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Jodo Augusto Pompeia e Bilé Tatit Sapienza NA PRESENGA DO SENTIDO ‘Uma aproximacéo fenomenolégica a questtes existenciais bisicas sot ‘Secadade.Uniach Paula de EnapaRenoada yea IPED, Da 05.04.09 Neos Jesiear Pee War ee vene 36, Biisgatao Fogeraannar ts, <> che amp SoPals 2008 YNEESONDE PLUTO Feta Castors elses ao eos Ne Goto Rau -PUCAP Fagen fo Agana ‘Nea nice Ua apocinap eumenelg a ques ‘tet see Joso Auguste Pompe «Ble ate Sapiens Si rl; EOUC Pan 2006 apc San Bostaoses 1. Feel 2. Oulu, 3,Pectenpl, COO 12.7 "Pompeo Segue I Tilo ia esa EDUC ~ tors de PUC-SP. ‘Most za Mazzi Pratra Deny Rosana bere Prodaco aitorial Noga Oona Ferme Peeper Ein aage Revista ‘Towa Maes Louege Pai Eaicoraelo Hlewbaica Digi ee Sow npn «sete Pau Reta Wee Anse Aves SME cage arses pumegsee, eed Euess ee Ee ae ie HomePage Arte eexisténcia Histéria dos desejos 2 ‘*Desfecho: encerramento de um processo Sobre a morte eo morrer. Calpaedesculpa Tempo da matutidade.... 2 Uma caracterizagto da psicoterapia «.. Psicoterapia epsicose Poder ebrincar SUMARIO. . -3L - 8 7 no 153 wm PREFACIO ‘A reslizagio de quem fala é ser owvido. Neste sen- tido Bile, sem dtivida, a realizagao de quem quer que ‘entre em didlogo com ela ‘Uma “escutadora” excepcional, Be € também uma redatora de mio cheia. Tendo acothido a experiéncla que se apresenta a ela, é capaz. de converter 0 falado em tex- fo com rara propriedade. As linguagens oral e escita sf0 muito diferentes. Nao € fécil converter uma na outta. io basta reproduir 0 falado no papel: € preciso re-dizer. E isto que Bile fez com algumas palestras que realize! estes iltimos doze anos E para mim muito gratificante trazer, com ela, 30 ppliblico leitor os textos que compiem este livro. CConstruidos ez co-autoria, estes texts conespondem a palesras feitas para publics muito diferentes, em mo- rmentos também dliferentes. Pra que o leitar possa ter ume nogto do contexto em aque estas polesiras foram realizadas, segue abaivo wma ee lagiio de quando e para quem caca uma delas foi feita ia sen vo Si20 Desfecho: Encerramento de un Proceso Palestra proferida na Semans da Psicologia do Curso de Psicologia da Unusanos, em 1980 Culpa e Desculpa Plesta apresentada para pais de adolescentes em. ‘evento promovido pela Associagio Brasileira de Daseinsanalyse, em 1992. Arte Existéncia Pelestra apresentada na Ml Bienal de Santos, em 1992. Uma Carecterizagto da Pscoterapia Palestra apresentads na Faculdade de Psicologia da Usssavtos, em 1992. “Tempo da Maburidade Plestra apresentada para psicdlogos e psicoterapeutas no evento “A trajtéria humana”, promovido pela Associago rasileica de Daseinsanalyse, em 1956, Histvi dos Desejos PPlestra apresentada para adolescentes de 12 a 17 anos fem evento organizado pela Astociagio Brasileira de Daseinsanalyse, em 1993 Sobre Morte eo Morrer Palestra apresentada na Semana de Pricclogia dda Unsnstes em 1996, Poicoterapia ePsicote Palestra apresentada para Equipe de Paramédicos do ‘Cars ~ Santa Casa de Misericdrdia de Sto Paulo, ex 2000 oer eBrincar Palestra apresentada para psicélogos e psioterapeutas do Centto de Estudos Fenomenoligice-Existencial de ‘Santos, e201, Jodo Augusto Pomipeia APRESENTAGAO Neste livro estio, transformadas por mim ent tex- tos, nove palestrs de Joo Augusto Pompeia, Emboce tenham sido feitas para pablicos diversos e em épocas diferentes, perccbemos nelas dies constants ‘Lima dllas én insistencia na necessicade de preser- vagio da capacdade humana de sonhar — este poder es- tar soto naguela brecha do espago e do fempo, em que algo que ainda nto €realidede € realmente vishumbredo fe desgado. Quando ess capacidade ¢ aniguilada, perde- Seo que 6 mais peceliamente préprio do ser hurmano, & se acrescenta & devastagio da Terra a devastagao do mun do dos homens. E, aq, ee falar com tanta propiedade sobre 0 sonhar provém de alguém que plana, clhe © rex planta sonhos, mesmo sabendo que guns eles morrem. ‘Auta €lembrangn de cue tarbsém é proprio do hhomem estar sempre 8 vollas com 0 significado ce tudo aque Ine ciz respec: seus sonhos, seus setimentos, suas {ste sus a, © que se aproxia eo ce se fata. dele Ele sempre poderé pergunar: qual o sentido disto? Na Peserca 00 Saen00 J que falamos de sentido, qual o sentido da publi cago destes textos? For que privilegiar estes temas? Seré «que eles condizem com a nossa época tio objetiva, priticn « apressada? Perece que nfo. E exatamente isto & 0 preoc pants: 0 fato de soarem como deslocadas coisas que s80 essenciais 20 sot humano, o no haver lugar para elas As idéins desenvolvidas aqui ganham relevo, pelo contrast, quando observamos as mareas do nosso tempo, Vale a pena divagarmos um pouco pensando nelas. Faz tempo — antes de a fia ter conseguido a fssio nuclear ~ Rutherford (1871-1937) disse, brineando, que 4gualquer dia algum idiotn num laboratrio poderia ex plodir o mundo sem querer: Embora ele tivesse dito isso de brincadeiva, essa possibilidade destrutiva passou a ser real quand, em 16 de julho de 1945, no deserto de Los Alamos, aconteceu a primeira exploséo atbmica provocada pelo homem. Nos dias 6 €9 de agosto do mesmo ano foram joga- das as bombas atdmnicas sobre Hiroshima Nagasaki Em 7 de agosto, 0 presidente Truman divulgou pelo 14 dio que 0 potencal destrativo da bomba de Hiroshima era maior que vinte mil toneladas de explosives. E, a ppartr dese dia, a humeidade sabe que o potencial des- trutivo do homem ado tem limites. Arssomagho 1s ‘Apés a explosio da bomba, os cientistas que estive- ram envolvidos em sua concopgdo e construgie viveratn Gilemas morais. ra impossfvel ndo olhar para 0 que 1e- sultou de pesquisas que, a principio, estavam no campo dde uma Géncia pura Em nossos dias, desenvolvemese também pesquisas na fea biolégies, e af estio novas problemas éicos liga~ dos aquestdes como, por exemplo, a reproduc humana ‘A sociedade se preocupa com o impacto do progres- 20 entifico © teonoligico sobre os valores humanos ¢ aliscute tal assunto, Todos concordam que essa é uma questéo delicada. O poder absurdamente grande de fa- er quase tudo, poder que nfo pata ce aumentar, gers uma espécie de medo de podermos estar, num futuro prdximo, vivendo num mundo que teré se tomado es tranho para nés ou, at$ mesmo, sem mundo para viver Esta ameaga traz un mal-estar que vai de um certo des- conforto até a angiistia. “Mas hé urna outra ameaga,jguolmente deletsin, que ‘os pressiona, 36 que Vert mais dssimulada, quase nem 6 vista como perigo. Nao nos causa 0 mesmo impacto «que a possiblidade da destruigdo do planeta ou de to- pparmos, um dia desses, com uns clones meio esquisitos. Essa ameaga miio vem dls laboratérios cientficos. Tra- tase de wma pressio exercida pela nevesidade cada vez rmaiot de coresponder ao grande valor atu a Espertea. 1“ Na Puseves 0 Sooo Ser esperto significa: armado de sua lucidez e sen- s0 de realidade, determine o que traz lucro de qualquer natureza, prestigio e, sobretudo, poder para voce, e cor- 1a attés disso; se precisar,atropele o que e quem estiver ra frente, mesmo que seja voe® préprio, aquele sujeto ‘meio bobo que, s Vezes, ainda tem sonhas de poder set diferente Hi lgses ¢ regras cle esperteza: a vida 6 uma disp ta dldtia; néo confie em ninguém; finja; nfo mostre fra- queza; imponha seus direitos; se for preciso, passe por ime; almoce-o antes que ele jante voeé; pense grande, isto ¢, vise obter muito; encurte caminhos para conseguir pio seduza; corzompa; sea duro e nio se importe se, com seu jeito, voce aniguila os sonhos dos teimosos gue insistem em viver em outra sintonia, pois & alé bom gue eles tm apecam o ue 6a vie claro que esse estilo de ser & sempre foi uma staidade humana. Os ecto mal antgos que nnhecem contam histtias de espertezas, mas agora isso aparece de um modo exacerbado. Unteressante & que essa necessidade de ser esperto no € vista como ameaga, mas sim como uma meta, ¢ todos 1s, em alguma medida, nos envalvemas com essa meta, O resultado, ironicamente, 6a descontianga entre todos, a inseguranga geral em que vivemos. Eu sou estimulada a cultivar a esperieza, mas, obviamente, os outres também 80, € assim estamos todos nds, como dlizemos, na huta.! Anaseracho is TH espertos de todos 0s tipos, em todas as profis- ses e em vatios graus; eles podem pertencer a qualquer nivel socioecondinico e cultural; podem ser analfabetos ou ‘pOs-graduados; podem ser grosseiros ou sutis. Os espee tos conseguem tuclo ali, eles do toleram frustragS. ‘A confraria dos espertos cria ¢ espalha uma cultura que ensina a importancia de eles serem vencedores ~ no se sabe bem o que ees vencem. Fo que & mesmo que eles ganhanr? Ao vencedor, as balatas, como lemos em Quitcas Borba, de Machado de Assis. ‘A Experteza no costuma andar sozinha pelo mun- do. Hla é amiga da Insensibilidade, e quando as duas saem a passeio clas se divertem muito brincando. Ha aquela brincadeira de faz-de-conta em que a Esperteza diz: "Faz de conta que eu me chamava Sabedoria 2”. B alnsensbilidade complete: "Te eu eta a princesa ‘Tudo- ‘Me-Toca, 2", Entlo, elas falam coisas superinteressantes, dle tudo sim pouco, e hé algunas coisas que elas conhecem bastante mesmo, Até ficam sentimentais. Nesses mo- iments elas mesmas acreditam no seu jogo. Outras vezes, diferente. Elas chamam uma outra amiga, a Violéncia, para brinear junto, e af 0 jogo fica pesado, O Foder tam- bbém é sempre muito bervindo nesses brincadeiras, ras, quase sempre, eles no querem 2 Culpa por pert. les a chamam de "Desmancha-Prazer”, muito chata essa Existe também ima velha que néo é convidada, mas 6 1a Pras 20 SerB0 teima em ficar por perto e dizer que esta ficando tarde e que 0 jogo uma hora acaba, Fes sabern que o nome dela é ‘Morte: eles olham para outro lado e arrumam uma outa Drincadeira, chamada “Nao-Quero-Pensar-Nisso”. ‘Bem, esse cenério é 0 contraponto para os textos aqui reunidos. Pode ser que, ao Jé-los, em alguns mo- -mentos, voo# pergunte: mas em que mundo vive esse cara que diz essas coisas? Se isso acontecer, aproveite, amplie a questdo e pergunie: em que mundo nés estamos vivendo? Bile Tatt Sapienza ARTE E EXISTENCIA ‘Ao ser conviado pars falar sobre ate, sent que n8o sei tanto sobre 0 asunto para fezer uma analis intrin- seca do fendmeno artistic, Apesse disso aceite, pos nes ro mio senco um eapecilista a arte me toca. ‘Quando falo em obra de arte, fago-o como leigo, como alguém que olha ama tela, uma eseultara e pens: “Paxa vida isto aqui € uma obra de arte como alguén que, 40 ler uma poesia, un romance ou a0 assistr a um teatro, tem vontade de dizer: “Mas isto € assim mesmo, ito € verdade”. nessa perspectva, de alguém que é tocado pela arte, que me proponho a flat aqui. ‘Ve 0 “ser tcado” pela arte como algo ques pode acontecer porque hi ma profunda rela entre ate © existéncia, ‘Que relagio 6 esa? Que é a exstenia para que pos 0 ser mcbilizada pela arts? [Na Psa 0 Sono De acordo com o pensamento de Heidegger, conce- bo a existéncia como o modo especiico de ser do homem. E diferente do ser das cvisas, do ser dos animais, Nesse sentido mais rigoroso, 96 0 homem existe. 0 que é préptio do ser do homem? Para apontar ‘essa peculiatidade, vou dizer que o homem € um sonha- dos, Num certo sentido, o que chamo de existéncia & a con- digdo de sonhador do homem. Diferentemente dos animais, 0 homem € movido Por aquilo que ainda nfo é.O que ainda nao & € expectativa, rojeto, imagem, sonho; mesmo que nunca venha a set, que permanega como pura possibilidade, esse ainda nto 4 € exatamente 0 que permite a possibilidade de ser (Ge }f fesse, nfo seria mais uma possibildade). A forga maior dessa perspectiva de futuro pode vie desse ainda no A existéncia se situa na abertura do que ainda no 6 na abertura do sonhar. Mas 0 que ainda mio 6 a virtua lidadle, iio aparece para © homem como puro vazio. Ela se apresenta de alguma forma, Jé aparece como a possi- bilidade sonhada, que pee par vi «ser Algurs ho ‘mens atentos a isso ~ artistas — sio o8 que ouvem tais pedidos e fazem, de puras possiblidades, obras de arte. Un artista pode escutar 0 que a peda Ihe fala quando la ainda nio é estétua e transformé-la em obra. Outros homens, também atentos, poderio depois ouvir 0 que a cestatua vai lhes falar, vai Ihes contar das possibilidades do mundo. Aart Beonc 1° ‘Assim, criando ou curtindo a arte, a existéncia tocada por ela. "Algumas poesias, romances ou obras tentrais mos- team como podemos ser tocadas pela obra de arte, Somos tomados por anus que sf0 puras possibilidades, que jamais ocorteram e nfo vio ocotrer “realmente” sas possibildades pascam a ser concretamente nas palavras, nos gests, € nos falam. ‘Quando varnos 20 teatro ou a0 cinema, 0 que va mos fazer Ia? Vamos a esses lugares ver uma Fistéria, aque nfo importa se aconteceu ou nao. Ali estamos dian- fe de pessoas que nfo dizem ou fazem aquelas coisas “de verde. Isso me lembra o personagem de um con- to de Borges. Ao ser interrogado sobre o que tinha ido vver no teatro, ele ingeruamente responde mais ou me ‘nos assimt “Sé seh que 1é eu vi umas pessoas que pare- dam fazer determinadas coisas, ras nio faziam; pax zeciam brig, mas ndo brigavams pareclam morer, mas sso mortiam”. ‘Nada no teatro é “de verdade”. Eno entento, quan do as pessoas vio a um espeticulo, elas ms um imenso interesse em tudo o que acontee no pale, como se aqui- Jo tivesse uma ianportineia muito especial é como se alt cocortesse algo que tem o carder de uerdade. Nao de uma verdade no senticlo lien, conceitual ou demonstrativ, ras verdade num sentido mas afetivo. Certs falas ou. 20 Na Piss 0 Serra agbes dos personagens de uma pega ott filme nos tocam Imediatamente © nos fazem pensar: “Isto 6 verdade” A conwiogio com que afirmamos isso mostra que, no meio de uma situagio em que tudo é mentira, ali onde tudo é falboo verdacliro também se manifesta Eo faz sem @ mediagio de um processo radonal; clocese de uma forma muito particular, muito imediata e extremamente fetiva Algumas coisas que Jemos ou vernas no teatro ou no cinema podem marcar vias geragées. Unna obra como a tragédia de Fipo,escrita por Séfocies, est hi 2500 anos presente na humanidade. Ela ¢ até hoje capaz de anun- lar — porque ndo se trata de demonstrar — uma verdade, fem meio a uma situagdo na qual tudo € artifical. tea- ‘ma € uma possibile, mas esse Edipo diz respeito a cada um de nés Em algumas obras, as palavras tém essa condigdo absolutamente fantitica de fazer com que aquilo que era 6 possibilidade venba a ser alguma coisa e, como tal, ve- nha ao encontro do hemem. ‘Assim mas palavas de Shakespeare, a postbilidace dle wm amar a tal pono trigico como o de Romeu e Julieta concretize-se, apresenta-se a nés, comovernos e nos faz concorcar quando ouvimos, no fi Aare Base a or never was a story of more teoe ‘Tan thi of flit and her Rome.* (Pois munca houve uma histéria mais uiste que esta de Julieta e seu Rome) Nessa hora dizemos: é verdade. ‘A obra de atte 6 uma coisa que fala a0 homen. Mes- mo naquelas artes como a pintura, a escultura, em que ‘fo estio presentes as palavras, a8 obras falam. ‘De um modo geeal, do ponto de vista heideggeriano, todas as coisas falam para 0 homem através da fala do homens, Mas 2 obra de arte apresenta um falar especial © falar supe sempre pelo menos dois interlocu tores. E preciso que alguém ouga e acolha o que &falado ue haja comunicaso. er, no aso da obra de arte hi uma comunicagho entre 0 artista e © espectador. O espedador pode nem estar presente em alguns momentos, mas o artista o tem sempre em vista enquanto utiliza 0 material para reali- zr sua obra. A obra deverd falar para alguém, 5 Sravesrans, W. (1980) Complete works. New York, Aven New Jersey, Gromer Books. a Na Presta 00 Sevreo [Nesse sentido, criar ser compor uma obra, euja fala a propria voz do autor. © artista diz algesma coisa 20 fazer sua obra. = i, entretanto, um outro sentido para a palavea criar: © artista ctia, nao porque quer dizer alguma coisa, mas Porque ele escivta alguma coisa que Ihe fala. Nesse caso, artista ndo se poe diante de seu mate- rial como quem utiliza objetos para, de certa maneira, codificar uma mensagem. Nao. Ali ele esté diante de wm, mistério. Hé uma lenda sobre Michelangelo que nos aproxi- ma da compreensio desse mistério. Michelangelo deixou uma grancle quantidade de es- calturas sem terminar. Conta-se que, quando the pergun- ‘avam por que parava certos trabalhos, ele respondia que no podia continuar a esculpit a pedra depois que ela co- megava a falar com ele, A partir desse momento, ele no podia mais mexer ali; a estétua estava pronta, nao ime Portava em que ponto estivesse. Diz-se que sua experiencia mais frustrante ocorreu. ‘quando ele esculpia Moisés, uma estétua belissima, com toda a perfeisio de formas do Renascimento. Ao dar os tiltimos retoques, a estétua ainda ndo felava com ele. Se- ganado a lenda, Michelangelo passou a mo no martelo, possivelmente disposto a destruir essa obra-prima, e gri- tou: “Por que vocé ndo fala?”, Naquele momento, para Antes Bostic a le, aquele bloco de peda nao era nada. Uma escultura muda €tdo-somente um bloco cle pera, A marca do gol pe de martelo esté Id no joelho de Moisés, para quem aquiser acreditar na hist6ria. Conceber 0 termo cragio a pattir da escuta do ar- tista diante desse misterios0 falar permite-nos imaginar a seguinte cena: Michelangelo, diante de um bloc de rarmore, pergunta asi mesmo — e a0 bloco de mérmore = que estitua ests conta naquele material, Que estétua agnarda como possibilidade, dentro da pedra, o chegar a ser concretamente por meio de suas mos? Esse ¢ mistrio da arte. © artista nfo usa seu ma- terial. Podemos dizer, radicalizando, que o artista € usa- do pelo seu material O artista escuta a tela em branco, 0 bloco de mt- sore; procura ouvir uma espéeie de sussuro, algo mui- fo ténue que sua sensibilidade permite captat. Quando ccomeca a compreender ito que, de dentro das coisas, fala pot si, ele se dispée a tomar mais explicia a fla da coisa, O que esti envolto em mistério, a estétua que est encobera no bloco de peda ainda nio trabalhado, pode falar ao ouvido do aztista. Mas, provavelmente, nfo fala ainda para outras pessoas. O artista colooa-se a servigo dda fala da pedea para que ela possa vir a falar para um especiador, para que essa fala se torne mais patente. a Na Pras 10 Souro0 No momento em que o artista owvit algo desse mis \étio e proocupou-se em tomé-o aleangével para 0 espec- {ador comum, comega o trabalho de configuragio eftiva da obra de arte. Nesse instante, a peda, a tela em branco, as formas do espaco, a8 cores, as sons do mundo e tantas coisas mais comecam a fluir e a contar 0 que tém para contar. Enquanto ele pinta, esculpe,escreve, compie, age, cenfim, aquela fala se torna maior e mais vigorosa. A par- tir de um ponto,o autor acredita que se esgotou o que ele ppoderia fazer para explictar a fala escondida da coisa Ble nto consegue ir além. A obra de arte esté conclutda. A condlusio, entretanto, 6 seré plena no momento fem que um especiador também escutar algo ali, ‘Quando diante de uma esculture, uma tela, uma -sica, 0 espectador escuta aquela fala, mesmo sem sa- ber explictar o que fo dito, ele se sente tocacio, mobiliza- do, passa ater uma relaglo de respeito para com aquela ‘obra, Entao ele diz, como um logo: "Isto sim é uma obra de artel”, Pois esta & uma coisa que fala. Nao é a fala do artista, mas a fala daquilo que o artista possibilitou que fosse compartilhado. Numa perspectiva fenomenclégica daquilo que se 8 como se dé, a experiéncia mostra que a obra de arte pode dizer coisas diferentes para pessoas diferentes, pode me falar coisas diversas, conforme 0 momento. Pode me dizer muito ou nfo dizer nada. Mas quando ela io me diz Arr Bureen a ada, isso ndo quer dizer que ela no fale. Se aquilo for arte, alguma cosa fala ali para um intetocuitoe. ik bra de are no alg em que "pend alguns contesdos meus” para, em seguida, ficar satisfeito por ser essa obra capaz de sustentar a mensagem que eu co- 1oco ali, Diante da obra, também no se trata de tentar descobri 0 que o artista quis dizer. . ‘Talvez tenhamos de permanecer na pergunta: “O que 4 coisa quis dizer por intermédio do attista que, a servigo dela, fez esse dizer chegar até mim, que nfo so artista” 'A resposta a essa questio jamais serd univoca. O que se espera é que a coisa conte de sia condigio de obra dearte [No momento em que a obra me toca e me diz algo, acontece um fenmeno que poderiamos chamar de “reu- rido”. E como se eu, 0 arlista € a coisa estivéssemos reuiidos. Hd af uma sensagio de hermonia, de coopart- thar com 0 outro algo que 6, de certa forma, misterioso, ras que, pelo trabalho do atista, emergia ¢ tomou-se presente para mim, o espectador. - ‘Nessa reunifo aconchegante vivernos tima expetién- cia de intitidadle. Diante da obra de arte, 0 end de pe senca ¢ intimidade parecenos fazer recordar algo. A. pax tov greg lea ros aud a composer al Mme, pois ela, aldo de signfiear verdede, pode significar tama- ‘bem recordar (prefixo « negativo e Tethe, esquecimento). % Na Psa 0 Soma Nesse caso, o recordado diz, respeito a uma sensagio de ‘que, 20 mostrarse, a coisa estava presente havia muito tempo. Tuco se passa como se 0 artista, eu e a coisa n0s ‘encontrassemos de novo. ssa intimidade de uma reunifo acolhedors, vivida quando ouvimos a fala daquela obra, nos traz uma sen- sagio agradavel. Descobrimos que estamos reunidos em hhatmonia com o artista (e talvez também com os outros que s0 tocados pela mesma obra). um momento de encantamento, em que nossa existéncia suporta os des- obramentos daquilo que pode ser e que se realiza atra- vvés da fala silenciosa, oculta e misteriosa das coisas do mundo. A sensagio que tenho no contato com uma obra de arte é a de ter crescido um pouco. Lembro-me do que senti diante da Pieté de Michelangelo, Antes disso, nio entendia 0 porqué daquilo que ew chamava de badala- ‘¢lo em tomo dessa obra, No momento em que a vi, ina emogio muito forte se apoderou de mim. Cheguei a f- car constrangido pelas légrimas que me vieram em pie bio, Afaste-me um pouco para dsfargar e poder pensar ‘Ro que estava acontecendo, Afinal, 0 que havia me emo- cionade tanto? ‘Naguela viagemn, eu jé havia visto e admirado a perfeigio das formas em tantas obras de arte, nos mu- ures Exsrtscn a seus ¢ fora deles. Quem v8 as esculturas de Bernini, por ‘exemplo, admira-se da absoluta preciso com que cada rmuisculo do corpo € representado, sua contragio © seu relaxamento exatos, de acordo com a postura. Pois bem, Gepois de ver uma porgio de estétuas anatomicamente perfeitas,estava diante de mais uma, Até enido, nada de novo, Os dotalhes das unhas, 0s tendbes, jogo musceur lar das faces da Nossa Senhora ¢ do Cristo, tudo era absolutamente perfeto e proporcional. Mas havia um es- caindalo, um "erxo": a desproporgio entre o tamanho da Nossa Senhora eo tamanho do Cristo motto 'No primeira choque, pensel: “Que distorgio!”. Ao ‘mesmo tempo, intrigava-me o fato de nio ter percebiclo isso de imediato. Essa desproporgio ~ que com certeza nfo era casual — fez aparecer para mim a fala daquela ‘estétua em particular, O que estava all representado na pedra nao eram duas figuras, um homem moto no colo Ge uma mulher. Michelangelo havia trazido & tona, do interior de um bloco de mérmore,a relagko da me com 6 filho motto ~ que antes de tudo ¢ fiho, Quem esté ‘morlo no colo da mulher €o filha dela. E fitho munca € grande, Sempre cabers no colo. Para mostrar iso 0 artis: ta pode desrespeitar as proporgbes esperadas. Hle foi capaz de fazer um Cristo absolutamente proporcional; fer também uma Nossa Senhora proporcional nos mini- ‘mos detalhes. E fez uma desproporcso espantosa entre a8 Na Panes 20 S20 ‘© famanho dessa mulher ¢ 0 tamanho desse homem, por- que nto é homem — é flho. (0 que esti naquela obra de arte & a acolhida do fi- tho morto no colo. Fla fala de uma das grandes paixdes hhumanas. Fala do vinculo, da vida, da morte, do ganho, da perda, da dor, da dedicagto e de muito mais, A fala daquela estétua estendeu-se tanto que ficou dificil controlar minha emogéo. Distancie-me por algum tempo e 86 voltei quando havia menos gente perto, Sent «que tinha sido tecado por algo que Michelangelo, genial e dllicadamente,havia feito surge de dentro de umn bloco de pedra, ‘A obra de arte di respeito a cada tm de nés, como a semente diz respite & terea. A palavra homem tem a angoma etimologia de humus. Hemmus ¢ terra, mas no «qualquer tera, F terra ft. Ouvie a fala da obra é aco- Ibertma semente. A peculiaridade da terra fértil é a sua abertura para scolher a semente que cai sobre ela, Base solo recolhe a semente para que o grio venha a ser. Fois uma semente sempre um poder ser, uma promessa daquilo que ainda nao é mas que poder sere chegaré a ser quando encon- trav tera fet Néo seréaquilo que a terra posse que- zer que cla sea, mas aquilo que ela mesma, semente é trax como poder se ‘Aare Basecn a ow pata ge pe i he vege segs ameter algo em hci te ttn com ar concen Home > Pe Sisco mun com en oe do mc. ‘Sinn et nn rd ov ce senda ous rane ha ck {0 pelo trabalho cuidadoso de um génio da escultura — SiPebemm omo me Ce ema Stns pine ram dazu ie ta i cs Fe con gu ene dase ro henna Spode ser ep ie ue sane scr dr mae ooo gu ue Pst foteaine rac rt lana de fm pe inch fom ts pe tare ves rs ene 0 mee I i femane mods oe que oar ico fan © so mss cp te v8 or das coin ae im inte dN Nes coms po Sa era nad a Oto x sy pe oo as sees sonia com ura Sano dann no paca Ge ans gue uma ean hese as Se ng etm ¢ Soar HISTORIA DOS DESEJOS Hoje quero estar com vocés nesta conversa de uma -maneira muito pessoal, ase como se fosse uma con- déncia, 0 tinico modo que vejo para falar de coisas tio significativas para mim. Vou Ihes contar uma histéa. +E uma historia que fala das histéras dos nossos desejos, dos nossos sons. Nao dos sonhos que temas dormindo, mas daqueles que construimos quando andamos pela praia, quando estamos sozinhs, quancto, na cama, espe- ramos 6 sano chegat, nos momentos de recolhimento, Nessas horas comegamos a criar historias. Elas expres- sam 08 desejos co nosso coracko. Falar em desejos me faz recordar ima coisa, Quan- do me perguntavam 0 que eu mais desejava na vida, a resposta mais verdadeire que eu tinha era: “Que os meus socihos se realizem”, Sonhamos com coisas muito proximas, pequenas — por exemplo, o fim de semana out a viagem que desejames -, 3 [Na Prsneao0 Stereo ‘mus sonhamos também com aquelas cosas que parecean muito grandes e mesmo distantes. Entre os grandes sonhos que jé tive havia aquele de criar um mundo melhor, mais bonito, Nas conversas com mets amigos viamos © mundo ameagado, © o nos: $0 sonho era salvar o mundo, como naqueles contos em ue 9 principe, depois de muitas aventuras e dficalda- des, salva a princess. Em nossos sorhos, vivemos todos as tipos de sen sages algumas estcanhas, outras gostosas, até um cer- to medo, que aparece quando a realizagio do sono se proxi, Sentimos facilidade para contar cetos sonhos, mas 1g outtos que ndo queremes contar. Estes parecein tio rnossos, tio de dentro de nds, que, mesmo sendo tio bo- nitos, ou talvez por iso mesmo, temes medo ou vergo- nha de contar para os outros. Os sonhos de amor telvez sejam os mais profundos, mais curtides; chegam a as- sustar eso guardados em segredo. © tema do amor no se limita a um sono isolado; ele entra em. quase todos ‘8 sonhos. Uma pitadinha de amor toma mais saborosas as fantasas. Ha sanhos to gostasas, fo bons, pelos quis nos apaixonamos. Eles se tomam cada vez mais precisos, tesouros escondidos. srs 005 Dssos 8 Se os sonbos s80 borites, por que 08 escondemos, por que tanta vergonha de falar dos sonhos? Levei muito tempo para compreender o porqué diss: & quefauando falamos, quando mastramos nosso sono, n6s nos dames conia de que, embora 4 convivames com ele hi mito teanpo, ele parece algo extremamente fri. Quanto mais importante o sonho, mais medo de contar. Parece que seo outto mio o entender, se o outro fcar Jonge do mea sono, este vai desmoronary (Os sonhos de amor sio muito sensiveis, Quanclo me apaixonava por uma menina, comegava a invent his tévin, Sonhava com ela numa praia enaravilhese, pas seando de beteo, andando plas montankas, Bu me sen- tin realizado dentro do mes sonho. la era a menina dos meus sonhos, com quem eu vivia todas as aventures. Eu era her6i e salvava minha mada dos peviges. °E Nas histérias que sonave, et havia encontrado 0 melhor de mim, Leu colocava tudo que poia imaginar de mais bonito, de mais rico. Na hora de ir conversar com a menina, porém, no momento ern que estava na beiinka de pasar para area- Tidade, tudo se complicava, A cabega fcava em brat, 1 boc secava,sumiam os assuntos, eu tremia, seta ver- ‘gonha, pinico, porque teria de contar paa ela um poco Eo [Na Prasnce20 Somso do mex sonho, teria de Ihe dizer © quanto ela era impor- tante para mim dentro dos meus sors Se eu era o her, ela era a erofna, e 0 que aconte- cia no meu soni se dava porque eu estava muito liga- do a cla Hla tinha disparado dentro de mim essa vontace, essa capacidade de criar histGrias e de me envalver nes- ss histias que sSo 0s nossos sonhos. +. Bu tinha também um sonho ruim. Bra um pesadelo ‘@ menina nao iia me entender, nao estarialigada em mim, Af, eu sentia medo e percebia que meu sono, que re fazia tio forte, também me faaia muito frac. 0 so- ‘nho me faziaficar enorme dentro dele e pequeno na rea- lidade. ‘Quando chegawa perio da menina dos meus so- ‘hos, eu ia diminuindo, quase virava 0 Pequeno Pole- sg. Outra sensaglo vinha junto: ela ficava enorme, t80 poderosa como se fesse a dona dos meus sonhos, como se ela tvesse ganho toda a fora que estava neles. Nas macs dela, no entendimento dela na aceitago dela fica ‘vam pendurados todos os meus sons. Eu estava na dependéncia de ela dizer um sim ou um nao, entender ‘© que eu estava flando ou tr de mim. Voeés ngo imaginam como eu tinka medo de que a ‘menina dos meus sonhos risse dees. Se ela desserisada dos meus sorhos, esse era © meu pesadelo, tudo aqul- Jo que eu tinka de mais bonito, de mais frie, de maior sro 10s Desos x dentro de mim, e que eu haviacolocado dentro do sonho, inia virer fumaga. Parecia que, num passe de magica, como se fosse una beta, esa menina poderia fazer tudo esaparecer. Se iso acontecesse, eu fcaria vazio, Sobrariam para sim $6 a coisas que eu nao tinha colocado no sono, 28 coisas feias, pequenas, quebrads, pois as bonita teriam ‘desaparecil. Sobraria s6 0 lixo, resto. Mew maior medo fra porque, se a menina cos meus sonbos rise dels, ela os tomaria rdiculos. Bu mesmo fcatia com vergonha de tos sonhado, das minhas historias, de tudo o que eu ti ra de melhor. Imaginem entio a vergonha que eu teria dopior ; Compreendi o quanto era procso que ela contribuis- se, que pelo menos entendesse 0 que estava no meu $0- ‘nho; paresia que minha relagio com meus sonhos passava por ela, que dependia da acstagéo, da compreensio, do envolvimento dela, Mesme que essa menina nao pues: se comtespondet aquilo que eu tinha sonhado, que ela ‘lo me amass, no me admirasse como eu tnha ima~ gginado no meu sono, mesmo que ea tvesse de me de- ‘cepeionar, nfo sera to dif, to assustador quanto se ‘ela siicularizasse meus sonhos. Pereebi que meus sonhos poderiam ser destrufdos die uma hora para outra. O que tinha sido fonte de pre- zat, de realizagdo, de entusiasma, podria se evaporar © 36 NA Pas 0 Soe se transformar numa fonte de vergonha, Por isso, eu te tha medo, vergonha de ficar tio pequenininho perto de ‘uma pessoa que tinha ficado #80 grande. Esses eram meus medos, Mas, enfim, uma hora eu ‘onseguia conversar com a menina, B a menina dos meus sons comespondia, também estava ligada em mim, tam- ‘bém havia sonhado comigo, e eu era personagem das historias dela, como ela era das minbas, % Assim et achava que toda a felicdade do mundo tinha eniredo para meu sonho, como se a realidad fi- zesse parte dele, como se meu sonho nao fosse uma coi- ss frigil dentro de um mundo forte; © mundo era parte do meu sonho. Nesse momento et me sentia possuidor de toda a forge que meu sonho havia despertado, anunciado nas histérias que eu inventara, e me sentia her6i sem ter fei- to nada. Fit era o herd dos meus sonhes, ¢ eles than odio chegar & realidade pelas méos, pela concordn- cia, pela parceria da menina dos meus sonkos Comecava o namoro, uma grande curtisfo, uma historia que ndo era s6 sonhada, que também era rea ‘Tudo ia bem até que uma sensagio engracada comesava «8 surgin parecia que eu gostava mais dela quando ela cstava Longe. 53 Quando ela estava longe, eu sonhava com ela. Es- tando perto, 0 sonho ficava meio de lado, parecia que as Horoau vas sos ” coises no podiam se to bonis como no sho. Fra met equi eucurtia mls os momentos da dexpedi ds de sepa. ue esaria acontecendo? Comegnva & duvidar se gostava meso del rv imo na pe re prensa me eva pr ong da Mina dos tus sos, camo ai on ugando com tq quero come le a dito Guede, uc er famortsteenon dos mes sono ‘Nese pono o sono cmeyava as desmnchar. Bu {nay sabia se gtr del prgue el no ea mas Frei dos mots sas. gee na um nome Mav era Joana, era Ani, era Rober, el eau pessoa rea «pes real que Ha desbancado # ent ‘na dos meus sonhos, € tina saudade dela. As vezes eu via essa mesma coisa acontecer com a anonina dos meus sorte, Fewva afte ao san que la te afer etn mals fo envlvids congo. Polen ra de wna ved cme a pensar "sect que o amor a6 goson quando € now e dopo pre gra? Pastel amber a ace que mes 20 hos eran Perigoso, pols eles poder esvacie aqlo Ge minha aldede peri que ex wtese Peeb cut cx ainda, Mes sono se desmanche- va Geatamente pore ou ina doa sorte de rails mrs sno reli no em Bo so cme oseninde swe eho a08poucos mon. a Pasenca 00 Sovrn0 Em outras ocasides, as coisas se passavam de outro jelto, Quando eu me aproximava da menina dos meus sonhos para Ihe falar dos sonhos que tinka sonhado, da ‘minha paixio, ela ficava constrangida, meio assustada; sabia que aquilo ndo tinha nada a ver, ela estava ligeda cem outra pessoa, ‘Af, enifo, eu pensava na sensagio de vergonha que teria diante daquele que era 0 her6i dos sores da me- nina dos meus sonhos. Se ela estava ligada nele, com cer- teza ele era muito maior que eu, pois sento cla estaria ligada em mim e no no outro. Eta uma tristeza quando o sonho acabava. ra muito mals triste porém, quando a menina dos ‘meus sontes nfo entendia nada do que ex estava dizen- do, quando ela achava engragedo, quando olhava para ‘mim como se eu fosse um bicho estranhe. Além de nio ‘me amar, ela achava ridiculos os meus sonbos. Essa era a piorsituagto de todas, a mais doida, Esse sonho instan~ taneamente morria, 4{.No momento em que o sonho morta, eu vivia uma profinda solidgo. Eram initeis o amor dos outros, a pre- sen dos outros. Eu estava vaio, um buraco, sem ter como responder ao interesse, ao amor da familia, dos amigos. Isso porque a menina dos meus sonos tinha se apode- rato de todo aquilo que eu tnha ce tomy de tudo aqui que eu achava que sabia fazer com 0 amor das pessoas.\ Hisron 00s Diss, » ‘Mais tarde, descobri que no so 96 os sontos de amor (que, ao morrerem, nos deixam sé, Toda vez que temos um sonho muito precioso, muito curtido, no qual escreve- ‘mos muitas histérias, e esse sonho morre, n6s nos sen 108 solitétios. Em conversas com as pessoas, percebi que elas, fre- ilentemente, sentiam que os sonhos atrapalhavam suas .. Quando contava algum sonho da minha profis- 40, ds filhos que eu teria um dia, da realizagio de uma familia, de um grupo de amigos, elas me diziam: “Voot ‘é1um bobo que fica fora da reaidade; o mundo néo € as- sim, a realidade & muito diferente”. ‘Quando as pessoas folavam assim, quando achavamn ridiculas os meus sonhos, eles eram destrudos, Eu me sentia meio encurralado, como s¢ precisasse concordar com elas. De fato, meus sorines no eram a realidad; meus sonhos eram meus sonhos, eram 0 meu desgjo © n40 a rea~ lidade do mundo. ‘Nesses momentos, ex me encolhia todo e largava das ‘meus sonhos, até que tm dia pase a pensar. "Por que essa pessoa tom raiva des meus sonhos? Por que ela quet que ‘ea pare de sonar? Por que ¢ to agressive comigo quan- do converso com ela e chego perto dos meus somos?” Enio me dei conia de que, muites vents, essas pessoas também ja tinkam sonhado. Algumas dizians *° Na Pasencs00 S80 “Quando ex era adolescente ive muitos sonhos, mas a vida me mostrou que a realidade & outa” Compreendi que eas gostavain de mim, no que- slam me frit, mas feria, Flas tinham ficado presas em seus sonhos mortos. Ainda estavam tio machucadas com a morte de seus sonhos que fcavam afltas de me ver sonihando, pois achavam que et ita sofrer. UE verdad, podemos softer por causa des sonhos, ‘as sso no 6 necessriamente im, embora sa triste ‘A morte do sonho nfo precisa ser uma frida que no fe che mais. Tive’a impressfo de que aqueas pessoas carrega- vam cadéveres de seus sonhos mortos pela vida afora Isso as deixava rancotoses,cticas. les tinham raiva ds ies sonfos e de trem clas mesma, também s0- nado. Flas no tinham conseguido enterar seus sonhos mottos. Oprimidas pelos sonhos mortos, queriam que os sonhes desaparecessem. Queriam que iio existsse o> iho, que nem elas nem ninguém mais sonhasse, que as [pessoas se tormassom realistas,prtica, péo-no-chio, € assim ficassem seca, duras, Porgue|si0 nossce sonhos sqve nos fazem sensiveis, que nos abjem para o cuidade slants clas coast de n6s mesmo Nos sonhos que eu tinka com minha profissfo havia hristérias de cuidar das pessoas que softiam, que viviam Hero 00s sos 4“ cosas qu eu viva nametor desl, de io, dee Condi, de angstia. Ea grtva de enkor que pose tse pero dss pesos como goat gu eV Se algum pero de mim ness amet ‘Agus pesos que erm neliade de esr prisons do sone motos tam se era amar fan Numa cata dpe, cage pensar quel evan tom atta, que wena en orgs, mechucaa descbt que ale das psoas vis i suns gue a ec do es enor te han es va doses soos as tin, oa, eu prebia ua cerns en se soe, com sees West toa poeta sade ace somos isi pare eu proven, cit istane «meu soxhe, prs aos pou, os sros iam embor. Has no Sonu rivals nam o espciento ds snes ‘mortos, tinham fugido deles. Troe consi ont Todas 8 wees quem sro peu movi, eu quei firdoe mes sono, pena mnt gunn eles mora no ied, quan ea ferpae de fr sonhac Durant a na lel as Coming sone mens sons est quando es Gram mute anigos, Quen exo ssn etna 2 imprest de fx ve dels: [Na Pasxch 9 Savre0 (© poder esquecer os sonhos me deixou. perplex. ‘Como era possivel que algo téo importante como alguns somos foram para mim, pelas quais eu tinha estado dis- pposto a morrer ~ pois em meus sonbos de salvar o mun- do, de mudar a realidade, em alguns momentes eu era capaz de dar a vida pelo meu sonho — pudesse ser es- quecido? Se eu podia esquecer, passae adiante e simples- mente deixar meus sonhos mortos virarem nada, era porque, talvez, eles no fossem to importantes ‘Nese tempo, fiquel muito assustado e tive dificul- dade de sonhar, porque parecia que meus sorhos eram lum engano. As pessoas que esquecemn seus sonhos 03 transformam, pouco a pouico, em mentiras. Masfo sortho ro é ment. Quando estou sonhando, ele é mais ver- dadeiro que tuclo © que esté & minha volta, ele € minha verdade, porque, Ié no fundo, nés somes muito mais 05 niossos sonhos que qualquer outra coisa Quando nassas sondios desabrocham ¢ alcangam uuma grande dimensBo, eles conta tudo © que temos de melhor. Eles contam de nds. Eniao, se 08 sonhos so um cengano, nés também somos um engano, ¢ a vida é toda uum faz-de-conta Demorei a perceber que as pessoas que esqueciam seus sonhos me faziam mais mal que aquelas que tinham ralva, Precsei fazer esforgo para descobrir que meus sou 00s Ds a sonhos nao eram mentira nem uma negagio da realidad, les eram, a0 contrério, um instrumento que ea tinha, tal- ‘vez 0 maior instrumento que ex tinha e tenho para fazer a tealidade se desdobrat, dessbrochar em coisas que ela ainda néo realizou. Para igso eu tinha de encontrar uma, verdade nos meus sonhos mortes. Nos sonhos vivos, a vverdade ndo esté em questi. Mas como ficam meus s0- snhos mottos? escobri um tereciro tipo de gent, alé dos rivo- ses € dos esquecidos. Havia também os teimosos. Esses haviam sothado, mas o sonho tinha mortido eta qual- quer crcunsténcia. Els tinham enterrado seu sonho, a8 se negavam a aceitar que sonho morto fosse coisa ne~ nnhuma, um nada, que tvesse sido er vo ‘Vi que 0s teimosos no eram uns sonbadores fora da realidade, eles do fagiam dela escondendo-se nos seus sornhos. Eram pessoas que, na morte de um sono, eram xpazes de valtareolhar o queestava no sano, e ld eicon- travann coisas inrive's. Comecei a aprender com el. "Aprendi a olbar para es sonhos que finha vontade de esquecer, que tinha raiva de ter sonhada, ea perguntar 0 que estava Id no soho? Foi assim que consegui voltar aun sonbo antigo, que, 20 acibar na me deixado esva- ado dante de ums menina que me fez sentir ridislo Na Paesexea vo Sorn90 Revi aquele pequenininho, aqucle bobalhgo que eu tinha me sentido naquela hora, preso dante dela, to li- ve, tio forte! Volte! a olhar meu sono ¢ Id eu vi que a forga dela era a forga do mew sonho. Compreendi que quando ela ice mim, etava me cantando que ela no era 4 petsanagem do meu sake que eu pense que fesse. ‘Vi que a forga que meu sonho dava para a menina cera um pouco daguile que eu podia ser. O que estava no meu sonho era @ minha fora, a minha possibildade, a minha encegia de ser Meu sonho tinha morrido, mas a forga que estava nee continuava, sem se mostar, meio escondida. Foi isso que 08 teimosos me ensinaram: os sonhos moerem, a for- 6A dees, néo; ela apenas se esconde, e podemos tra de volta © que ha por tris dos sonhos? Quando comecei a cestudar Psicologia, deparei-me com essa pergunta. Algu- ras pessoas insinuavam que, por tris dos sonhos, havia sempre algo suspeito. Ful olhar por trés dos meus sorhos e o que vi foi desejo imenso de ser feliz. Todos os meus sonhos tém essa marca: 0 desejo de me realizar, de me sentir bem, completo. Percebi também que, nos mets sonhos, 0 dese- jo de ser feliz sempre aparece corn a felicidad dos outros. ‘Nunea tive um sonho de ser feliz sozinho. No minimo, Heron 008 Diss 6 havia a menina dos meus sonihos sendo feliz comigo. Fiavia as pessoas em volt, flizes por me verem feliz, por serem objeto do meu cuidado, com a forga da. minha fe- licidade. {Quando eu sonhava com a menina dos meus so- rihos, eu andava por lugares bonitos: pelos mares, pelos ‘campos, pelas montankas. Andava a cavalo, de barco, de ‘carr; vivia aventuras. Eo mundo que estava I, praia, 60 mar, o batco, 0 cavalo, 0 campo, a Arvores, enfim, do «a feliz dentro do meu sonho. ‘Met sonho, que é basicamente ser feliz, € 0 mesmo esejo de que as pessoas sejam felizes comigo, de que as coisas sejam plenas comsigo. isso que estéatrés dos s0- nhhos, dos meus @ dos da maioia das pessoas. Nao im porta se € am sonho do programa de fim de semana, se & ‘um sonho de férias, se & um grande sonho de amor, se € 0 sonho de uma profisfo ou de um projeto de mudar mundo. TE quando um sonho morte? Os teimosos me ensi- naram. Valte ijolhe para o sonho, veja 0 que havia por ‘nds, 0 que estava junto, os detalhes do sonho que mor teu, Repare bem na forca que havia feito 0 sono nasce, ‘que o sustentox e que agora ests escondida;¢ mais, apro- ime-se do escondetijo da forg das Sons I, onde essa forva se exondle,enterre seu sono que morres, | Na Prasncs20 Sey Uma vez, lendo livros de Filosofia, encontrel um fi- l6sofo que, ao pensar sobre 2s coisas, sobre a vida, poe- ticamente nos oferece a imagem de como crescern as Arvores no campo: em alguns momentos é como se 0 czeacimento se concentrasse nas raizes; elas mergulham ‘numa realidade sombria, aperiada, fra, escura; a &rvo- Fe se prepara para que em seguida aparesain novos ga- thos em sua copa Eastin que a8 vores cescm, oa aprofundando as raizes na terra escura, ora desabro- chando a copa a luz do sol na diesio dos céus." E eu ppensel que tamibém 6 assim que as pessoas crescem, Na hora em que li sso, lembrelme daquilo que os feimosos tinhain me falado:[se o set sonho morter, en- temeo e guard 86 a forga do seu sonho, pois os sonhos enterrados fazem com que as raizescresgain no escuro € 1 se expancam. Dessa maneira formam uma base para que novos sons possam se abrir, como a copa das ée- ‘vores que dessbrocham na liberdade do eéu, na luz € no calor do sol | Quando enterramos um sonho ¢ guardamos a for- cao sonar, nasse moments nes pepanon rtee essa forca para o momento seguinte. Entio os sonhos enascem, © outs histriasrecomegam. Os sonhos artigos Haniam M097. O camino docmpo. Revs de Cale Vexes, Rio de Janeiro, Vozes, n. 4, ano 71. = " ron 20s soos ” iio foram esquecidos; eles est8o lé na forga escondida dos nossas aonhos novos. ‘Um dia, na praia, numa dessas horas em que tuclo ‘sti bem, tudo em orem na vida, comecei a me sentir triste, Era uma tristeza quente, gostosa de ser sentida, que aumentou quando fui assistir ao por-do-sol. Vinha com ela um carinho por tudo, uma vontade de chorss: Esses. momentos sio muito bemvindos: ew me sinto profunclamente recolhido e, a0 mesmo tempo, muito petto das coisas, do que estd em volta, de qualquer flor- zinha que nasce na areia — de uma coisa tio érida, uma flor to viva. Era uma nostalgia de coisa nenhusa. ‘Quis saber de que eu estava. com saudade e © por- qué daquela sensagio de carinho. E af reencontre, nes- 8 ocasifo, as meus sonhos morte. Foi como se et olhasse para a histéria da minha vide, nfo a que se realizou, mas para a histéria dos so- hos que eu tinka sonhado 20 longo dela. Era deles que ce tinha saudade, ¢ era por eles que et sent cazinho — esses sonhos que tinham morrico, mas que tinham re- presentado, no momento em que viveram, a forga do teu sonhar, essa forga que, de uma cesta maneita, sus- fentame no meu trabalho, nas minhas relagbes, na rk nha crenga no mundo, na minha vontade de buscar, 0 meu desejo de aleangar coisas, de realizar uma tarefa, de cuidae do que esté a0 meu aleance. Na sens 00 Sorr00 ram sonhos mortos, mas que foram meus ¢ conti ‘huam meus porque me lembro deles.EntSo,recorde-me dia imagem da érvore com suas ratzes|As grandes drvo- es derrubam suas flores exatamente ali, onde suas raizes se enteram, como alguém que num momento de sauda- e coloca flores num tiimulo. Ali é 0 esconderio de uma fora. £ essa forga que agora sustenta toda a beleza da copa que se mostra) Nessa hora me sent! como se fesse luna drvore, enraizada ios meus somos mortas, despe- Jando sobre esses sonhos as flores dos novos sons, es tes que agora esito vivos e que me enchem cle energia, de vontade de fazer as coisas: uma homenagem dos ‘meus sonhos vivos 20s meus sonhos morte Neste momento cle suas vidas, com certeza, vocts esto mergulhados em seus sonhos. “Que meus sonhos se realizem”, € 0 que eu pensava quando me pergunta- ‘vam qual era met naior desejo Talver © mesino acontega com vocés Por isso, quando, hi um més, fui convidade para esta converse, senti que era disso que eu queria fa- ler: Comece a sonhar com o que faaria hoje, e meu sonho ea poder recardar com voo’s meus sonhos mottos. De- sejava também que soubessem que em suas vidas, prove- velmente, vocés encontreréo, a0 revelarem seus sonhos para alguém, pessoas como as que eu encom: a5 raivo- $0, as esquecdas; mas aparecerio também as timoses, Hisrows 005 esos ° Em todas as situagdes que tenho vivido, em nenhu- rma ocasifo pude perceber, pelo menos até hoje, que os tei- ‘mosos sejam menos felizes que 08 Taivosos ow os e=que- dos. Ao contro, tenho a sensacio de que 0s teimoses, por mais que sofram, que quebrem a cara, que estejam a toda hora tomando rasteia da realidade, so mais feizes. Bu gostaria que voots se tomassem teimosos. Una teimosia que aceita a morte ds sonhos ~ de certo modo {sso 6 essenclal para crescer —, mas reencontra no enteer0 de cada sonho a forca do sonhar. Queria que estivessem dispostes a sonhar de novo, de novo e de novo, ¢ @ per imi que 08 sonlios novos viessem, como a seiva das &- ‘vores, buscar nesse Ambito dos sonhos mortos a energia com que os novos sanhes esido sempre prontos a nascer: Se vocés se tornarem esse tipo de teimosos, ter maior chance de ser fclizes. Se forem felizes, 0 mais posst- vel, entio serio honestos com 0 sonko de vocés, pois, afinal das contas, por trés de todo sorho hé desejo de ser feliz sa teimosia, essa possibilidade de lutar pelos s0- nihos, que deixa que eles moream e nascam, é um segre- do, mas ndo deveria ser, deveria se espalhar e ser dito para todo mundo. {sso & muito importante para que sejamos honestes, para que cumpramas de melhor modo possvel acuilo que fem nossos sonhos se anuncou, aquilo que prometernos 50 Na Pras 10 Stvra0 Para nds mesmos: tentar ser feliz sabendo que ossa feli- ‘cidade € sempre, tl como aparece em todos 08 109508 sonhos, uma felcidade nossa com 0s outros. ___ Essa éa histéria dos desejos que sonhei contar aqui E a histéria que eu trouxe de volta, que tem uma forga Iuito grande, que & uma coisa que nfo deve ser segre- do, embora eu sempre achasse importante que ela fosse contada como um segredo muito fimo, como quando se fala baixinho daquelas coisas que vém do fundo da agente para pessoas muito proximas, Nesse meu sontho do titimo més — poster contar essa histéra para voets —, et tinha medo ce me sentir esvazindo ao tealizélo, de nio encontrar um interlocutor com quem: divi iso, um doe meus mais precioses segredos. Ao mesmo tempo, inha também um grande deseo de Ihes dizer essas cosas. Sin- ‘o agora que, com vooés, pude realizar esse meu sono. DESFECHO: ENCERRAMENTO DE UM PROCESO ‘A palavza desfecho é cariosa pelos sigificados que pode ter. ( primeizo significado € 0 de final, mas nifo como qualquer umm. E uma espécie de final marcante, acompa- nihado de uma certa forea. le pode sero final de um texto literétio, de wm con- to policial ou de mistri,no qual acompanhasns o autor ra apresentagio de questtes até que elas fiquem escla- recidas, Fase mamento 6 hora de esclarecimento © de compreensio do significado dos episédios relatados. como se enconirissemos um certo alivio para a tensio que cxescia a0 longo da histria. Quanto sais estivermos envolvidos e curiosos para saber quem é 0 assassino ot fe onde ver aquela “poténcia misteriosa” que percor- Gua ercio mis ntrenmete currents 0 csc. DDesfecho € final, mas esté profundamente ligado & totalidade da historia Na Power 00 Sovrno ‘© mesmo acontece com nossos problemas. Quanto mais eles so cbscuros ¢ quanto maior & nosso envolvi- ‘mento, mais curtimos o desfecho, de penctrar nas questdes que.o problema apresenta para que 0 deisho.vena.e complete. & como seo desisho tivesse de preencher alguma coisa que antes precisasse ser eavoncada, Quanto tar for ‘Pode sot o desfecho em seu sentido: a surpresa seni maior © a compreensio clos detalhes. mais_prazerosa. Quanto ‘mais mergulharmos em noses problemas, no momento fem que encontrarmos 0 desfecho, de fto, ali terminard um ciclo. ‘Um outro sentido pata a palavra desfecho é aquele ue encontramas quando ouvimos ou dizemos, por exent= plo: . € entio “ele destechou o golpe”. Nesse caso, des echo & ago, 6 momento em que alguma coisa se realiza ‘io se trala de contemplacio, Algo: que estava prepara. do para acontecer torn-se real, desdabra'se numa acto conereta. Falamos até agora de desfecho como final, encesra- ‘mento, realizagio de algo que vinha sendo preparado, (ut sea, fatase ce sen fechamento, Hi, potém, um terceiro sentido para essa palavra, © aqui o curioso esté na pergunta: por que chamar aqui. lo que fecha de desfecho — des-echo? E que desfecho, a9 mesmo tempo que ence, focha, também & abertura escorEueteaneno 08 Proceso s ‘Quando ele ocorre tudo comoga ou de novo, ou ou tra vez, Comegar de novo no 6 9 mesmo que comesar ou tra vez. Comegar outra vez 6 repeticio. Comagar de novo tem o caréter de novidade; uma nova coisa ver se colo car quando 0 desfecho preenche a primeira situacio. ‘Todo desfecho efetiva uma passagem. Hssa concep- «0 de desfecho nos remete 20 papel dos tos de passa- ‘gem na histéria da humanidade. (Os povos primitives, igados & experiéncia do sa- ‘grado, levavam muito a sério os momentos de transigso. ‘As “passagens” eram marcadas por rituais, que assina- Javam o que estava sendo deixaco para tr e a vida nova ‘que comegava. Acontecimentos como nascimento, morte, ‘casamento, eram consideracos situagbes de mudangas ra- dicais e, por iso, precisavam ser ttualizades. Segundo Mircea Eliade, hoje em dla, (..) numa perspectiva areligisa da existéncia, todas a5 “passagens" perderam seu carder ritual, quer dizer, nada mais significam além do que mostra © ao concreto de um rnascimento, de tm ébito, ou de uma uniao sexual fie cdalmente- recorhecida.* Face, M. (001). Osigrad pref. io Paulo, Mains ont. Na Priors 00 Sexr00 Para aquees povos, 0 ito de pasagem por excel cia € aque que marca oii da pderdnte spaces sem de uma faixa de idade para outta, Eo momento eon sue 8 pesson pass aster cr cols que tent ela A iniiagéo comporta sempre umna tipla evelagSo: a do sagmado, a da morte e a da sexualidade, A crianga ignora less precio nino as ony, ase ‘negra em sua nova personalidade,.. iniciado € urn Themen que sabe. meee Nos rituals de iniciagéo, hd se i sempre alguma co «qe rcemesa As Vee oslo de un agus nce cimento exprime-se por gestos concretos. Assim, entre Ppoves bantos, hé uma cerimdnia conhecida como “nascer de novo" © pai sacrfica um cameito e, apds tés dias, gzvolve « canga a membrana do stoma ¢ na ple 0 animal. Mas, antes disso, a erianga vai para a cama @ hors como ur rxivoascio. Depo que rman or trés dies envolta nessa pele, ela a deixa e sai para a nova vida. nm meee O deixar para tes alguma coisa abs ‘ abrirse para ow tra nova aparece também nos rita igados & cura, Nesas Ide, idem, Des: Evaro ow Paociso s cocasies, 0 mito cosmol6gico ¢ recitado com fins terapéu- ticos: “Para curar o doente, & preciso fazé-to nascer mais ‘uma vez, © o modelo arquetipico do nascimento é a as: ‘mogonia’.* ‘Segundo Eliade, 0 deixar morrer para que surja algo ovo aparece também nos rituais judaico-cristaos, como no batismo. Para nés, aqui, algumas coisas se destacam nessas consideragdes sobre rituals: ‘© a importincia dada aos momentos de passagem: + a passagem como a hora em que € necessirio det- ‘xar algo para trés e abrir-se para outra coisa; +a importincia de que seja concedido um tempo para que se dé a transigao; * a condigéo nova de alguém que passou pela ini- ciagio, ou sea, a partir de entdo ele é alguém que “sabe”, ora paso pels Proves ane foram exigidas, algumas muito sofridas. ‘Tudo isso esta presente nos sits de passagem. Mas {sso esté presente também em nossas vidas nas situagdes de desfecho, quando essas séo vividas plenamente. 0s tituais indicavam para o iniciante as ambigitida- des; mostravam que havia algo ce morte e também algo 3. Ham biden, 5 [Na Pesca 20 Sovro0 de nascimento na passagem,e, por isso, era preci por isso, era preciso pas- sar devagar. Se hows press, provers hesera confusio,¢ 0 necessério para a nova vida nao estara dis. ponivel. Nossa cultura distanciou-se dos stuais, que, de al uma forma, mostravam como a8 coisas 580 complevas © precisam de tempo para que se realizem plenamente. {A pressa nfo permite que, na pessagem de ume si tuagio para outra, quando alguna coisa termina, a pes. 0a possa sentir toda a tristeza que pode haver num GesfechoNesse momento, algo pertence co passado, fol embora, dstanciouse,e nbs, impedidos de parar, temas de deixar coisas para ts, pois quando nio consegul- ‘0s iss0, nés nos sentimos “pesados” lf preciso tempo para aceitar que algo acabou e para aceitar que algo, dle novo, comesa a se abrir ‘A passagem no & para ser fita na press. Entre 0 ‘novo que se abre e 0 que fica para tis hd uma ligasso. E como quando pessamos por uma ponte; esa marca 0 término de uma mangem do tio e di acesso ao outto lado; ou como quando passamas por uma porta: esta se. para e liga dois espacos. A passagem fnz a liga. A pres- sa distorce a passagem, Em nosso tempo, a presca ests presente em gquase to. Athames qu efits &o apes Ai des Ciencia est dretamenterelacionsda a fempes mais eden te € a maior produgio na menor unidade de tempo. Desoros Buco 2 ws Proceso A ligasio entze pressa e eficiéncia 6 um viés que, na situagio espectica da psicoterapia — que é 0 hotizonte a partir do qual estamos falando —; ¢ extremamente seciu- tor e perigoso, A primeira tentacio e o primeiro perigo esto na pressa. 'Na profissio de psicéloge, provavelmente, todos nés vvivemos a experiéncia da pressa em nossas_primeitos ‘atendimentos. O paciente chega, comeca a falar, a formu lar wm problema, ¢ o terapeuta, afobado, procura © que vvai dizer a ele, Um de seus ouvidos escuta o paciente € 0 ‘itr escuta o didlogo intemo de sua procra: "Mas onde ‘vou encalxar isto que ele diz, ou ser que este & mesmo ‘0 problema?”. Levanta hipéteses apressadas e, no final do relato, pode ter a surpresa de ouvir co paciente: “Mas ‘o meu problema nao ¢ este, nfo 6 por isso que procuro a terapia”, E tudo recomeca, Quando alguém comesn anos contar seu sotimen- to, nosso primeico impulso é querer acabar com. 0 pro- blema, ober uma rexposta, @agimos sem imaginar que isso posta ser rim, que possa falar algo na pressa de aleangar um desfecho Em coniaio com 0 sohimento de alguém, é comam pessoas benvintencionsdas dizerem: "Calma, iss0 pas- fal” Outros dizems “Caimal Nao hi bem que sempre ture nem mal que runcs se scabel”.E elaro que 0 sofe- se Nas Ps 0 Sere ‘mento vai passar.-Tudo passa, Mas passa pode ssa, N ar também 4 5 uma cea asustadors, que. apanta par. a_precaie- dade, gue diz. que nada ei para. far A dimers cle smote con na perepetva de que ro pasa 60 que # asus, Oar par ese aspect da pasagem, de que nada dura o tempo todo, significa lidar com ma ameaca concreta Nese “tudo passa” hd ainda out ‘ nda outro aspecto da pase sagem qu, is wees, fn esquecdo, Quando dizemos soe tuclo passa, estamos dizendo, de certa maneira, que tudo se toma nada mais, tudo se nadifica. Assim, tudo que hoje «st sendlo objeto de softimento, dagui a algum tempo, sett nada, Mas isso nfo € necessariamente verdade,flizmante, easy rah ees geome ee ae para quem ouve. fo poe azn “ifn i in ge sxorpieiopea ee meas epee ce pane eee ee a rere roretree ‘mal pode respiar e abrir a boca. Prepara coisas para di et, mas tudo some, Deseo Eucetravano 2 un Proceso ” ‘Com o tempo, a menina se cansa dessa histéria. Ela $6 vé 0 seu estar perdido, nio v@ o estar apaixonadto, € ‘passa a se inferessar por outro, A partir da, ele comes 2 curt sua situacio de apaixonado abandonado. Inte- ressante & que, em seguida, ele vai do estado de perdido para o de achado. Ele se acha no abandon. Ele sabe ‘muito bem onde esté e quem é o abandonado. ‘© menino vai conversar com alguém mais velho, sais experiente, em quem confia. E 0 que ele ouve € 0 seguinte: "Nao esquente! Vooé sé tem doze anos, tem 2 ‘vida inteira pela frente e ainda vai se apaixonar muitas vezes. sso nio € nada”. ‘Assim, pela primeira vez, 0 menino ouve que tudo passa, tudo que ele sente é nada, Ele eai das nuvens ‘onde estava, como todo apaixonaco. E quando se cai das rnuvens, 0 tombo & grande. 'A sensagio, em seguida, € de que @ pairto no é confidvel, pois ela passa, desmancha-se, ¢ daqui a dois ‘ou trés anos ele vai olhar para a menina e se perguntar: *"Mas o que eu vi nela para me apaixona tanto?" Surge © caréter do engano,O “tudo passa” mostra a precarie- dade e 0 enganoso Pocemos imaginar o renino jf adulto em uma te- rapia. Ele volta, por vezes, a esse episédio e lamenta 0 fato de aqucla pessoa com quem conversou no conhe- ‘cer melbor sobre ritos de passagem. a Panza 20 Sebo ‘Voltermos a0 amigo do menino, Ele diz, berminten- ‘ionado: “Nao fique somente olhanco para tis, othe para frente, porque a vida continua e tudo passa’. Ele se e5- sua te ft ge pa, Trearo hg endo volte pang mete knee tunica cle comegar de novo ¢ nfo snenpronte outa ee Ee asim que auto quce mige peer cece sol proven ava no meni ave de pinto rene ig, rvs de mena, iva do emsvornte co on nga dor dance memento mat ante evan ‘Sr que ons import aque iste doves ‘cad Eumtengee; ts ce mere O conselho do amigo parece dizer: “Esquega’”. Ora, se esquecernas o que vivemos com tanta paixio, 8 eS. ” 1 Praca 20 Styno0 +09 momentes, como diante de alguns acidentes que fa- em com que a morte se tome bruscamente muito pré- Ricbaldo, personage de Guimardes Rosa em Grande sertto: cereas, diz, 0 longo do texto: “Mogo, viver & muito petigoso”, Eu acrescentaia que viver é a todo momento, uum “perigo mortal” Fantasiamos que teremos muito tempo e oporturi- dades para tudo aquilo que queremos fazer, e ficamos angustiados quando nos damos conta de que esse tempo pode nos ser dado ou pode nao nas ser dato, ‘Como mortais, que podem a qualquer momento, no presente ow no futuro, deixar de existir, que desde o pas- sado jf postiam ter cleixado de viver sem grande prejuizo para 0 mundo, nés compreendemos que nossa vida nos & dada como um poder ser que nfo tem de ser, corm um. ‘esto de liberdade. Nao é a liberdade de deuses, que de- cane de sua cniscéncia e onipoténcia, Ao contrio, 6 li- bardade do que nio ¢ necessério. Ea forma de tiberdade que diz respeto a entes que, nfo precisando existir, con tuclo edstem e, uma vez exstindo, tém a responsabilida- dle pela existéncia, que & a eportunicade de realizar, de ‘estar significagdes, obras, tarefas, conhecimentas. No somos obrigadas, mas convidacos a responder 3s soic- tagoes de tudo aguito que, de algum modo, nes chama. Some 4 Moers 0 Motte ar Poder exisir € uma oportunidade que se renova a ‘ada instante, Pode set que Vivamos s6 este momento ou por mais alguns dias, anos, até mais de cem anos. Pode, nfo tem de ser assim, apenas pode, A vida nao é um ai- reo naso, pois pode ser arebatada a qualquer momento; io & tum dever nosso, pais no nos & dada como condi- «ode necessidade, mas 6 uma contingéncia, ‘A vida é um permanente convite para que realize- nos 0 melhor possfvel agulo que tivermes possibilidade oportunidade pata realizar. iA mont etna nda mas prtbadora quando vemos que aquelas pessoas cyjas vides gostariamos de reservar, talvez até mais que a nossa, podem morter. 'A motte do outo aparece como wna perda TLembrome do medo que es tnha ce que meus pais rmorressem, quando eu era cranga. A sensasio de poder perdé-os era quase insuportivel para mim. Era insupor- tavel pelo abendono, pea soidfo, pelo desamparo. Ho, sino a mesma coisa em relagio a meus flhos. “Morro de redo” de que ees mortam. £ de novo aquela sensagio de ameaga aos seis da vida que mantém esse medo de uma outra forma, E saber que posso perder pessoas arna- ds, e perder d6i muito * Caves una game dis qe quando pegne na, ela queria morrer antes dos pais pare nfo ter de se ” Na Pion 00 S000

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