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Lewis Carrol viu o seu eu como num espelho mas não chegou, na
realidade, a crer neste eu, e quis então viajar no espelho afim de
destruir o espectro do eu além de si mesmo antes de o destruir no
seu próprio corpo pois era ao mesmo tempo em si mesmo que
expurgava o duplo deste eu.
Este poema onde uma frase musical tipo parece diluir-se golpe a
golpe em fumos é o poema de um insensato que um dia entrou no ser
e acabou por abandoná-lo, é o esforço de todos os insensatos em ser
e em se deter a uma realidade ela mesma fugidia e condenada e à
qual não se detém senão em função da sua própria perversidade.
As coisas, Lewis Carrol, não são de facto tudo o que são. E podemos
sonhar sobre este tema e executar variações que sempre a ideia do
eu perverso nos retorna como uma desafiadora regurgitação, quando
encontraremos nós, enfim, este não eu onde nos vimos tais que nós
mesmos, enfim, e puros, quer dizer, virgens, no fundo do espelho
eterno.
A. Artaud - Variations à propos d’un théme (d’aprés Lewis Carrol) ; 1943 – (trad.
livre)