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CNPq/PUC-RJ
I-2010
1
Rio de Janeiro: Edição da autora, 2008
Este não é um leão comum. Não possui apenas a envergadura dos grifos
rompantes medievais. Não é detentor exclusivamente da juba auriflamígera dos
felinos africanos. Não ousa sequer arvorar-se o rótulo de quem se expressa pelo
corpo ou pela linguagem da fala. Expressa-se pela apolínea lira, derramando,
entretanto, um dionisíaco passeio pelas searas da humanitude. É, portanto, um
Leão Lírico. Aos poucos, mas também subitamente, este mesmo leão apossa-se
de sua coroa, de seu cetro, de sua juba, de sua língua de fogo, de seu
medievalismo, de sua africanidade, de seu corpo e de sua fala – e toma-nos como
quem entra em nossas vidas por obra do acaso... mas permanece para sempre.
O poema que abre a obra – e lhe é homônimo: “Leão lírico” – como que
profetiza, vaticina a aventura humana, centrada e simbolizada no “signo” (verso 3)
que “trará o cetro à mão” (verso 4). Seria este centro/cetro o esplendor do signo
no sentido de Ferdinand de Saussure, de Barthes, de Derrida, de Foucault, de
Peirce, de Iser, de Gadamer, de Lacan, de Jung? Pela leitura da obra, este signo
tem o sentido atribuído por todos esses nomes e por mais alguém que, nas
constelações de leão ou virgem ou libra ou sagitário, ainda não se manifestou.
Mas fá-lo-á. Assim é o livro que “não será lido nem escrito / será intuído pela graça
do leão lírico” (versos 13 e 14). O primeiro poema, metonímia do livro inteiro, por
identificar-se ao significante do título de toda a obra, é um poema com tom
apocalíptico às avessas: não intui o fim da raça humana, tampouco o começo –
mas o meio, um meio possível de detenção sem “remissão” (verso 18).
Outras figuras bíblicas são lembradas (ou evocadas) na obra, bem mesmo
ao gosto do autor de Além do bem e do mal, há pouco citado, que predizia: “O que
seria dos livre-pensadores se não fosse a Igreja?” – Disse, ipsis literis, Nietzsche.
Erra quem acha que o prussiano que amava e odiava Richard Wagner era avesso
à cristianidade. Ele era avesso ao cristianismo, o que é bem diferente. Erra,
também, quem supõe ver em Leão lírico uma única face humana. Veem-se várias
que, em vez de entrar em conflito dialético, entram em conflito dialógico, ao gosto
de Bakhtin e Kristeva (por falar em Cristo...). Assim, “Esther”, por exemplo,
aparece, lembra-nos o Velho Testamento, por enquanto só aparente em seu
contraste com o Novo Testamento, mas é riscada do livro. Mas aparece. Assim
como anjos eróticos (não pornográficos, nada pornográficos, esses anjos são de
Nélson Rodrigues e não adejaram em Leão lírico), grassam com a sutileza de um
santo altar medieval. Evocam-se mortos e evoca-se a própria voz da morte, que
culminam, todos, na “Força de Deus”, na “Praia de nudismo”, no “Cio”, nos
“Arquétipos”, na “Angústia” nos poemas “Sem título” (há coisas que, se nomeadas,
perdem-se, como disse Ludwig Wittgenstein 2, ou seja, o autor das Investigações
Filosóficas: “A linguagem é Teologia”), no “Gozo” nas “Estrelas, na “Infância
compartilhada”, estado de beatitude suprema a que se chega por via do
humanismo.
Ponto final.