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DO DIREITO A PROPRIEDADE PRIVADA

AO FIM DA PROPRIEDADE*
“A burguesia obriga todas as nações, sob pena de extinção, a adotar o modo burguês
de produção; obriga-as a introduzirem em seu meio o que ela chama de civilização, isto
é, a tornarem-se burguesas. Numa palavra, ela cria o mundo à sua própria
semelhança”

(Marx e Engels)

Em 17 de abril de 1996, dezenove camponeses, do Movimento dos Trabalhadores


Rurais Sem-Terra (MST), são barbaramente assassinados, e outros 69 ficam feridos.
Destes, dois falecem dias depois em decorrência dos ferimentos e os outros têm que
se aposentar por incapacidade para o trabalho agrícola. A Via Campesina Internacional
instituiu o 17 de abril como o Dia Internacional da Luta Camponesa. Ao que parece
irônico, o então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, institui nesta
mesma data no Brasil, o Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária.

Este dia ficou, tristemente, para a história, conhecido como o Massacre de Eldorado
dos Carajás. Muito repercutido na mídia maior, o que se pode ver até hoje é o
completo descaso que esta mesma mídia tem para com o problema da reforma agrária
no Brasil, bem como com as variadas formas de violência que ocorrem no campo onde
se evidencia uma clara relação de submissão desta mídia aos proprietários,
fazendeiros e donos de propriedades privadas.

É neste sentido, tentando analisar como ocorrem as relações de exploração do capital


sobre os trabalhadores do campo, qual o papel do Estado e como se organiza a
propriedade privada no capitalismo, que escrevemos este texto como uma forma de
contribuir para a resistência a estas explorações, ou seja: contribuir para a emergência
de novos modos de existência contrários ao atual estado de coisa instituído, onde a
violência social e a exploração se tornaram banalizadas para os processos do capital e
o capitalismo.

ESTADO MODERNO E PROPRIEDADE

Na teoria do Estado moderno, em Hobbes e Rousseau, há a transferência da liberdade


e do poder de todos, através de um contrato ou pacto, para o soberano, que passa a
ser o detentor da ordem, do poder de criar e aplicar leis e do direito à morte e à vida
dos súditos. Em Hobbes, esta transferência é feita para um homem artificial — o
Estado, por meio de um contrato de sujeição. Significa dizer que neste ato todos
passam a ser sujeitados pelo soberano que é o Estado. Em Rousseau, a transferência é
através da vontade geral do povo. Há um contrato social onde haverá agora um
representante da soberania popular.
Surge aí a sociedade civil. Isto é, as pessoas não estão mais ligadas por laços de
amizades que constituem uma existência comum a todos, não vivem mais em
comunidade. Passam a ser indivíduos isolados, independentes a partir do momento
em que escolhem viver como sócios, em relações de reciprocidade, do Estado,
obedecendo a suas leis.

Assim, o Estado Soberano se torna o senhor de todos. Ele passa a exercer um poder
positivo sobre a vida de todos. Positivo porque o Estado Soberano tem que resguardar
a vida e a segurança de todos. Para isto a sociedade civil deve viver sob os direitos
civis, promulgados e garantidos pelo Estado Soberano, onde o direito à violência
contra crimes, o direito de castigar, de absolver, o direito a vida, a liberdade e as
regulamentações jurídicas que garantem a propriedade são atribuídos ao Estado
Soberano, uma vez que com a transferência do poder de todos para o Soberano o
Estado governa os governados.

Deste modo, a propriedade não se constitui como um direito natural. Ela não é
definida pelas pessoas, mas pelo poder do soberano absoluto que é o Estado:
“pertence a soberania todo o poder de prescrever as regras das quais todos os homens
podem saber quais as ações que pode praticar, sem ser molestado por nenhum de
seus concidadãos: é a isto que os homens chamam propriedade” (Hobbes).

Isto ocorre devido a constatação hobbesiana de que todos estariam em guerra contra
todos e por medo de permanecerem nesta condição, procurando preservar um estado
de paz, transferem seus poderes e liberdade ao homem artificial que é o Estado
Soberano. Em Rousseau, o representante da soberania popular, como detentor da
vontade geral, deve zelar pela propriedade para que, vivendo em sociedade, as
pessoas não façam a guerra entre eles por interesses individuais.

A propriedade passa a ser, portanto, parte do Estado Soberano, inalienável as pessoas


privadamente. O Estado deve zelar pelo bem público garantindo a vida e a segurança
de todos. A propriedade tem que ser para o público. Contudo, este Estado Soberano
constitui um estado transcendente. É por medo que as pessoas transferem as suas
liberdades para um poder que exerce suas funções de cima para baixo.

O Estado passa a exercer o poder como intervenção na vida regulando os seus


aspectos enquanto espécie. Controla a população em seus mais variados contornos e
age diretamente em sua organização. A propriedade aí é de ninguém, nem pública,
pois não é definida segundo as relações de todos com todos, mas sim através de um
terceiro que tem o seu poder legitimado em razão do medo que todos teriam de
todos, seja antes ou depois da consumação do contrato de sujeição ou social.

OS LIBERAIS, DEUS E A PROPRIEDADE PRIVADA


Para a burguesia em ascensão, este Estado não era uma boa forma de governo. Como
o Estado absolutista, em forma de direitos civis, tinha o poder sobre tudo, todo o
trabalho individual dos burgueses não valia de nada para adquirir uma propriedade e
se tornar dono dela. A propriedade não era um direito natural, mas uma posse do
soberano que poderia transferir aos seus herdeiros segundo as leis criadas e aplicadas
por ele próprio.

Era necessário tornar a propriedade um direito natural. Assim John Locke cria a teoria
de que Deus, ao expulsar homem e mulher do paraíso, não lhes tirou o domínio sobre
o mundo. Eles foram expulsos e agora o que tinham como dádivas, teriam que
trabalhar para conseguir. Logo, o trabalho se torna o meio pelo qual a propriedade
privada será possível, pois é através deste trabalho que se torna possível acumular
riquezas e adquirir uma propriedade.

Conhecemos as interpretações da alegoria bíblica que coloca o trabalho como


sinônimo de sofrimento ligado a dor do parto e da fadiga ligada ao labor pela
sobrevivência. Assim, de modo mítico, a burguesia faz do trabalho um esforço pela a
cumulação e pela legitimação da propriedade privada. E para Locke o Estado agora
deve garantir o direito natural a propriedade privada alcançado pelo esforço do
trabalho.

Deve ser garantida a burguesia o direito da propriedade privada sem que o Estado
possa interferir. A responsabilidade do Estado é de preservar os direitos civis ao
público e não o de interferir nas ações individuais e nos bens privados da burguesia.
Assim, o liberalismo investe em uma arte de governar a qual as ações do estado para o
corpo social (a sociedade civil) devem estar de acordo com os interesses econômicos
da burguesia.

A questão passa a ser então de um governo policial que administra ao mesmo tempo
em que faz com que suas ações se integrem aos interesses privados da burguesia. Para
isto o Estado tem que garantir, moral e sociologicamente a integração de todos de um
modo não desagregador. Ora todos devem trabalhar, cumprir suas obrigações, viver
socialmente e apetecer a uma vida digna, sem concorrência generalizada, pois isto
ficou para aqueles que comandam o campo da economia de mercado.

Para isto é constituída uma regulação sobre a vida (Vitalpolitik). O liberalismo é uma
prática sobre a vida. Um regime de verdade, baseado e fundamentado em uma
reflexão contínua que não constitui nem uma ideologia nem uma consciência
reguladora, mas uma ação sobre o corpo da sociedade civil. O liberalismo pode ser
compreendido como uma razão de exercício de governo que obedece a ordem do
mercado cravado na economia máxima.

O POBRE, NO LIBERALISMO NÃO TEM DIREITO A PROPRIEDADE


Se é o trabalho que acumula riquezas, pelo sofrimento nos leva a sobrevivência e se
todos são iguais perante Deus, o pobre é aquele que por desleixo ou perdulário ou por
preguiça não merece ser o dono de uma propriedade privada. E o Estado liberal, como
guardião do direito natural da propriedade privada, deve proteger os proprietários
privados dos pobres. Pessoas inferiores na escala social, determinada pelo trabalho já
consumado pelo capitalismo.

Este é o trabalho morto do qual nos fala Marx. Morto porque apenas tem por objetivo
o acumulo de riqueza e para isto garante a exploração do proletariado. Assim, toda a
força de produção dos trabalhadores desaparece quando o trabalho não é mais visto
como uma produção de corpos singulares, mas como uma divisão do trabalho que
torna as forças de produção abstratas, porque o que conta, dentro desta divisão
capitalista do trabalho, não é a força produtiva dos trabalhadores com suas
inteligências e toda sua fisiologia, mas o resultado final como acumulo para o
capitalista através da mais-valia.

No capitalismo o trabalhador não exerce sua força de trabalho para a produção livre,
mas é o poder que exerce sobre a força de trabalho um controle para se apropriar dela
própria e de seus resultados. É aí, acreditamos, onde o Estado liberal faz do trabalho,
não um erro moral ou uma falsidade sobre a existência, mas uma prática onde os
corpos são sujeitados ao controle de um saber e a intervenção de um poder.

O objetivo desta prática seria o de garantir o exercício da economia de mercado sem


interferir diretamente em sua regulação. Enquanto os pobres continuarem pobres e
forem sujeitados a um poder transcendente que os coloque apenas como força de
trabalho explorado com um salário para a sobrevivência, uma religião que constitua
uma teleologia rumo à morte e o controle de um saber que os colocam como
ignorantes em antagonismo a um conhecimento legitimado pelo poder, eles não
poderão ser proprietários de terras.

A PROPRIEDADE, O MST E O GOVERNO LULA

Ironicamente, foi FHC que instituiu o dia 17 de abril como o Dia Nacional de Luta pela
Reforma Agrária. O irônico aí é o seguinte: como liberalista convicto, talvez, o ex-
presidente tenha se esquecido do sociólogo, e instituído este dia para nos lembrar que
em um Estado liberal o pobre não pode invadir aquilo que o Estado protege como
direito natural do burguês: sua propriedade privada. Talvez seja neste ponto que para
FHC Hegel é mais humanista do que Marx.

Stédile, em uma entrevista, diz que tanto no governo Lula quanto no governo FHC, não
houve desconcentração da propriedade de terra. Mas também diz que “Na forma de
tratamento dos movimentos sociais, não são iguais, não. FHC tentou cooptar, isolar e
criou condições para a repressão física, que resultou nos massacres de Corumbiara e
Carajás. Já no governo Lula há mais diálogo. Nunca houve repressão por parte do
governo federal”.

É claro que o problema da propriedade de terra no Brasil está longe de se resolver. E


pelo que já foi dito neste texto a própria organização do Estado contribui pouco para
isso. Mas podemos levantar uma questão aqui referente ao governo Lula. Ainda que,
historicamente, as práticas de exercício do poder em relação a organização do Estado
não constitua esta desconcentração da propriedade de terra, no governo Lula não
foram criadas condições para que o controle e regulação do capital sobre o privado
comece a ser diluído?

No governo lula, assim como em algumas partes da América Latina, torna-se cada vez
mais possíveis movimentos sociais que pressionam os governos a tomarem suas
decisões. Neste ponto a crítica ao Estado Moderno é radical. Ele já não se constitui
soberanamente. Existem as vozes imanentes, as ações que agem sobre as ações do
governo, os muitos, a legião, a multidão imanente que resiste ao transcendente uno
que é o Estado.

O próprio governo Lula reforçou isto quando, na ocasião da crise mais recente do
capitalismo, demonstrou que são as pessoas em suas relações no cotidiano,
consumindo, trabalhando que constituem as suas próprias seguranças e liberdades. A
ação do governo federal do Brasil, ao contrário de países desenvolvidos da Europa e
dos EUA, não usou a crise como uma forma de reforçar os laços entre o capital e a
propriedade privada.

O FIM DA PROPRIEDADE

Portanto, são nestes movimentos sociais, onde a propriedade desaparece, onde o seu
fim torna-se possível. Não se trata de se apropriar das terras e conservar um poder
transcendente que faz de uma pluralidade uma unidade. Em relação a divisão do
trabalho, mas muito próximo do que desejamos colocar aqui, André Gorz, escreve o
seguinte:

“Não é por se tornarem coletivamente ‘proprietários’ dessas fábricas, que os


proletários poderão desenvolver, através desse trabalho, ‘uma totalidade de
capacidades’. Exatamente o contrário: enquanto a matriz material permanece
inalterada, a ‘apropriação coletiva’ do conjunto das fábricas nada mais é do que uma
transferência perfeitamente abstrata da propriedade jurídica, transferência que será
totalmente incapaz de pôr fim à opressão e a subordinação operária”.

Não basta tomar e se apropriar dos modos de produção, é a força produtiva que tem
que escapar dos modelos burgueses que o Estado moderno soberano estipula. Não é
interessante apenas a transferência abstrata jurídica da propriedade.
Neste sentido a frase de Deleuze e Guattari a seguir é bastante significativa para nós:
“a propriedade é precisamente a relação desterritorializada do homem com a terra”.

Pensamos que esta desterritorialização é precisamente aquilo que o capitalismo


exerce sobre o real quando captura pela legitimação do Estado e do controle que
exerce sobre a existência, o trabalho apenas função morta, fazendo com que o
dinheiro produza dinheiro em uma abstração máxima.

Contudo, o capitalismo pode dominar a propriedade e suas formas de apropriação,


mas não controla os fluxos intensivos, os agenciamentos e os desejos que os produz.

* Artigo publicado no Blog PolivoCidade (HTTP://polivocidade.wordpress.com/), em 19 de abril de 2010.


Textualização de Evanilson Andrade, filósofo e estudioso das subjetivações, ética e política em Foucault
e Antonio Negri.

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