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Por quê deveríamos nos preocupar com a qualidade de software? Existem algumas
razões óbvias. Ninguém gosta de software com bugs. Bugs podem causar prejuízos que
variam desde a mera necessidade de reiniciar o sistema operacional até à perda de
satélites de milhões de dólares (como o Clementine, um satélite construído para
designar alvos, no projeto Guerra nas Estrelas, o qual, quando recebeu um comando
para mirar um ponto na superfície lunar, ativou os foguetes direcionais e ficou girando
até acabar o combustível...). Bugs podem fazer um banco perder milhões e perder a
confiança dos clientes ou parar por horas uma companhia telefônica, impedindo a
realização de telefonemas interurbanos (como já ocorreu com a AT&T). Os problemas
de qualidade tendem a aumentar com o uso maciço das tecnologias de processamento
distribuído, onde é muito mais difícil prever o que pode dar errado...
No entanto, as empresas que entenderam que não existem razões para acreditar que este
axioma não funciona com software, puderam experimentar os benefícios da aplicação
das técnicas de qualidade -presentes na Engenharia de Produção- na Engenharia de
Software (leia a entrevista com Watts Humphrey nesta edição). Em um artigo na edição
de março, apresentei e discuti o modelo CMM de qualidade de software, desenvolvido
pela SEI (Software Engineering Institute). Comentei, naquela ocasião, que os esforços
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Qualidade de Software: Um Compromisso da Empresa Inteira
em melhoria da qualidade não podem ter seu foco no produto apenas (fazer software
melhor), mas principalmente no processo (fazer melhor o software).
Por quê, então, existe tão pouco investimento em qualidade nas organizações típicas de
desenvolvimento de software? Existe aí um problema cultural de grandes dimensões e
difícil de superar. Infelizmente, a cultura atual de desenvolvimento de software baseia-
se em crenças absurdas que se espalham por todos os níveis da organização. Nos níveis
mais altos, isto é, na administração de informática, acredita-se que os investimentos
típicos em qualidade de software (uso de processos padronizados de gerência de
projetos, uso de metodologias de desenvolvimento, treinamento contínuo dos
desenvolvedores, uso de métricas, estabelecimento de procedimentos eficazes de
controle de qualidade de software etc.) são caros demais, são mera burocracia e,
principalmente, causam o alongamento dos prazos de desenvolvimento. Esta crença
errônea é agravada pela limitada cultura de informática dos usuários e clientes, que
tendem a pressionar por prazos completamente fora da realidade. Não passa pela cabeça
de um alto executivo da GM ou da Volkswagen exigir de seus engenheiros a construção
de uma nova fábrica de caminhões em três meses. Em nossa área, porém, é mais ou
menos a isto que estamos submetidos dia após dia. No dizer de DeMarco e Lister
(Peopleware, 1987), "regularmente pondo o processo de desenvolvimento sob extrema
pressão de tempo e depois aceitando produtos de baixa qualidade, a comunidade dos
usuários de software mostrou seu verdadeiro padrão de qualidade".
O desenvolvedor, por outro lado, além de acreditar nestas mesmas coisas, não aceita que
ninguém lhe diga como deve fazer seu trabalho, afirmando que padronização de
procedimentos e uso de best practices seriam uma violência à sua "criatividade". Se
levarmos em conta que a maioria dos desenvolvedores não foi formada em Engenharia
de Software e aprendeu tudo o que sabe "na marra", fica difícil acreditar nesta
afirmação. Afinal, quem de nós confiaria sua saúde a um "médico" que aprendeu
sozinho a profissão (fora da faculdade) e que têm solene desprezo pelos manuais de
medicina? O caso é que a maioria de nós desenvolvedores não sabe desenvolver
software, e deveríamos ter a humildade de aprender com quem já aprendeu.
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A médio prazo, então, não há o que se discutir. Software com mais qualidade sofre
menos manutenção, e as manutenções necessárias são feitas muito mais rapidamente.
Isto libera recursos para o desenvolvimento de software novo, reduzindo o backlog e
acelerando o desenvolvimento; mais software pode ser reutilizado; e o processo de
desenvolvimento pode ser continuamente melhorado para aumentar sua eficiência (leia-
se prazos menores).
Dado que a alta administração garante prazos realistas e dá condições para que os
desenvolvedores melhorem suas práticas, é responsabilidade destes últimos aplicarem
no seu trabalho diário os conhecimentos adquiridos em treinamentos. Também precisam
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Para ilustrar o que entendo por comprometimento gerencial, apresento um caso real
onde estes conceitos foram aplicados.
Apesar de todas estas providências, este processo não funcionou num primeiro
momento. Os usuários continuaram pressionando os analistas por prazo e estes também
não tinham o hábito de planejar as manutenções. Quando o usuário pedia algo, a equipe
simplesmente sentava e fazia. As exceções eram a regra e o processo praticamente não
era cumprido. Solicitações de manutenção para o mesmo dia ou o dia seguinte eram
aceitas sem maiores problemas e, freqüentemente programas eram alterados no
ambiente de produção sem mesmo passarem pela formalidade do processo. Não será
surpresa para o leitor saber que os problemas de abends em produção continuaram
ocorrendo com a mesma freqüência.
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estar fora dos padrões de qualidade, adiando as implantações em uma semana. Qualquer
confronto de prazo entre esta gerência e a de desenvolvimento/manutenção seria levado
para a decisão do próprio diretor de informática, que ouviria as razões do usuário. Todo
abend em produção passaria a ser documentado por escrito, tendo a equipe de
desenvolvimento que explicar suas causas e o que seria feito para evitar a recorrência.
Estatísticas começaram a ser coletadas provando uma correlação positiva entre abends e
manutenções "urgentes", isto é, ficou comprovado que a maioria dos problemas em
produção eram causados por programas alterados em manutenções "de um dia para o
outro". Níveis de erros em produção e de manutenções de prioridade "urgente" versus
prioridade normal (duas semanas) eram coletados e divulgados, separados por equipe.
Gerentes de equipes com altas taxas de erros e manutenções "urgentes" tinham que
explicar as razões. Usuários de nível médio (um gerente na área de contabilidade, por
exemplo) tinha de explicar ao seu diretor por que a sua manutenção era urgente, para
que este pudesse por sua vez explicar ao diretor de informática, que liberaria a
manutenção se esta fosse realmente necessária.
É claro que, no início, houve uma chiadeira geral. Ouviam-se gritos de "terrorismo" e
"burocracia" por todos os corredores. Usuários queixavam-se da "urgência" de suas
manutenções (na maioria não tão urgentes assim, ou tornadas urgentes por não se ter
feito planejamento no momento certo, com a devida antecedência). Desenvolvedores e
seus gerentes imediatos não gostaram de ter a qualidade de seu trabalho medida e
divulgada publicamente. Mas a alta administração foi em frente e não se deixou
intimidar pela gritaria.
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Qualidade de Software: Um Compromisso da Empresa Inteira
Afinal, diante das evidências, todo mundo teve de concordar que a coisa tinha
melhorado muito. A empresa como um todo beneficiou-se com a maior disponibilidade
dos sistemas e melhor serviço ao cliente. A cultura nascente de planejamento levou ao
aumento de produtividade e a um gerenciamento de prioridades muito mais eficaz. Os
usuários descobriram que o "day after" de cada manutenção não precisava ser a roleta-
russa a que estavam acostumados. E os desenvolvedores aprenderam que trabalhar de
forma planejada lhes rendia mais noites de sono não-interrompido (havia programadores
que eram acordados à noite três vezes por semana, na maioria das vezes exigindo sua
presença imediata para consertar programas "abendados") e a possibilidade de ir para
casa no final do expediente, ao invés de às 11 horas da noite, como era a regra.
Este exemplo deveria fazer com que gerentes de informática e usuários percebessem
que o aumento da qualidade do software depende muito menos do uso de novas
tecnologias do que do uso de práticas gerenciais adequadas. Treinar desenvolvedores e
dar-lhes tempo para absorver o que aprenderam é fundamental. Impedir os usuários de
colocar prazos absurdos para seus pedidos é fundamental. Alocar recursos (tempo,
dinheiro e pessoas em dedicação integral) para trabalhar na melhoria dos processos de
software é fundamental. É obvio que os desenvolvedores que estão construindo
software não terão tempo para definir processos, metodologias, medir qualidade, definir,
coletar e analisar métricas etc. Atribuir esta responsabilidade a quem está
desenvolvendo software é a melhor garantia de que nada vai acontecer. Se queremos
qualidade, temos que investir nela. Mas tendo a certeza de que este é um investimento
que se paga muitas vezes. E em pouco tempo.
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Publicado em Junho de 1997 na Developers Magazine.
Este artigo está apresentado aqui tal como foi enviado ao editor, podendo, devido ao processo de revisão
da revista, estar ligeiramente diferente de sua versão publicada.
Ó Copyright por Átila Belloquim. Este documento pode ser reproduzido no todo ou em parte, desde que
citada a fonte.
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