a porta

e guardado a chave na bolsa.

Olhando para a ex-costureira, Loretta achou que ela parecia mesmo uma aia, vestindo uma capa preta que a
agasalhava bem. Seu chapeuzinho, também preto, tinha fitas que o prendiam sob o queixo. O único toque
colorido era uma echarpe azul ao redor do pescoço.

Seus cabelos grisalhos estavam impecáveis, e os olhos brilhavam, demonstrando o quanto ela estava excitada.

Loretta mais uma vez pensou que tivera muita sorte em poder contar com a companhia de Marie nessa aventura
perigosa.

Elas pegaram um trem que as levou até um entroncamento. Felizmente, tiveram que esperar apenas vinte e
cinco minutos para tomarem outro, que vinha de Londres, com destino a Dover. O trem chegou à costa a tempo
de elas tomarem o vapor que atravessava o canal da Mancha.

Loretta não esquecera que precisariam de muito dinheiro, e, como não podia pedi-lo ao pai, lembrara-se de que
ele guardava o dinheiro das despesas imediatas do castelo numa gaveta de

sua escrivaninha.

Era o secretário do duque quem pagava- os criados, mas o duque não confiava em ninguém, e ia dando ao
secretário o

que fosse necessário.

Havia uma soma considerável na gaveta, e Loretta pegou um pouco mais do que achava que seria necessário.
Mas não quis ser ambiciosa demais e deixar pouco dinheiro na gaveta, o que causaria problemas para o
secretário. Este já era um homem de idade e parecia estar sempre preocupado, como se carregasse todos os
problemas do mundo nas costas.

Para não comprometê-lo, Loretta pedira ao mordomo, antes de partir:

32

21
Por favor, avise ao sr. Miller que Sua Graça deu-me

algum dinheiro da sua gaveta especial, para eu levar comigo nesta visita que vou fazer.

Está bem, milady - respondera o mordomo.

Loretta conseguira sair de casa sem confusão nenhuma. Agora podia ver o marquis e formar uma opinião sobre
ele; depois voltaria para casa sem ninguém suspeitar que ela estivera na França.

Tendo dinheiro suficiente, ela pôde pagar por uma cabina no vapor, e, para deixar Marie ainda mais feliz, pediu
ao camareiro que lhes trouxesse café e bolachas imediatamente.

Mas Loretta não comeu nem bebeu nada, receando enjoar.

- Acho melhor comer quando estivermos no trem. O mar está um pouco revolto - disse ela.

- Não tenho medo do mal de mer. Quando vim da França para cá, há muitos anos, o navio não era tão grande, e
todos os passageiros passaram muito mal, menos eu. Sou muito boa marinheira.

- Espero que eu seja tão boa marinheira como você respondeu Loretta.

Ela pensava que, se viesse mesmo a se casar com o marquis, teria que se acostumar àquela travessia, se quisesse
visitar a Inglaterra frequentemente.

Loretta achou estranho que o marquis sempre ficasse na França, já que o duc não perdia uma corrida
importante na Inglaterra.

Da mesma forma, seu pai assistia constantemente às corridas de Chantilly e Longchamps.

O vapor chegou a Calais em duas horas, porque o vento estava favorável. O trem para Paris já estava na
plataforma.

Loretta pediu a Marie que conseguisse para elas a melhor acomodação possível, e ela conseguiu um vagão
particular. Esse trem de Calais a Paris era mais moderno, e permitia a passagem de um vagão para outro,
sistema que havia sido introduzido nove anos antes. Por isso havia funcionários muito atenciosos, sempre
dispostos a trazer para os passageiros tudo o que eles Precisassem.

33

Depois de uma refeição excelente, Loretta repassou seus

planos.

Ela não dormira bem na noite anterior, preocupada, pensando que, no último instante, alguma coisa pudesse
impedi-la de partir. Mas, agora que tudo corria bem, logo adormeceu.

Quando acordou, já era bem tarde. O trem chegaria a Paris em meia hora.

- Ainda não me disse, milady, se quando chegarmos a Paris iremos para a casa do marquês de Galston ou para o
hotel.

Loretta, na verdade, ainda não pensara nisso, mas disse,

afinal:

- Vamos tentar primeiro ir até a casa do marquês de Galston. Se todos já estiverem dormindo, deixaremos para
22
amanhã. Marie riu.

- Em Paris ninguém se deita cedo!

Quando elas chegaram à Gare du Nord, era quase meia-noite. Um carregador conseguiu-lhes um fiacre, e as
duas rumaram para a Avenue dês Champs-Élysées.

- Se a casa estiver às escuras e não virmos nenhuma luz nas janelas - disse Loretta -, iremos para o Hoteu
Meurice. Sei que papai sempre se hospeda lá quando vem a Paris.

Marie pensava que não ficava bem uma moça solteira, mesmo acompanhada de uma aia, hospedar-se em um
hotel, mas não teceu nenhum comentário.

O fiacre entrou na Avenue dês Champs-Élysées e logo parou em frente a uma mansão toda cercada de grades
com ponteiras

douradas.

Loretta viu que havia inúmeras carruagens particulares, com

criados de libré, esperando em frente à casa.

Diversos criados seguravam tochas para iluminar o caminho

de entrada.

Imaginou que o cocheiro se enganara e havia parado diante

da casa errada.

- Tem certeza de que é esta casa? - perguntou ela em excelente francês. - É esta a mansão do marquês de
Galston?

- Oui, oui, madame, c'est vrai! - disse o cocheiro.

- Espere um minuto, milady - disse Marie. - vou verificar.

Ela desceu do fiacre, foi até a porta de entrada e conversou com um criado que usava uma libré luxuosa, com
galões dourados.

O criado e Marie gesticulavam, e Loretta lembrou-se de que os franceses pareciam incapazes de falar sem
movimentar as mãos.

Logo Marie voltou, toda sorridente.

- Está certo, milady. Esta é a casa do senhor marquês, e estão dando uma festa.

Loretta sentiu uma súbita timidez.

- Talvez. - ela começou a dizer.

Nesse instante o criado que havia seguido Marie abriu a porta e ela viu-se obrigada a descer.

- Talvez seja melhor pedirmos para o cocheiro esperar, Marie, caso não sejamos bem-vindas.

Tarde demais. Marie já havia dado ordens para que descessem a bagagem e pagava o cocheiro com alguns
francos que elas haviam trocado no vapor, apesar de Loretta achar que o câmbio não fosse nada favorável.
23
Tudo o que tinham a fazer agora era seguir o criado. Elas entraram no hall muito grande, decorado com enormes
vasos cheios de flores exóticas. Vários convidados desciam as escadas, rindo e conversando, vindo com certeza
do salão que ficava no primeiro andar.

Quando Loretta chegou ao topo da escada, um criado perguntou:

- A quem devo anunciar, mademoiselle?

Enquanto ele falava, Loretta viu, por sobre o ombro dele, Ingrid parada perto da porta, lindíssima, cheia de
brilho, com jóias nos cabelos, ao redor do pescoço e nas orelhas.

Loretta ficou parada olhando para a prima, enquanto o criado esperava que ela lhe dissesse seu nome. Ingrid
virou-se e, vendo-a, não escondeu seu espanto. Então, Loretta correu ao encontro.

- Ingrid! Lembra-se de mim? - ela perguntou, quase sem ar.

35

- Loretta! O que está fazendo aqui?

- Vim para vê-la. Precisava vê-la! Ingrid parecia cada vez mais confusa, e Loretta disse:

- Papai não sabe que saí da Inglaterra, mas eu tive que vir vê-la, porque só você poderá ajudar-me.

Muito perturbada, sem poder pensar claramente, Ingrid apenas beijou a prima e disse:

- Claro, querida, farei tudo o que puder por você. Onde

está hospedada?

- Ficarei aqui, se puder receber-me.

Novamente Ingrid olhou para Loretta, como se não tivesse entendido bem o que ela dizia. Então disse
rapidamente:

- Precisamos conversar sobre isso. Mas espere um pouco. Meus convidados estão indo embora, deixe-me
despedir deles

primeiro.

- Claro - disse Loretta. - Peço-lhe desculpas por surgir

assim tão de repente.

Ingrid virou-se e despediu-se de um homem que estava de

pé, esperando por ela.

- Au revoir, monsieur!

- Au revoir, milady - respondeu o cavalheiro. - É desnecessário dizer que jamais passei uma noite tão agradável.
A conversa foi muito interessante. Espero que me convide novamente, dentro em breve.

- Claro! Como poderemos ter uma festa sem o senhor?

O francês beijou a mão dela e saiu. Ingrid despediu-se de outro cavalheiro e quase a mesma conversa se repetiu.

24
Só quando o último convidado se retirou e o marquês o acompanhou até o alto das escadas, foi que Loretta
notou que não havia mulheres naquela festa.

Os convidados eram homens exclusivamente, alguns deles já idosos, mas todos muito distintos.

Ingrid voltou-se novamente para a prima, dizendo:

- Agora, Loretta querida, conte-me tudo o que está acontecendo. Não posso imaginar o que esteja fazendo aqui
em Paris, como você disse, sozinha!

- Marie veio comigo. Lembra-se de Marie, que costurava

para nós, no castelo?

36

- Sim, claro, lembro-me dela. Ninguém mais sabe que veio me procurar?

- Ninguém - disse Loretta com um sorriso. - Papai foi para as corridas de Newmarket. Vai ficar fora uma semana,
e não tem a menor ideia de que eu esteja na França.

O marquês vinha ao encontro delas, e Ingrid disse:

- Hugh, querido, o que devo fazer? Esta é minha prima, Loretta Court, que acaba de chegar a Paris para me ver.
Ela diz que precisa de minha ajuda.

- Então, é claro que deve ajudá-la - respondeu o marquês. Ele era um homem muito bonito, e Loretta pôde
entender

por que a prima se apaixonara por ele. Ele lhe apertou a mão, dizendo:

- Muito prazer em conhecê-la, Loretta. Bem-vinda à nossa casa, embora não esperássemos sua visita!

Loretta olhou para ele com um ar suplicante.

- Por favor, deixe-me ficar com vocês por alguns dias. Estou com um problema, um terrível problema, e a única
pessoa que pode me ajudar, e que sei, me compreenderá, é Ingrid!

- Mas é claro que pode ficar aqui! - disse o marquês. Ele olhou para Ingrid, e esta disse baixinho:

- Será conveniente deixarmos que ela fique? Afinal.

- Ninguém vai ficar sabendo que estou aqui - disse Loretta depressa. - E será melhor que eu use outro nome, por
razões que depois lhe explicarei. Avisei Marie para não dizer quem sou até que eu conversasse com você.

- Sendo assim, tudo fica mais fácil - disse Ingrid ainda em voz baixa. - Ao mesmo tempo, tenho certeza.

- Pare de se preocupar - disse o marquês. - Sei exatamente o que está pensando, querida, mas o que importa é
que já é muito tarde, e sua prima esteve viajando o dia todo. Acho melhor oferecermos a ela algo para comer e
beber. Depois cuidaremos dos problemas.

- Isso mesmo, querido Hugh. Você é sempre muito sensato.

Ela falou com uma voz tão terna e havia tal brilho no olhar, que Loretta percebeu que ela continuava apaixonada
pelo homem com o qual havia fugido.

25
Ingrid deu o braço à prima e disse:

37

- Vamos sentar-nos em uma sala mais aconchegante. Hugh vai servir-nos uma taça de champanhe.

- Primeiro vou mandar os criados trazerem a bagagem de Loretta para o quarto dela - disse o marquês. - Depois
vou dar ordens para que acomodem a aia.

- Tenho certeza de que Marie se sente em casa - disse Loretta a Ingrid. - Ela ficou tão excitada com esta
oportunidade de vir à França! É de confiança, e nunca vai contar a meu pai que estive aqui.

- Ainda não posso acreditar que esteja em Paris. Mas você sabe, querida, que, por muito que eu a ame, não fica
bem para você procurar a minha companhia.

- Tudo isso é tolice! Se vocês vivem felizes, acredito que fizeram o que devia ser feito. Justamente por ter
passado por tudo o que passou, precisando até fugir, é que recorro a você

para me aconselhar.

- Não está dizendo... Mas você é muito jovem para...

- gaguejou Ingrid, atrapalhada, e Loretta disse depressa:

- Não, não estou fugindo com ninguém! Estou fugindo do homem que papai escolheu para ser meu marido!

Ingrid havia aberto a porta de uma sala muito bonita e confortável.

Assim que Loretta entrou na sala, sentiu como era aconchegante, e imaginou que ali a prima e o marquês
deviam passar a maior parte do tempo quando queriam estar a sós.

Ingrid ajudou Loretta a tirar o casaco de viagem e o chapeuzinho que lhe cobria os cabelos loiros.

- Sente-se, querida. Não posso acreditar, em primeiro lugar, que esteja aqui, em segundo, que já esteja em idade
de se casar.

- Claro que estou! Já fiz dezoito anos. Só não fiz minha apresentação no Palácio de Buckingham no ano passado
porque estava de luto pelo falecimento de mamãe.

- Mas não vai ser apresentada este ano?

- Não tenho tomado parte em nenhuma das festas da temporada. Mas papai prometeu que eu seria
apresentada ainda este ano; também quer anunciar meu noivado logo depois das corridas de Ascot, e quer que
eu me case em seguida.

- Mas por quê? Para que toda essa pressa?

38

- É o que estou disposta a descobrir! Por isso vim procurá-la.

Sinto-me lisonjeada por ter feito isso, mas você pode ser prejudicada. Ainda não entendi como poderia ajudá-la.
Loretta ficou em silêncio por um momento, depois disse:

- O marido que papai escolheu para mim é filho de um nobre que ele sempre encontra nas corridas e que na
verdade o impressiona muito. É o mar quis de Sauerdun!
26
O silêncio que se seguiu foi muito significativo para Loretta, que ficou observando a reação da prima. Depois
Ingrid disse, incrédula:

- Está dizendo que seu pai deseja que você se case com Fabian, o marquis de Sauerdun?

- Exatamente. Já decidiu que eu vou me casar com ele.

- Mas, não! Isso é impossível! Terminantemente impossível! Pode casar-se com qualquer um, menos com
Fabian!

A voz dela elevou-se, e Loretta ficou olhando para ela, assustada. Ingrid moderou a voz:

- Eu não devia falar desse jeito, deixando-a alarmada. Mas você é tão jovem, tão linda! Sabe que sempre a amei,
querida, e jamais vou desejar que faça um casamento que a torne infeliz, como aconteceu comigo.

- Por isso recorro a você - disse Loretta com simplicidade.

- Eu sabia que me compreenderia. Papai simplesmente não me ouve quando digo que preciso conhecer meu
futuro marido antes de ele ir para a Inglaterra. vou acabar ficando noiva de um homem que não conheço.

- Isso é intolerável! Como pode o tio Arthur, que sempre admirei, tratá-la dessa forma?

- Você sabe como ele é quando toma uma decisão. Sempre teve muita admiração pelo duc de Sauerdun, porque
ele possui excelentes cavalos de raça.

- Cavalos de raça são uma coisa, casamento é outra!

- Imagine se posso dizer isso a papai! Ele não me dá ouvidos!

- A mim é que ele não ouviria! - disse Ingrid, fazendo uma pequena careta.

39

Percebendo a nota de amargura na voz da prima e lembrando-se de sua situação, Loretta disse:

- Sempre tive muita vontade de saber se você era feliz com o marquês e se valia a pena fugir, deixando tudo,
como

vocês fizeram.

- Foi a coisa mais sensata que fiz em toda a minha vida

- respondeu Ingrid. - Agradeço a Deus todos os dias por me conceder a felicidade que tenho ao lado de Hugh. Ao
mesmo tempo, minha querida priminha, esta vida não é para você,

com essa idade.

Loretta parecia confusa, e Ingrid explicou:

- Suponhamos que. você se case com Fabian de Sauerdun e descubra que ele é um marido insuportável,
totalmente insuportável. Mais cedo ou mais tarde, tenho certeza de que você fará o que eu fiz. Acabará
encontrando um homem que a compreenda, que a ame, que será bondoso como Hugh é para mim, e acabará
fugindo com ele.

Loretta suspirou.

27
- É esse tipo de amor que eu desejo encontrar.

- Claro que é o que deseja. Todas nós desejamos.

- Está convencida de que não encontrarei esse tipo de amor

com o Marquis?

- Eu diria que é impossível para qualquer mulher ser feliz

com ele por muito tempo.

- Mas por quê?

- É difícil explicar, mas entenderá quando o conhecer.

- É exatamente por essa razão que estou aqui! Ingrid olhou surpresa para a prima, e esta explicou:

- Quero que pense em um modo de eu conhecer o marquis sem ele saber quem eu sou. Quero vê-lo como
homem, simplesmente, não como um marido já arranjado para mim. - Ela respirou fundo. - Quero explicar a
papai exatamente por que me recuso a casar com ele, mesmo que papai fique furioso comigo, mesmo que me
castigue por recusar uma ordem sua.

- Agora compreendo por que veio me procurar. Mas vai ser difícil, muito difícil Fabian prestar atenção em você.

- Não estou entendendo.

Ingrid sorriu e pareceu ainda mais adorável. 40

- Fabian de Sauerdun é o homem mais querido pelas mulheres, é o mais aclamado, o mais festejado de toda
Paris! Não há mulher que não corra atrás dele! Elas caem em seus braços antes que ele tenha tempo de lhes
perguntar o nome!

Loretta olhava para Ingrid, abismada, e a prima prosseguiu:

- Quando ele as abandona, pois logo se cansa de amores fáceis, elas ficam desoladas, de coração partido, e
tentam até o suicídio!

- Suicídio!

- Já se comenta em toda Paris que ele é um moderno Casanova, um homem que despedaça os corações, mas
que não consegue ser fiel a mulher nenhuma por mais de dois meses.

Ao terminar de falar, Ingrid deu um suspiro e exclamou:

- Ah, Loretta, pobrezinha! Como poderá suportar viver ao lado de um homem assim?

- Não poderei mesmo. Era isso que queria descobrir: que tipo de homem é o marquis. Infelizmente, vou ter que
convencer papai, e duvido que ele me ouça.

Enquanto falava, pensava que a única solução que lhe restava era fugir com Christopher.

Apesar de ter visto Ingrid e o marquês juntos por apenas alguns minutos, logo notou que o que sentia pelo outro
era algo que jamais sentiria por Christopher Willoughby, nem em um milhão de anos.

- Não sei o que fazer para ajudá-la! - disse Ingrid em voz baixa.

28
- Tenho que ver o marquis! É muito importante que eu mesma tenha uma opinião sobre ele - disse Loretta. - O
que lhe peço, Ingrid, é que me vista bem e me dê um novo nome. Quero conhecer o marquis fazendo-me passar
por uma amiga sua, e não sendo a filha do duque de Madrescourt.

Ingrid olhou bem para ela.

- Imagino que quem esteja por trás disso tudo seja não só seu pai, mas o pai de Fabian também.

- É isso mesmo - concordou. Loretta. - Tenho certeza de que o marquis não tem a menor vontade de se casar
comigo, como eu não tenho de me casar com ele. Foram nossos pais que arquitetaram esse casamento durante
as corridas.

41

Loretta franziu a testa e continuou:

- O que ainda não consegui entender é por que o duc parece ter tanta pressa de realizar esse casamento.

- A isso eu posso responder. O duc está muito preocupado porque Fabian está envolvido com uma mulher muito
bonita, um tipo exótico, e é bem possível que esteja disposto a se

casar com ela.

- E por que não se casa?

- Se ela fosse uma demi-mondaine, não haveria problema, pois num caso desses nem se pensa em casamento.
Mas a mulher, em questão é bem-nascida, e, embora não seja do nível dos Sauerdun, é o que se pode chamar
uma lady.

Ingrid deu um sorriso e prosseguiu:

- Ela também já foi casada por pouco tempo com um homem que podia ser considerado, sem sombra de dúvida,
um

cavalheiro.

- O que é uma demi-mondaine?

Por um momento Ingrid olhou para ela, dizendo, depois de

uma pausa:

- Digamos que seja o nome que se dá a uma mulher de...

diferente nível social.

- O duc está determinado a que o filho faça um excelente

casamento.

- Claro. E quem melhor do que você para ser sua nora?

Loretta ficou de pé.

- Não me casarei com o marquis! Tenho que convencer papai de que isso é impossível! Mas primeiro preciso
convencer a mim mesma. Por favor, Ingrid, dê um jeito de eu conhecer Fabian! Só assim poderei ter argumentos

29
suficientes para fazer papai ver que há muitos outros homens no mundo além do filho do duc de Sauerdun.

Ingrid deu um profundo suspiro.

- Vai ser muito difícil, Loretta! Mas, para evitar que estrague sua vida, como aconteceu comigo, farei tudo o que
me pede, querida!

42

CAPITULO iii

- A primeira coisa que precisa entender - dissera Ingrid

- é que Fabian não vai prestar a menor atenção em você se continuar com esse jeito de jeune-fille.

Loretta não escondera o seu espanto, e a prima explicara:

- Em geral, os homens experimentados ignoram as jovens, principalmente porque têm medo de serem
pressionados a se casar. Portanto, pode imaginar que as mais lindas mulheres, sejam elas da França ou da
Inglaterra, fazem questão de encorajar essa ideia. Tenho certeza de que Fabian não conversa com jovenzinhas, a
não ser que sejam suas parentas.

- Então, se eu quiser conversar com ele, que devo fazer?

- perguntara Loretta, meio desalentada.

Agora ela se achava recostada nos travesseiros, em sua cama confortável, enfeitada com um lindo cortinado. O
quarto era suntuoso, mobiliado no estilo Luís XIV, que ela tanto apreciava.

Marie havia trazido o café da manhã para Loretta, às oito horas, e falava sem parar, mais parecendo um
periquito, excitada por estar de volta à sua querida França. Avisara a Loretta que ficasse na cama até que a
condessa viesse vê-la.

- Esta casa é linda, milady! - disse Marie, que não se cansava de admirar tudo. - Todo mundo vive tão feliz aqui! É
sempre assim na França!

Seu modo de falar era quase uma provocação. Loretta teve que se controlar para não rir, pois sabia que Marie
queria dizer que os ingleses eram muito diferentes dos franceses, mas nem sempre se expressava bem.

Loretta tomou o café fragrante e muito mais gostoso do que ? que tomava em sua casa. Comeu também alguns
croissants quentinhos e leves, acabados de sair do forno.

43

Nesse instante Ingrid entrou no quarto. Usava um négligé, e estava tão linda que Loretta podia entender por que
o marquês a olhava com verdadeira adoração nos olhos.

- Dormiu bem, minha querida? - perguntou Ingrid, sentando-se na beira da cama.

- Dormi como uma pedra! Além de cansada, sentia-me tão agradecida a você e tão aliviada por ter chegado até
aqui, que até consegui esquecer um pouco minhas preocupações.

- Receio que ainda tenha muitos aborrecimentos, minha querida prima. Passei a noite acordada pensando nesse
seu problema, e cheguei à conclusão de que é um dos mais difíceis que já tive que resolver!

Ela fez uma pausa e disse, com um sorriso travesso:


30
- Exceto, claro, quando tive que decidir se devia ou não

fugir com Hugh!

- Foi muito difícil para você?

- Foi muito difícil, porque não queria magoá-lo, pois o amava demais. Ainda receio que ele venha a lamentar um
dia por ter renunciado à sua casa ancestral, à grande fazenda e

aos amigos.

- Assim que o vi, notei que ele parece um homem muito

feliz.

Ingrid juntou as mãos.

- Tento fazê-lo feliz, e rezo para que um dia, se Deus for misericordioso, possamos nos casar e ter os filhos que
ambos desejamos tão desesperadamente.

Loretta sabia que a prima se referia à esposa do marquês. Se ela morresse, tudo correria às mil maravilhas para
eles. Sem poder evitar, perguntou:

- Quando vocês se casarem, pretendem voltar à Inglaterra?

- É o que sempre me pergunto - respondeu Ingrid em voz baixa -, mas acho que a resposta é inquietante. Mesmo
casando-me com Hugh depois que a mulher dele morrer, será difícil voltarmos para a Inglaterra, talvez por
muitos anos.

Havia tristeza na voz de Ingrid. Loretta compreendia que seria embaraçoso para o conde de Wick se sua ex-
esposa voltasse para o seu país. As pessoas talvez continuassem sendo indelicadas com Ingrid.

44

Também seria muito difícil a família Court perdoar a prima. Todavia, como a nanny de Loretta costumava dizer, o
tempo cura todas as feridas.

As gerações mais velhas poderiam desaprovar o comportamento de Ingrid e estarem determinadas a puni-la
pelos seus pecados. As mais jovens, entretanto, a aceitariam como marquesa de Galston, uma vez que seu
marido era rico e importante.

Impulsivamente, Loretta pôs a mão sobre a de Ingrid e disse:

- vou rezar muito, muito, prima querida, para que um dia seja feliz como merece.

- Sou muito feliz agora! Mas não quero que você cometa erros. O meu maior erro foi casar-me aos dezessete
anos, com um homem trinta anos mais velho do que eu.

- Bem, pelo menos disso eu não posso acusar meu pai disse Loretta com um sorriso.

- É verdade, mas sua situação não vai ser muito diferente da minha.

- Por que diz isso?

- Porque a maioria dos franceses, e Fabian não será exceção, deixam suas esposas no campo cuidando dos
bebés, enquanto eles se divertem em Paris com mulheres glamourosas, que granjearam para a capital da França
31
a fama de ser um lugar invejável ou de perdição, dependendo do ponto de vista.

Loretta riu.

- Sei muito bem o que nossos parentes pensam de Paris, especialmente porque você vive aqui.

- Não precisa me contar, pois posso avaliar o que dizem! Mas o que me preocupa, querida, não é que Fabian se
sinta atraído pelos prazeres de Paris, mas que ele venha a despedaçar seu coração, como já fez com o de tantas
mulheres.

- Entendo o que diz, por isso estou decidida a provar a papai que ele é, como você disse, um moderno Casanova,
e que não devo casar-me com ele. Um casamento desses me faria infeliz, e eu tentaria encontrar alguém tão
encantador como

O seu marquês.

Ingrid deu um pequeno grito de horror.

- Como pode estar imaginando uma coisa dessas se nem

45

chegou a se casar? Eu tive muita sorte de Hugh ser um homem diferente da maioria dos ingleses. Ele me ama de
todo o coração e com toda a sua alma, e não se lamenta por ter perdido o que era importante para ele antes de
me conhecer. Sua voz tornou-se mais suave.

- Sei muito bem que qualquer outro cavalheiro inglês estaria sentindo saudades de praticar tiro ao alvo no
outono, caçar no inverno e, mais do que tudo, haveria de sentir falta de seus clubes, onde sempre se reuniria
com os colegas do colégio e da universidade. Se Hugh sentiu saudades, algum dia, de qualquer uma dessas
coisas, nunca deixou transparecer. Mas você pode compreender que vivo inquieta, sempre esperando que um
dia ele, pela primeira vez, se arrependa de ter feito uma coisa socialmente tão condenável como fugir com a
esposa de outro homem.

O modo como a prima falava era tão comovente que Loretta

só pôde abraçá-la e beijá-la. Depois disse:

- Admiro-a por estar sendo tão franca comigo, e compreendo o que tem passado. Portanto, ajude-me, para que
eu não me venha a encontrar na mesma situação.

- Jà pensei muito no que poderá ser feito, e a solução que Hugh e eu encontramos, e que pode parecer ousada
demais, é que você se encontre com Fabian de uma maneira que pode ser considerada. repreensível.

- Como? O que quer dizer? - perguntou Loretta, nervosa.

- Na verdade, Fabian vem almoçar hoje aqui em casa.

- Hoje?

- Sim. Hugh queria cancelar esse almoço, mas achei que é melhor não escondermos você. Entretanto, em Paris
as notícias voam, e a menos que sejamos muito cautelosos, logo todos estarão sabendo que uma linda jovem
está hospedada em nossa

casa.

32
- Então, o que posso fazer? - perguntou Loretta, ansiosa.

A ideia de que Ingrid poderia mandá-la para um hotel lhe passou pela cabeça, deixando-a assustada.

- O que temos a fazer - disse Ingrid vagarosamente

46

é transformar esta jovenzinha em uma mulher mais madura, da minha idade, e casada.

Loretta olhava para a prima, de olhos arregalados.

Você parece uma criança, mas se a vestirmos com roupas mais sofisticadas e se usar uma maquilagem mais
carregada, como se usa em Paris, duvido que Fabian não acredite que você seja quem lhe diremos que é.

Ingrid deu uma risada.

- Uma coisa é absolutamente certa: ele não vai esperar que uma jovem e pura debutante se hospede na casa da
tão falada condessa de Wick!

- Se deve me fazer passar por uma mulher casada, que direi sobre meu marido?

- O menos possível. Obviamente, sendo inglês, seu marido não é atencioso, nem delicado, e prefere os esportes
à companhia da esposa. Se não fosse assim, ele não a deixaria vir a Paris. Podemos até insinuar que seu marido
tem outros "interesses" além da esposa.

- Outros. interesses?

Ingrid percebeu como a prima era inocente, e explicou depressa:

- Interesses como esportes, cavalos, e, claro, ele poderia estar. enamorado de uma linda atriz.

- Já entendi! É uma ótima ideia, e justifica minha presença em Paris sem ele.

- Exatamente! Agora, querida, levante-se, e vamos começar a sua transformação para o papel que vai
representar.

Acabando de dizer isso, ela levantou-se, e Loretta, saltando da cama, atravessou o quarto e foi até a janela.

- Estou tão contente por estar em Paris! com marquis ou sem marquis, preciso ver um pouco da mais excitante
capital de todo o mundo.

- Paris é encantadora nesta época do ano em que as castanheiras estão em flor. Claro que vai conhecer a cidade,
querida. Quero que esta sua primeira visita à capital da França seja inesquecível, apesar de seus aborrecimentos
por causa desse horrível marquis.

47

Achando que já haviam conversado demais, Ingrid começou a instruir Loretta sobre o que fazer, como se ela
estivesse no palco. Afinal, para serem bem convincentes, ambas teriam que ser boas atrizes.

Enquanto Loretta tomava banho, Ingrid foi ao seu quarto

para vestir-se também.

Ao voltar, uma criada a acompanhava, trazendo uma pilha

33
de vestidos nos braços.

- Para começar, vou emprestar-lhe minhas roupas, pois não temos tempo de fazer compras. Mas, se for ver
Fabian novamente, deve comprar vestidos novos. Em Paris, onde a moda é atualíssima, encontrará modelos
maravilhosos, que poderá usar quando voltar para casa, se não este ano, certamente no

ano que vem.

Passou pela cabeça de Loretta que o que iria comprar já poderia ser parte de seu enxoval. Mas afastou esse
pensamento e concentrou-se no que a prima lhe dizia.

Primeiro Ingrid insistiu em que ela usasse um espartilho preto de um modelo que ela nunca tinha visto antes.

- Seu corpo é perfeito, mas ficará ainda mais na moda se afinarmos sua cintura ao máximo. Isso quer dizer, goste
ou não, apertar bem os cordões!

Na verdade, Loretta não achou o espartilho incómodo; apenas limitava um pouco seus movimentos e a deixava
muito

ereta.

Ingrid fez com que a prima experimentasse um vestido após outro, até encontrar um apropriado. Era azul, da
mesma cor dos olhos de Loretta, de um modelo sensacional, mas não vistoso demais, o que só os grandes
estilistas e costureiros franceses conseguiam.

Tinha detalhes de um azul mais escuro, o que lhe dava um ar chique e o tornava diferente de tudo o que Loretta
já vestira em toda a sua vida.

Escolhido o vestido, a criada começou a arranjar-lhe o penteado, num estilo tipicamente francês. Todo o cabelo
foi levantado para o alto da cabeça, e ficou tão bonito, que Marie exclamou:

48

- C'est merveilleux, milady! Muito diferente das jeunesfilles anglaises.

Marie referia-se às ilustrações que vira no Ladies Journal que ela havia comprado.

com aquele vestido e aquele penteado, Loretta parecia tão tipicamente francesa, que até começou a sentir-se
diferente.

Mas Ingrid não havia terminado. Ela mesma aplicou um pouco de pó na pele perfeita de Loretta, passou um
pouco de pintura nos cílios e um toque escuro nas pálpebras, que tornaram seus olhos ainda maiores. Sobre as
maçãs do rosto, um pouquinho de rouge, e um brilho nos lábios. Se o pai de Loretta a visse, mandaria que
subisse imediatamente e fosse lavar o rosto.

Entretanto, não se podia negar que Ingrid havia sido bem habilidosa. Quem não conhecesse Loretta, se a visse
sem pintura, não diria que era a mesma pessoa.

Finalmente, ela ergueu-se da penteadeira e, olhando-se em um espelho de corpo inteiro, pensou que o próprio
Christopher teria dificuldade em reconhecê-la.

Ao mesmo tempo, queria voltar a ser ela mesma o mais depressa possível.

- Agora, Loretta, quero conversar a sós com você.

34
Elas deixaram Marie e a criada exclamando como Loretta havia ficado linda e foram para a sala íntima de Ingrid,
que ficava ao lado.

A sala era muito agradável, ensolarada e primorosamente mobiliada; tudo ali parecia um ambiente perfeito para
uma pessoa apaixonada.

Loretta sentou-se em uma poltrona de estofamento bordado em meio-ponto. Ela percebeu que a prima fizera
questão de criar ao redor do marquês uma atmosfera romântica da qual ele não pudesse escapar.

"Eles são tão felizes!", pensou, quase com inveja. "Como eu poderia me casar sem amor, sabendo que minha
vida futura seria desolada, solitária e desastrosa? "

Deixando esses pensamentos, concentrou-se no que Ingrid lhe dizia.

49

- Agora, querida, vamos recordar todos os passos. Você é uma lady inglesa, casada com um lorde muito
aborrecido e egoísta. Sentindo-se infeliz, mas orgulhosa demais para admiti-lo, veio a Paris e me procurou,
sabendo que eu seria a única de suas amigas que compreenderia seu sofrimento.

Ingrid fez uma pausa; seus olhos brilhavam.

- Que tal? Tem lógica, não tem?

- Só uma pessoa feita de pedra não se apiedaria de minha situação! - disse Loretta, rindo.

- Ótimo! Vamos agora ao mais importante. Loretta prestava a máxima atenção.

- Tendo sofrido muito, tem aversão por homens em geral. Suspeita de tudo o que lhe dizem, e não tem a menor
intenção de se envolver, de modo algum, com qualquer homem que tente flertar com você.

Loretta pareceu confusa, e Ingrid explicou:

- Compreenda, querida, que, mesmo parecendo leviana e frívola, você tem que deixar bem claro que não quer
envolver-se emocionalmente, como o faz a maioria das mulheres que vêm a Paris especialmente para esse tipo
de diversão.

- Não! Claro que não!

- É por isso que deve parecer uma mulher orgulhosa, fria, desiludida da vida, com a firme intenção de não se
ligar a homem nenhum que, como o seu marido, logo se cansaria de

você.

- Compreendo, compreendo - disse Loretta, rindo. Você acha que o marquis pode tentar flertar comigo, e eu
devo deixar bem claro que ele não me interessa.

- Esse ponto é o mais importante - insistiu Ingrid. Quero que o conheça, que converse com ele, mas de forma
alguma se deixe envolver. Tenho certeza de que, mesmo achando-a linda, ele não ficará interessado em você se
não lhe der

atenção.

Loretta bateu palmas.

- Ingrid, você é um génio! Entendi tudo, e vou deixar bem claro ao "Monsieur Casanova" que ele não me atrai
35
como homem, e que sou apenas delicada com ele por ser sua hóspede.

50

- É exatamente o que deve fazer. Prometa-me, Loretta, prometa por tudo o que é sagrado que não vai se deixar
seduzir por Fabian! Estou lhe avisando que ele é como o flautista de Merlin. toca uma música e as mulheres o
seguem!

- Não se preocupe. Ficarei pensando o tempo todo que, se me casar com ele, como papai quer, vou ficar a vida
inteira sozinha, sentada em algum chateou sombrio, na França, sem conhecer ninguém, enquanto meu marido
fica em Paris perseguindo lindas mulheres.

- É isso mesmo o que ele fará. Portanto, não dê ouvidos às coisas maravilhosas que ele lhe dirá. Não se deixe
iludir pelos elogios, pois nisso ele é muito eloquente. Lembre-se nessa hora de que ele já repetiu a mesma frase
centenas de vezes para mulheres loucamente enamoradas, que agora choram, desesperadas, porque ele não se
interessa mais por elas.

- Fabian é abominável! - disse Loretta, indignada. Não se preocupe comigo, Ingrid. Uma pessoa prevenida vale
por duas, diz o ditado. Acho que foi meu anjo da guarda que me inspirou a procurá-la, depois que papai decidiu
que eu não tinha outra escolha senão me casar com o marquis.

- Influenciado pelo duc, claro! Só não se esqueça de que o marquis está, no momento, enamorado da Mme. Julie
St. Gervaise.

- É possível que ele queira se casar com ela?

- Talvez fosse possível, se Fabian não tivesse decidido nunca mais se casar novamente. Sei que ele lutará
desesperadamente para não perder a liberdade.

- Espero que esteja certa, pois será mais fácil para mim.

- Sim, claro. Mas não se fie muito nisso. Você tem que representar seu papel com muito empenho. E lembre-se
de que, Por estar nesta casa, ele não deve pensar que você não seja.

Ela fez uma pausa e, pensando melhor, mudou o que ia dizer:

- tão respeitável como nossos... parentes.

Loretta não sabia muito bem o que ela queria dizer com aquilo, mas respondeu:

- vou fazer exatamente como tia Edith, quando não aprovava o que você havia dito.

51

Ingrid deu uma risada gostosa.

- Lembro-me de que ela sempre dizia a seu pai que eu i exercia péssima influência sobre você, e, claro, dizia a
todos que eu teria um fim triste! Acho que ela ainda continua fazendo o mesmo JUÍZo de mim lá no céu, ou
onde possa estar, Loretta começou a rir, achando muita graça no modo como

a prima falava.

Elas continuaram a recordar histórias de infância, quando o marquês mandou avisar que Ingrid devia descer,
porque seus convidados logo chegariam.

36
- É uma festa... muito grande? - perguntou Loretta, um

pouco nervosa.

- Não, apenas meia dúzia de cavalheiros.

- Só homens? Ontem não vi senhoras na festa. Ingrid olhou para ela de um modo estranho.

- Você não entendeu por quê? Loretta sacudiu a cabeça.

- Então deixe-me explicar. Para as mulheres que nós costumamos chamar de "senhoras", eu sou considerada
"além do limite social", uma mulher escandalosa que, quando encontram, as faz voltar a cabeça e afastar-se,
como se pudesse contaminá-las.

Respirou fundo e continuou:

- Mas quero ver Hugh feliz, por isso sempre encorajei os homens mais inteligentes de Paris a frequentarem
nossa casa, a virem a festas e almoços íntimos como este que vamos dar hoje. Hugh é um homem muito
inteligente, e sempre gostou de reuniões onde possa conversar com os amigos, em um alto

nível intelectual. Nós formamos um círculo de amigos, todos muito cultos, e nos reunimos, com boa comida e
bebida, passando assim momentos agradáveis.

- Parece fascinante.

- Entre esses amigos temos também alguns artistas e músicos. Ocasionalmente, só ocasionalmente, temos
mulheres entre os convidados. Elas são geralmente pessoas talentosas e de muita personalidade, que também
não são aceitas pelas anfitriãs mais austeras. Por isso nossos convidados são quase sepre

52

homens. Adoro recebê-los. São cavalheiros muito interessantes, que ocupam altos cargos no governo ou que
atuam em outros diferentes setores. Todos têm, na verdade, uma inteligência brilhante.

- Acho tudo isso maravilhoso! Agora compreendo por que o marquês está sempre feliz ao seu lado, mesmo que
tenha que esperar muito tempo para vocês se casarem.

- Rezo todas as noites para podermos realizar nosso casamento um dia. Amo Hugh, e morreria por ele. Por isso
faço tudo para ele viver feliz e nunca se arrepender de ter escolhido viver ao meu lado.

- Nunca se arrependerá - disse Loretta, beijando a prima. Depois de olhar-se rapidamente no espelho, Ingrid
apressou-se em descer as escadas.

- Espere aqui exatamente dez minutos - ela disse. Depois desça e vá ao salão prateado, que é onde nos
reuniremos antes do almoço. Os criados do hall lhe dirão onde fica.

Loretta sorriu.

- Está sugerindo que eu faça uma entrada triunfal?

- Isso mesmo! Quero que cause sensação e que todos os cavalheiros presentes fiquem perplexos com sua
beleza.

- Agora está me deixando assustada.

- Apenas delicie-se com os elogios deles, mas lembre-se de que Fabian é perigoso!
37
A prima ia saindo, e Loretta disse:

- Obrigada, querida Ingrid! Espero não desapontá-la.

- Pense naqueles dois velhos duques que planejam unir seus dois filhos sem se importarem se eles gostam ou
não da ideia. Se fizer isso, não será difícil representar seu papel com Perfeição.

Ela deu um sorriso e saiu, deixando a prima sozinha.

Loretta olhou-se no espelho que havia sobre a cornija da lareira. Por um momento, o que viu foi o medo
refletido nos olhos. Depois admirou o penteado muito elaborado que a criada de Ingrid havia feito, e gostou do
efeito sofisticado que ele Ousava.

O vestido parisiense que usava acentuava as curvas de seu busto e realçava a cintura fina.

53

Então ela disse a si mesma com firmeza:

- Sou uma mulher inglesa, fria e altiva, e não confio nos homens, principalmente nos franceses!

Subitamente, com uma exclamação de horror, lembrou-se de que, embora ela e Ingrid tivessem conversado
tanto tempo, não haviam decidido que nome ela usaria.

Pensava aflita no que poderia fazer, quando a porta se abriu. Um criado de libré entrou na sala, trazendo um
bilhete numa

salva de prata.

Loretta pegou o bilhete, calculando que Ingrid tivesse descoberto a tempo essa omissão em seus planos. De fato,
o bilhete era dirigido a "Lady Brompton", e dentro do envelope havia um papel onde se lia apenas: Lora.

O criado saiu da sala, e Loretta sorriu, ao ler o nome escolhido para ela.

"É um nome interessante, bem inglês e bem comum. Quem o ouvir, principalmente um estrangeiro, não
associará ao nome de uma pessoa importante."

- Sou lady Brompton - informou Loretta ao seu reflexo

no espelho.

Olhando para o relógio que estava à sua frente, viu que era

hora de descer.

Um criado de libré esperava por ela no hall, e foi à sua frente até o salão prateado, abrindo-lhe a porta.

Ao entrar, Loretta sentiu que tudo girava diante dela. Acalmou-se ao ver Ingrid, que parecia uma flor, rodeada
de homens de roupas escuras. A prima levantou-se e caminhou vagarosamente sobre o tapete Aubusson, indo
ao encontro dela.

- bom dia, querida! - exclamou Ingrid com alegria. Espero que tenha passado uma ótima noite!

- Tive um sono muito tranquilo, mas receio estar atrasada.

- Está sendo pontual para o almoço. Isso é o que importa. Agora quero apresentá-la aos meus convidados.

38
- Acho que lady Brompton deve primeiro tomar uma taça de champanhe para compensar o cansaço da viagem -
disse o marquês com um brilho nos olhos.

54

Loretta percebeu que Ingrid devia ter treinado Hugh muito bem, pois ele agia com a maior naturalidade.

- Oh, achei sua casa encantadora! - disse Loretta, enquanto pegava a taça de champanhe das mãos do marquês.
- Eu me sentia muito cansada para observar tudo, mas vejo agora que tem uma linda coleção de verdadeiros
tesouros, que eu adoraria admirar com mais calma.

- Prometo que poderá ver todos eles - respondeu o marquês.

- Deixe-me apresentar-lhe lê comte.

Como estava ainda um pouco nervosa, Loretta não ouviu bem os nomes dos cavalheiros que a prima lhe ia
apresentando. Finalmente, ouviu:

- O marquis de Sauerdun! E deixe-me preveni-la para que não acredite em uma palavra do que ele disser!

- Não esperava que fosse tão má! - replicou ele com sua voz profunda.

Havia um toque divertido nas suas palavras, como se ele percebesse que Ingrid tinha segundas intenções.

Loretta olhou para o marquis, que, automaticamente, levou a mão dela aos lábios.

Ele não era, certamente, um homem de aparência fora do comum, mas não podia negar que era másculo e
muito bonito.

Havia, entretanto, em Fabian algo especial que o tornava diferente dos outros cavalheiros do salão. Agora
Loretta podia entender exatamente o que Ingrid havia tentado explicar-lhe.

O marquis exibia um ar casual, mas nele havia também algo extraordinário que o tornava extremamente
dominador.

A impressão de Loretta era a. de que ele fosse um deus que tivesse descido para viver entre os homens e
quisesse igualarse a eles.

O marquis olhou-a dentro dos olhos, e, ao apertar-lhe a mão, ela sentiu uma força magnética que a atraía para
ele. Loretta teve medo. Durante alguns segundos, ficou olhando para Fabian. Depois, com esforço quase sobre-
humano, desviou o olhar. O marquis disse, com voz suave:

- Estou encantado, madame, e sinto, apesar de não saber explicar por quê, que este momento é muito
importante em minha vida!

55

Loretta susteve a respiração.

Tirando a mão da dele, conseguiu dizer, tentando parecer fria e distante:

- Para mim é um momento importante também, pois é a primeira vez que venho a Paris, e quero ter lembranças
agradáveis desta viagem.

Ao terminar de falar, sua vontade era afastar-se dali. Porém, como Ingrid deixara para apresentar-lhe o marquis
por último, os dois estavam um pouco isolados do grupo.
39
- A primeira vez que vem a Paris! - repetiu o marquis.

- Então permita-me fazer desta sua estada aqui um período inesquecível de sua vida.

Ambos conversavam em francês. A voz dele era tão profunda e melodiosa, que parecia música aos ouvidos de
Loretta. Ela afastou seus olhos dos dele, e o marquis disse, em voz

baixa:

- A senhora é linda! Jamais pensei que pudesse existir

uma mulher tão linda como a senhora!

Por um momento, Loretta ficou encantada com aquelas palavras; o tom de sua voz e o estranho magnetismo
que ainda a atraía a cativavam.

com esforço, conseguiu responder:

- Imagino que tenha dito essas mesmas palavras para inúmeras mulheres! Quantas teriam sido tolas a ponto de
acreditar no que lhes disse?

O marquis deu uma risada sonora e espontânea.

- Já devia ter adivinhado que Ingrid a colocou contra mim. Tudo o que posso dizer é que espero que seja
bastante justa para acreditar que sou inocente até ficar provada a minha

culpa.

- Já ouvi muito a seu respeito, monsieur, e posso estar enganada, mas há muitas provas, como as chama, e
muitas testemunhas.

Loretta percebeu sua ousadia.

- Acredita mesmo nesses comentários? Na maioria das vezes, eles são feitos por gente inferior, ou por aqueles
que invejam os nossos prazeres.

56

"Prazer" é uma palavra difícil de se definir. Para alguns pode significar riso e alegria, para outros pode significar
uma diversão fugaz que deixa algumas pessoas feridas e infelizes!

- Sei exatamente a que se refere, lady Brompton. Sei também que tipo de histórias andaram lhe contando.

Ele ficou calado por um instante, e depois prosseguiu:

- Se me permite, quero sugerir que, sendo uma pessoa recém-chegada a Paris, deve divertir-se agora, enquanto
está aqui. Lembre-se de que o passado não interessa.

Ele falava muito seriamente. Loretta olhou para ele, surpresa, tencionando dar uma resposta um tanto mordaz.

Lembrou-se então de que Ingrid a havia instruído para parecer fria, distante e, se possível, demonstrar que se
chocava com o que ele lhe dizia.

Ao olhar para o marquis novamente, ela sentiu-se incapaz de falar.

Além disso, sem saber explicar por quê, ficou trémula ao notar a expressão do olhar dele.

40
O marquis disse em voz baixa:

- Apesar de não saber disso, está me desafiando, e sinto que não posso resistir a esse desafio.

- Não entendo o que está dizendo - replicou Loretta.

- Acho que sabe - ele respondeu. - Pretendo mostrar-lhe Paris, e vou provar-lhe que faz um julgamento errado
de mim. Só desejo saber: quando me permitirá que a acompanhe?

57

CAPÍTULO IV

O marquis veio buscar Loretta às oito horas. Mesmo achando que estava sendo tola, enquanto o esperava para
saírem para jantar, ela sentia-se extremamente excitada. Ao ouvir Loretta contar que o marquis a havia
convidado para jantar, Ingrid exclamara:

- Notei que ele foi muito atencioso com você durante o almoço. Acha que é prudente continuar com esta farsa?
Afinal, já sabe como ele é. Isso não basta?

Loretta percebeu que a prima estava bastante apreensiva. Agora que já vira o marquis, podia compreender a
preocupação de Ingrid.

Por ser a única senhora convidada para o almoço, Loretta sentara-se à direita do anfitrião e Fabian à esquerda,
ficando ela bem em frente dele, do outro lado da mesa.

Observando-o, viu que uma das coisas que o tornavam diferente dos outros cavalheiros era que havia uma
permanente expressão de riso em seus olhos. Era como se ele achasse o mundo um lugar muito divertido, e
zombasse dele.

Controlando-se, Loretta voltou o olhar para o cavalheiro que

estava sentado ao lado de Fabian. Era o comte Eugène de Marais.

O comte, mais velho do que o marquis, aparentando ter

menos de quarenta anos, começou a flertar com ela, o que

não a surpreendeu.

Em tudo que ele dizia havia insinuações, e seus elogios eram tão extravagantes, que Loretta, em vez de sentir-se
inibida, divertiu-se.

A conversa durante o almoço foi muito interessante. Loretta ficou contente por conhecer todos os assuntos que
os cavalheiros abordavam.

Ela devia isso ao pai, que, apesar de não ser um bom ouvinte, era um homem muito inteligente. Ele tinha o
hábito de discutir durante as refeições todos os assuntos que havia lido nos jornais, pela manhã.

Loretta estava, por isso, a par da situação política da França.

Sabia do escândalo que causara a queda do primeiro-ministro Rouvier e a renúncia do presidente Jules Crévy,
quando foi descoberto que o genro do presidente fazia comércio com condecorações, especialmente as tão
cobiçadas da Légion d'Honneur.

Loretta foi capaz de expor seus pontos de vista e de fazer alguns comentários inteligentes, e notou que a prima
41
olhava para ela com um ar de aprovação.

Para sua surpresa, o marquis lhe disse:

- Será possível que, além de ser tão linda, seja também inteligente? Chega a ser injusto para um homem
competir com tal combinação!

Loretta riu, dizendo:

- Sou apenas uma humilde aluna sentada aos pés de grandes mestres.

- Tenho certeza de que todos os cavalheiros aqui presentes sentem-se envaidecidos ouvindo-a descrevê-los
assim - disse o marquis com ironia.

Mas Loretta continuou:

- Era assim que os gregos antigos conversavam; foram eles que ensinaram o mundo civilizado a pensar.

O marquis, que não tirava os olhos dela, exclamou:

- Então é isso! Agora descobri o que me intrigou assim que a vi. Sabia que era especial. Acabo de me convencer
de que é grega, mas não de Atenas, e sim do monte Olimpo.

Loretta quis rir e achou que o marquis dizia aquilo a todas as mulheres. As palavras pareciam fluir facilmente de
seus lábios. Mas, ao mesmo tempo, parecia que ele estava sendo sincero. Naturalmente, ele era também um
bom ator.

Lembrando-se do que Ingrid lhe dissera sobre o marquis, Loretta olhou para ele com frieza.

Sem responder ao comentário que ele fizera, começou a falar sobre o temor, que pairava no ar, de que uma
revolução estourasse.

- Acho que não acontecerá nada tão grave - disse o

59

marquês. - A França está cada vez mais próspera e mais burguesa. Já não se vê tanta pobreza como no passado.

- Não posso compreender - interrompeu Fabian - por que lady Brompton se preocupa com nossos problemas, a
não ser que ela seja uma dessas ardentes reformadoras que gostam de interferir e querer resolver os problemas
dos outros, em vez de cuidar dos seus.

Antes que Loretta tivesse tempo de dar uma resposta mordaz, o comte disse:

- Acho que lady Brompton pode interferir em todos os meus problemas, se quiser. Só não quero que ela se
esqueça de mim. Ele falou como se achasse impossível aquilo acontecer. Querendo demonstrar ao marquis que
não tinha o menor interesse nele, Loretta disse ao comte com um doce sorriso:

- Posso assegurar-lhe, monsieur, que acho muito difícil esquecer alguém tão amável e que me diz coisas tão
agradáveis. Acabando de dizer isso, Loretta achou que havia exagerado. Não podia se esquecer de representar o
papel de uma mulher que não gostava dos homens. Então, ficou muito ereta e permaneceu em silêncio por
algum tempo.

Na verdade, achou fascinante ficar apenas ouvindo os convidados apresentarem seus argumentos.

A mesa não era muito larga, o que facilitava aos convidados conversarem com os que estavam à sua frente e
42
também com

seus vizinhos laterais.

Ela observava que, quando o assunto era político, os franceses gostavam de falar como se estivessem em um
palanque, e queriam que todos os ouvissem atentamente.

A atmosfera ali era completamente diferente dos almoços e dos jantares formais que haviam no castelo do
duque.

Mesmo contra a vontade, Loretta tornava-se tão animada quando o assunto lhe era familiar, que acabava
inflamando-se e tomando parte na discussão.

Quando saíram da sala de jantar, o marquis veio para o

lado dela e disse:

- Prometeu-me que deixaria que eu lhe mostrasse Paris. Sugiro que comecemos vendo como esta cidade é linda
à noite.

Loretta olhou para ele, surpresa, e ele continuou:

- vou levá-la para jantar em um lugar tipicamente francês. Lá experimentará a melhor comida de Paris. Depois
iremos passear à beira do Sena.

Ele sorriu para ela.

- É um passeio que se deve fazer também durante o dia, mas vai concordar comigo em que não há nada mais
bonito ou mais romântico do que o Sena à noite.

Por um momento Loretta hesitou. Ela estava pensando que certamente não devia sair para jantar sozinha com
um homem.

Então lembrou-se que era uma mulher casada, e na França era comum uma senhora ir jantar em um
restaurante, o que não acontecia na Inglaterra. Além disso já ficara claro que pouco ligava para as convenções,
hospedando-se em casa de Ingrid.

- Não aceito um "não" como resposta. Portanto, lady Brompton, não me faça ajoelhar-me aos seus pés para
convencê-la a aceitar meu convite.

- Não há necessidade de fazer algo tão exagerado ou teatral - disse Loretta friamente. - Como não tenho outro
compromisso, pois acabo de chegar a Paris, ficarei encantada em aceitar seu convite, monsieur.

- Obrigado! Pode ter certeza de que considero um privilégio ter a sua companhia.

Ele falou do mesmo modo calmo e em voz baixa. Seus olhos brilhavam e parecia que ele, na verdade, estava
rindo dela. Nesse instante, Ingrid aproximou-se deles.

- Parece que ouvi você convidar Lora para jantar esta noite, Fabian.

- Convidei-a, e ela aceitou.

- Então suplico-lhe que não a aborreça.

- Por que acha que eu faria isso?

43
- Sabe muito bem sobre o que estou falando. Ela veio procurar-me porque precisa de meu auxílio e de meus
conselhos. Só posso dizer que você não é, de forma alguma, a pessoa certa, pelo menos não é a que eu
escolheria, para ajudá-la neste período difícil que ela está passando.

- Não está sendo delicada comigo novamente - protestou o marquis. - O que fiz para estar tão desacreditado?

- Sabe muito bem que Hugh e eu gostamos demais de

61

você, Fabian, e o aceitamos como é. Mas acho que é meu dever proteger minha amiga de você, simplesmente
porque Lora sempre viveu muito sossegada na Inglaterra e nunca encontrou um homem como você antes.

- Se lady Brompton tiver alguma queixa de mim, peço desculpas e estou disposto a reparar meu erro, mas não
posso me arrepender de pecados que não cometi.

Ele inclinou-se e beijou a mão de Ingrid.

- Au revoir, e muito obrigado pelo delicioso almoço.

Em seguida, pegou a mão de Loretta, e novamente ela sentiu as mesmas vibrações que emanavam dele. Fabian
olhou para ela e disse suavemente:

- Até à noite. Prometo que não a desapontarei.

Ele saiu da sala, e Loretta admirou-lhe os ombros largos, os quadris estreitos, o físico atlético e ao mesmo tempo
a elegância marcante.

Assim que o último convidado saiu, Ingrid disse:

- Se vai mesmo jantar com Fabian esta noite, temos que nos apressar. Vai precisar de um vestido que a faça
sentir confiança em si mesma.

- Acha mesmo que é disso que preciso?

- Também precisa ser mais dura com ele. Tem que resistir ao que ele diz e à sua magia pessoal. Já lhe avisei que
as mulheres são seduzidas por ele.

Loretta pensou no magnetismo que vinha do marquis, e viu que Ingrid tinha toda a razão.

Quem sabe ela se sentiria mesmo mais confiante usando um vestido novo. Ao mesmo tempo, esse encontro
com o marquis iria permitir que ela o conhecesse melhor, e lhe proporcionaria argumentos para provar ao pai
que era impossível casar-se com aquele homem.

- Há duas grandes casas de moda na França - disse Ingrid -, Worth e Laferrière. Acho que a Laferrière será
melhor, no seu caso.

Mais tarde, quando ambas voltaram da Rue de la Paix para os Champs-Élysées, Loretta viu que a prima tinha
toda a razão em ter escolhido a Laferrière. Ninguém poderia deixá-la com

62

uma aparência mais sofisticada, mais francesa e mais chique do que Laferrière.

Loretta havia pensado em comprar apenas um vestido de noite, mas Ingrid insistiu em que ela comprasse três, e
também diversos vestidos muito elegantes para o dia. Foi uma tarefa difícil escolher entre tantos modelos, cada
44
um mais lindo do que o outro.

Enquanto admirava as roupas, fascinada, pois nunca vira nada tão lindo antes, Loretta ia ouvindo tudo o que
Ingrid lhe contava sobre o marquis.

- Suponho que em todas as épocas houve algumas mulheres a quem os homens não podiam resistir, não
somente por causa de sua beleza, como também pelo seu caráter e personalidade. O mesmo aconteceu com o
sexo oposto. Quando nos referimos a Fabian como um "moderno Casanova" ou um "Dom Juan", estamos, de
certo modo, fazendo-lhe um elogio; queremos dizer que ele possui algo que os outros homens não têm.

- Magnetismo! - disse Loretta mais para si mesma, mas Ingrid continuou:

- Ninguém pode ser mais agradável, mais inteligente, mais encantador como companhia do que Fabian. Mas,
como marido, ele seria bem diferente.

Ela segurou a mão de Loretta e disse gentilmente:

- Meu único medo, querida, é que, apesar de tudo o que lhe disse, você se apaixone por Fabian e aceite casar-se
com ele, como quer tio Arthur. Esse homem a fará tão infeliz, de um modo que você nem pode imaginar.

- Compreendo. Mas a dificuldade está em achar algo substancial que pese contra ele e que sirva para persuadir
papai de que não estou chocada apenas porque um homem tenha tido uma porção de casos amorosos antes de
se casar.

- Só mesmo os ingleses para acreditarem que um mulherengo possa mudar de vida - disse Ingrid com sarcasmo.
Os franceses dizem: "Um leopardo jamais deixa de ter suas pintas". A mulher francesa já-espera que seu marido
seja infiel, Portanto, se ele for mesmo, não a surpreende.

- Mas isso deve deixá-la muito infeliz.

Acho que sim. Porém, os casamentos são em geral arranjados, e se realizam quando o homem e a mulher são
ainda muito

63

jovens. Elas não sabem o que é o amor, nem o que estão perdendo. Só vão compreender melhor quando
ficarem mais velhas.

Loretta, apesar de jovem, já sonhava com o amor ideal, que um homem como o marquis jamais lhe ofereceria.

Ingrid não o encontrara senão depois de seu casamento. Agora ela e o marquês faziam grandes sacrifícios para
não perder esse amor.

"É esse tipo de amor que desejo ter", repetia Loretta a si mesma desde que chegara a Paris.

Era impossível ver Ingrid e o marquês juntos e ignorar como um vibrava pelo outro. No jantar, observara o modo
como os olhos do marquês sempre buscavam os de Ingrid, sentada na outra extremidade da. mesa.

Loretta observara também que a expressão que havia no rosto de Hugh era bem diferente da expressão do
comte de Marais ao flertar com ela. O comte havia dito a Loretta, em voz baixa:

- Preciso vê-la novamente, madame. Tenho muitas coisas para lhe dizer, e precisamos ficar sozinhos.

Ele falava de um modo estranho, e Loretta sentia que ele tomava liberdades, o que a fez desejar afastar-se dele.

45
Na verdade, achava o comte um tanto repulsivo, e não gostava do tom acariciador que ele usara ao se dirigir a
ela.

Loretta não respondeu ao seu pedido de ficar a sós com ele, apenas virou-se para o lado, como se não tivesse
ouvido o que

ele dissera.

O comte deu uma risadinha, parecendo divertir-se com o esforço que ela fazia para evitá-lo.

Agora, na carruagem, de volta das compras, ao passar pela Place de la Concorde, ela disse a Ingrid:

- Você parece nervosa porque vou jantar esta noite com o marquis, mas isso é uma coisa que quero fazer e, na
verdade, estou muito feliz por não ter que suportar a presença do comte.

- Tem razão, acho-o um homem desagradável. É um mulherengo, e tem muito sucesso com a maioria das
mulheres. Nem é preciso dizer que ele tem ciúmes de Fabian. Uma ocasião os dois se bateram em duelo.

- Um duelo! Mas isso já nem se usa mais!

- Na Inglaterra, não, mas na França, sim. Há frequentes

64

duelos em Paris. Geralmente os cavalheiros se batem em duelo no Bois, um local já tradicional para isso há mais
de um século.

- Não parece nada civilizado. Espero que ninguém queira duelar por minha causa.

Não deve permitir que isso aconteça - disse Ingrid depressa. - Mas aviso-lhe que não jogue o comte contra
Fabian, se não quiser que um desafie o outro para um duelo.

- Espero não ver o comte novamente.

Loretta disse isso cedo demais. Quando chegaram em casa, um criado informou a Ingrid que o comte Eugène de
Marais esperava por elas no salão prateado.

- Veja o que você fez! - exclamou Ingrid. - Se Eugène de Marais veio aqui duas vezes no mesmo dia, só pode ser
para vê-la.

- Diga a ele que vou subir para descansar - disse Loretta, e subiu depressa para seu quarto, sem esperar o
assentimento da prima.

Não conseguiu descansar muito, antes do jantar. Estava mais preocupada em enfeitar-se e ficar bonita em seu
vestido novo.

Novamente Ingrid deu uns toques no rosto da prima para fazer desaparecer aquele ar de jeune-fille.

- Está linda, querida - disse Ingrid, ao terminar. - Linda demais. Prometa-me que terá cuidado!

- Mas que preocupação exagerada! Está parecendo uma galinha choca protegendo seus pintainhos! - disse
Loretta, provocando a prima. - Prometo que serei cautelosa.

- Bata na madeira! - disse Ingrid depressa. - Lembre que é muito fácil colocar o canal da Mancha entre você e
Fabian.

46
- Não posso me esquecer. Estou sempre me lembrando de que ele vai logo cruzar esse canal quando aceitar o
convite de papai.

Quando um criado de libré anunciou que o marquis de Sauerdun havia chegado, Loretta desceu vagarosamente
as escadas.

Ela estava consciente de que a pequena cauda de seu vestido flutuava atrás dela, dando uma sofisticação que
uma jovem não tinha.

Seus cabelos também exibiam um novo penteado, completamente diferente do coque feio que era moda na
Inglaterra. Estava, ao contrário, todo arrumado em camadas de pequenos cachos ao redor da cabeça.

Loretta achou que aquele penteado lhe dava um ar de deusa grega, como o marquis havia mencionado no
almoço.

Ela não esperava que Fabian o notasse, mas, assim que ele se virou e olhou para ela, disse:

- Perfeito! Esta noite está mais do que provado que desceu do monte Olimpo, e sabe disso.

Ela apenas ergueu as sobrancelhas, como que pedindo uma explicação, e ele continuou:

- Agora não só o seu nariz é grego, mas os cabelos também. Só posso dizer, e espero que acredite em mim, que
jamais pensei que uma mulher pudesse reunir tanta beleza!

Havia sinceridade em sua voz, mas Loretta achou que devia ser parte de uma representação, perfeita, aliás.

- Aonde iremos jantar? - ela perguntou para desviar o assunto, pois não queria falar sobre si mesma.

- Não quero que amigos e conhecidos nos perturbem; é muito provável que, se nos virem, fiquem curiosos e
queiram saber quem é. Por isso, vou levá-la ao Lapêrouse. É um pequeno restaurante perto do Sena; lá nos
sentiremos como se estivéssemos sozinhos.

- Esta será a primeira vez que janto em um restaurante - confessou Loretta.

- Imaginei mesmo que isso nunca tivesse acontecido antes. E há muitos outros lugares aonde quero levá-la, Lora.
Terei tanto prazer em fazer isso que não me é possível expressar em

palavras.

Ela não sabia o que dizer; depois de algum momento, replicou:

- Meu nome é lady Brompton!

- Já nos conhecemos há tempo suficiente para deixarmos as formalidades de lado - disse Fabian. - Tenho certeza
de que, como eu, você pensou, quando nos encontramos hoje, que já nos conhecíamos através do tempo e do
espaço.

Loretta voltou-se depressa para ele, depois desviou o olhar

e disse:

- Como pode dizer tais coisas?

Ela sabia, porém, que, embora pudesse parecer estranho, era

66
47
exatamente o que sentia em relação a ele. Desde que o conhecera, estivera sempre vividamente cônscia de seu
magnetismo.

Naquele momento ela pensava, embora soubesse que aquilo não podia ser verdade, que o rosto do marquis,
que desde o início a fascinara, era o rosto que combinava exatamente com o homem de seus sonhos, que até
então não conhecia.

Mas não! Devia estar louca. Tinha que afastar aquele pensamento e lembrar-se de tudo o que Ingrid lhe havia
dito.

O restaurante aonde eles foram jantar ficava perto; era uma casa alta, e os dois subiram uma escada estreita,
sendo levados a uma sala pequena, com três mesas para duas pessoas, todas vazias.

Deram-lhes a melhor mesa, perto da janela, de onde podiam admirar o Sena, que brilhava sob as luzes de Paris.

Todavia, na cabeça de Loretta havia sombras e dúvidas.

Um garçom entregou-lhe o cardápio, e, sem nem examiná-lo, ela pediu ao marquis:

- Poderia escolher para mim? Sempre ouvi dizer que há pratos especiais em restaurantes franceses, mas não sei
o que pedir.

- Sei exatamente do que gosta, mesmo sem me dizer nada. Loretta não pôde deixar de achar estranho ele dizer
aquilo.

Mas teve a desagradável impressão de que era verdade.

"Ele deve fazer toda mulher com quem sai sentir-se assim", pensou.

Mas era-lhe impossível ignorar a vitalidade daquele homem à sua frente, e tampouco deixar de ficar olhando
para ele.

Demorou bastante tempo para que o marquis escolhesse o que ambos iam comer. Para começar, ele pediu que
lhes servissem uma garrafa de champanhe. Depois de provar um pouco da bebida, Loretta constatou que jamais
havia experimentado um champanhe de melhor qualidade do que aquele.

Ela forçava-se a ficar olhando pela janela, pois, por mais que lutasse contra aquilo, uma grande timidez a
dominava.

Para sua surpresa, em vez de ficar falando sobre sua beleza, Dizendo-lhe palavras lisonjeiras ou elogios, o
marquis deu um rumo muito interessante à conversa.

- Suponho que já tenha percebido que a eletricidade deu

67

a Paris ainda mais esplendor. Paris é conhecida como la Ville Lumière, a Cidade Luz, e é por isso que quero que
conheça e a admire adornada pela "fada eletricidade".

- Já estou fascinada por Paris! Não imaginava que a Avenue dês Champs-Élysées fosse tão verde e tão pitoresca.
As grandes mansões como a do marquês ficam abrigadas entre árvores.

- Embora Londres tenha uma atmosfera peculiar e tenha seus atrativos, não acredito que possa haver cidade
mais linda do que Paris!

48
- Conhece Londres?

Ao fazer essa pergunta, Loretta lembrou-se de que o pai nunca mencionara que o marquis já estivera na capital
inglesa. Ele sempre se referia à presença do duc nas corridas.

- Sim. Conheço Londres muito bem. Devo admitir que admiro as mulheres londrinas, que são as mais lindas do
mundo!

Ele fez uma pequena pausa, depois disse:

- É estranho que jamais a tenha visto nos bailes a que fui.

- Eu... vivo muito tranquila... no campo.

- E isso a aborrece?

- Não, adoro a vida do campo. Detestaria viver permanentemente em uma cidade grande, mesmo em se
tratando de Paris. No campo, cavalgo bastante e me ocupo todos os minutos do dia.

- O que faz à noite?

Loretta olhou para ele de modo inquiridor e, percebendo o que ele quis dizer, ficou corada, desviou o olhar e
pôs-se a admirar o rio.

- Ficou chocada?

- Não fiquei chocada. Apenas considero de mau gosto falar sobre um assunto tão... íntimo - Loretta conseguiu
responder.

Sua resposta soou um tanto rude, mas o marquis apenas riu.

- Acho-a tão diferente, tão fascinante! Jamais vi alguém como você antes. Estou tão encantado com você que
não consigo encontrar palavras para expressá-lo.

Loretta empertigou-se, esperando estar parecida com a tia

Edith.

- Acho melhor falarmos sobre Paris, monsieur!

- Mas minha vontade é falar só sobre você - contestou o marquis.

68

- Seria mais interessante se falasse sobre si mesmo.

- E por que não? O que deseja saber? Loretta hesitou por um instante, depois disse:

- Não acredito que não tivesse um compromisso com outra pessoa quando me convidou para jantar esta noite.

Parou, e então, esperando surpreendê-lo, continuou:

- Essa pessoa deve ter ficado magoada porque cancelou seu compromisso.

- Acho que o melhor modo de dizer é que mudei a direção de meus planos. É claro que eu não ia ficar em casa,
sozinho, sentado, lendo os jornais! Mas nada era mais importante, Lora, do que estar com você.

49
- É uma resposta plausível, e, ao mesmo tempo, não condiz com sua reputação.

- Minha reputação?

- Sim, sua reputação de ser cruel com as mulheres que não mais lhe interessam.

O marquis torceu os lábios de um modo zombeteiro, que o fez parecer ainda mais fascinante, depois respondeu:

- Está novamente esquadrinhando o passado, quando eu lhe disse que pense apenas no presente e no futuro.

- Amanhã eu serei parte do seu passado, e não tenho a menor intenção de lamentar o que fiz.

- Está sendo muito habilidosa ao apresentar seus argumentos. Mas saiba que você será sempre o meu presente
e o meu futuro. Nosso passado não é o dia de ontem, mas talvez milhares de anos atrás, quando me disse hoje
no almoço que nos encontramos em Atenas ou no monte Olimpo.

- Eu não disse isso!

- Mas era nisso que pensava - replicou Fabian -, e eu fazia exatamente o mesmo. Mas não vamos falar sobre esse
assunto, pois isso aconteceu, definitivamente, e desde então tenho estado à sua procura.

O modo como ele falou e a nota de sinceridade que havia em sua voz impediram que Loretta argumentasse.
Então ela disse depressa:

- Está quebrando sua promessa.

- Que promessa?

69

- De que me mostraria Paris.

- Tenho toda a intenção de fazer isso, mas não há pressa. Temos esta noite e o resto de nossas vidas pela frente.
Portanto, fica muito fácil conversarmos sobre nós.

- Para mim não é fácil. E, de qualquer modo, não compreendo o que está dizendo.

- Não é verdade - contradisse o marquis. - Compreende perfeitamente, assim como a compreendo. Não há
necessidade de palavras. Só o que temos a fazer é ficarmos aqui sentados, sentindo que estamos ligados por
uma força invisível à qual nenhum de nós dois pode resistir.

Loretta susteve a respiração. Sentiu que, embora o marquis não se tivesse movido, a estava abraçando,
puxando-a para mais perto dele.

Tornavam-se, então, tão unidos que ela perdia sua identidade, tornando-se parte dele.

Por um momento ninguém falou. Ela apenas ergueu os olhos, e havia tal apelo neles, que o marquis
compreendeu.

- Não vou assustá-la - disse ele com uma voz cheia de ternura. - Não tenho a menor intenção de fazê-lo.

Sorriu para ela e continuou:

- Se isso a torna feliz, vou dizer-lhe o que pensa que deseja ouvir, mas na verdade isso não tem importância. O
importante é estarmos juntos.

50
Então, com um charme irresistível, começou a falar sobre Paris. Falou não somente da nova Paris do barão de
Houssmann, mas também das pessoas que ele conhecia e que gostaria de apresentar a Loretta.

Falou sobre a velha princesa de Metternich, que, depois de ter levado uma vida de prazeres, voltara-se para as
artes. Ela era sobrinha de Napoleão I, e sua casa era aberta aos dândis, pintores e escritores.

- As reuniões da princesa eram como as que sua amiga Ingrid promove, e acho que no futuro a mansão dos
ChampsÉlysées será um dos mais importantes lugares para reuniões de intelectuais e artistas de Paris.

- Acha mesmo? Só desejo que Ingrid seja muito feliz.

70

Não havia necessidade de mais explicações, e o marquis disse:

- Ela pode não ser aceita pelas famílias antigas, mais tradicionais, do ancien regime, que vivem apenas no
passado. Mas Ingrid faz Hught Galston feliz por torná-lo parte do que é mais importante do que o mundo social:
a nova aristocracia do intelecto e do poder, a que nenhum homem pode resistir.

- Fico muito contente em saber que pensa assim. É o que desejo para aqueles dois.

- É o que conquistarão. É o que ambos merecem, pois têm a coragem de admitir que se amam e que o amor que
nutrem um pelo outro é muito mais valioso do que qualquer outra coisa no mundo.

- Acredita realmente nisso?

- Acredito. É o que desejo sinceramente para Hugh e Ingrid, do mesmo modo que você. Como ambos pensamos
da mesma forma, teremos que mostrar a mesma coragem que eles.

Ele falava de maneira tão solene que Loretta, mesmo querendo evitá-lo, vibrava ao ouvi-lo.

Foi um alívio quando o garçom os interrompeu, trazendo o primeiro prato.

Ao saírem do restaurante depois de terminada a deliciosa refeição, a carruagem do marquis esperava por eles,
com a capota arriada.

- Agora posso ver as luzes de Paris! - exclamou Loretta, cheia de contentamento.

Passearam às margens do Sena. Ela olhava as barcaças iluminadas e ocasionalmente os bateaux-mouches,


vistosamente enfeitados com flâmulas e fitas, certamente voltando de alguma excursão.

Loretta estava encantada. Não podia haver nada mais lindo do que aquela cena.

As castanheiras que ladeavam a rua estavam em flor, perfumando o ar. Enquanto passeavam ao longo do rio,
ouviam o som de música ao longe.

Entretanto, Loretta tinha consciência de que o marquis não tirava os olhos dela.

Ele nem ao menos tentou tocá-la. Na verdade, sentaram-se

71

o mais distante possível um do outro. Novamente ela sentiu que havia entre eles uma grande intimidade.

O cocheiro certamente havia recebido instruções para seguir aquele itinerário.

51
Eles passearam bastante, até Loretta perceber que estavam no Bois de Boulogne, passando por baixo das
árvores frondosas. As estrelas que viam por entre as copas das árvores eram mais românticas do que as luzes da
cidade.

Depois de seguirem por outro caminho, a carruagem parou, e o marquis disse:

- Vamos descer. Quero mostrar-lhe algo. Loretta ficou nervosa.

- Talvez eu não deva - ela disse com voz débil.

- Não há nada a temer. É perto.

Era impossível resistir e permanecer na carruagem.

Assim que Loretta desceu, viu que bem diante deles havia um caminho sob as árvores que ia até um lugar
iluminado, não muito longe dali. Ela andou um pouco mais depressa do que era necessário porque sentiu que
caminhava para um lugar desconhecido.

Logo as luzes tornaram-se mais brilhantes, e ela viu que o marquis a havia levado até uma fonte luminosa. As
luzes escondidas entre as pedras que havia na bacia da fonte refletiam-se na água, que se projetava em direção
à escuridão do céu, para cair em cascata, transformando-se em milhares de arco-íris iridescentes.

A fonte era tão linda que Loretta ficou parada, olhando para ela, de olhos brilhantes e lábios ligeiramente
entreabertos.

Depois de um momento de silêncio, o marquis disse:

- Olhe para mim, Lora, quero que olhe para mim. Loretta virou o rosto vagarosamente, sentindo que havia

sido transportada ao céu pela beleza da fonte e agora era trazida de volta à terra. Olhando para ele, mesmo não
tendo saído do lugar, sentia-se prisioneira. Seus olhos não podiam deixar os dele.

- Trouxe-a para este lugar porque pretendia beijá-la. Desejo fazê-lo desde que a vi.

Loretta quis retrucar, mas ele continuou:

72

- Mas agora decidi que não a tocarei, pois quero que pense em mim, como sei que já pensa, como um homem
muito diferente dos que a cortejaram e, naturalmente, já fizeram amor com você, no passado.

Os olhos de Loretta tornaram-se enormes, mas ela continuou calada, e o marquis prosseguiu:

- Há uma aura ao seu redor, querida, que a protege, e só rezo para que a proteja não só de mim, mas de
qualquer um que se aproxime de você.

A voz dele tornou-se mais profunda.

- Quero que pense só em mim, por isso vou levá-la para casa. Sonhe comigo e sonharei com você. Não se
esqueça de que há algo maravilhoso que nos atrai um para o outro.

Loretta não pôde evitar de pensar que já sonhava com ele há muito tempo.

O marquis pegou-lhe a mão, e Loretta sentiu seus lábios suaves e insistentes na maciez de sua pele. Ele
continuou segurando-lhe a mão por algum tempo; depois, como se não pudesse evitar, virou-a e beijou-lhe a
palma.
52
Loretta nunca havia pensado que um homem fizesse aquilo. Um estremecimento percorreu-lhe todo o ser.

Era como se a beleza da fonte corresse pelo seu corpo e houvesse um arco-íris dentro do seu peito.

O marquis ergueu a cabeça e disse gentilmente:

- Agora eu a levarei para casa!

A carruagem partiu e logo chegaram à cidade, cheia de luzes nas ruas e nas casas.

O marquis ajudou Loretta a descer e levou-a até a porta Principal.

Antes que o criado de libré que trabalhava no período noturno viesse abrir a porta, ele disse carinhosamente:

- Bonne nuit, minha querida Lora! Amanhã virei vê-la. Mas, antes de dormir, lembre-se de que a amo!

Assim que a porta se abriu, ele foi embora, e Loretta entrou no hall. As palavras do marquis ainda ressoavam em
seus ouvidos.

73

CAPÍTULO V

Ao acordar, na manhã seguinte, Loretta mal podia acreditar que o que acontecera na noite anterior não fora um
sonho.

Como pudera ele falar com ela daquele modo? Como pudera, depois de levá-la até a fonte, trazê-la para casa,
comportando-se de maneira tão diferente da de qualquer homem? Mesmo sendo inocente e sem experiência,
ela sabia que nenhum homem agiria como o marquis.

- Não compreendo Fabian - ela disse, baixinho. Loretta ansiava por ouvir os conselhos da prima, mas sabia

que seria impossível que Ingrid ou qualquer outra pessoa pudesse entender as sensações que o marquis
despertava nela. Além disso, era tímida demais para repetir a quem quer que fosse o que o marquis lhe dissera.

O café da manhã foi-lhe servido no quarto, e, como Marie lhe havia dito para descer só bem mais tarde, ela
trocou-se com vagar.

Não havia sinal de Ingrid.

Loretta foi até uma saleta de estar e sentou-se para ler os jornais que mencionavam todos os eventos
importantes de Paris.

Mal dera uma olhada nas manchetes, um criado abriu a porta e anunciou:

- Monsieur lê comte de Marais, madame!

Loretta olhou para os lados, desalentada. Esperava que o marquis viesse buscá-la para um passeio pelo Bois.
Não esperava que o comte viesse vê-la, e achou a insistência dele extremamente cansativa.

Ele veio ao encontro de Loretta e, num gesto nada discreto, ergueu a mão dela até os lábios, beijando-a com
uma expressão desagradável nos olhos.

74

- bom dia, monsieur - disse Loretta, friamente. - Minha anfitriã não -me disse que esperava sua visita esta

53
manhã.

- Passei por aqui para vê-la ontem à tardinha, e a senhora evitou-me - replicou o comte. - Portanto, hoje não
quis correr riscos. Vim convidá-la, minha bela senhora, para um passeio pelo Bois. Depois almoçaremos no Pré
Catalan!

- É muita bondade sua, mas já tenho um compromisso.

- Não posso acreditar! ele disse, zangado. - E se esse compromisso é com Fabian de Sauerdun, não permitirei
que saia com ele!

Loretta ficou tensa.

- Não sei por que se arroga o direito de ter autoridade sobre mim!

- Aí é que se engana - respondeu o comte. - A autoridade que reivindico sobre a senhora baseia-se no fato de ser
lindíssima, adorável e desejável. Não tenho intenção de deixá-la cair nas mãos daquele despedaçador de
corações, um homem cujos casos amorosos são um escândalo, uma clamorosa vergonha.

Ele falava com tanto desprezo que Loretta teve vontade de defender o marquis, apesar de saber que não seria
prudente. Então, disse apenas:

- Monsieur, acho que toda esta conversa não tem razão de ser. Fico-lhe imensamente grata pelo convite, mas
lamento não poder aceitá-lo.

- Já lhe disse que pretendo levá-la para almoçar comigo. Além disso, jantaremos juntos esta noite - replicou o
comte.

- Asseguro-lhe que sempre consigo o que quero, em se tratando de mulheres.

Ele deu um passo, aproximando-se de Loretta, e continuou:

- Quando olho para a senhora, sei, mesmo sem precisar dizer-me, que nunca foi despertada para o fogo do
amor, para a paixão que a tornará ainda mais linda do que já é.

Aquelas palavras, o modo como foram ditas, a proximidade daquele homem, fizeram Loretta sentir repulsa,
náusea e indignação.

Ela teria saído de perto do comte caso ele não lhe agarrasse o pulso.

- Está me deixando louco! - ele exclamou. - Quero ensinar-lhe delícias que até o momento nem sonha que
existam.

Ele ia puxá-la para junto de si, mas Loretta deu um pequeno grito de protesto e tentou livrar-se com certa
violência.

- Como ousa tocar-me? - ela disse, zangada.

O comte apenas riu. Naquele riso breve, ela soube que sua resistência o havia excitado, e a expressão que viu
nos olhos dele assustou-a.

- Deixe-me ir!

O comte puxou-a para mais perto dele, sem dar ouvidos aos protestos de Loretta. Ela então deu um grito. Nesse
instante a porta se abriu.

54
Foi com grande alívio que Loretta viu Fabian de Sauerdun e o marquês entrarem na sala.

Quando eles perceberam o que estava acontecendo, ficaram imobilizados por um momento, e, assim que o
comte soltou o pulso de Loretta, esta disse, gaguejando, toda trémula:

- Eu estava. justamente dizendo ao comte. que ia almoçar com o senhor monsieur lê marquis.

- Claro - confirmou o marquis sem a menor hesitação. - Já havíamos combinado, e meu coche está esperando aí
fora. Antes vamos fazer um passeio pelo Bois.

Loretta respirou, aliviada, porque Fabian entendera tudo imediatamente.

O marquis foi até o comte e disse:

- bom dia, Marais! Não me informaram de sua chegada.

- Vim para ver lady Brompton - replicou o comte. Havíamos combinado ontem à noite que almoçaríamos juntos
hoje.

Loretta estava assustada, mas conseguiu dizer, quase sem voz:

- Isso não é verdade!

- Parece que chegou atrasado. Meu convite foi feito primeiro - disse Fabian de Sauerdun - Isso está acontecendo
com frequência entre nós.

A provocação era deliberada, e o comte encarou-o, furioso.

- Um dia acerto as contas com você, Sauerdun! Pode ter certeza disso!

76

O marquis sorriu.

- Certamente não está sugerindo um novo duelo, está? O último foi uma verdadeira pantomima da qual toda
Paris ainda se lembra e dá boas risadas!

O comte estava tão furioso que Loretta teve medo de que ele agredisse o marquis.

Depois de uma exclamação, que foi na verdade uma praga sufocada, ele saiu da sala. Loretta sentou-se no sofá,
sentindo-se trémula e fraca.

- Marais está cada vez mais intolerável! - exclamou Fabian.

- Concordo com você - disse o marquis - Ele é um homem extremamente desagradável, por isso não deve
encorajá-lo, Lora!

- É claro que não o encorajei! - protestou Loretta. - Ele é horrível, repulsivo, e me assusta!

- vou certificar-me de que ele deixou mesmo esta casa disse o marquis, saindo da sala.

Fabian de Sauerdun sentou-se no sofá ao lado de Loreta.

- Ele não a assustará novamente. vou protegê-la de Marais e de qualquer outro homem como ele!

O marquis viu o desalento no rosto de Loretta. Então disse, com calma e com carinho, sem qualquer nota do seu
costumeiro sarcasmo:
55
- Suba e ponha o seu chapéu mais bonito. Quero que todos os meus amigos me vejam passeando com você no
Bois e invejem a minha sorte.

Loretta deu-lhe um sorriso trémulo e ergueu-se do sofá.

Assim que chegou à porta, passou como um flash por sua mente que talvez o comte ainda não tivesse ido
embora. Como se percebesse o que ela estava pensando, Fabian disse:

- vou levá-la até a escada.

Dizendo isso, ele pôs a mão sob o braço dela, como na noite anterior.

Ela sentiu que ele a protegia. Um homem como o comte não podia, na verdade, feri-la, e era ridículo sentir
medo dele.

"Sou mesmo uma ignorante no que diz respeito a homens e ao seu comportamento", ela-pensou.

77

Erguendo a cabeça, tentou andar com altivez, mas dentro do peito seu coração batia num ritmo mais acelerado.

Ao chegarem ao hall, viram ali apenas um dos criados.

- Não se demore - disse Fabian, calmamente. - O dia está lindo, o sol brilha, e tenho muita coisa para lhe
mostrar.

Mais uma vez ela sorriu para ele e disse:

- Obrigada por ter sido tão bondoso!

Loretta subiu as escadas apressadamente. Já em seu quarto, pôs um lindo chapéu com camélias brancas e folhas
verdes, que Ingrid lhe havia dado. Enquanto se arrumava, pensava que seria impossível não ficar
tremendamente aborrecida tendo que suportar a impertinência de um homem como o comte.

Ela nunca havia imaginado que um cavalheiro pudesse agir daquela forma, muito menos depois de tê-lo
conhecido há tão pouco tempo.

Mas talvez ele pudesse ser desculpado, pois ela se havia exposto voluntariamente a uma situação vulnerável,
fazendo-se passar por uma mulher casada.

Sua posição tornara-se ainda mais arriscada por estar hospedada em casa de Ingrid.

"Devo voltar para a Inglaterra".

Mas não era isso o que ela queria. Sua vontade era estar com o marquis, e, se quisesse ser honesta consigo
mesma, devia admitir que não queria descobrir nada indigno nele, nem queria ter desculpa alguma para não se
casar com ele. Queria, sim, ficar ao seu lado, por achar tudo nele fascinante e fora do comum.

"Bem que me avisaram! Fui mesmo muito bem avisada! "

Ao entrar na sala de estar onde Fabian conversava com o marquês, Loretta sentiu uma excitação irreprimível
percorrer-lhe todo o corpo.

Os dois homens levantaram-se, e o marquês disse:

- A que horas devo dizer a Ingrid que estarão de volta? Loretta olhou para Fabian, e ele disse:
56
- Trarei Lora de volta depois do almoço, às três horas, mas virei buscá-la novamente às oito, pois iremos jantar
no Grand Verfour.

78

Ele falava com tom decidido, e Loretta sabia que não adiantava contestar.

Loretta achou que o marquês fosse ficar surpreso, mas ele disse apenas:

- A comida lá é insuperável, e é sem dúvida o restaurante mais romântico de toda Paris.

- Também acho - disse Fabian, sem tirar os olhos de Loretta.

O coche partiu, puxado por cavalos esplêndidos, cor de azeviche. Ao ver o lindo coche com os cavalos
maravilhosos, Loreta pensou que não poderia haver ninguém com uma carruagem mais elegante do que a do
marquis, embora ela já tivesse ouvido o pai dizer que as carruagens, as damas e os cavalheiros que passeavam
pelo Bois eram uma verdadeira ostentação e um belo desfile de modas.

Logo pôde comprovar o que o pai dizia ao ver a elegância das amazonas e dos dândis aristocráticos, todos eles
exibindo cavalos espetaculares e carruagens luxuosíssimas.

Loretta e Fabian não conversaram muito. Ao passarem pelo lugar onde os duelos eram travados, ele disse:

- Você com certeza pode imaginar quantos amores secretos têm o Bois como cenário.

Loretta concordou, e achou aquilo muito romântico.

Quando pararam no Pré Catalan, ela achou o lugar mais excitante do que imaginara.

O restaurante parecia uma casa de campo cercada de jardins e árvores, onde os clientes podiam sentar-se ao ar
livre, sobre o gramado muito verde; cada mesa era coberta com um guardassol enorme, de um colorido vivo.

As mesas estavam arrumadas tão discretamente, que nada do que fosse dito poderia ser ouvido pelos ocupantes
da mesa vizinha.

Loretta olhou ao seu redor. Seus olhos brilhavam.

Logo lindas mulheres aproximaram-se do marquis, uma após outra, exclamando, num tom reprovador:

- Fabian! Não tem vindo me ver! Quando terei o prazer de sua companhia?

Não havia dúvidas de que elas estavam ansiosas para estar

79

junto dele, e Loretta não pôde deixar de admirar a vivacidade como ele respondeu, sem se obrigar a um
compromisso futuro. Depois, quando pareceu que ele já havia falado com todas as amigas que almoçavam ali,
ele disse:

- Compreende agora por que ontem à noite quis levá-la a um lugar onde pudéssemos conversar sem ser
interrompidos? Pretendo fazer a mesma coisa esta noite.

Loretta não respondeu, e ele continuou:

- Ao mesmo tempo, devo dizer que a trouxe ao Pré Catalan, mesmo arriscando-me a encontrar tantos
conhecidos, por achar que você não podia deixar de conhecer, em sua primeira visita a Paris, um dos mais
57
agradáveis lugares desta cidade.

- Está sendo muito amável.

- Como poderia deixar de ser?

Ele ficou olhando para ela atentamente, depois perguntou:

- Pensou em mim ontem à noite?

- Acha que seria possível evitá-lo?

Assim que acabou de dizer isso, ela criticou-se severamente, pois estava favorecendo intimidades com Fabian;
devia usar de evasivas.

Mas, se tivesse feito isso, ele não acreditaria nela.

- Eu fiquei acordado - disse ele calmamente -, e agradeci a Deus por tê-la encontrado, finalmente. Minha
peregrinação, que tem sido longa, terminou.

Loretta tentou deliberadamente fazer-se de desentendida.

Felizmente nada teve que responder, porque o garçom chegou trazendo o menu. O champanhe, que já havia
sido pedido, foi servido.

A comida estava deliciosa. Durante todo o almoço, Loretta achou difícil pensar em outra coisa que não fosse o
homem sentado à sua frente e não perceber que ele não tirava os olhos dela.

- Suponho - disse ele, terminado o almoço - que você deve ter algum defeito, como todo mundo, mas até agora
não consegui achar um sequer.

Loretta riu.

- Por favor, não procure demais. Tenho consciência dos meus defeitos.

80

- Não posso imaginar quais sejam - considerou Fabian.

- Acho-a perfeita. É perfeita no modo de falar, de olhar, de pensar; não acredito que mesmo a pessoa mais
crítica possa ter o que censurar em você.

- É que você não conhece os meus parentes! Criticam todo mundo, e não fazem exceção a mim.

Ela falou em tom de brincadeira, mas Fabian estava sério.

- Você mencionou seus parentes, mas nunca fala sobre seu marido. Como é ele?

Aquela pergunta foi tão inesperada que, embora ela tentasse não ficar perturbada, sentiu subitamente
dificuldade em se expressar, e um rubor cobriu-lhe o rosto.

- Ele deve ser um homem bem estranho para permitir que uma mulher linda como você venha a Paris sozinha.
Além disso, permitiu que se hospedasse com Ingrid, que se encontra numa posição embaraçosa, e ainda deixou
que se expusesse a encontrar homens como eu, que não seria humano se não lhe falasse de amor.

- Não posso. falar sobre esse assunto - Loretta conseguiu dizer.

58
- Por quê? Não me diga que é porque o ama. Sei muito bem, minha querida Lora, que você pouco entende ou
nada entende de amor ou de homens.

- Não compreendo como pode. ter tanta certeza de que eu seja... tão ignorante - replicou Loretta, sentindo que
precisava defender-se.

Fabian deu um breve sorriso.

- Você é tão jovem e sem malícia! Eu até já me havia esquecido de que podiam existir mulheres como você no
mundo. Parece inacreditável que seja casada!

- Sim, sou casada - disse Loretta com firmeza. - Como já lhe pedi antes, monsieur, não deve falar comigo desse
jeito.

- Como posso evitar? Da mesma forma, você não pode evitar sentir o que sei que sente por mim.

Loretta quis dizer que não sentia nada por ele, a não ser que o achava um estranho interessante. Mas, ao olhar
para Fabian, seus olhos ficaram presos aos dele, e foi-lhe impossível desviar o olhar.

81

- Minha querida, você é tão transparente! - ele disse com voz calma. - Sei tudo a seu respeito, e sei também que
sente alguma coisa por mim. Mesmo que não queira admitir, sei que seu coração está batendo mais
aceleradamente porque estamos juntos, e seus lábios, que ainda não beijei, esperam ansiosos pelos meus.

O que ele disse pareceu deixar Loretta hipnotizada, imóvel. Então, com esforço, ela conseguiu dizer:

- Acho que já é hora de. irmos para casa.

Vou levá-la neste instante, mas à noite continuaremos

este assunto.

Loretta quis dizer que não iria ouvi-lo, mas sabia que isso não era verdade.

Ela queria que ele continuasse a falar com aquela voz estranhamente perturbadora, que parecia fazer com que
raiozinhos de sol percorressem todo o seu corpo.

Tentava não acreditar no que Fabian dizia, mas estremecia de emoção e notava que ele era sincero.

"Ele é como o flautista de Hamelin! Ingrid tinha razão", ela pensou. "Como todas as outras mulheres tolas, estou
correndo atrás dele para a destruição! "

Ela caminhava à frente de Fabian. Atravessaram o gramado e chegaram ao coche, que esperava à sombra de
algumas árvores.

O simples toque de Fabian ao ajudá-la a subir no coche fez a jovem sentir uma estranha emoção, e ela decidiu
que o melhor a fazer era deixar Paris o quanto antes.

"Estou sendo mesmo uma tola", pensou, respondendo a si própria.

O marquis se acomodou ao seu lado e tomou as rédeas para dirigir o coche. Loretta comparou-o a Apolo
dirigindo os seus cavalos, cortando os céus. Nenhum homem poderia ser mais incrivelmente atraente do que
ele; mas precisava fugir dele, pois sofreria ao seu lado, como já lhe haviam prevenido.

Fabian deu uma volta enorme pelo Bois, o que era desnecessário. Ele queria que Loretta admirasse a beleza das
59
árvores, as flores, os rapazes num campo, jogando futebol.

Alguns minutos mais tarde eles estavam de volta às avenidas

82

ladeadas de árvores. Havia pessoas andando vagarosamente pelas calçadas ou sentadas do lado de fora dos
cafés, tomando a inevitável xícara de café.

Fabian levou Loretta de volta à casa do marquês.

Assim que o cavalariço correu para segurar os cavalos, Fabian desceu do coche para ajudar Loretta a descer,
dizendo depois:

- Au revolr, minha linda deusa, até a noite.

Loretta ficou parada junto ao primeiro degrau da casa da prima e conseguiu dizer, com esforço:

- Se sairmos, não deve falar comigo dessa forma.

- Por que não?

- Porque não está certo. - ela começou.

- Não vejo nada errado! - disse Fabian suavemente. Digo o que sinto por você, e sei que sente o mesmo por
mim. Podemos falar sobre o amor que enche nossos corações até que as estrelas percam sua luz e desapareçam
do céu. Só não podemos mudar nossos corações. Negar tal amor é uma blasfémia.

Novamente ele dizia aquelas palavras com a maior seriedade. Tomou a mão de Loretta, e ela sentiu o mesmo
magnetismo atraindo-a, prendendo-a.

Um medo súbito de que não pudesse escapar àquela atração a invadiu.

Sem responder, subiu os degraus e ouviu:

- Até as oito.

Fabian voltou depressa ao coche e partiu. Ingrid esperava por Loretta no hall. Depois de beijar a prima,
exclamou:

- Fiquei muito surpresa, querida, quando Hugh me disse que havia saído para almoçar com Fabian, e mais
surpresa ainda quando soube do péssimo comportamento do comte.

- Ele é um homem horrível! - exclamou Loretta.

- Concordo com você. Ao mesmo tempo, é um homem muito importante no mundo das finanças. Por isso, quero
que Hugh seja amável com os "reis das finanças", da mesma forma que desejo que ele seja persona grata com os
políticos que governam nossas vidas.

- Compreendo - replicou Loretta em voz baixa -, mas,

83

quanto a mim, acho muito difícil ser delicada com o comte, quando ele se comporta de forma tão estranha.

- Ele acredita que todas as mulheres se apaixonam por ele, e não pelo seu dinheiro.

60
- Por que ele odeia o marquis? Ingrid riu.

- É preciso perguntar? É porque os dois muitas vezes se encontram perseguindo a mesma beldade, e
invariavelmente Fabian sai vencedor.

- Não quero ver o comte novamente! - disse Loretta com firmeza.

- Farei o que puder - prometeu Ingrid. - Mas não vai ser fácil.

Loretta tirou o chapéu e disse:

- Estou lhe causando muitos aborrecimentos, não? Gostaria que eu voltasse para a Inglaterra?

- Não, claro que não. Adoro ter você conosco. Nem posso dizer o quanto significou para mim ter-me procurado
para ajudá-la a resolver seu problema.

Sua voz tornou-se mais profunda ao dizer:

- Só espero poder ajudá-la. Se eu falhar, não foi por não ter tentado.

- Já me ajudou bastante.

Assim que acabou de falar, Loretta atravessou a sala e foi até a janela.

- Gostaria de ter certeza disso - disse Ingrid, que estava logo atrás dela. - Mas tenho o pressentimento, embora
possa estar errada, de que você está achando Fabian muito mais encantador do que pensava.

Era a pura verdade, e Loretta fez que sim com a cabeça. Ingrid disse ainda:

- O estranho é que, apesar de sua reputação, apesar de seu sucesso com as mulheres, a maioria dos homens
gosta de Fabian e confia nele. O comte é exceção, naturalmente. Na verdade, Hugh é muito devotado a Fabian.

Loretta sabia o que significava o fato de Ingrid falar daquela forma a respeito do marquis. Na realidade, a prima
o considerava indesejável apenas como marido. Sentia-se cada vez

mais confusa.

Para mudar de assunto, perguntou: Temos alguma coisa para fazer esta tarde?

- Mais compras, se quiser. É claro que há muita coisa interessante para ver em Paris, mas vou deixar isso a cargo
de Fabian.

- Quando ele me trouxe de volta do almoço, esperei que me convidasse para dar um passeio, a fim de me fazer
conhecer Paris.

- Parece que ele tinha um jogo de pólo marcado para hoje, e não quis perder a partida.

- Pólo?

- Pensei que você soubesse que o motivo de Fabian não se interessar por corridas de cavalos, como o pai, é
porque ele é um famoso jogador de pólo. Na verdade, ele joga no time mais importante, o que representa Paris.

- Não tinha a menor ideia. Notei, sim, que seus cavalos são magníficos, mas pensei que, como ele nunca
comparece às corridas de cavalos na Inglaterra, não estivesse interessado em puros-sangues, a não ser como
meio de transporte.

61
Ingrid riu.

- Se dissesse isso a Fabian, ele teria um ataque! Seus puros-sangues são ainda melhores que os do duc. Seu
estábulo, na Normandia, é considerado o melhor de todo o país. Ele também tem cavalos de corrida, mas não é
obcecado por eles, como o pai.

- Agora compreendo por que papai não conhece o marquis. Isso me intrigava.

- Há muitas coisas sobre Fabian que a intrigarão ainda mais. É uma pena que ele não sirva para marido, pois sob
todos os outros aspectos ele é um homem fantástico.

Depois elas falaram sobre outros assuntos, mas o pensamento de Loretta sempre se voltava para o marquis,

Não adiantava fingir. Enquanto subia para trocar-se para o jantar, Loretta sonhava estar sempre ao lado do
marquis, conversando com ele.

85

Toda vez, porém, que Fabian falava sobre os sentimentos de ambos, ela ficava inibida. Mas não podia negar que
Fabian despertara nela sensações que nem ousava admitir, e evitava pensar nelas.

"Se já me sinto tão atraída por ele agora, o que não sentiria se nos casássemos e depois ele me abandonasse por
outra mulher? "

Esse pensamento era tão angustiante, que ela tentou parecer fria e distante enquanto se banhava na água
perfumada com lilás.

Depois do banho, pôs um dos outros vestidos maravilhosos que havia comprado com Ingrid na Lafarrière.

Nesse vestido ela parecia uma rosa. Havia toques de veludo entre o tecido de chiffon, e também um toque
prateado, o que tornava o vestido sofisticadíssimo.

Naturalmente, não seria o vestido escolhido para uma debutante.

Loretta não tinha as jóias que uma mulher casada costumava ter, por isso Ingrid emprestou-lhe um pequeno
colar de diamantes do qual pendia uma pérola grande e perfeita, em formato de pêra.

Havia brincos e uma pulseira combinando com o colar. Loretta pôs a pulseira sobre as luvas longas, da mesma
cor do vestido.

Está absolutamente fascinante! - exclamou Ingrid quando a viu.

Loretta havia ido até a sala íntima da prima para dizer-lhe boa-noite. Como a prima só iria jantar com o marquês
muito mais tarde, estava descansando em uma chaise longue, usando um exótico négligé de gaze verde.

- Divirta-se bastante, querida - disse Ingrid -, mas lembre-se de que não pode perder nem a cabeça nem o
coração, pois, no que diz respeito a Fabian, o mal será irreparável.

- Não me esquecerei disso - disse Loretta sem muita convicção.

Ao fechar a porta atrás de si, não notou a expressão de preocupação que havia no rosto da prima.

Levando uma estola de veludo no braço, Loretta foi descendo as escadas lentamente. Assim que chegou ao hall,
um criado de libré veio ao seu encontro para dizer:

- Um cavalheiro a espera, madame, e pede-lhe que não se demore, pois os cavalos estão um pouco inquietos.
62
Loretta não parou para pensar que aquilo era estranho. Os cavalos de Fabian, que já conhecia, eram
perfeitamente treinados.

Ela desceu depressa os degraus da frente, e um criado, que já a esperava, abriu a porta de uma carruagem
fechada.

Loretta não deixou de achar estranho que Fabian a esperasse dentro da carruagem. Assim que entrou, viu que a
carruagem estava vazia.

Mal teve tempo de recobrar-se da surpresa, a porta já se fechava e os cavalos partiam.

Loretta teve que sentar-se depressa para não cair.

A carruagem subiu a Avenue dês Champs-Élysées a toda velocidade, e então a jovem se deu conta de que devia
tratar-se de um engano.

Queria atrair a atenção do cocheiro e do criado da boleia, mas as janelas estavam bem fechadas.

Tentou imaginar se aquilo podia ser uma das surpresas do marquis para deixá-la intrigada.

Só então uma suspeita assustadora passou-lhe pela cabeça. Ela inclinou-se para a frente e tentou abrir as
janelas, mas em vão: estavam bem fechadas. Por causa da velocidade, ela não ousou abrir a porta da carruagem.

"O que está acontecendo? O que pode estar acontecendo? "

Então ela imaginou, em seu desespero, o que poderia fazer se suas piores suspeitas se confirmassem. Já
estavam chegando ao fim da avenida.

As casas iam tornando-se mais distantes umas das outras, e, embora não tivesse certeza, ela achou que estavam
próximos do Bois.

A carruagem passou por um portão e continuou seguindo Por um caminho ladeado por jardins floridos, até
pararem, finalmente, em frente ao pórtico de uma casa enorme.

"Não resta dúvida de que é mesmo um engano", pensou Loretta, querendo consolar-se. "O cocheiro deve ter ido
à casa errada e apanhou a pessoa errada. A culpa foi minha por não achar estranho que o marquis não tivesse
entrado para apanhar-me."

Um criado abriu a porta da carruagem e Loretta perguntoulhe em francês:

- De quem é esta casa?

- Monsieur a espera lá dentro, madame - respondeu o criado.

- E qual é o nome de monsieur? - insistiu Loretta.

- Ele a espera, madame, e pede-lhe que vá encontrá-lo. Não lhe restava nada a fazer, pois de nada adiantava
ficar

ali discutindo. Loretta saiu da carruagem e disse ao criado:

- Por favor, peça ao cocheiro que espere. Deve haver algum engano. Preciso explicar ao seu amo que devo voltar
para o lugar de onde vim.

Ela entrou no hall, onde um outro criado a acompanhou. Subiram ambos uma larga escada que conduzia a um
salão no primeiro andar.
63
A casa era muito bem mobiliada e parecia luxuosa. Loretta teve certeza de que tudo aquilo era um autêntico
engano.

"Tenho que insistir que me levem para casa bem depressa, caso contrário o marquis vai chegar, e ficará sem
saber o que aconteceu comigo."

Um relógio no alto da escada marcava oito horas. Mais uma vez ela disse a si mesma que havia sido mesmo uma
idiota em pensar que fora o marquis quem viera buscá-la.

Na noite anterior ele havia chegado na hora exata. Ela devia ter feito o trajeto em pelo menos dez minutos,
desde que saíra da Avenue dês Champs-Élysées.

Um criado abriu a porta e permaneceu calado, enquanto Loretta entrava numa grande sala. Mal deu alguns
passos, ficou paralisada.

De pé, esperando por ela, havia apenas um homem: o conte Eugène de Marais.

Sua aparência era um tanto estranha.

Demorou alguns segundos para Loretta perceber que ele não

usava um traje de noite, mas um casaco pesado, de brocado, com enchimentos.

Aquele casaco era parecido com um que seu pai usava depois de uma caçada, mas muito mais sofisticado.

Ela olhou para o comte de olhos arregalados, imaginando o que poderia dizer e como-expressaria o pavor que
estava sentindo por ter sido trazida ali daquela maneira tão extraordinária.

Então compreendeu que não estava em uma sala, mas num quarto.

Encostada a uma das paredes, havia uma cama grande, parecida com um divã, mas com um cortinado. O comte
estava de pé em frente a um grande espelho que refletia suas costas e

a cama.

Abajures de luz suave emprestavam ao quarto um ar de sedução.

Loretta conseguiu articular algumas palavras.

- Como ousa. trazer-me aqui desse jeito?

A porta fechou-se atrás dela, e o comte deu alguns passos, aproximando-se, para dizer:

- O importante é que você veio! Como ansiei por este momento, minha bela! Agora não se recusará a jantar
comigo, como era meu desejo.

- Disse-lhe esta manhã, monsieur, que tinha outro compromisso. Estou horrorizada diante de seu
comportamento tão. singular.

Ele quase tocou Loretta, e ela, assustada, afastou-se, encostou-se na porta e tentou virar a maçaneta.

Ao fazer isso, notou que a porta estava trancada à chave.

Ela olhou novamente para o comte e viu um riso divertido nos seus olhos.

- Não tem jeito de escapar, minha adorada! Você quer fugir de mim, mas isso me excita. Fiquei louco por você

64
desde que a vi pela primeira vez no almoço na casa do marquês. Se continuar a lutar contra mim, pode ter
certeza de que vou achar isso tremendamente fascinante e tentador.

Trazendo-me aqui, enganada, o que espera que eu faça, a não ser lutar contra o senhor?

- Eu a desejo! - disse o conte numa voz profunda, que Loretta achou assustadora.

Percebendo que devia mudar de tática, ela pediu:

- Por favor. seja cortês. Sabe que eu não tinha vontade de vir até aqui... Só lhe posso pedir que, como cavalheiro,
deixe-me ir embora.

- Como você ficaria desapontada se eu fizesse isso! Entretanto, como disse, vou ser cortês. A primeira coisa que
sugiro é que tomemos uma taça de champanhe. Não há pressa. Temos a noite toda pela frente.

O modo como ele falou fez Loretta ter vontade de gritar de horror.

Mas, com orgulho e um autocontrole que ela mesma desconhecia, conseguiu dizer:

- Aceito uma taça de champanhe. Porém, creio que pode imaginar que me sinto profundamente perturbada, por
ter sido raptada desta forma tão incomum.

- Já lhe disse que tenho meus próprios métodos para conseguir o que desejo. Agora, sente-se aqui. Quero olhar
para você e dizer-lhe que jamais vi uma mulher tão linda nem tão desejável.

Ele fez um gesto que indicava a Loretta que o seguisse. Caminhou para um sofá que ficava em frente às pesadas
cortinas de uma das portas que dava para a sacada. Diante do sofá havia uma mesa. Sobre a mesa havia uma
garrafa de champanhe dentro de um grande balde de ouro com gelo, sobre uma bandeja também de ouro.
Havia outras garrafas com diferentes tipos de bebidas e alguns copos.

Loretta sentou-se, tentando manter o controle. Tinha vontade de correr até a porta, dar murros e gritar para
que a tirassem dali.

Mas sabia que, se fizesse isso, os criados do comte não lhe prestariam atenção.

Era horrível saber que um dos criados recebera ordens do comte para trancar a porta.

O comte sentou-se ao lado dela, e Loretta pôde ver que sob o casaco ele usava a calça de seu traje de noite e
uma camisa fina de cambraia. Em vez do colarinho convencional, engomado, ele usava um lenço de cetim ao
redor do pescoço, e ela logo imaginou que seria muito mais fácil tirá-lo.

Ante esse simples pensamento, ela sentiu que desfalecia e tentou não olhar para a cama que ficava bem à frente
deles, já havendo notado os lençóis de cetim arrematados com renda e os fofos travesseiros com fronhas
também de cetim, com o monograma do comte.

Ele despejou champanhe nas duas taças, dizendo:

- Tome este vinho dourado, que combina com o ouro de seus cabelos. Sugiro que coma um desses canapés. O
patê me é mandado de Strasburgo, mas, se preferir, também há caviar.

com medo de desmaiar, Loretta tomou um gole de champanhe, o comte disse:

- Mais tarde vamos jantar na sala ao lado, mas primeiro, minha bela, quero ensinar-lhe, como nenhum inglês é
capaz de fazer, os segredos do amor, conhecidos dos antigos egípcios e dos hindus, muitos dos quais foram
amantes famosos.
65
O modo como ele falou fez Loretta notar que o comte pronunciava cada palavra com prazer, como se aquilo o
excitasse. Ele lhe lançava olhares cobiçosos, como se a estivesse despindo mentalmente.

Sem poder suportar mais aquela presença, Loretta encolheu-se e afastou-se o mais que pôde.

O comte deu um riso breve e disse:

- Daqui a um pouquinho você será minha. Então, minha adorável inglesa ainda não desperta para o amor, vai
tornar-se mais madura, mais mulher e, mesmo que possa parecer impossível, muito mais desejável do que já é
no momento.

Antes que Loretta pudesse mover-se, ele pôs o braço ao redor dela e tirou-lhe a taça da, mão, puxando-a para
mais junto dele.

Ela tentou resistir, mas constatou que ele era forte demais.

- Não, não! - ela gritou.

com um movimento mais brusco, o comte fez com que seus corpos ficassem colados um ao outro.

"Fabian, ajude-me. ajude-me", ela pediu mentalmente.

Nesse instante, como se a resposta viesse do fundo de seu coração, ela soube o que fazer.

Ergueu a mão como se fosse protestar e esbarrou no brinco, que caiu no chão. Era o brinco de Ingrid, e estava
apenas preso à orelha sob pressão. Loretta deu um grito de consternação:

- Meu brinco! Não pise nele! É muito delicado!

O comte olhou para o chão e viu que o brinco estava debaixo de uma mesinha. Assim que se abaixou para pegá-
lo, Loretta inclinou-se, agarrou uma garrafa fechada de água mineral que estava na bandeja e, com toda a sua
força, golpeou a cabeça do comte.

Ele caiu para a frente com um gemido e ela deu-lhe outro golpe.

Então, ficando de pé para ter mais força, atingiu o comte pela terceira vez.

Ele caiu no chão, entre a mesa e o sofá. Nesse exato momento, Loretta ouviu um barulho atrás de si. Virando-se,
viu as cortinas se abrirem e Fabian entrar no quarto.

Ela deu um grito de alívio que pareceu ecoar pelas quatro paredes do quarto suntuoso.

Atirando a garrafa sobre o sofá, correu e atirou-se nos braços de Fabian, dizendo:

- Eu o matei! Eu o matei! Oh, Fabian. eu o matei!

CAPITULO VI

Fabian abraçou Loretta e manteve-a juntinho dele durante algum tempo.

Então, erguendo o rosto, ela murmurou, numa voz que mal podia ser ouvida:

- Eu o matei! Agora, vou para a prisão ou para a guilhotina.

Todo o seu corpo tremia ante esse pensamento, e Fabian disse, com voz calma e suave:

- Está tudo bem, querida, deixe tudo por minha conta. Ao dizer isso, puxou-a para trás das cortinas e levou-a
66
para

a sacada.

Loretta ainda estava agarrada a ele, desesperada, e o marquis deixou-a encostada na mureta de pedra, dizendo:

- Fique aqui e respire fundo. vou ver o que aconteceu exatamente com o comte.

- Ele está morto!

Quase como uma criança, ela obedeceu a Fabian, ficando junto à mureta, sentindo o contato com a pedra fria.
Ele desapareceu, voltando ao quarto.

Loretta fechou os olhos, imaginando que o que acontecera não podia ser verdade; talvez fosse um terrível
pesadelo.

Seu coração pulsava forte no peito, seus lábios estavam secos. O terror não a abandonara, pois a todo instante
recordava o que o comte estivera prestes a fazer. Salvara-se por milagre.

Ela ficou na sacada durante um tempo que lhe pareceu longo demais; sentiu que iria desmaiar a qualquer
momento.

Outro temor que a assaltava era que Fabian a desprezasse depois do que havia acontecido.

"Devo controlar-me e ser corajosa", ela pensava, tentando se convencer disso.

Mas sentia-se fraca e tinha náuseas.

Quando estava decidida a entrar, pois não suportava mais aquela angústia, Fabian voltou.

Assim que ouviu os passos dele aproximando-se, ela se virou, atirando-se em seus braços novamente.

Ele a abraçou forte, e o aconchego de seu peito deu-lhe um grande conforto.

- Está tudo bem, meu amor - ele disse. - O comte não está morto.

- Não está morto?

- Sim, está vivo, mas você foi mesmo impiedosa com ele. O comte vai ficar um bom tempo sofrendo as
consequências das pancadas! Mas, decididamente, mereceu-as!

A voz de Fabian soou ríspida, mas tudo o que Loretta podia pensar era que estava salva. Não seria presa nem
guilhotinada uma vez que o comte não estava morto, como ela havia imaginado.

Fabian abraçou-a, e Loretta sentiu os lábios dele nos seus cabelos.

- Agora peço-lhe para ter coragem, pois vamos ter que descer e sair pela porta da frente. Não vai poder sair da
forma que entrei, subindo pela escada. Minha carruagem estará esperando na frente da casa.

- Mas não podemos sair. A porta está trancada!

- Sei disso, mas há a porta da sala ao lado, onde vocês iam jantar.

Loretta olhava para o marquis, pálida e assustada. Tinha os lábios trémulos, e nos seus olhos estava impressa a
sombra do medo. Então Fabian lhe disse, como se falasse com uma criança:

- Tenha coragem por mais algum tempo. Não podemos alarmar os criados.
67
Ela ficou muito ereta e ergueu o queixo. com uma expressão terna no olhar, Fabian fitou-a por um longo
momento.

Depois ele pôs a mão no ombro dela e foi conduzindo-a de volta para o quarto.

Ele separou as cortinas e Loretta nem ousou olhar para o lugar onde deixara o comte caído.

Mas o comte já estava deitado na cama, reclinado contra os

travesseiros de cetim, de olhos fechados. Fabian com certeza o havia carregado para lá.

O casaco e a camisa do comte estavam abertos, como se Fabian tivesse ouvido as batidas do seu coração.

Quando ela ia perguntar o que havia acontecido, Fabian apanhou a estola de veludo e deu-lhe o braço.

com passos firmes, ele a levou até a porta que ficava ao lado da lareira. Essa porta abria-se para uma sala íntima,
onde havia uma mesa posta para dois. A iluminação da sala era discreta, o que tornava o ambiente sedutor.

Fabian não se deteve. Atravessou a sala com Loretta e seguiram ambos pelo longo corredor, descendo depois as
escadas.

No hall havia diversos criados de libré e um homem mais velho, que parecia estar tomando conta daquela parte
da casa.

Todos olharam espantados para Fabian. com certeza imaginavam como poderia ele ter-se materializado e
aparecido ali, vindo do quarto do amo, que estava trancado.

Depois de ter ajudado Loretta a descer o último degrau, Fabian disse, em voz autoritária:

- O amo de vocês não está bem. Atendam-no e mandem chamar um médico imediatamente!

Acabando de falar, não esperou resposta alguma e saiu com Loretta pela porta da frente, descendo os degraus
até a carruagem, que já os esperava.

Fabian ajudou Loretta a subir na carruagem e sentou-se ao lado dela. Assim que o criado fechou a porta, os
cavalos puseram-se em marcha.

Todo o controle que Loretta conseguira manter até aquele momento se desfez, e ela irrompeu em lágrimas.
Sentia-se arrastada pela tempestade de seus temores. Era-lhe impossível controlar os soluços.

Ela chorou como uma criança, e suas lágrimas molharam o casaco de Fabian. Estava insensível a tudo, exceto à
sua infelicidade.

Fabian a abraçava bem junto de si, e, quando os soluços diminuíram um pouco, ele disse:

- Tudo está bem, minha querida, minha pequena deusa inocente. Está salva. Assim que vi a carruagem do comte
partindo da frente da casa de Hugh e me disseram que você já havia saído, foi fácil imaginar o que havia
acontecido.

- Então sabia. que ele ia trazer-me. para a casa dele?

- ela conseguiu dizer num murmúrio.

- Conheço muito bem todos os métodos de Marais - respondeu Fabian com raiva. - Você quase o matou, minha
querida, e eu agiria da mesma forma se ele a tivesse magoado de um modo ou de outro.

68
- Eu estava com muito medo!

- Posso imaginar o que sofreu, mas devia saber que eu viria salvá-la.

- Eu rezava para que viesse. E, em meu coração, gritava por você.

- Ouvi seu chamado. Felizmente, eu já havia estado na casa do comte, e sabia para onde aquele suíno a havia
levado. Subi até a sacada, o que não foi difícil, pois há uma latada logo abaixo dela. Mas mesmo que eu tivesse
que atacar a Bastilha, teria ido socorrê-la.

Loretta tentou sorrir, mas achou difícil. Conseguiu, porém, conter as lágrimas, continuando com o rosto
escondido no ombro de Fabian.

De repente, deu um gritinho.

- Esqueci o brinco de Ingrid! Se alguém o achar. pode descobrir que eu estive lá!

Fabian abriu a mão, e ela viu o brinco de diamante e pérola na palma dele.

- Você. encontrou-o!

- Assim que cheguei à sacada, ouvi-a gritar que havia perdido o brinco.

- Obrigada. Oh, muito obrigada!

Então, sem nenhum motivo, as lágrimas começaram a descer pelo seu rosto novamente.

Fabian enxugou-as com ternura quando a carruagem estacionou. Loretta disse:

- Não posso deixar que ninguém me veja deste jeito!

- Não, claro que não. Foi por isso que a trouxe para a minha casa.

Loretta fitou-o, surpresa, e ele disse com carinho:

- Não se preocupe. Minha avó, a duchesse de Mellerin, está comigo no momento. Ela é uma senhora muito
idosa.

Nesse instante um criado de libré abriu a porta, e Fabian ajudou Loretta a descer da carruagem.

Ela entrou com a cabeça meio baixa, para que os criados não lhe vissem o rosto.

Fabian conduziu-a pelo grande hall e depois para um cómodo que ficava do outro lado. Assim que entraram, ele
ordenou ao criado que lhe abrira a porta:

- Diga ao chef que faça um jantar leve, para dois. Prepare pratos rápidos. E traga-me uma garrafa de champanhe.

O cómodo onde eles estavam era muito bem mobiliado com peças finíssimas, todas francesas; havia também
um sofá confortável e algumas poltronas. Parecia ser a sala íntima do marquis.

Apesar de tudo naquela sala ser da mais fina qualidade, via-se que fora decorada para um homem, pois havia ali
uma atmosfera de masculinidade inconfundível.

Fabian levou Loretta até o sofá, depois deu-lhe seu lenço de linho, para que ela-enxugasse as lágrimas. Quando
ela ergueu os olhos para ele, seus longos cílios ainda estavam molhados.

Loretta não sabia disso, mas estava muito pálida; a pintura havia saído com as lágrimas, e sua aparência era
69
enternecedora.

Fabian permaneceu em silêncio, até que um criado entrou, trazendo uma garrafa de champanhe num balde de
gelo e duas taças.

O criado serviu uma das taças e deixou-a sobre uma mesinha ao lado de Loretta; depois serviu a outra taça para
seu amo.

O balde de gelo com o champanhe foi deixado sobre uma mesa ao lado da lareira, e o criado saiu da sala.

- Beba um pouco - disse Fabian suavemente. - Vai fazer-lhe bem.

Sentindo-se fraca demais, ela obedeceu. Depois limpou novamente o rosto com o lenço de Fabian.

- Você está tão linda! Entretanto, querida, sei que necessita desesperadamente de protecção. Esse tipo de coisa
não pode

acontecer novamente; por isso, preciso fazer-lhe uma pergunta

- disse ele.

- O que é?

Ela achou estranho que Fabian parecesse estar procurando as palavras cuidadosamente. Finalmente, ele disse:

- Eu a amo e sei que, embora não queira admiti-lo, também me ama. Nascemos um para o outro e nos
completamos, portanto, temos que ficar juntos. Por isso lhe peço, minha querida: fuja comigo.

Por um instante Loretta não compreendeu o que ele dizia, e ficou olhando para ele com um ar indagador. Fabian
continuou:

- Durante algum tempo, enquanto seu marido lhe concede o divórcio, viveremos como sua amiga Ingrid e Hugh
Galston. Penso que nosso amor seja grande demais para que nos importemos em ficar no ostracismo perante a
sociedade. Na verdade, acho que o que a sociedade pensa ou deixa de pensar não nos interessa, nem
interessará no futuro.

- Não sei do que está falando. Não o compreendo - disse Loretta, hesitante.

- Acho que entende - discordou Fabian. - Você é bastante inteligente para saber que o verdadeiro amor é
irresistível, e que, quando o encontramos, é impossível negá-lo.

Ele fez uma pausa e, tomando a mão dela, continuou:

- Nesta mãozinha tão pequena, minha adorada, você segura toda a minha felicidade, todo o meu coração. Se
recusar o meu amor, nunca mais serei um homem completo.

Loretta fechou os olhos por um momento, depois disse numa voz quase inaudível:

- Você tem uma família importante. seus bens, suas terras. Tem uma posição na França. Como pode fazer uma
coisa dessas, que causaria um escândalo?

Fabian deu uma risada espontânea e alegre.

- Escândalo? Que escândalo? O comentário de pessoas que estão morrendo de inveja porque não sentem o que
sentimos? Além disso, minha querida, nós não estaremos aqui para ouvir todas as tolices que falarão sobre nós.

70
Loretta articulou um leve murmúrio, mas não o interrompeu.

Vou levá-la primeiro para o norte da África, onde possuo umas terras. Vai achar o lugar fascinante como eu
acho. Mais tarde viveremos na Normandia, onde tenho uma propriedade que pertenceu à minha mãe. É muito
diferente do castelo de meu pai, que fica no vale do Loire. Viveremos na minha propriedade como se
estivéssemos em outro mundo.

Ele apertou a mão dela ao dizer:

- Se não vivermos aqui na França, o mundo é bem grande, e sei que onde estiver, tendo-a a meu lado, viveremos
a utopia que sempre busquei. É esse paraíso que tenho procurado sem descanso e que sempre me escapou das
mãos, até que a vi entrando naquele salão, no primeiro dia de sua chegada a Paris. Eu sabia que a havia
encontrado, e nada, nem ninguém mais, importava.

- Não pode estar falando sério - murmurou Loretta. Fabian olhou-a dentro dos olhos, e não havia dúvidas de que

o que ele dizia vinha do fundo do coração. Cada palavra pronunciada era absolutamente sincera.

- Sei o que está pensando - disse ele suavemente -, mas sei também que, como me ama, minha querida deusa,
as explicações são desnecessárias entre nós.

A voz dele tornou-se mais profunda, e ele prosseguiu:

- Eu a levarei, a protegerei e a amarei pelo resto de nossas vidas. Deve haver outras vidas depois desta, pois é
impossível de agora em diante nos separarmos um do outro, mesmo depois da morte.

Incapaz de falar, ela apenas olhava para ele, e seus olhos enormes pareciam tomar conta de todo o rosto.

A porta abriu-se, Fabian soltou a mão de Loretta e disse, numa voz que não escondia sua alegria irreprimível:

- Agora vamos comer alguma coisa, depois a levarei para casa. Já teve emoções demais por hoje. Amanhã
faremos nossos planos.

Os dois sentaram-se à mesa, e os criados trouxeram um prato após o outro, todos deliciosos. Durante todo o
tempo, Fabian falou.

Ele estava feliz, e não parava de contar coisas divertidas,

de maneira tão encantadora que Loretta conseguiu esquecer por uns instantes o que havia acontecido,
chegando até a rir.

Ela sentiu-se mais leve, deixando-se envolver pela alegria de estar ao lado de Fabian.

Não era possível sentir-se amedrontada nem infeliz. Naquele momento só existia a felicidade, porque os dois
estavam juntos. Nada mais importava.

Quando o jantar terminou e os criados tiraram a mesa, Loretta levantou-se e ficou de pé junto à lareira, que,
como não era acesa naquela época do ano, estava cheia de flores.

Ela não viu que Fabian viera para junto dela, e surpreendeu-se quando ele lhe perguntou:

- O que a preocupa? - Sem esperar resposta, ele continuou: - Deixe todas as preocupações para o futuro. Agora
quero que sinta se tão feliz como estava ainda há pouco. Deixe tudo por minha conta, querida.

- Mas não posso.

71
- Por que não? É para isso que estou ao seu lado; para tomar conta de você.

- Eu sei... mas.

- Não há "mas" - interrompeu Fabian. - Você é minha, Lora. Já lhe disse que matarei o homem que a amedrontar
novamente. Tem que confiar em mim e deixar tudo em minhas mãos.

- Não posso fazer isso. Você não compreende.

Ela pensava que talvez fosse melhor explicar quem era e contar-lhe toda a verdade.

Porém, antes que pudesse organizar os pensamentos ou decidir o que fazer, Fabian pôs a mão sob seu queixo,
erguendo-lhe o rosto e fazendo-a olhar bem para ele.

- Você não é apenas adorável, é muito mais do que isso.

A voz dele tornou-se muito profunda e solene. Loretta sentia-se como se pequenos raios de sol lhe corressem
por todo o corpo.

- Adoro-a, adoro sua beleza, quero você, desejo-a! Depois de conhecê-la, que mais poderia fazer? Também
adoro essa aura de pureza que a envolve. Sei que você é bondosa e inocente; jamais conheci mulher assim em
minha vida.

Loretta baixou os olhos, mas ele não soltou seu queixo e continuou:

- Mas isso não é tudo. Tenho certeza absoluta de que você é a minha outra metade, a parte que me completa e
que nos torna uma única pessoa. Como já lhe disse, encontrei-a depois de uma longa procura e jamais a
perderei novamente!

Ele falava com tal determinação que fez Loretta sentir que ele removeria qualquer obstáculo em seu caminho e
lutaria sem descanso para conquistar o que desejava.

- Amo-a! Amo-a! Juntos somos a perfeição do amor. Então os braços dele a envolveram, e, antes que ela
compreendesse o que acontecia, os lábios dele uniram-se aos seus.

Todo o corpo de Loretta fundiu-se no de Fabian, e ela deu-se conta de que ansiara muito por aquele momento.
Era o que sempre desejara, embora não ousasse admiti-lo.

Ele a beijou até que ela sentisse como se ambos estivessem sendo levados daquela sala para bem alto, no céu.

Agora Loretta não era tocada pela luz do sol, mas seu corpo, transportado por um arco-íris iridescente, ia cada
vez mais alto. Fabian lhe dava as estrelas de presente. Toda adornada de estrelas, ela brilhava, brilhava.

Então as estrelas tornaram-se pequeninas línguas de fogo, em resposta ao fogo que já ardia em Fabian.

Todavia, ele achava-se perfeitamente sob controle. Afinal, quando Loretta sentiu que não podia mais
experimentar tais sensações de êxtase e não morrer de arrebatamento, Fabian ergueu a cabeça e disse, numa
voz singularmente oscilante:

- Pode compreender agora?

- Amo-o! - sussurrou Loretta, sem poder evitar.

- Isso é tudo o que importa! - ele disse, num murmúrio. Loretta ainda se sentia flutuando quando ele pôs a estola
de

72
veludo sobre seus ombros e saíram juntos da sala, para o hall.

A carruagem do marquis já esperava por eles.

Já na carruagem, Fabian passou o braço ao redor dos ombros de Loretta, segurando-a bem juntinho dele, mas
não a beijou novamente.

Pensava no futuro de ambos. Ele o via de modo tão nítido

como se estivesse lendo as páginas de um livro que ele mesmo escrevera.

A casa do marquis não ficava muito longe da Avenue dês Champs-Élysées.

Quando chegaram, Loretta disse, depressa:

- Preciso falar com você. Tenho que explicar.

- Não vamos falar sobre mais nada esta noite - replicou Fabian. - Amanhã ouvirei tudo o que tem a dizer, se for
realmente importante. Caso contrário, minha querida, vivamos as emoções. Vivamos num plano além das
palavras.

Ele beijou-lhe a mão, depois disse:

- Tenho que cuidar bem de você e evitar que se canse, depois desta noite tão agitada. Vá direto para a cama.
Lembre-se somente do que sentiu quando a beijei.

Os lábios dele tocaram a mão dela novamente, depois Fabian ajudou-a a descer da carruagem.

Antes que ela pudesse entender o que estava acontecendo, o marquis a levou até o hall e deixou-a lá.

Loretta quis chamá-lo, impedir que ele se fosse. Mas viu a carruagem partindo. Era muito tarde para dizer que
não era quem fingia ser.

Tudo começou a girar em sua cabeça, mas ela ouviu o mordomo dizer:

- Madame está sozinha no salão prateado. "Tenho que ver Ingrid", pensou Loretta.

O mordomo foi à frente dela e abriu a porta do salão prata.

Ela viu a prima, muito linda, sentada em uma das cadeiras estofadas em brocado azul e ouro.

Ingrid olhou para Loretta assim que esta entrou no salão e exclamou:

- Minha querida, voltou cedo! Fiquei tão preocupada com o que aconteceu! Disseram-me que você foi levada
em uma carruagem estranha antes de Fabian vir buscá-la, como ficara combinado.

Loretta respirou fundo e ia contar à prima o que havia acontecido quando o marquês entrou no salão.

A atenção de Ingrid voltou-se imediatamente para ele.

102

- Está tudo bem, Hugh? - ela perguntou ansiosa. - O que o homem queria com você?

O marquês veio ao encontro de Ingrid em silêncio. Ele olhou para ela de um modo enternecedor, dizendo:

- Minha esposa morreu há três dias, querida! Agora posso pedir-lhe que se case comigo!
73
Ingrid deu um grito de felicidade que trouxe lágrimas aos olhos de Loretta.

O marquês abraçou Ingrid, e Loretta percebeu que eles desejavam ficar a sós. Saiu discretamente do salão, sem
ser notada, e subiu as escadas.

Só quando chegou ao seu quarto decidiu o que fazer: voltaria para casa.

Em primeiro lugar, porque Ingrid e Hugh queriam estar a sós, depois do que haviam passado. Um novo capítulo
abria-se em suas vidas, e ninguém deveria intrometer-se.

Em segundo lugar, Loretta havia decidido o que fazer no futuro.

Ela tocou a sineta chamando Marie, e, assim que esta chegou pediu-lhe para arrumar toda a bagagem, pois
partiriam no primeiro trem, logo pela manhã.

- Assim tão cedo, milady? - lamentou Marie. - Estou tão feliz em Paris! Não tenho vontade de voltar para a
Inglaterra.

Loretta teve ímpetos de dizer que talvez não fosse por muito tempo. Todavia, preferiu calar-se, pois achou que
seria agourento falar de algo que ainda não estava decidido.

O que agora a torturava era que Fabian poderia zangar-se quando descobrisse que havia sido enganado.

Sendo também tão anticonvencional e tão diferente, Fabian poderia não aceitar ter uma esposa escolhida pelo
pai. Ele preferia a aventura perigosa e excitante de fugir com uma mulher casada, desafiando a sociedade.

Havia muitas outras perguntas que Loretta fazia a si mesma.

Naquela noite, ela não conseguiu dormir, e, antes que Ingrid acordasse, já saía com Marie para a Gare du Nord.

Durante a noite, escreveu duas cartas. A primeira para

Ingrid, agradecendo-lhe por ter sido tão bondosa e compreensiva.

Nessa carta ela contava à prima como estava emocionada e contentíssima, porque poderia casar-se com o
homem que amava.

Terminava assim:

"Você não entenderá, mas algum dia poderei explicar-lhe que desejo casar-me com o homem que amo. Não
será um erro, como você pensou; será a maior felicidade para nós dois.

Assim como você e Hugh têm o amor que tudo vence, e diante dele tudo perde o brilho e significado, também
descobri esse amor. Mas, por favor, não diga a Fabian quem sou eu. Há ainda muitas dificuldades e obstáculos."

Para Fabian, escreveu:

"Amo-o. Amo-o de todo o meu coração... Mas talvez, quando souber que o enganei, vá deixar de me amar, e
será tudo por minha culpa. Foi um erro e muita ousadia de minha parte ter vindo sozinha a Paris.

Procurava, assim como você, alguém com quem sonhava, alguém que pensei jamais encontrar.

Assim, talvez possa perdoar-me.

Lora."

74
Ela ficou imaginando o que o marquis pensaria ao ler a carta. com certeza deduziria que ela havia voltado para a
Inglaterra, e talvez achasse que valeria a pena ir atrás dela.

Mas ele também poderia voltar à vida que levava antes, com certeza para os braços de Mme. Julie St. -Gervaise.

"Já houve tantas mulheres na vida de Fabian! Eu não sou mais do que uma estrela cadente que prendeu sua
atenção por um minuto, mas de quem ele se esquecerá facilmente."

Enquanto o trem as levava para Calais, Loretta queria gritar, tamanha era a tristeza que a consumia por perder
Fabian.

O amor que a envolvia era tão grande que ela não pensava em mais nada.

"Amo-o! Amo-o!", ela repetia consigo mesma, sem cessar. As rodas do trem que corriam velozmente pareciam
repetir as mesmas palavras, fazendo eco: "Amo-o! Amo-o! "

Marie, que estava de mau humor por causa de sua volta à Inglaterra, de repente inclinou-se para a frente e
perguntou, preocupada:

- Está bem, milady? Está pálida. Será que pegou um resfriado?

- Não, estou bem, Marie - Loretta conseguiu dizer.

Mas ela sabia que jamais estaria bem novamente enquanto Fabian não estivesse ao seu lado, protegendo-a,
mantendo-a em segurança e amando-a.

Um milhão de vezes ela perguntou a si mesma se havia sido um erro partir sem ter visto o marquis.

Se não fosse pela morte da esposa de Hugh e a certeza de que não devia intrometer-se na felicidade deles,
poderia ter confessado a Fabian toda a verdade, quando ele viesse vê-la pela manhã, conforme havia prometido.

Entretanto, temia desesperadamente ver a desilusão nos olhos dele.

Loretta lembrava-se do que Ingrid lhe dissera, de maneira tão categórica: que Fabian não se importaria com ela
se pensasse que ela era uma jeune-fille.

Como reagiria ele quando soubesse a verdade, depois de ela ter-se apresentado como outra pessoa?

E ela não era apenas uma jeune-fille, era também a pessoa escolhida pelo próprio duc para ser esposa de
Fabian.

O que conhecia a respeito do marquis já era suficiente para saber que ele também se ressentia pelo fato de o pai
o tratar como se ele ainda estivesse sob sua autoridade.

"Ele é um homem experiente e de muita personalidade", pensou Loretta. "É claro que quer ser dono de si
mesmo e decidir tudo sozinho! "

Quanto mais ela pensava, mais podia ver a felicidade afastando-se dela e abrir-se um abismo entre ela e Fabian,
que se tornava cada vez maior.

A distância entre eles aumentava mais e mais à medida que o trem a levava para Calais.

Loretta e Marie tomaram o vapor do meio-dia para Dover.

Depois de uma longa e cansativa espera, tomaram o trem para a estação que as levaria para casa.

75
Loretta mandara um telegrama de Dover, pedindo que mandassem uma carruagem buscá-la na estação, e
agradeceu a Deus ao ver a carruagem já esperando por elas.

O único pensamento que ocupava a cabeça de Loretta era Fabian. Fabian falando de seu amor por ela, Fabian
abraçando-a, Fabian subindo pela sacada para salvá-la do comte.

Fabian! Fabian!

Ela chegou em casa e foi para seu quarto. Sentia-se cansadíssima por causa da viagem, e ficou feliz por já ser
muito tarde e a prima Emily já estar dormindo.

Parecia que se havia ausentado por um século e que vivera em um outro mundo, onde havia apenas Fabian. A
última coisa que sentiu antes de cair adormecida foi a sensação dos lábios dele nos seus.

Mais uma vez as estrelas cintilavam em seu peito, e o brilho que vinha delas transformava-se em pequenas
línguas de fogo.

Quando Loretta acordou, na manhã seguinte, sentiu que havia vivido um sonho e que nada daquilo podia ser
verdade.

Ela não fez o menor esforço para levantar-se e ir cavalgar, como era seu hábito. No momento, nem mesmo os
cavalos lhe interessavam.

Lembrou-se então de que, se mandasse um recado para Christopher, por meio de Ben, ele estaria esperando por
ela à tarde, onde ambos sempre se encontravam.

Então, pela primeira vez, desde que voltara para casa, sentiu as lágrimas inundarem os olhos.

Como todas as outras mulheres que haviam amado Fabian, ela também chorava por ele. Estivera com ele por
um breve momento apenas, um instante maravilhoso no qual ele lhe falara de seu amor. Agora ela havia atirado
fora esse amor, ou melhor, voltando a ser quem era, perdera o homem amado.

E, perdendo Fabian, perdia tudo o que mais desejava no presente e no futuro. Finalmente, já bem tarde,
levantou-se.

- Não vai cavalgar, milady? - perguntou Sarah, ajudando-a a vestir-se.

- Hoje não.

Ela desceu e mandou preparar o pequeno trole que sempre dirigia para fazer passeios pela vasta propriedade.
Saindo na companhia de Ben, foi até a vila para ver Marie.

Marie era a única pessoa que Loretta queria ver no momento e com quem desejava falar, pois estivera com ela
na França, e isso formava uma espécie de ligação com Fabian.

Marie ficou contentíssima ao ver Loretta.

- Bonjour, milady! Que bom vir me ver! Eu estava tão triste, muito triste mesmo, por estar de volta à Inglaterra.
Sinto saudades de ma belle France.

- Eu também - disse Loretta, que pensava apenas em um homem.

Marie fez o seu café, depois disse, num tom que sempre usava quando se emocionava:

- Não se preocupe, ma petite. Vai se casar com o marquis! Os dois serão muito felizes!

76
- Oh, Marie! - exclamou Loretta. - Talvez ele não queira mais saber de mim quando descobrir que o enganei.

- Isso não é verdade! Monsieur lê marquis está apaixonado. Um criado me disse que ele a ama como nunca
amou nenhuma outra mulher!

- Por que ele teria dito isso? E como pode saber uma coisa dessas?

Marie riu novamente.

- Os franceses entendem l'amour. O cocheiro de monsieur le marquis disse-me que nunca viu seu amo
demonstrar que estava apaixonado por uma lady, como estava por você.

Loretta queria fazer mais perguntas a Marie, para ter respostas mais concretas, mas simplesmente alegrou-se
com o que ela disse.

Voltando para casa, sentia-se um pouco mais feliz.

Nesse dia, almoçou sozinha. Depois do almoço, passeou um

pouco pelo jardim, andando desassossegada pelo gramado verde, indo até a sebe de teixos que cercava o jardim
das rosas.

No centro desse jardim havia uma pequena fonte, bem diferente da enorme fonte do Bois. Entretanto, à medida
que a água era lançada a poucos metros de altura e a luz do sol transformava a água em arco-íris iridescentes,
aqueles pequenos arco-íris pareciam estar movendo-se dentro dela, como ela se sentira ao ser beijada por
Fabian.

"Nunca vou sentir tal emoção por outro homem."

Seu coração se apertou. Era uma dolorosa agonia saber que Fabian não somente estava a quilómetros de
distância, mas que não vibravam um com o outro como antes.

Ele se afastaria dela deliberadamente, não somente física, mas também mental e espiritualmente.

- Oh, Fabian! Fabian! - ela gritou.

Ouviu a própria voz ecoar na quietude do jardim. As águas da fonte levaram suas palavras em prece para o céu.

Meio cega pelas lágrimas que lhe inundavam os olhos, Loretta virou-se e viu, por entre as rosas, Fabian vindo ao
seu encontro.

CAPÍTULO VII

Loretta sentiu o coração pulsar loucamente. Uma alegria irreprimível a invadiu, fazendo-a sentir-se viva
novamente, porque Fabian estava ali.

Ele se aproximou vagarosamente, e, quando estava a alguns passos dela, disse, numa voz estranha:

- Pelo que vejo, lady Brompton é, na verdade, lady Loretta Court?

- Você não sabia?

- Não tinha a menor ideia! Loretta olhou para ele, surpresa.

- Então. por que veio até aqui? Como pôde encontrar-me?

77
Enquanto ela falava, notava que o rosto de Fabian estava sério e ele a olhava fixamente, como se não pudesse
acreditar que ela fosse real.

Depois de algum tempo, ele respondeu:

- Quando você fugiu daquele modo tão inesperado e cruel, sem me dizer adeus, pensei que fosse ficar louco!

- Ingrid não lhe contou quem eu era?

- Não. Ela mentiu-me, de maneira muito convincente.

- Então. como.

- Hugh de Galston foi mais amável. Ele disse-me que achava que uma jovem chamada lady Loretta Court poderia
ajudar-me.

- Então. veio até aqui.

- Vim perguntar se lady Loretta Court conhecia lady Brompton.

Houve uma pausa que amedrontou Loretta. Depois ele perguntou:

- Como pôde enganar-me daquele jeito e depois fugir de mim?

- Está zangado comigo?

- Muito zangado! Pensei que confiasse em mim. Acreditei até que me amasse.

- Amo você - respondeu Loretta em voz baixa. - Amo você, mas. achei que não podia dizer-lhe quem eu era.

- Por que não?

- Porque eu havia ido a Paris para descobrir. quem era

você...

- Descobrir quem eu era? - ele interrompeu-a. - Por quê? Qual o motivo?

Loretta ficou olhando para ele, surpresa, e então respondeu:

- Pensei que seria impossível casar-me com um homem que eu não amava.

A surpresa deixou Fabian imóvel e calado. Depois ele disse:

- E que tem o seu casamento a ver comigo? Posso parecer obtuso, mas o que diz é incompreensível.

Loretta olhou para ele e achou que aquela conversa devia ser fruto de sua imaginação, tão estranha lhe parecia.

Desviando o olhar, dominada por completa timidez, disse:

- Fui a Paris porque papai me disse que eu tinha que me casar com você. Ele havia combinado isso com seu pai.

- É verdade? - exclamou Fabian, quase gritando. Depois pegou Loretta pelos ombros e virou-a, fazendo-a encará-
lo. É verdade o que está dizendo? - perguntou, furioso. - Seu pai e o meu tramaram o nosso casamento?

Ao seu toque, Loretta sentiu um estremecimento percorrer-lhe o corpo, mesmo estando ele tão zangado.

- Eles combinaram tudo quando se encontraram em uma corrida. Seu pai certamente devia ter-lhe contado.
78
- Não me disse nada! Ele vive me pedindo, implorando para que eu me case novamente, mas nunca tive a menor
intenção de fazer o que ele quer!

O modo como ele falou fez Loretta pensar que o havia perdido completamente, e o mundo pareceu-lhe
mergulhar nas trevas. Esforçando-se para controlar-se, Fabian disse, ainda irritado:

110

- Acho melhor explicar-me desde o começo o que tudo isto significa. Estou de fato abismado.

Ele a soltou, e ela, trémula, indicou um banco de madeira debaixo de umas árvores, do outro lado do jardim.

Não podia falar. Sua voz morrera na garganta. Foi andando até o banco, seguida por Fabian.

Ele sentou-se na extremidade do banco, o mais distante dela que lhe foi possível. No mesmo tom de voz que
usara antes, disse:

- Sugiro que comece desde o princípio e me conte o que vem a ser toda essa história.

- Como eu poderia imaginar que você não sabia de nada? Fabian não respondeu, e depois de um momento ela
disse,

em voz baixa e triste, num tom muito diferente do modo como falava normalmente.

- Papai voltou das corridas na semana passada, e me disse que seu cavalo vencera o do duc de Sauerdun.

Ela achou que Fabian iria fazer algum comentário, mas ele permaneceu calado. Seus lábios estavam apertados,
formando uma linha fina.

- Papai estava exultante, não somente porque havia vencido a corrida, mas também porque o duc havia sugerido
que eu devia casar-me. com seu filho.

- E você concordou?

- Eu tentei dizer a papai que isso era impossível, pois eu não poderia me casar com um homem que jamais vira...
e a quem não amava.

- O que ele respondeu?

- Ele teve um acesso de raiva e disse que eu me casaria com o marquis de Sauerdun, nem que tivesse que me
arrastar até o altar; disse que meu casamento com o marquis, além de ser muito conveniente, era muito do seu
agrado.

Fabian olhou para o outro lado do jardim. Ela sentia-se cada vez mais triste, porque ele continuava zangado.

- Eu sabia que não adiantava discutir com papai nem lhe implorar. Então tive a ideia de descobrir quem era você,
assim poderia convencer meu pai de que não devia me casar. Decidi ir a Paris para descobrir como você era, sem
ser reconhecida.

- Então sabia que havia alguma coisa para descobrir?

- Achei que devia haver. porque tudo tinha que ser feito muito depressa. Você deveria visitar-nos e ficar conosco
durante a semana das corridas de Ascot, e então nosso noivado seria anunciado no baile que papai iria oferecer.
quando as corridas terminassem.

Loretta nem ousou olhar para Fabian, pois sabia que ele estava mais enfurecido do que antes.
79
Sentia as vibrações que vinham dele, e isso lhe tirava toda a alegria. Estava matando o que havia de mais
importante em sua vida.

- Eu me lembrei - continuou ela depois de alguns segundos - de que minha prima Ingrid, cujo nome nem mesmo
nos permitem pronunciar, morava em Paris. Descobri o endereço dela através de uma antiga empregada nossa
que é francesa e que mora ainda na vila, em nossas terras.

- E foi para a França sozinha?

- Marie foi comigo. Tudo foi muito mais fácil do que eu esperava. Quando contei a Ingrid por que a procurava.
ela compreendeu.

- Compreendeu? O quê?

Loretta ficou em silêncio e Fabian repetiu:

- O que ela compreendeu?

- Que você não era o tipo de marido para mim... e que eu seria muito infeliz ao seu lado.

- Ingrid disse-lhe mais alguma coisa?

- Disse-me que talvez soubesse qual a razão de o duc, seu pai, querer que você se casasse. tão depressa.

- E qual era essa razão?

Relutando, como se as palavras se recusassem a sair de seus lábios, ela respondeu:

- Ingrid me disse que você. estava apaixonado por uma viúva bem-nascida. e que, se você quisesse, poderia.
casar-se com ela.

- Posso entender o raciocínio de meu pai - disse Fabian com sarcasmo.

Loretta deu um profundo suspiro. Suas mãos tremiam.

112

- Então as duas decidiram enganar-me, e você se fez passar por lady Brompton!

- Fui eu quem insistiu em conhecê-lo sem que soubesse quem eu era. Ingrid apenas me disse que você
certamente me evitaria se eu me vestisse como uma jeune-fille. Na verdade, duvidava que você sequer falasse
comigo.

Pela primeira vez Fabian esboçou um leve sorriso.

- E você achou que o seu disfarce foi muito convincente. Pensou que me enganou o tempo todo e que acreditei
que você era uma mulher casada, muito experiente.

- Você então me convidou para jantar e almoçar.

- O que aconteceu depois disso? Depois de novo silêncio, Fabian insistiu:

- O que aconteceu, Lora?

- Eu... apaixonei-me por você - disse Loretta num murmúrio. - Apaixonei-me, como todas as outras mulheres a
quem você depois desprezou.

80
- Apaixonou-se? - Sua voz tornou-se suave. - Mesmo assim, fugiu, sem dar explicação alguma, sem me contar a
verdade.

- Eu sabia que Ingrid e Hugh queriam ficar sozinhos. Além disso, ao descobrir que você era bem diferente do que
eu esperava. não podia suportar contar-lhe tudo, sabendo que iria ficar zangado comigo.

- Eu era diferente do que você esperava? Como? Loretta fez um gesto com as mãos.

- Sabe exatamente o que quero dizer. Você falou comigo como ninguém jamais falou... E eu não pude evitar.
Acabei apaixonando-me.

Ela deu um pequeno soluço, e seus olhos encheram-se de lágrimas. Como se quisesse justificar-se, disse
novamente:

- Como poderia imaginar, por um momento que fosse, que você não sabia dos planos de seu pai?

- Vejo que meu pai foi bem esperto ao planejar tudo disse Fabian vagarosamente. - Pediu-me para vir com ele às
corridas de Ascot deste ano. Disse-me até que era um favor especial que eu lhe fazia. Concordei, pois gosto
muito de vir à Inglaterra.

Ele fez uma pequena pausa, ficando pensativo.

- Depois que eu viesse para a Inglaterra, ele iria insistir para eu ficar uns dias no castelo de seu pai, e, antes
mesmo que eu pudesse fazer qualquer objeção, nosso noivado seria anunciado.

- Foi exatamente isso que os dois planejaram. Como eu já sabia de tudo, tive que fazer o que fiz para impedir
que o plano dos dois desse certo. Assim, não me casaria com você.

- Por que tinha tanta certeza de que eu não seria um bom marido?

Loretta respirou fundo e decidiu contar toda a verdade:

- Eu sempre sonhei que um dia encontraria o homem dos meus sonhos. O homem que me amaria sempre e que
corresponderia ao meu amor.

- O que aconteceu quando me conheceu?

- Você era exatamente o homem dos meus sonhos! Soube disso, senti isso logo que o vi, senti vibrações, e
depois que estivemos juntos, já tinha certeza absoluta de que era você o homem que eu via em meus sonhos.

Houve um longo silêncio. Fabian parecia estar a milhas de distância de Loretta. Ela sentiu que ele desaparecia no
distante horizonte e que nunca mais o veria.

Mas jamais suplicaria que ele ficasse com ela e continuasse amando-a. Fazer isso seria igualar-se a todas as
outras mulheres que ele havia amado. Devia mostrar que tinha orgulho.

Se Fabian jamais viesse a pensar nela, pelo menos saberia, agora, que ela era uma jovem de fibra e coragem.

com um- esforço quase sobre-humano, ela levantou-se do banco e disse:

- Agora já sabe de toda a verdade. Compreendo exatamente o que sente. Será mais sensato partir
imediatamente. Não adianta mais falarmos sobre esse assunto.

Fabian não se moveu, apenas olhou para ela e perguntou:

- É isso o que você quer?


81
Loretta fechou os olhos. Sentia que se crucificava, mas não iria, por mais que o desejasse, atirar-se aos pés dele e
suplicar-lhe que não partisse.

- Estou pensando em você - disse ela. - Felizmente

acho que até o momento ignoram quem você seja... a menos que tenha dito seu nome aos criados. Meu pai
poderá ficar sabendo, quando voltar, que esteve aqui... e tudo ficará ainda mais difícil do que já está.

- Então vai dizer a ele que não nos casaremos?

- Poderei fazer isso, se você não vier ficar conosco, como foi planejado, para as corridas de Ascot.

Fabian ficou de pé.

- Então pensa que, depois de tudo, eu posso voltar a Paris, esquecendo que vim à procura de lady Brompton?

- Será tão fácil! Ela não existe.

- E você? Poderá esquecer o que sentiu quando a beijei? Poderá esquecer o que ambos sentimos junto à fonte,
no Bois?

Ele ia continuar, mas Loretta não pôde mais suportar. Ergueu as mãos, como se quisesse afastá-lo de perto dela,
dizendo:

- Pare com isso! Está tornando as coisas mais difíceis. Por favor. por favor. vá embora de uma vez!

Enquanto ela falava, notou que Fabian se punha de pé, bem atrás dela. Ele pôs as mãos nos seus ombros
suavemente, fazendo-a virar-se.

- Se eu for embora, está preparada para vir comigo?

Ela fitou-o, de olhos muito abertos, sem entender nada. Entretanto, viu que ele não estava mais zangado.

Fabian deu um sorriso que lhe transformou o rosto.

- Você é tão adorável. - ele disse. - Tão extraordinariamente adorável, incrivelmente linda! Como eu poderia
perdê-la?

Por um momento Loretta achou que não ouvira direito.

Um arrebatamento fez seu corpo estremecer. Seus olhos pareciam ter capturado toda a iridescência da fonte
luminosa. Receando estar enganada, perguntou:

- O que está dizendo? Que quer que eu faça?

- Tenho uma ideia maravilhosa, minha querida. Só receio que não concorde com ela.

- Concordar. com quê?

Era difícil entender o que ele dizia, pois seu coração entoava hinos.

Nos olhos de Fabian só havia amor.

- Como pode pensar que eu poderia perdê-la, agora que a encontrei? - ele perguntou. - Pelo menos será
interessante conhecer uma jeune-fille!

- Então. não está zangado comigo?


82
- Não estou mais.

- Ainda me ama. um pouquinho?

Como resposta, ele envolveu-a em seus braços e ficaram bem juntos. Os lábios de Loretta tremiam, prontos e
ansiosos para os beijos dele. Fabian olhou para ela por um longo momento e disse:

- Amo você! Adoro você! Venero você! Isso basta?

- Oh. Fabian.

As lágrimas que ela retivera durante todo o tempo em que estivera explicando o que acontecera não puderam
mais ficar represadas e desceram-lhe pela face.

Então os lábios dele tocaram os dela, tornando-a cativa. Foi como se o céu se abrisse e uma luz divina os
envolvesse.

Fabian beijou-a de maneira possessiva, apaixonada, exigente.

O jardim girava ao redor de ambos, e eles já não se sentiam humanos - habitavam um outro plano, entre os
deuses.

Quando, por fim, ele ergueu a cabeça, Loretta murmurou:

- Amo você. amo você. Oh, Fabian. amo-o tanto! Quando pensei que o havia perdido, queria morrer!

- Não vai morrer, minha pequena deusa. Vai viver ao meu lado, feliz, para sempre.

Depois ele disse, em outro tom:

- Ainda não respondeu à minha pergunta.

- Que pergunta?

- Perguntei se você iria embora comigo. Ela olhou-o, confusa, e ele disse:

- Não posso suportar ser manipulado. Isso é humilhante para nós dois. Vamos deixar nossos pais pensarem que
arranjaram tudo com perfeição. Enquanto eles antegozam o sucesso de seus planos, sugiro que fujamos.

- Fugir?

Loretta mal pôde pronunciar a palavra. Fabian deu uma risada alegre e sonora.

- Já lhe pedi para fazermos isso antes, pois sabia que me amava como eu a amo, e pensei que seria muito
improvável que recusasse.

Seus olhos brilharam e ele continuou:

- apesar daquele misterioso marido que aparentemente nada lhe ensinara sobre o amor. Nem ao menos lhe
ensinara a beijar.

Loretta deu um pequeno gemido e escondeu o rosto nos ombros dele.

- O que o fez suspeitar disso?

- Sempre suspeitei - replicou Fabian. - Primeiro, porque uma mulher casada não poderia ser tão inocente, e
certamente não teria essa aura de pureza que resplandece em você.
83
Loretta sentiu uma súbita timidez.

- Além disso, sentia as vibrações que vinham de você - ele continuou. - Eram muito fortes, e eu jamais havia
experimentado algo assim.

- Agora que sabe quem sou, não acha que o aborrecerei. ou que serei cansativa?

- Estou completamente seguro de que ensinar-lhe tudo sobre o amor será a coisa mais excitante e mais
extasiante que farei na vida!

Ele beijou-lhe a testa e prosseguiu:

- Tenho certeza de que se tivermos que viver uma farsa, fingindo que estamos nos vendo pela primeira vez,
quando eu chegar aqui, depois das corridas, sendo então anunciado nosso noivado, seguido de uma longa festa
de casamento, muito elegante, no rigor da moda, com todos os meus parentes dizendo que eu serei um marido
terrível, ah, isso sim, estragará nossa felicidade.

- Também acho. Oh, Fabian, farei tudo o que quiser que eu faça...

Ele segurou o queixo dela e fê-la olhar para ele.

- Fará mesmo?

Ele não a beijou, como ela esperava que fizesse, mas disse:

- Tem certeza de que não se importará em não ter um casamento com uma longa fila de damas de honra, nem
um

enorme e indigesto bolo de noiva, e tampouco fará questão de me ouvir fazer um discurso fútil e embaraçoso?

Ele falava de um modo tão engraçado que Loretta começou a rir.

- Não suportaria nada disso. Leve-me daqui... Por favor, leve-me com você!

- Muito bem. Fugiremos, e nossos pais maquinadores nada poderão fazer.

- Eles tentarão nos impedir.

Loretta estremeceu, já imaginando o acesso de fúria que o pai teria.

- Deixe que me encarrego de tudo. De acordo com as regras, teria que fazê-la desaparecer esta noite, o que seria
muito desconfortável. Será melhor partirmos amanhã cedo. Poderemos chegar ao meu castelo, na Normandia, à
tardinha. Um capelão realizará nosso casamento, sem a interferência de ninguém.

- Parece perfeito demais para ser verdade.

- Tem plena certeza de que é isso que deseja?

- Tudo o que desejo é que me ame. Mesmo que todos digam, quando souberem de nosso casamento, que eu
terei muito pouco tempo de felicidade com você, isso será melhor do que viver ao lado de outro homem.

Ao dizer aquilo, Loretta provocava Fabian deliberadamente, mas os olhos dele brilharam quando disse:

- Ao celebrarmos nosso octogésimo aniversário de casamento, vai ver como estava enganada! Tudo o que lhe
posso dizer, minha querida, é que vai ser muito difícil livrar-se de mim, pois perdê-la vai ser pior do que perder
metade de meu corpo.
84
Estas últimas palavras foram ditas com seriedade, e Loretta chegou-se mais a ele, que a envolveu em seus
braços.

- Leve-me com você. Por favor, leve-me com você! ela pediu. - Tenho tanto medo de que este sonho
maravilhoso possa acabar quando eu acordar.

- Sou mesmo o homem de seus sonhos?

- Sabe que é. Você é tudo o que sempre desejei... Você

significa tanto para mim, que é difícil encontrar palavras que possam expressar como você é maravilhoso! Fabian
sorriu.

- Gostaria que tentasse encontrar essas palavras, mas agora, minha adorada, quero que volte para sua casa e
arrume tudo o que quiser levar. Fique preparada, que virei apanhá-la amanhã às sete horas, se não achar que é
cedo demais.

- Essa é a hora em que costumo sair para cavalgar.

- Cavalgaremos juntos quando estivermos na Normandia.

- Já ouvi dizer que tem cavalos magníficos.

- Você montará os melhores deles. Espero que não fique desapontada.

- Nada me desapontará. Oh, Fabian, é mesmo verdade que me tornarei sua esposa?

- Isso agora é bem mais fácil, já que não existe nenhum marido misterioso à nossa espreita!

Juntos, atravessaram o gramado, e, quando chegaram à sebe de teixos, ele disse:

- vou dar-lhe um beijo de despedida.

- Não quer ficar hospedado aqui em casa?

- Não seria conveniente. Seria aconselhável deixar um bilhete contando a seu pai com quem é que vai se casar.
Quanto a meu pai, apesar de gostar muito dele, não vou dizer nada. O duc está precisando aprender que já
estou crescido e que posso muito bem cuidar da minha própria vida.

Loretta deu um grito de protesto.

- Não podemos começar nossa vida de casados sendo indelicados com as pessoas! Estou tão feliz. Desejo que o
mundo todo também seja feliz.

- Tem toda a razão, querida! Vamos tentar transmitir essa felicidade a todos os que conhecemos. Não sei se
alguém poderá sentir tanta felicidade como a que sinto neste momento!

- Você me ama? O fato de eu ter fugido de você não mudou seus sentimentos em relação a mim?

- Foi na verdade uma tortura. Fui obrigado a confessar a mim mesmo que não podia viver sem você. Você é
minha, completa e unicamente minha, e toda a minha felicidade depende de você.

- Meu amor será suficiente para manter sua felicidade?

- Duvida disso?

85
- Só sei que o amo com todo o meu ser - ela sussurrou. Ele beijou-a suavemente, depois disse:

- Você vai ter muito o que falar sobre seu amor amanhã à noite, quando já for minha esposa.

Fabian partiu, desaparecendo atrás da sebe de teixos. Para não segui-lo com o olhar, ela voltou à fonte.

Durante alguns minutos Loretta ficou ali, de pé, admirando os pequenos arco-íris que brincavam na água,
sentindo que dentro de seu peito eles dançavam também.

Sua felicidade era tamanha que as palavras eram pobres para expressá-la.

Loretta não se lembrava de como havia passado a tarde e a noite da véspera em que partira com Fabian.

Ela sentia-se dançar sobre um arco-íris, sob as estrelas, sendo-lhe impossível pensar em tudo o que fosse
terreno ou material.

Suas arcas foram arrumadas sob os resmungos de Sarah, que havia acabado de desfazê-las.

Loretta mandara um bilhete para a prima Emily, avisando-lhe que iria viajar novamente, na manhã seguinte.

Não foi até o quarto da prima, pois sua criada lhe dissera que Emily ainda estava gripada.

A criada até aconselhara Loretta a não ficar em casa, para não se arriscar a ficar doente também.

Ainda faltavam dois dias para o duque voltar. Loretta deixou uma carta para ele, sobre a escrivaninha, dizendo
que havia conhecido Fabian de Sauerdun por acaso e que ambos se haviam apaixonado.

Como se ressentiam por serem pressionados a se casar, haviam decidido que seria melhor partir e casar-se na
intimidade.

A carta não era longa e terminava assim:

"Por favor, não se zangue, papai. Sei que me ama demais e agiu dessa forma pensando na minha felicidade, mas
o que

estou fazendo agora é o que -eu desejo e que eu sei que é melhor para mim.

Estou muito, muito feliz. Sua filha afeiçoada e que o adora,

Loretta."

Loretta já havia descido e esperava no hall quando Fabian chegou, às sete horas.

Ele mesmo dirigia um elegante faetonte, puxado por dois cavalos. Mais tarde, explicou a Loretta que aquela
carruagem havia sido emprestada por um amigo, na casa de quem passara a noite.

Atrás do faetonte vinha um carroção puxado por seis cavalos, no qual viajava o valete do marquis com toda a
bagagem. Fabian desceu e Loretta foi ao seu encontro. Ele beijou-lhe a mão.

Sem dizer nada, ajudou-a a subir na carruagem, e partiram. No faetonte, sentado em um banquinho logo atrás
deles, ia um cavalariço.

No castelo, os criados estavam curiosos, pensando por que Loretta teria partido tão cedo e quem seria aquele
cavalheiro que viera buscá-la.

Quando já haviam descido metade do trajeto, à entrada do castelo, ela disse, em tom meio provocador:

86
- Pensei que talvez, durante a noite, tivesse mudado de ideia!

- Pois pensei exatamente o mesmo! - replicou Fabian.

- Mas depois achei que, sendo tão corajosa, minha querida, haveria de adorar esta aventura, da mesma forma
que eu.

Loretta sorriu para ele. Fabian continuou:

- Os que sonham com uma cerimónia de casamento elegante, um acontecimento social, ficarão muito zangados
conosco, pois vamos casar-nos esta noite, na Normandia, e, antes que nossos pais nos encontrem para nos
reprovarem, estaremos no norte da África. Partiremos daqui a dois dias.

Loretta deu um grito de alegria.

- É verdade mesmo? Pensei que reservasse essa viagem para lady Brompton.

Fabian riu.

- Reservei-a para esta linda mulher que será minha esposa! Tenho muitas coisas para lhe mostrar, e quero
explorar muitas mais, não só no deserto, mas também em você.

- Espero que não se desaponte com o que possa descobrir

- disse Loretta com afetada modéstia.

- Acho isso muito improvável.

Ele soltou uma das mãos das rédeas e segurou a dela, dizendo:

- Minha querida, só mesmo você seria bastante corajosa para vir comigo desta forma. Se sentir falta de um belo
enxoval, prometo que vou escolher para você vestidos finos, os mais lindos e mais ricos que uma noiva jamais
possuiu!

Loretta olhava para ele com uma indagação no olhar, e ele disse, com um sorriso brincalhão nos lábios:

- Não se esqueça de que sou francês. Os ingleses acham aborrecido ir a uma casa de modas, mas eu mesmo faço
questão de escolher o que deve e o que não deve usar, para ficar ainda mais linda do que já é!

- Vai ser tão divertido! Oh, Fabian, estou tão feliz!

- Também eu não poderia estar mais feliz, minha adorada. Juro que jamais se arrependerá de ter-se casado com
um homem cuja reputação é a de ser um "moderno Casanova".

- Sabe que é chamado assim?

- Claro que sei! Mas prefiro pensar em mim mesmo como um Dom Quixote lutando com o arco-íris. Quero que
saiba que, para mim, a maioria dos homens são dignos de pena, além de não serem, nem por sombra, felizes
como eu!

- O que quer dizer com isso?

- Já lhe disse, quando a conheci, que havia feito uma longa peregrinação antes de encontrá-la, e só tivera
desilusões. Todo amante segue pela vida procurando a perfeição do amor, mas em geral só tem
desapontamentos. Todavia, ele continua, esperando que a próxima flor que apanhar à beira da estrada seja a
perfeição que busca. Mas logo esta também murcha e seca, sendo atirada fora.
87
Loretta exclamou com horror:

- E se isso acontecer conosco?

- Pensou, ainda que por um momento, que isso possa acontecer?

- Tem certeza de que não vai?

- Certeza absoluta. Completa! Assim que a vi entrar no salão prateado, aquele dia, em casa de sua prima, senti
que você era especial. Vibrações saíam de meu corpo e iam para você, e eu a vi circundada por uma luz que
cegava. Você era a pessoa que eu vinha buscando, a pessoa por quem ansiei toda a minha vida.

- Sentiu mesmo isso? Eu senti suas vibrações. Mas, como eu havia sido advertida para não me apaixonar por
você, lutava contra essa atração irresistível que exercia sobre mim.

- Certamente levei muita desvantagem. Mas o importante é que, a despeito de tudo, vencemos todos os
obstáculos e dificuldades. Esta noite lhe direi como sou um homem afortunado por poder ensinar-lhe a primeira
lição de amor.

- Espero com ansiedade esse momento.

A viagem foi longa. A primeira parte foi feita de trem até Portsmouth, onde, para surpresa de Loretta, o iate de
Fabian os esperava no porto.

Era um iate novo, comprado há pouco tempo, movido a vapor.

Apesar de o mar estar calmo, Fabian quis que Loretta descansasse na cabina até atravessarem o canal da
Mancha.

A cabine era grande e muito bonita. Ao levar Loretta até lá, Fabian disse:

- É melhor descansar um pouco em vez de dar uma volta para conhecer todo o iate. Tenho orgulho desta
embarcação, e daqui uns três dias estaremos nela novamente. Deixaremos nossa casa, minha querida, e
partiremos para o norte da África.

- Vamos de iate? Que emocionante!

- Espero que seja uma boa marinheira.

- Também espero. Não será nada romântico ter enjoos durante a lua-de-mel.

Fabian riu e a beijou.

Loretta deitou-se na cama grande e confortável, adormecendo em seguida. Na noite anterior ela pouco dormira,
sentindo ainda

nos lábios os beijos de Fabian, recordando as palavras que ele lhe dissera.

Pouco mais de uma hora depois, Fabian sentou-se na cama e Loretta acordou. Ele a beijou suavemente.

- Estava sonhando com você - ela disse, sonolenta.

- Chegamos, querida. Como ainda temos que viajar mais ou menos uma hora até nossa casa, precisa levantar-se.

- Claro. Estou ansiosa para ver o seu chateou.

88
- Nosso chateou. Nossa casa. Partilharemos o castelo e tudo mais.

Loretta viu o chateou em frente a eles, e mais uma vez pensou que estava sonhando.

No faetonte aberto, puxado pelos seis cavalos mais magníficos que Loretta já vira, aproximaram-se do castelo,
que, cercado de árvores, com suas torres grandes e pequenas, refletindo nas janelas o sol já pálido do fim da
tarde, os lindos jardins projetados bem ao estilo francês, parecia mesmo parte de um sonho.

Não havia uma fonte, mas cinco, logo à entrada do castelo. Nelas, a água brincava e vinha cair sobre as bacias
feitas de pedra, todas trabalhadas. As fontes eram mais magnificentes do que a que vira com Fabian no Bois.

Assim que chegaram ao chateou, Loretta quis dar uma volta para ver tudo ao redor, mas Fabian pediu-lhe que
subisse.

- Vamos casar-nos imediatamente. Não posso mais esperar para tê-la como minha esposa.

Os olhos de Loretta tornaram-se enormes quando ela disse:

- Pensei que nos casaríamos mais tarde.

Ela viu pela expressão dos olhos de Fabian como ele a desejava, mas ele disse com voz calma:

- Meu capelão estará esperando por nós, e assim que você estiver pronta nós nos casaremos. Este castelo
pertencia à minha mãe. Você encontrará o véu que ela usou quando se casou. vou mandar-lhe a tiara para usar
com o véu. Quero vê-la na cerimónia de nosso casamento como a noiva que sempre vi em meus sonhos.

Ela lançou para ele um luminoso sorriso de felicidade, e subiu as escadas. A governanta, uma mulher já de
cabelos

grisalhos, com seu vestido de seda preta farfalhante, já a esperava no alto da escadaria, e acompanhou-a pelo
longo corredor.

- Este é um dia muito feliz para nós, mademoiselle. Sempre rezamos para que monsieur lê marquis se casasse.
Agora que a vejo, sei que é exatamente a jovem que madame, a mãe do marquis, teria desejado para o filho -
disse a governanta.

- Obrigada - respondeu Loretta com um sorriso.

O quarto para onde Loretta foi levada, que fora da mãe de Fabian, era muito bonito. O teto era pintado e
retratava Vénus, rodeada de cupidos, surgindo do mar.

O grande leito de quatro colunas tinha um baldaquino entalhado com cupidos revestidos de ouro, carregando
guirlandas de flores.

Entre as roupas de Loretta estava o vestido que a tia mandara de Londres para ela fazer sua apresentação à
rainha, no Palácio de Buckingham. Era todo branco, e nas anquinhas havia babados de chiffon. O chiffon que
circundava o decote baixo era todo salpicado de pedrinhas brilhantes que pareciam as gotinhas iridescentes da
água da fonte.

O rosto e os lindos cabelos de Loretta foram cobertos com um longo véu de finíssima renda de Bruxelas, que
chegava até o chão.

Quando as criadas que arrumavam a noiva colocaram sobre o véu a linda tiara em forma de grinalda de flores,
Loretta não parecia apenas uma noiva, mas uma deusa do Olimpo.

89
Entregaram-lhe um buquet de rosas e de lírios-do-vale, símbolos da pureza que Fabian encontrara nela.

Ao descer as escadas ela viu, no hall, o homem que estava prestes a tornar-se seu marido. Homem algum em
todo o mundo poderia ser tão bonito, tão elegante, tão irresistivelmente atraente.

Fabian usava um traje a rigor completo. Pela primeira vez ela o viu usando suas condecorações, e pensou que
qualquer dia iria perguntar-lhe a razão de tantas medalhas. Certamente as havia recebido por atos de bravura.

Fabian via a noiva descer as escadas lentamente, vindo ao seu encontro. Quando a recebeu, ao descer o último
degrau, disse-lhe, muito suavemente:

- Mulher alguma poderia estar tão perfeita! Você é um anjo descido do céu!

Ela sorriu sob o véu. Ele deu-lhe o braço, e ambos caminharam por um longo corredor, em direção ao centro do
castelo. A capela ficava na ala leste.

Assim que se aproximaram da capela, ouviram uma música suave, tocada no órgão. Quando entraram, o
capelão, com um coroinha de cada lado, esperava pelos noivos, no altar.

Foi uma breve cerimónia, pois Loretta não era católica romana.

Ajoelhada, recebendo a bênção, Loretta prometeu a si mesma converter-se à religião do marido, pois quando
tivessem seus filhos, toda a família faria seu culto a Deus, unida pelo mesmo credo.

A pequenina capela não parecia vazia quando Loretta se levantou, terminada a cerimónia. Ela sentia as vibrações
daqueles que durante séculos ali tinham vindo fazer suas orações. A fé é algo vívido, forte, absoluto.

Não havia necessidade de toda uma congregação de pessoas para lhes desejar felicidades.

Surpresa, Loretta verificou que não haveria brinde com champanhe, no salão. Em vez disso, Fabian a levou para
um quarto que ficava junto àquele onde ela se vestira.

Era um quarto muito maior e igualmente lindo, porém mais suntuoso. O teto também era pintado, e a mobília,
constituída de peças antigas autênticas, devia ter escapado à revolução.

Havia uma grande cama com um baldaquino ricamente entalhado, trabalhado em ouro, do qual saía um
cortinado carmesim, bordado com o brasão de Fabian. Loretta achou o trabalho do baldaquino tão maravilhoso
que teve vontade de examiná-lo mais detidamente. Mas no momento só tinha olhos para o marido.

Fabian fechou a porta e levou Loretta até a janela. Dali admiravam as fontes de águas dançantes que ficavam no
jardim todo florido.

- Esta é sua casa, minha adorada. Quero que ame este castelo como eu o amo. Vamos fazer dele um lugar de
amor, onde todos vivam felizes.

- Também é esse o meu desejo. Chegando mais perto dele, ela perguntou:

- Estamos mesmo casados? Sou mesmo sua esposa? Tive tanto medo, quando se zangou comigo, de que não
fosse mais me querer.

- Sim, você é minha esposa - disse Fabian em sua voz profunda. - vou provar-lhe isso, minha querida, e nunca
mais terá dúvidas.

Ao dizer isso, ele ergueu a tiara da cabeça dela e depois tirou o véu de renda, colocando ambos sobre uma
cadeira que estava ali perto.
90
Segurando com carinho o queixo de Loretta, beijou-a, a princípio delicadamente, como se ela fosse algo
infinitamente precioso.

Quando aquele beijo despertou nela um excitamento, fazendo-a estremecer e deixando-a cheia de desejo, seus
beijos tornaram-se mais apaixonados, mais imperiosos.

Enlevada, Loretta sentia-se dançando sobre um arco-íris, lá nas alturas. O vestido de noiva deslizou pelo seu
corpo e caiu no chão.

Fabian a ergueu nos braços e ela soltou uma pequena exclamação de surpresa. Ele carregou-a para a cama,
dizendo:

- Cinq-a-sept na França é hora de descanso, e como estou lhe ensinando os costumes franceses, minha adorada,
aproveito para lhe dizer que quero fazer amor com você.

Ele a deitou contra os travesseiros macios, arrematados com renda, e Loretta pensou mais uma vez que vivia um
sonho.

Quando acordasse, com certeza o chateou e as fontes ter-se-iam esvanecido e o amante de seus sonhos seria
apenas um fragmento de sua imaginação.

Mas Fabian estava ali ao seu lado. Era real, ela o encontrara,

e era agora sua esposa.

Ele puxou-a e aconchegou-a junto ao seu peito.

O amor que sentia dentro de si e que a aquecia como um raio de sol, tornava-se agora mais intenso.

Esse amor era como uma onda que a arrastava para Fabian, aproximava-a dele cada vez mais, até que seus
corpos se fundiram, os dois corações bateram em uníssono e ambos se tornaram uma só pessoa, indivisível.

- Minha querida, minha adorada, minha perfeita e preciosa esposa! - disse Fabian com voz rouca e profunda. -
Agora é minha! Escapamos não somente de nossos pais, mas do mundo e de tudo o que é feio e desagradável.
Começamos uma vida nova. Juntos, você e eu, encontraremos através do amor um caminho que conduza à
felicidade perene, à felicidade que será nossa por toda a eternidade.

- Amo você, Fabian... Amo-o muito... muito! - Loretta disse baixinho.

Ele beijou-lhe os lábios, o pescoço, os seios. As vibrações que vinham dele a tornavam cativa, a aprisionavam.
Loretta já não tinha mais identidade, e vivia, vibrava com Fabian. Era parte dele, e assim, unidos, foram ambos
levados por um arcoíris, pairando além das nuvens, muito alto, no céu.

As chamas da paixão, com centelhas, espalhavam-se por todo o seu corpo e se juntavam às chamas ardentes de
Fabian.

E o fogo a consumiu. Ela já não pensava, só sentia. sentia.

- Isso é o amor! Oh, Fabian, como o amo! Como eu o amo!

- Você é toda minha, minha querida, minha perfeita deusa, minha esposinha adorada! Quero que se entregue a
mim.

- Sou sua. Toda sua!

91
Então, quando o arco-íris tocou as estrelas no alto do firmamento, o enlevo tornou-se êxtase, um êxtase tão
intenso que se aproximou da dor. Fabian tornou Loretta sua, por inteiro.

Fim

92

Vous aimerez peut-être aussi