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Resumo

A dissertação de Mestrado em Ciências da Educação que a seguir se apresenta,


intitulada A Participação Cívica e Política dos Jovens em Contexto Educativo na
Região Autónoma dos Açores, procura desenvolver e aprofundar alguns aspectos
mais relevantes da participação cívica e política dos jovens em contexto educativo no
arquipélago dos Açores. O nosso estudo começa (Cap. I) com uma revisão
bibliográfica sobre a evolução do conceito de cidadania desde a antiguidade clássica
até aos nossos dias, abordando criticamente algumas das concepções mais
pertinentes como a cidadania social e a cidadania pós-nacional. Em seguida (Cap. II)
dedicamos a nossa atenção aos Açores, à sua idiossincrasia geográfica, histórica,
social e cultural, descrevendo todo o processo de implantação e desenvolvimento do
regime autonómico até chegarmos ao problemático impasse cívico das mais elevadas
taxas de abstenção eleitoral que se verificam no território português. A parte que se
segue (Cap. III) refere-se à participação cívica e política entre os jovens que
frequentam o 9º e o 11º ano em escolas públicas da Região Autónoma dos Açores. A
nossa análise incidiu sobre um conjunto de questões, realizadas através de 263
inquéritos válidos, pelas quais procuramos aferir os conhecimentos cívicos e políticos;
os comportamentos cívicos; a disposição para a participação cívica futura; a cidadania
na escola; as atitudes políticas; e os alinhamentos ideológicos e partidários dos
alunos. Feita a análise dos dados obtidos apresentamos algumas conclusões e
recomendações para potenciar a cidadania na escola como meio dinamizador da
participação cívica e política na sociedade, ou seja, dando oportunidade de
participação aos alunos de hoje, cidadãos activos e participativos de amanhã.

1
Abstract

The Master thesis in Science Education that the following text, entitled The Civic and
Political Participation of Young People in Educational Context in the Azores, seeks to
develop and deepen some of the most important aspects of civic and political
participation of youth in an educational context in Azores. Our study begins (Chapter I)
with a literature review on the evolution of the concept of citizenship since classical
antiquity to the present day, addressing critically some of the most relevant concepts of
social citizenship and the post-national citizenship. Next (Chapter II) turn our attention
to the Azores, their idiosyncrasies geographical, historical, social and cultural,
describing the whole process of implementation and development of the autonomic
system until we reach the impasse civic problem of the highest rates of voter turnout
that occur in Portuguese territory. The remaining part (Chapter III) refers to the civic
and political participation among young people in the 9th and 11th grade in public
schools in the Azores. Our analysis focused on a range of issues, made with 263 valid
surveys, for which we seek to measure the civic and political knowledge, civic behavior
and the provision for future civic participation, citizenship at school, political attitudes,
and the ideological and partisan alignments of students. After analysis of the data
present some conclusions and recommendations to enhance the citizenship at school
as a means to foster civic and political participation in society, ie, giving opportunity for
participation to students today, active and involved citizens of tomorrow.

2
Résumé

La thése en Science de l’Éducation que le texte suivant, intitulé La participation civique


et politique des jeunes à l'éducation Contexte dans les Açores, cherche à développer
et approfondir certains des aspects les plus importants de la participation civique et
politique des jeunes dans un contexte éducatif dans Açores. Notre étude commence
(Chapitre I) avec une revue de littérature sur l'évolution de la notion de citoyenneté
depuis l'Antiquité jusqu'à nos jours, s'adressant de façon critique certains des concepts
les plus pertinents de la citoyenneté sociale et la citoyenneté post-nationale. Page
suivante (Chapitre II), tourner notre attention vers les Açores, de leurs particularités
géographiques, historiques, sociaux et culturels, en décrivant tout le processus de
mise en œuvre et le développement du système neuro-végétatif jusqu'à ce qu'on
atteigne l'impasse problème civique des plus hauts taux de participation qui se
produire dans le territoire portugais. La partie restante (Chapitre III) se réfère à la
participation civique et politique des jeunes en 9e année et 11 dans les écoles
publiques dans les Açores. Notre analyse a porté sur un éventail de questions, fait
avec 263 enquêtes en cours de validité, pour lequel nous cherchons à mesurer les
connaissances civiques et politiques, le comportement civique et la provision pour la
participation communautaire dans le futur, la citoyenneté à l'école, des attitudes
politiques, et le idéologiques et partisanes des alignements d'étudiants. Après analyse
des données présente des conclusions et des recommandations visant à renforcer la
citoyenneté à l'école comme un moyen de favoriser la participation civique et politique
dans la société, c'est à dire, en donnant la possibilité de participer aux étudiants
d'aujourd'hui, les citoyens actifs et engagés de demain.

3
Agradecimentos

À Professora Doutora Isabel Menezes que generosamente aceitou o meu


pedido de orientação de tese sobre uma temática onde não existem estudos
anteriores, sendo uma orientadora no sentido completo da palavra pela
atenção, simpatia e paciência que sempre me contemplou especialmente na
feitura e recolha de dados dos inquéritos.

À psicóloga Sara Quaresma cuja disponibilidade, atenção e dedicação foi


fundamental na recolha de informação na Escola Secundária das Laranjeiras,
abordando vários professores no sentido de proporcionar a realização dos
inquéritos sem nenhum interesse além do auxílio a um amigo recente.

Ao professor Rui Pedro Mendonça e ao responsável do Corpo Nacional de


Escutas João Flores, amigos de longa data, que provaram que uma amizade
antiga e agora à distância é sempre uma amizade verdadeira e a todo o
momento disponível na ajuda a um amigo de sempre e para sempre.

Ao professor Domingos Neto, Presidente do Conselho Executivo da Escola


Secundária Domingos Rebelo, pela preciosa atenção que me concedeu na
recolha de dados na “minha” antiga escola, sem o qual a realização desta tese
nunca teria sido possível.

Aos professores Margarida Gomes, Conceição Mendonça, Helena Quaresma,


Susana Ponte, Miguel Maurício e ao padre João Maria Brum pela simpatia e
prontidão com que me receberam nas suas aulas possibilitando-me a recolha
de informação junto dos alunos.

À minha mãe, Teresa Mateus, que nunca me deixou desistir desta empreitada,
incentivando-me a continuar e prestando-me o apoio necessário para que a
realização deste trabalho fosse possível.

4
Índice Geral

Resumo 1

Abstract 2

Résumé 3

Agradecimentos 4

Índice Geral 5

Índice de Quadros 7

Apresentação geral do trabalho 9

Capítulo I. A Cidadania 12

1. A evolução do conceito de cidadania 13

1.1. As concepções clássicas de cidadania 13

1.2. A concepção moderna de cidadania 17

2. O desafio ao conceito de cidadania 20

2.1. A cidadania social 20

2.2. A cidadania pós-nacional 26

Capítulo II. A Região Autónoma dos Açores 31

1. A implantação e desenvolvimento do regime autonómico 32

5
1.1. Antecedentes históricos 32

1.2. Implantação e desenvolvimento da autonomia açoriana 36

1.3. Governos e símbolos da Região Autónoma dos Açores 42

2. A abstenção eleitoral 45

Capítulo III. A participação cívica e política dos jovens nos Açores 49

1. Caracterização geral do estudo 50

2. Caracterização geral da amostra 51

3. Conhecimentos cívicos e políticos 56

4. Participação cívica 58

5. Disposição para a participação cívica futura 68

6. A cidadania na escola 72

7. Atitudes políticas (informação e debate político) 78

8. Sistema político regional e nacional 84

9. Alinhamentos ideológicos e partidários, reformas e religião 88

Considerações finais 95

Bibliografia 101

Anexos 104

6
Índice de Quadros

Quadro 1.1 Lista de Presidentes do Governo Regional dos Açores 42

Quadro 1.2 Números da abstenção nos Açores (1975-2009) 48

Quadro 2.1 Distribuição da amostra por ano de escolaridade 51

Quadro 2.2 Distribuição da amostra por idade 51

Quadro 2.3 Distribuição da amostra por sexos 52

Quadro 2.4 Distribuição do total da amostra por local de nascimento 53

Quadro 2.5 Distribuição da amostra por local de nascimento paterno 53

Quadro 2.6 Distribuição da amostra por local de nascimento materno 53

Quadro 2.7 Escolaridade paterna 54

Quadro 2.8 Escolaridade materna 54

Quadro 2.9 Presença de jornal em casa 55

Quadro 2.10 Quantidade de livros em casa 55

Quadro 3.1 Conhecimentos cívicos e políticos 57

Quadro 4.1 Confiança nas instituições 60

Quadro 4.2 Envolvimento cívico continuado 63

Quadro 4.3 Envolvimento cívico mais significativo 64

Quadro 4.4 Avaliação do envolvimento 65

Quadro 4.5 Participação em actividades 66

Quadro 4.6 Frequência de debates 67

Quadro 5.1 Disposição para a participação cívica futura 70

7
Quadro 6.1 Participação Cívica na Escola 73

Quadro 6.2 Participação Cívica na Escola 75

Quadro 6.3 Temas cívicos 76

Quadro 7.1 Confiança na Informação 79

Quadro 7.2 Exposição a notícias políticas 81

Quadro 7.3 Debate político 82

Quadro 8.1 Interesse político 85

Quadro 8.2 Funcionamento político e democrático 86

Quadro 9.1 Alinhamento ideológico 88

Quadro 9.2 Importância da ideologia 89

Quadro 9.3 Simpatia partidária 90

Quadro 9.4 Simpatia por partido 90

Quadro 9.5 Atitudes em relação a reformas políticas 91

Quadro 9.6 Atitudes em relação a reformas políticas 92

Quadro 9.7 Pertença a religião 93

Quadro 9.8 Culto religioso 93

Quadro 9.9 Religiosidade 93

8
Apresentação geral do trabalho

9
Apresentação geral do trabalho

O nosso estudo começa com uma abordagem ao conceito de cidadania,


percorremos a evolução do conceito desde a antiguidade clássica (grega e
romana) até chegarmos à concepção moderna de cidadania. Este trajecto
procura evidenciar alguns aspectos basilares como a importância participação
cívica na Grécia antiga. Contudo, o que realmente nos interessou foi
demonstrar o caminho que o conceito de cidadania percorreu, começando a
ser percebido em função de deveres para gradualmente começar a ser
entendido em função de direitos. Na concepção moderna de cidadania
abordamos a confusão que a época moderna se encarregou de estabelecer
entre os conceitos distintos de cidadania e nacionalidade que perdura até aos
nossos dias.

Em seguida procuramos desafiar o próprio conceito através da exposição de


duas das mais pertinentes concepções de cidadania: a cidadania social e a
cidadania pós-nacional. Na cidadania social prestamos um devido
reconhecimento à influente exposição da cidadania enquanto direitos (civis,
políticos e finalmente sociais) concebida pelo sociólogo inglês Thomas
Humphrey Marshall, sem que isso seja impeditivo para que lhe façamos
algumas críticas. Enquanto na cidadania pós-nacional, foi nosso objectivo
expor a necessidade de separar os conceitos de cidadania e nacionalidade no
sentido em que essa separação conduza a um maior respeito pelos direitos
humanos e sugerimos os Açores como o laboratório ideal para que a primeira
experiência pós-nacional de cidadania fosse concretizada.

Sendo o autor deste estudo um açoriano atormentado com os problemas da


sua terra, em seguida debruçamo-nos sobre os Açores, que constitui o pano de
fundo do nosso trabalho. Começamos por descrever como se processou a
conquista da autonomia política pelo arquipélago desde o primeiro Decreto
Autonómico de 1895 até à criação da Região Autónoma dos Açores depois do
25 de Abril, sem nunca darmos o processo autonómico como terminado.
Abordamos a construção simbólica do conceito de Região e da unidade entre
10
todas as ilhas paralela à construção política, até chegarmos ao grave problema
cívico que os Açores atravessam com as maiores taxas de abstenção eleitoral
de todo o território português.

Procuramos nos alunos (do 9º e do 11º ano) da Escola Secundárias das


Laranjeiras e da Escola Secundária Domingos Rebelo, ambas em Ponta
Delgada e ambas frequentadas pelo autor, respostas aos problemas de
participação cívica e política da Região através de 263 inquéritos válidos.
Nestes analisamos: os conhecimentos cívicos e políticos; a participação cívica
(nomeadamente as atitudes, comportamentos cívicos e oportunidades de
participação); a disposição para a participação cívica futura; a cidadania na
escola (as atitudes e oportunidades de participação); as atitudes políticas
(como a informação e o debate político); as atitudes face ao funcionamento do
sistema político regional e nacional; e os alinhamentos ideológicos e
partidários; atitudes em relação a reformas políticas e à religião.

Os resultados que obtivemos foram de um modo geral animadores quanto ao


futuro e estamos convencidos que com este trabalho, nomeadamente com a
análise realizada e com as sugestões apresentadas, fizemos um serviço aos
Açores e aos açorianos.

11
Capítulo II

A Cidadania

12
1. A evolução do conceito de cidadania

1.1 As concepções clássicas de cidadania

Embora a cidadania seja “tão velha como as comunidades humanas sedentárias”,


surgiu desde logo sob o estigma da dialéctica inclusão-exclusão definindo “os que são
e os que não são membros de uma sociedade comum” (Barbalet, 1989: 11). Note-se o
paradoxo: numa “sociedade comum” uns são “membros” outros não, isto é, participam
mas não fazem parte. Por isso, José Machado Pais (2005: 55) considera com
propriedade que “tradicionalmente o conceito de cidadania estabelece fronteiras e
margens entre sociedades e grupos. Uns são enquadrados (os “incluídos”), outros
desenquadrados (os excluídos, os marginais) ”.

As origens mais profundas das concepções de cidadania remontam à cidade-estado


grega, no século VI a. C., onde ser cidadão contemplava a dupla exigência do direito
e, principalmente, do dever de participação efectiva nos assuntos políticos da sua
comunidade, ou seja, da polis1 (Cidade, a comunidade política principal, ou Estado
como hoje lhe chamamos). Esta matriz, cujo principal teorizador foi Aristóteles (séc. V
a. C.) com o seu inesgotável tratado “Política”, constitui um modelo para a posteridade
junto com a matriz da Roma republicana (esta especialmente a partir do
Renascimento). Parte significativa das ideias essências destas matrizes, a que
chamamos “herança clássica”, prevalece até aos nossos dias. (Sobral, 2007: 137; C.
Amaral, 2007: 162; F. Amaral, 2007: 30).

Todavia, não poderíamos deixar de frisar que em ambas as sociedades eram


sociedades guerreiras e, por isso mesmo, militarizadas cujo modelo económico, social
e político se baseava na inclusão total ou parcial de alguns poucos, cerca de 10%
(Paixão, 2000: 4) que constituíam uma elite privilegiada, principalmente pelo
nascimento, e pela exclusão da grande maioria dos demais por intermédio do
escravatura ou da servidão – sistemas que espoliavam a esmagadora maioria da

1
Na Grécia antiga durante a época arcaica, clássica ou no helenismo nunca houve uma unidade política a
uma escala que hoje diríamos nacional, ou seja, de acordo com a concepção moderna de Estado-nação.
Neste período, por Grécia entendemos o aglomerado de cidades-estados (Atenas, Esparta, Corinto,
Tebas, etc.) que partilhavam uma cultura e identidade comum num determinado mas vasto território. A
única comunidade política que os gregos antigos conheceram foi a cidade-estado, a polis.
13
população de qualquer espécie de direitos, nomeadamente, civis, políticos e sociais.
Não obstante o facto de o Império Romano ter utilizado a cidadania enquanto função
integradora de assimilação dos homens livres das regiões conquistadas, o que era
realizado outorgando a qualidade de cidadão a um cada vez maior número de pessoas
(Paixão, idem), Conceição Nogueira e Isabel Silva classificam a concepção romana de
cidadania como: “um primeiro exemplo da utilização da cidadania como estratégia de
normatividade para garantir o controlo social” (2001: 18).

Tendo em conta este contexto, tanto a matriz de cidadania grega como a romana não
poderiam deixar de padecer de, embora distintas, exclusões. Assim, e de acordo com
Aristóteles, enquanto na polis grega ficavam excluídos da cidadania as crianças, os
velhos, os escravos, os condenados, os metecos e outros estrangeiros e as mulheres
(F. Amaral, 2007: 30; Paixão, 2000: 4), na Roma republicana havia ainda uma outra
forma de exclusão consubstanciada na distinção social entre patrícios e plebeus que
era o suficiente para inviabilizar qualquer direito político aos segundos, que embora
gozassem do estatuto de cidadãos romanos era-lhes vetada a possibilidade de
participação política exclusiva aos patrícios sobretudo por intermédio do senado
(Fieschi e Varouxakis, cit in Sobral, 2007: 138).

Desde o seu início, a cidadania tem estado intrinsecamente ligada à pertença a uma
entidade política territorial, isto é, a um Estado (ou polis, como lhe chamavam os
gregos). Existe portanto uma irrefutável interdependência histórica entre as
concepções de cidadania e de Estado. Na Grécia: “a cidadania e a polis eram uma e a
mesma coisa” (Nogueira e Silva, 2001: 16). E por cidadania entende-se a situação
política de qualidade ou privilégio perante o Estado de quem é cidadão. (F. Amaral,
2007: 29). Assim ser cidadão significa pertencer na qualidade de membro completo ao
Estado – algo que o distingue do escravo, que tem um dono e funciona como
instrumento deste, ou do súbdito, que depende de um soberano ou patriarca (Maltez,
2009: 1). E intrínsecos à cidadania estavam o dever de participação na vida do Estado
e a possibilidade de ser eleito para cargos públicos. Estes deveres “eram percebidos
pelos cidadãos como oportunidades para serem virtuosos e servirem a sua
comunidade.” (Nogueira e Silva, 2001: 17). Porém, como argumenta Maria Praia
(1999: 10) “esta concepção grega de cidadania fazia a distinção entre o cidadão e o
súbdito, considerando-os desiguais e dando primazia ao cidadão-homem”.

A categoria qualitativa de cidadão-homem era no entanto uma categoria de exigência


e de obrigações. Os “cidadãos eram aqueles que, diariamente, eram convocados a

14
participar do exercício concreto do poder político” (C. Amaral, 2007: 163) que podia
assumir uma variedade de facetas, desde a adopção de normas reguladoras ao
planeamento e coordenação política, militar, económica, social e cultural da vida
comunitária, além da execução da justiça. Os gregos entendiam o exercício do poder
político como a mais nobre e prestigiada actividade que alguém poderia efectuar e a
política como o mais importante dos saberes. Deste modo, a vivência política activa
em comunidade assumia um profundo significado para quem possuía o estatuto de
cidadão; além de conferir distinção social (só os cidadão podem exercer a política) era
por este meio que se podia participar na definição dos valores que formam a
comunidade, na sua direcção e no estabelecimento de um nível de qualidade de vida
para os cidadãos e para os não cidadãos, além de definir quem pode e quem não
pode usufruir do estatuto de cidadão.

Sendo assim, aqueles que embora cidadãos se distanciavam voluntariamente da


participação cívica condenavam-se a uma existência sem brilho nem glória, afastada
do estatuto elitista, mas de dever e responsabilidade, de “cidadão-homem”. Para este
afastamento da actividade política, isto é, para a ausência de uma efectiva
participação cívica comunitária, os gregos definiram um conceito para designar os que
se alheavam ou se deixavam alhear dos seus direitos e deveres cívicos: a idiotia.
Logo, por idiotas eram tidos todos os cidadãos que não contribuíam para o bem-estar
colectivo, ou seja, os que abdicando do seu direito/dever de cidadania não
participavam na condução e definição do desempenho público do Estado (idem: 165).

Contudo, desta ligação entre cidadania e exercício do poder político criava com
naturalidade uma situação de extrema desigualdade. As mais extravagantes exibições
de desmesurada riqueza ocorriam num ambiente de miséria absoluta. Os mais ricos
eram os que exerciam o poder, ou seja, os que rodeavam os soberanos, possuíam
cargos administrativos e faziam parte da oligarquia das grandes cidades. A pujança do
comércio mediterrânico associado à produção de leis que regulam esse mesmo
comércio por parte dos mesmos actores origina uma confusão entre a ideia de poder e
a ideia de riqueza – do que resultava o afastamento de quase toda a população do
poder. (Blázquez, 2006: 200).

Estas antigas e ultrapassadas, mas não de todo obsoletas sobretudo no que respeita
aos deveres cívicos, concepções de cidadania da Grécia antiga e da Roma
republicana cunharam para a posteridade uma inegável influência que perdura até aos
nossos dias, nomeadamente ao nível das constituições dos actuais países e serviram

15
de alicerce à concepção de cidadania do republicanismo cívico (Ferreira, Miranda e
Alexandre, 2002: 2). No nosso entender, alguma desta herança é negativa como o
carácter exclusor e limitado do conceito de cidadania, a ligação conceptual entre
cidadania e Estado, além do facto destas concepções de cidadania incidirem
essencialmente em termos deveres e não tanto de direitos (Kymlicka, 2003: 2;
Nogueira e Silva, 2001: 17). Contudo, também entendemos como justo sublinhar que
parte significativa dos deveres de participação cívica dos cidadãos encontra o seu
berço nas ideias e teorias da antiguidade clássica.

Além da revelação do perigo que pode decorrer da confusão entre poder político e
poder económico, podemos ainda retirar destas matrizes constatações importantes
como a de que o afastamento das populações em relação ao poder e à produção de
leis origina pobreza e desigualdade. Dito de outro modo, aqueles que estão excluídos
do exercício dos direitos e deveres de cidadania estão também excluídos económica e
socialmente. Este ponto em particular encontra-se perfeitamente actualizado se
tivermos presentes as actuais dificuldades para acesso à condição de cidadão que
enfrentam numerosos imigrantes residentes (muitos dos quais durante prolongado
período) em Portugal e nos Açores sem nenhum tipo de direitos cívicos e sociais e,
portanto, vitimas do que esta ausência significa.

O desprestígio da condição – idiotia – a que eram votados os cidadãos que, apesar de


usufruírem dos seus direitos de cidadania, deles se alhearem voluntariamente ou por
displicência é compreensível face à realidade de que “sem a participação dos
cidadãos na governação não há política, até porque a polis não passa de uma
colectividade de cidadãos” (Maltez, 2009: 1). E é também uma ideia igualmente a reter
tendo em conta os níveis de abstenção eleitoral elevados, a crise do associativismo e
da participação cívica e política e ainda o excesso de individualismo/egoísmo e da
quase ausência de participação pública e social que tão negativamente afectam as
sociedades contemporâneas.

16
1.2 A concepção moderna de cidadania

Depois das invasões bárbaras que determinaram a queda de Roma em 476 d. C.,
estas concepções de cidadania desapareceram do pensamento político europeu,
permanecendo ausentes durante todo o feudalismo2 medieval, período durante o qual
a anterior ligação cidadão-Estado fora substituída pela ligação de vassalo-senhor,
sendo esta baseada na fidelidade pessoal e individual do vassalo para com o seu
senhor ou suserano. Algo que significa uma ruptura completa com as concepções
clássicas de cidadania.

A partir do século XVI, o absolutismo monárquico3, um pouco por toda a parte, começa
a suceder ao feudalismo enquanto sistema político dominante, o que acarreta a
substituição da ligação vassalo-senhor pela ligação súbdito-soberano, mais de acordo
com a dominação absoluta do monarca. No entanto, com o renascimento e o
republicanismo que este desencanta, a cidadania volta timidamente a entrar no léxico
político resultado da sua consciencialização por parte dos indivíduos da sua condição
de cidadão – o que muito se deve à doutrina do Humanismo.

Todavia, teríamos de aguardar pelo surgimento da Revolução Inglesa (1688) e,


sobretudo, da Revolução Americana (1776) e da Revolução Francesa (1789), que
marcam o início da modernidade, para que o conceito moderno de cidadania fosse
desencadeado penetrando definitivamente no quotidiano da humanidade (Paixão,
2000: 5). De acordo com José Manuel Sobral (2007: 139), a partir da Revolução
Americana foi substituída a ideia de súbdito pela de cidadão, enquanto a Revolução

2
O sistema feudal de sociedade que teve o seu início após a queda do Império Romano (séc. V) vigorou,
embora de forma distinta consoante as regiões, até ao final do Antigo Regime, em 1789 (séc. XVIII). Este
sistema assentava num contrato de fidelidade entre um vassalo e um senhor com a denominação de
homenagem, no qual o vassalo fazia um juramento, sobre a Bíblia, de fidelidade pessoal total ao senhor
que, por sua vez, concedia ao vassalo um benefício ou feudo, que poderia assumir várias formas como
um domínio, cargo, emprego ou mesmo a simples permanência de residência em propriedade do
suserano. Tudo dependia da importância social do senhor e do vassalo. O acordo ficava selado com um
beijo – o beija-mão. Toda a sociedade se encontrava enredada nestes vínculos de fidelidade que uniam
de forma hierárquica todos os indivíduos sem excepção, desde o servo até chegar ao rei.
3
O absolutismo monárquico consagra uma tendência para a centralização do Estado que já se vinha a
verificar desde o final de idade média. Neste sistema, a autoridade do rei sobre toda a sociedade era total,
e todos os indivíduos, independentemente da sua condição social, eram antes de mais súbditos do rei.
Esta fidelidade sobreponha-se a todas as demais e o monarca só devia responder pelos seus actos
perante Deus.
17
Francesa transformou a cidadania num conceito-chave da mudança revolucionária,
definidor de igualitarismo antifeudal, de estatuto de cidadão com direitos individuais
consagrados pela Declaração do Direitos do Homem e do Cidadão (1789), além da
identificação da soberania popular com a universalidade dos cidadãos.

No entanto, e sem exagero, podemos considerar o Estado-nação como o principal


legado da concepção moderna de cidadania. “Parece inquestionável que a
centralidade institucional do Estado-nação foi a referência maior, no plano jurídico-
político da modernidade” (Pureza, 2007: 74). Realmente a modernidade consagrou a
afirmação da comunidade nacional, a centralidade do Estado e a soberania territorial
enquanto conceito-chave determinante para uma representação do mundo baseada
na segmentação territorial e jurisdicional. O que nos coloca perante o facto irrefutável
de que “o labor principal da modernidade consistiu na construção da comunidade
nacional como comunidade imaginada por excelência” (Ibid.).

A matriz da cidadania moderna radica, portanto, na condição de pertença a uma


determinada comunidade nacional. Alicerce sobre o qual se ergueu o Estado moderno,
resultado de duas condições fundamentais: a progressiva centralização
governamental, conseguida pelo absolutismo monárquico entre os séculos XVI e XVIII,
e a ascensão do nacionalismo enquanto ideologia agregadora de um grupo social
habitante num determinado território (Carvalhais, 2004: 46). Independentemente da
ideia que façamos da modernidade é incontestável que este período foi dominado
“pela persistência aglutinante do facto nacional como aglutinante, mesmo perante
clivagens como as de classe, também relevantes no mesmo período.” (Sobral, 2007:
142).

Assim, por Estado-nação podemos entender uma entidade política que, num
determinado território, representa um povo que constitui uma nação. “O tríptico
Estado-Povo-Território constitui o quadro de possibilidades de expressão da cidadania
moderna. A correspondência espacial e temporal entre os três vértices desse triângulo
foram assumidos como condição de normalidade do exercício da cidadania.” (Pureza,
2007: 75). Construção que, diga-se de passagem, obteve um êxito generalizado e
duradouro: “aquele tipo de Estado que se originou das revoluções francesa e
americana impôs-se mundialmente.” (Habermas, 2001: 80).

O moderno Estado-nação caracteriza-se desde logo pela construção simbólica de uma


identidade nacional partilhada em exclusivo pelos cidadãos de um determinado
território. “A identidade nacional assenta no sentimento de se pertencer a uma nação,
18
com os seus símbolos, lugares sagrados, cerimónias, heróis, história, cultura e
território” (Guibernau, cit. in Sobral 2007: 142). O que obriga a uma laboriosa
edificação realizada pelo poder do Estado.

Assim, nessa produção de uma identidade nacional pelo Estado implica ter em conta o
papel determinante das ideologias nacionalistas. Estes discursos começam por criar
uma separação entre “nós” (os nacionais) e “eles” (os não nacionais) para depois
associar aos primeiros a adopção de uma única língua, cultura e destino colectivo
comum e, preferencialmente, uma única religião partilhada pelos habitantes de um
território delimitado por fronteiras e administrado por um só Estado. Por outras
palavras, trata-se de dividir a humanidade em diferentes nações, cada qual com a sua
identidade particular (Sobral, 2007: 145).

A partir do exemplo português, podemos conferir que essa edificação simbólica da


nacionalidade necessita de recorrer a uma multiplicidade de pequenas construções
simbólicas como: mitos ancestrais (“nós”, os portugueses, descendentes dos lusitanos,
povo que habitou a península ibérica e que se opôs ao domínio dos “outros”, os
romanos); heróis nacionais (Afonso Henriques, o “nosso” fundador da nação, contra os
“outros”, os muçulmanos), feriados nacionais (o 1 de Dezembro, dia da restauração da
“nossa” independência face aos “outros”, os espanhóis); hino nacional (que na sua
versão original de 1890 estipulava: “Contra os bretões marchar, marchar!”, ou seja
contra os “outros”, os britânicos); além da presunçosa admissão de uma singular
especificidade de pensamento (a portugalidade) e de comportamento (o povo dos
“brandos costumes”) como algo natural e não questionado. Tudo em benefício da
criação do simbolismo cultural de um povo. “Somente a construção simbólica de um
povo faz do Estado moderno o Estado nacional” (Habermas, 2001: 82). Deste modo, a
história do Estado moderno revela-nos que no seu processo de construção e
consolidação de poder estabeleceu o critério da nacionalidade como condição
indispensável para o acesso à cidadania, do que resulta a “maquinação de uma
sinonímia artificial entre cidadania e nacionalidade” (Carvalhais, 2006: 109).

Contudo, é a partir da edificação do Estado moderno que os direitos civis e políticos


deixaram de ser um privilégio restrito a determinados grupos sociais ou pessoas para
se disseminarem pela generalidade da população no contexto da nação. E foi a
Revolução Francesa que, em 1789, sob a influência das ideias de Jean-Jacques
Rousseau instituiu uma nova concepção de cidadania enquanto estatuto universal e

19
igualitário consagrando a centralidade dos direitos dos cidadãos através da
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (Nogueira e Silva, 2001: 42).

No entanto, para uma apresentação mais detalhada da cidadania enquanto conquista


de direitos temos necessariamente que fazer referência à influente exposição de
Thomas Humphrey Marshall intitulada “Cidadania, Classe Social e Status” (1950), que
é o objecto de estudo do nosso trabalho que se segue.

2. O desafio ao conceito de cidadania

2.1 Cidadania Social

Como vimos, a cidadania começa, na Grécia antiga e na Roma republicana, por ser
vista em termos de deveres – os cidadãos eram legalmente obrigados a assumir
cargos públicos em detrimento da atenção concedida à sua vida privada. Só com o
advento da modernidade é que a cidadania começa a ser vista em função de direitos –
os cidadãos têm o direito de dar prioridade aos seus compromissos privados em
detrimento da sua participação política (Kymlicka, 2003: 2). Mas se houve coisa que a
nossa época (que vários autores designam como pós-moderna) trouxe de positivo em
termos de cidadania foi o facto de ter finalmente colocado a tónica nos direitos em vez
dos deveres.

Para isso, foi decisiva a influente exposição “Cidadania, Classe Social e Status” (1950)
concebida, no imediato pós-guerra, pelo sociólogo inglês Thomas Humphrey Marshall.
Neste ensaio, que embora nem sempre devidamente reconhecido se tornou referência
incontornável no panorama da sociologia ocidental moderna (Picó, 2002: 10), Marshall
divide os direitos de cidadania em três elementos distintos: direitos civis, direitos
políticos e direitos sociais, aos quais atribui um período temporal correspondente e
instituições sociais pelas quais esses direitos são exercidos.

Assim os direitos civis surgiram no século XVIII e compreendem as liberdades


individuais de pensamento, opinião e religião, o direito à propriedade e a entrar em
contratos válidos e o direito à justiça (que permite defender e afirmar todos os direitos
20
em situação de igualdade). “Isto nos mostra que as instituições mais intimamente
ligadas com os direitos civis são os tribunais de justiça.” (Marshall, 1967: 63).
Enquanto os direitos políticos surgiram no século XIX e compreendem o direito de
participar no exercício do poder político, como eleitor e como membro de um
organismo político. “As instituições correspondentes são o parlamento e o governo
local.” (ibid.). E por fim os direitos sociais que se estabeleceram no século XX e
asseguram uma gama de direitos que incluíam o direito a um certo nível de bem-estar
e a uma segurança garantida em termos de saúde, educação, desemprego e reforma,
além do direito de participar do património comum da sociedade e a levar uma vida
civilizada de acordo com os padrões que prevalecem nessa sociedade. “As instituições
mais intimamente ligadas são o sistema educacional e os serviços sociais”. (ibid.). De
acordo com Barbalet (1989: 19), “o ponto principal de tudo isto é que os diferentes
elementos de cidadania têm diferentes bases institucionais e, em alguns aspectos
significativos, histórias diferentes.”

O trabalho de T. H. Marshall teve como referência a situação britânica e foi


desenvolvido numa época de esperança universal – a II Grande Guerra terminara em
1944 e em 1948 a ONU decretou a Declaração Universal dos Direitos Humanos como
o ideal comum a atingir por toda a humanidade. Neste período de 1945 a 1951, o
Reino Unido começou a edificar o seu Estado-Providência depois do Partido
Trabalhista liderado por Clement Attlee e profundamente influenciado pelas teorias
económicas de John Maynard Keynes ter derrotado o Partido Conservador de Winston
Churchill. Numa época em que se processava uma recuperação depois da devastação
social provocada pela brutalidade do conflito militar, Marshall teve o extraordinário
mérito de ter sido o primeiro a colocar a cidadania social no léxico da cidadania.

No seu excepcional ensaio, Marshall apresenta a evolução histórica da cidadania


numa sequência temporal de conquista de direitos pelos cidadãos que se teria iniciado
no século XVIII (direitos civis, como o direito à liberdade de trabalho), passando pelo
século XIX (direitos políticos, com o alargamento do direito de voto) e culminado no
século XX (direitos sociais, com o passo fundamental do crescimento da educação
pública elementar). Embora tenha chamado a atenção que estes períodos a que
correspondem cada um dos elementos devem ser “tratados com uma elasticidade
razoável” (Marshall, 1967: 66), uma vez que estes desenvolvimentos separados têm
tendência para se sobreporem, em especial os direitos políticos e direitos sociais;
devem ainda ser entendidos como exclusivamente referentes à realidade britânica e

21
não à realidade mundial. É, por exemplo, patética qualquer tentativa de extrapolação
da tipologia de Marshall aplicada à realidade portuguesa.

Marshall entendeu que, embora o desenvolvimento da cidadania no Reino Unido


coincida com a ascensão do capitalismo, no século XX a cidadania e o capitalismo
entraram em guerra. As diferenças insanáveis derivadas do facto de ambos
representarem princípios diferentes – o capitalismo a desigualdade, a cidadania a
igualdade – vieram ao de cima (Sobral, 2007: 140). Deste modo, ao denunciar que a
cidadania se pode tornar numa fonte de desigualdade social legitimada (Araújo, 2007:
90), a sua proposta defende que o enriquecimento da cidadania através da cidadania
social poderia contribuir para a diminuição das desigualdades económicas.

“O objectivo dos direitos sociais constitui ainda a redução das diferenças de classe,
mas adquiriu um novo sentido. Não é mais a mera tentativa de eliminar o ónus
evidente que representa a pobreza nos níveis mais baixos da sociedade. Assumiu o
aspecto de acção modificando o padrão total da desigualdade social. Já não se
contenta mais em elevar o nível do piso do porão do edifício social, deixando a
superestrutura como se encontrava antes. Começou a remodelar o edifício inteiro e
poderia até acabar transformando um arranha-céu num bangaló.” (Marshall, 1967:
89).

Marshall, portanto, não defendia um igualitarismo absoluto e entendia as diferenças de


estatuto como legítimas, especialmente as associadas à educação e à ocupação
profissional, desde que não fossem excessivamente profundas nem a expressão de
um privilégio adquirido por via hereditária (Sobral, idem). Respeitando a inviolabilidade
da propriedade privada e dos mecanismos de mercado (Fraser e Gordon, 1995: 32)
compreendeu que as sociedades hierarquizadas podem trazer uma melhoria da
situação dos grupos sociais mais desfavorecidos ao mesmo tempo que mitigava as
tensões entre classes sociais desiguais (Araújo, 2007: 91), uma vez que acreditava
que esta relação antagónica entre cidadania e desigualdade poderia contribuir para
que se modificassem uma à outra (Barbalet, 1989: 24).

De todo o contributo de Marshall importa retermos sobre a Cidadania Social, porque é


este o contributo fundamental do autor para a posteridade. Ao contrário dos direitos
cívicos e dos direitos políticos que possuem uma base universal, os direitos sociais
estão organizados segundo as necessidades económicas e sociais concretas dos
cidadãos. Ou seja, funcionam como mecanismos institucionais compensatórios da
igualdade política dos cidadãos em relação às desigualdades económicas decorrentes
das relações de mercado (Mozzicafreddo, 1997: 181). Deste modo, os cidadãos
22
portadores de condições económicas e sociais precárias podem, através dos direitos
sociais que lhes são atribuídos e lhes possibilitam o acesso a serviços sociais públicos
(na educação, saúde e segurança social), adquirir as condições políticas necessárias
para uma desejada participação cívica e política na sua sociedade. Como refere
Mozzicafreddo (idem: 182), “o elemento social de cidadania não se refere à
capacidade de executar os direitos de cidadania, mas sim às possibilidades de
atribuição de recursos e capacidades necessárias ao exercício desses direitos”.

Todavia, a concretização desta igualdade entre todos os cidadãos por intermédio dos
direitos sociais encontra-se dificultada em virtude de os serviços públicos nas nossas
sociedades sofrerem de uma estigmatização por terem um carácter de assistência
gratuito ou semi-gratuito. E em sociedades capitalistas reguladas pela lógica do
mercado o que é pago é sinónimo de qualidade e o que é gratuito da falta dela.
Chavões como “o que é caro é bom” ou “se fosse bom não era dado” banalizaram-se
completamente entre nós, contando com a nossa conivência ou com a nossa
passividade perante os mesmos – algo que se repercute num comportamento
pernicioso da nossa parte perante serviços públicos essenciais à cidadania como as
escolas ou os hospitais públicos. “No domínio dos serviços sociais a palavra
«público», que o mesmo é dizer, «estatal» tem amiúde um sentido pejorativo” (Fraser
e Gordon, 1995: 28).

Neste aspecto, o que desde logo importa mudar é a mentalidade das populações em
relação ao serviços públicos e de quem deles legitimamente usufrui. Para o efeito, é
indispensável reabilitar a ideia de «serviço público» que tem vindo a sofrer uma
sistemática descredibilização. Muito desse desvalor provém do facto de serem os
cidadãos mais carenciados que fazem uso preferencial desses serviços. E a
necessidade de distinção social das classes sociais mais favorecidas passa pelo
distanciamento e desprezo perante o «público», isto é, perante o que é de todos em
benefício do que é apenas para alguns. Daqui resulta uma hostilidade perante o
Estado-Providência que, sublinhamos, deriva do seu carácter assistencialista,
tendencialmente gratuito e do seu acesso universal.

O Estado-Providência é a instituição política e social basilar para promover a


igualdade e o respeito pela dignidade humana entre todos os cidadãos, era esse o
ideal de cidadania de Marshall, ou seja o Estado-Providência social-democrata que ao
garantir direitos civis, políticos e sociais a todos assegura que todos os membros da
sociedade possam participar plenamente na vida comum da sociedade (Kymlicka,

23
2003: 2). Por isso, a sua existência deve ser entendida como um direito inalienável de
todos os cidadãos e um compromisso com os princípios da liberdade, igualdade e
fraternidade (Picó, 2002: 19). E não como uma qualquer espécie de serviços de
“segunda categoria” para cidadãos também de “segunda categoria” financiados a
contra-gosto pelos cidadãos de “primeira categoria”, como entendem os
conservadores.

A cidadania social, consubstanciada pelo Estado-Providência, surge-nos na figura de


direitos sociais essenciais, como o direito a uma provisão social que garanta um
padrão de vida decente a todos os cidadãos, onde se incluem o direito à educação, à
saúde e à segurança social em caso de desemprego e pobreza. Todavia, a
generosidade destes argumentos não é suficiente para mobilizar todos os cidadãos
para a sua edificação, nem sequer para a manutenção dos direitos sociais já
adquiridos. Trata-se de uma batalha onde todos os contributos são necessários para
que a cidadania social se torne uma conquista civilizacional. Esta batalha da cidadania
social, ou antes, a batalha pelos direitos sociais não só não está ganha como ainda
pode ser perdida. A conquista dos direitos sociais é apenas uma aspiração e não o fim
da história do conceito de cidadania conforme considerou Marshall (Nogueira e Silva,
2001: 30). A recente tentativa de reformar o sistema de saúde norte-americano, pelo
Presidente Barack Obama, de modo a possibilitar o acesso a cuidados de saúde
públicos a 47 milhões de norte-americanos que não dispõem de cobertura médica
privada e a poderosa resistência conservadora que esta medida tem enfrentado é
disto um cabal exemplo.

Os argumentos dos conservadores assentam na lógica do contrato civil, como de


forma brilhante expuseram Nancy Fraser e Linda Gordon (1995: 33). Nesta forma
contratual “os beneficiários de assistência recebem algo a troco de nada, enquanto
que os outros têm de trabalhar, violando assim os princípios da troca igualitária.” O
que nos remete para a preponderância duma lógica comercial mesmo em questões de
dignidade humana. Algo moralmente inaceitável que reclama por uma mudança de
mentalidade no sentido de que “quem goza de «cidadania social» é de «direitos
sociais» que deve beneficiar e não de «esmolas».” (idem: 28).

Porém, os conservadores argumentam com a virtude da auto-suficiência, segundo a


qual para que a cidadania activa seja promovida é necessário reduzir as regalias do
Estado-Providência dando mais responsabilidade aos cidadãos sobre o destino das
suas vidas, considerando este aspecto fulcral para a auto-estima individual e para a

24
aceitação social (Kymlicka, 2003: 3). Alegando que as provisões típicas do Estado-
Providência não são dignificantes nem libertadoras para as pessoas sendo, pelo
contrário, “causadoras da sua continua pobreza e de uma dependência doentia que as
incentiva ao ócio, à alienação de si mesmas e à maior degradação da sua condição
humana” (Carvalhais, 2004: 90). Um argumento muito perigoso a nível social,
potencial fonte de ódio e estigmatização social, uma vez que coloca a pobreza e a
exclusão social como uma opção individual e não como uma fatalidade, além de
persuasor da superação da miséria como uma obrigatoriedade (ibid.). Como vemos, a
cidadania social ainda está longe de ser concretizada e já estamos no século XXI.

Embora o brilhantismo da proposta de T. H. Marshall seja por demais evidente, isto


não significa que a devemos aceitar acriticamente. Desde logo por não compreender
outros direitos fundamentais como os direitos culturais, económicos e ecológicos, além
de nos remeter para uma perspectiva evolucionista que a realidade se encarregou de
negar a validade, sobretudo no que toca à consolidação da cidadania social (Lima,
2005: 74). Além da pouca consistência e coerência dos seus três elementos de
cidadania com a sua evolução temporal, boa parte da sua análise conceptual também
não resistiu à passagem do tempo, isto é, à mudança das circunstâncias políticas e
sociais dos últimos 50 anos (Picó, 2002: 20).

Outra crítica ao legado de Marshall relaciona-se com o facto de conviver com a


exclusão das mulheres da cidadania, condenadas a uma cidadania parcial, centrando
a sua atenção, quase em exclusivo, na integração social dos operários brancos
(Araújo, 2007: 91) e nacionais, relegando ao esquecimento os cidadãos de outras
raças e nacionalidades. É, aliás, lamentável que tenha faltado a Marshall o arrojo de
uma concepção de cidadania liberta da lógica moderna da nacionalidade, chegando
inclusive a reiterar que “a cidadania (…) é, por definição, nacional” (1967: 65).

Contudo, é nosso dever sublinhar que os aspectos positivos da proposta de Marshall


superam em larga medida os negativos. A concepção de cidadania social foi um
contributo teórico fundamental para a justiça social nas sociedades capitalistas. O que
por si só eleva T. H. Marshall ao estatuto de um dos maiores teorizadores sociais não
apenas do século XX, mas de sempre. A atenção académica que a sua obra tem
merecido um pouco por todo o mundo é um justo tributo que lhe prestamos, ao qual
nós, neste nosso trabalho, honradamente nos associamos.

25
2.2 Cidadania Pós-Nacional

A atenção concedida neste trabalho à pertinente concepção pós-nacional de


cidadania, defendida quase isoladamente por Isabel Estrada Carvalhais (2004; 2006),
deve-se ao facto de pretendermos unir a nossa voz à da autora na reabilitação da
cidadania política enquanto dimensão fundamental da cidadania. Tarefa que não tem
contado com muitos apoiantes, uma vez que a dimensão social de cidadania ocupa,
neste momento, a atenção da maioria dos investigadores em detrimento da cidadania
política.

Não entendemos esta disputa pela atenção académica como se de uma guerra entre
cidadania política e a cidadania social se tratasse. Nem é nosso objectivo escolher um
dos lados da barricada para tentar descredibilizar ou desacreditar o outro.
Simplesmente entendemos que a cidadania só pode ser completa se compreender
simultaneamente as dimensões política e social (além da cívica) e não consideramos a
cidadania política como uma dimensão já adquirida da cidadania, porque não o é. E
não são poucos4 os que embora vivendo entre nós não partilham connosco os
mesmos direitos políticos. Refiro-me obviamente aos imigrantes não-nacionais ou
nacionais de outros países para quem a aquisição de direitos políticos semelhantes
aos cidadãos nacionais é a primeira das prioridades, como iremos demonstrar.

A origem deste mal radica num problema de natureza conceptual, isto é, na confusão
entre os conceitos de cidadania e de nacionalidade (Sobral, 2007: 139) que se verifica
desde a época moderna e que continua a se reflectir no plano do direito, embora
conceptualmente sejam conceitos distintos. A título de exemplo, o próprio autor deste
trabalho somente é portador de um Cartão do Cidadão que lhe confere a
nacionalidade/cidadania portuguesa em virtude de reunir um dos dois critérios
fundamentais para a atribuição da nacionalidade: o jus sanguinis (descendente de
nacionais). Isto porque quem nasceu em Joanesburgo (África do Sul) não pode

4
Só nos Açores, estima-se que residam cerca de 5500 imigrantes portadores de 44 nacionalidades
diferentes. A comunidade cabo-verdiana, que conta com a presença mais antiga no arquipélago, é a mais
numerosa com cerca de 961 residentes, seguida da comunidade brasileira que tem registado um
significativo acréscimo nas últimas duas décadas. Também a imigração vinda do Leste da Europa tem
vindo a acentuar-se. De acordo com a Associação dos Imigrantes nos Açores (AIPA) a vinda de cada vez
mais pessoas para o arquipélago deve-se em primeiro lugar a motivações laborais e, em menor número,
de formação académica ou profissional.
26
invocar o critério do jus soli (natural de território nacional) para acesso à
nacionalidade/cidadania portuguesa. Aliás, a Lei de Nacionalidade5 é bem clara sobre
este ponto quando determina na sua alínea a) do artigo nº 1 que: “são portugueses de
origem os filhos de mãe portuguesa ou pai português nascidos no território português”.

Embora seja de certo modo evidente a ligação entre cidadania e democracia – não
obstante o facto das teorias democráticas se centrarem sobretudo nas instituições e
processos políticos ao passo que as teorias da cidadania se centram nos atributos
individuais dos cidadãos (Kymlicka, 2008: 1) – podemos aferir que os critérios do jus
soli e do jus sanguinis de acesso à cidadania nada têm de democrático, uma vez que
ninguém escolhe a sua ascendência nem o seu local de nascimento.

Este aspecto não democrático da atribuição da cidadania ocorre do facto da atribuição


do estatuto legal de direitos e deveres cívicos desde o surgimento do Estado moderno
estar dependente de dois princípios incontornáveis para o indivíduo: a vontade do
Estado enquanto gestor absoluto da sua atribuição; e a contingência do sujeito ser
nacional de um determinado Estado-nação. Disto resulta que o Estado, enquanto
gestor dos mecanismos de inclusão e exclusão, transforme o acesso à cidadania num
privilégio praticamente exclusivo dos que são nacionais do território que administra
(Carvalhais, 2006: 112).

Este paradigma de cidadania foi erigido sob uma lógica de aversão ao “outro”, isto é,
em consequência de uma rejeição face à diferença e ao diferente, face ao estrangeiro.
Um modelo exclusor por natureza e, portanto, antidemocrático e totalmente obsoleto
tendo em conta a diversidade populacional e o consequente grau de exposição ao
“outro” existente nas sociedades contemporâneas. E a resposta aos desafios da
globalização não pode nem deve passar por aquilo a que Habermas (2001: 103)
designa por “Politik des Einigelns” (Política de Porco-Espinho), ou seja uma espécie de

5
A quarta alteração da Lei da Nacionalidade (Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de Abril) foi elaborada e
aprovada no decurso de um conflito diplomático entre Portugal e o Canadá a propósito da ordem de
deportação de mais de 70 famílias portuguesas (na sua maioria açorianas) daquele país. A iniciativa
legislativa foi tomada com o objectivo de agilizar os processos de aquisição da cidadania portuguesa por
parte de cidadãos não-nacionais após o ministro dos Negócios Estrangeiros, Diogo Freitas do Amaral,
que reclamava contra a “falta de humanidade” da legislação canadiana sobre imigração, ter sido
confrontado com os critérios “bastante mais razoáveis” desta pelos ministros Peter MacKay (Negócios
Estrangeiros) e Monte Solberg (Cidadania e Imigração) quando comparados com os critérios da
legislação portuguesa que estavam em vigor até ao final do primeiro trimestre de 2006.
27
proteccionismo neonacional que procura salvaguardar as identidades nacionais à
custa do fechamento aos cidadãos não-nacionais.

Deste enquadramento e não sendo nosso objectivo sugerir a radical solução de


abolição do Estado enquanto mecanismo regulador da sociedade, uma vez que o
Estado “preenche importantes pressupostos para o sucesso do autocontrole
democrático da sociedade que se constitui nas suas fronteiras” (Habermas, 2001: 80),
apenas pretendemos dissociar as, distintas mas profundamente interligadas,
concepções de nacionalidade e de cidadania, ou seja, desnacionalizar a cidadania.

Esta proposta de desnacionalizar a cidadania surge como resposta às manifestas


limitações da capacidade inclusora da lógica nacional de acesso à cidadania, feita a
expensas da integridade de outras identidades nacionais, algo inaceitável do ponto de
vista democrático e condenável do ponto de vista moral. É compreensível que cada
sociedade deseje preservar a sua identidade nacional, mas já não é tão compreensível
que essa mesma sociedade imponha essa sua identidade nacional aos seus
habitantes não-nacionais como condição sine qua nom de acesso aos direitos e
deveres de cidadania. Como acertadamente sugere Isabel Carvalhais (2006: 113)
existe nas sociedades democráticas do século XX uma “necessidade de proceder a
uma desnacionalização da sua cidadania, de forma a torná-la num conceito
dependente já não da nacionalidade mas da inalienável condição humana do
indivíduo”.

Deste modo, com a concepção pós-nacional de cidadania pretende-se reequacionar o


modo como as sociedades contemporâneas incluem os seus habitantes
independentemente da sua nacionalidade, isto é, possibilitando-lhes a integração
plena com direitos cívicos, políticos e sociais sem exigir em troca adopção da
nacionalidade – que geralmente ocorre pela naturalização ou pela dupla nacionalidade
(Carvalhais, 2006: 114). Contudo, isto envolve uma mudança de fundo na relação
estado-indivíduo além de uma alteração da acção do Estado no sentido em que esta
se desloque da ideia de pertença nacional para a ideia de direitos humanos, o que
implica a mudança estrutural de deixar cair o conceito de Estado-nação
permanecendo somente o conceito de Estado. Assim, “o estado legítimo, o estado de
direito, é agora o estado que respeita e promove os direitos humanos” (idem: 113).

A história da cidadania é inegavelmente “uma história de inclusão e de exclusões”


(Sobral, 2007: 138). O que colocamos em causa é o princípio de imposição de uma
exclusão, ou seja, a validade de uma exclusão. Algo que passa por essa exclusão ser
28
“consentida e não imposta, negociada e não ditada, flexível e não absoluta”
(Carvalhais, 2004: 201) porque, desde sempre, a dimensão não democrática da
cidadania reside precisamente no facto de as exclusões serem impostas e não
discutidas, indesejadas em vez de desejadas. Isto decorre do facto dos critérios de
admissão (como o jus sanguinis e o jus soli) à cidadania serem historicamente
definidos em função da nacionalidade.

Todavia, nada justifica que a cidadania continue a ser definida em função da


nacionalidade. A cidadania deve, pelo contrário, ser definida em função da
racionalidade e da democraticidade. O que passa pela substituição conceptual de um
modelo de cidadania nacional por um modelo de cidadania pós-nacional. Sendo este
“um modelo que define o direito de admissão de um indivíduo não em função da sua
nacionalidade ou de qualquer outra lealdade grupal, mas em função da sua vontade
em participar na esfera das decisões públicas da sua sociedade” (Carvalhais, 2004:
202). É esta a solução para que a exclusão deixe de ser algo imposto e passe a ser
algo objecto de discussão, em benefício da democracia e da inclusão social.

No nosso entender, a concepção pós-nacional de cidadania não pretende inverter ou


contrariar a ordem sequencial de conquistas de direitos proposta por T. H. Marshall
(1950). Todavia, consideramos que Marshall definiu toda a sua linha clássica
prisioneiro da lógica nacional de cidadania (Sobral, 2007: 140) sem ter em
consideração que esta não se aplica aos cidadãos não-nacionais. Os quais possuem
somente alguns direitos cívicos faltando-lhes conquistar os direitos políticos para só
então verem consagrados os seus direitos sociais, porque sem direitos políticos não
existem direitos sociais. Nesse sentido, “o resgate da cidadania política surge como
fundamental na dignificação das restantes dimensões da sua cidadania” (Carvalhais,
2006: 116). E os imigrantes não estão alheados desta irrefutável circunstância.

“São necessárias políticas e aqui, na Região, poderíamos assumir um papel pioneiro


e têm, de facto, sido dados passos importantes nesta matéria. Mas há um patamar a
ser atingido e há que continuar a trabalhar para que estes “novos açorianos” possam
fazer, verdadeiramente, parte da sociedade açoriana num sentido mais amplo. Seja
no acesso ao mercado de trabalho, a questão da educação, da saúde, sendo que a
questão política é, na minha opinião, um ponto essencial. Aqui, em especial, a Região
poderia dar um passo ousado e servir de referência ao País, permitindo que as
pessoas pudessem participar e dar o seu contributo na política. No fundo, são

29
questões que acabariam por fazer com que a integração pudesse, efectivamente, ser
uma realidade.” (Paulo Mendes, Expresso das Nove, 30-4-2009)

Como se pode verificar nestas declarações de Paulo Mendes6, os imigrantes,


nomeadamente nos Açores, percebem perfeitamente a importância da conquista dos
direitos políticos. E não foi por acaso que a Associação de Imigrantes dos Açores
(AIPA) lançou, em Agosto de 2007, a campanha “Quem não vota não conta” para
sensibilizar os cidadãos estrangeiros sobre a importância do recenseamento eleitoral.

A adopção de um modelo pós-nacional de cidadania permitiria que todos os indivíduos


que manifestam interesse em participar na comunidade política da sociedade da qual
fazem parte pudessem fazê-lo de forma livre e voluntária. Algo que entendemos como
justo, uma vez que se quem vive numa determinada sociedade está inevitavelmente
sujeito às decisões políticas dos seus decisores políticos porque motivo não pode
participar nessas mesmas decisões?

A cidadania pós-nacional é o meio pelo qual uma sociedade podia potenciar a


participação política de todos os seus cidadãos na construção do bem-estar comum e
– de acordo com a sugestão de Paulo Mendes – os Açores poderiam funcionar como o
laboratório ideal para que uma efectiva experiência pós-nacional de cidadania se
realizasse em Portugal.

6
Paulo Mendes, natural de Cabo Verde, é formado em Sociologia pela Universidade dos Açores e
desenvolve a sua actividade profissional na área da economia solidária e das migrações sendo fundador
e presidente da Associação de Imigrantes dos Açores (AIPA) e coordenador da Plataforma das Estruturas
Representativas das Comunidades Imigrantes em Portugal. Autor do estudo "Ponte Insular: a
Comunidade Cabo-Verdiana nos Açores" (2007) recebeu, em 2008, o prémio “Empreendedor Imigrante”
atribuído pela Fundação Calouste Gulbenkian como reconhecimento do trabalho que tem vindo a
desenvolver em prol dos imigrantes a residir no arquipélago e também no resto do país.
30
Capítulo II

A Região Autónoma dos Açores

31
1. A implantação e desenvolvimento do regime autonómico

1.1. Antecedentes históricos

A história da autonomia açoriana começa a escrever-se durante o final da


monarquia constitucional portuguesa, mais concretamente nas últimas décadas
do século XIX, numa altura em que o sonho romântico e liberal de uma Europa
das nacionalidades começa a soçobrar perante a definitiva afirmação dos
Estados-nacionais que, por regra, impõem os padrões sócio-culturais dos
grupos sociais dominantes aos restantes sem respeitarem as especificidades
etnoculturais das populações que submetem sem apelo à sua vontade política
(João, 1991: 13).

A tendência centralizadora no plano político-administrativo, típica do Estado


moderno, coadjuvada com o estrito controlo financeiro sobre todos os recursos
públicos, conduziu a uma paralisia do investimento público no arquipélago num
contexto de crise financeira que se sentiu de forma agravada em todo o
território nacional nos primeiros anos da década de noventa. Os Açores
sentiram com particular intensidade essa crise devido ao atraso estrutural, ao
nível de técnicas agrícolas e industriais, da sua economia e à dependência
desta em relação à economia nacional.

Neste cenário, de profunda carestia de subsistência que levaram a uma


acentuado aumento da emigração, um conjunto de medidas tomadas pelo
governo central de José Dias Ferreira e entendidas como contrárias aos
interesses açorianos, entre as quais a uniformização da moeda (com a abolição
da moeda insulana) como forma de compensação pela construção do cabo
submarino que asseguraria as comunicações telegráficas com o continente,
despoletou nos Açores a afirmação de uma “consciência insular” (idem: 247)
que se caracterizou por um agudizar de tensões numa crescente e contundente
animosidade para com o “metrópole”, numa altura em que o regime

32
monárquico constitucional agonizava com o desencanto patriótico decorrente
do episódio do “ultimato inglês” (1890).

É neste contexto, com os jornais açorianos a falarem abertamente em


independência ou em ligações de soberania com Inglaterra ou com os Estados
Unidos da América, que surge o primeiro movimento em prol da autonomia
política capitalizando o profundo descontentamento da população açoriana. Os
seus principais dinamizadores foram Mont’ Alverne Sequeira e Aristides
Moreira da Motta e o seu palco foi o distrito de Ponta Delgada, “o centro e a
alma do movimento autonomista da década de noventa” (idem: 263).

Embora não existisse uma unidade política ao nível do arquipélago, estando os


Açores divididos, desde 1836, em três distritos (Angra do Heroísmo, Horta e
Ponta Delgada), evidencia-se uma efectiva consciencialização de uma
identidade própria comum a todos os açorianos. A consciência de uma
identidade pressupõe uma distinção em relação aos demais e a atribuição de
um significado que lhe confira um valor concreto, cuja afirmação leva
inevitavelmente a procurar uma expressão política que se estabelece num
território e se afirma pela autonomia (Reis Leite, 2008: 147).

Estavam portanto reunidas as condições políticas e culturais para que em 1893


surgisse o primeiro movimento autonomista organizado subordinado ao lema
“livre administração dos Açores pelos açorianos” que se consubstanciou na
criação de uma lista política de candidatos autonomistas à Câmara dos
Deputados pelo distrito de Ponta Delgada. Lista que após vencer o sufrágio
logrou, após longas e difíceis negociações, obter junto do chefe do governo
nacional, o açoriano Ernesto Hintze Ribeiro, o Decreto de 2 de Março de 1895,
ou Decreto Autonómico como ficou conhecido na gíria política, que estabeleceu
um sistema de autonomia administrativa para o distrito de Ponta Delgada e
para os distritos açorianos que o desejassem (Monjardino, 1999: 150). Estava
dado o passo político fundador da autonomia dos Açores.

No entanto, teríamos de esperar pelo início do século XX para que tivesse


lugar o primeiro diploma com sanção parlamentar sobre o regime autonómico
açoriano: a Carta de Lei de 12 de Outubro de 1901. Até ao final da Monarquia
33
Constitucional, em 1910, foi o tempo da criação e organização de novas
estruturas distritais, as juntas gerais, sem que nenhum progresso autonómico
significativo se registasse nos quinze anos de experiência de descentralização
do regime monárquico. As juntas gerais eram uma espécie de “autarquias em
ponto grande” (Reis Leite: 2008, 166) sem capacidade política e administrativa
para resolver os problemas económicos e sociais do arquipélago.

A I República manteve praticamente inalterável o regime de descentralização já


consagrado durante a Monarquia Constitucional através da Lei nº 88 de 7 de
Agosto de 1913. Neste período conturbado da política portuguesa, o projecto
autonómico não conheceu avanços nem recuos, não obstante as várias
incitativas de descentralização administrativa, algumas de índole federalista,
concebidas pelos novos actores políticos republicanos no arquipélago (idem:
171).

O golpe militar de 28 de Maio de 1926 que instaurou a Ditadura Militar no país


foi bem aproveitado por promotores da autonomia açoriana como Feliciano
António da Silva Leal, Luís Bettencourt de Medeiros e Câmara e José Bruno
Tavares Carreiro que, num contexto de relativa desorientação política e
financeira, conseguiram junto do governo de Vicente de Freitas um novo
decreto autonómico, o Decreto n.º 15.035 de 16 de Fevereiro de 1928, em
substituição do celebrado em 1895. O novo decreto permitiu uma reforma na
organização das juntas gerais que lhes trouxe algum desafogo financeiro,
atribuindo-lhes novas receitas e dispensando-as de algumas despesas
(Monjardino, 1999: 151, Reis Leite, 2008: 177). Contudo, este avanço na
administração distrital autónoma durou pouco. Ainda nesse ano, António de
Oliveira Salazar ascende a ministro das Finanças e incute de imediato uma
rígida política de controlo financeiro, elaborando um novo decreto, o Decreto
15.085 de 31 de Julho, em substituição do anterior que novamente cerceou
financeiramente os distritos açorianos.

A afirmação do Estado Novo trouxe aos Açores, através da Constituição de


1933, o reconhecimento dantes inexistente da sua especificidade pois previa
uma lei especial para a administração das então chamadas ilhas adjacentes

34
que atendia às circunstâncias da insularidade, o que foi confirmado pelo
Código Administrativo de 1936 (Reis Leite, 2008: 179). No entanto, o novo
regime inaugura um negro período nas pretensões autonómicas açorianas.

O Estado Novo não admitia qualquer veleidade de autonomia política. A dureza


do regime dissuadiu os próprios autonomistas açorianos de tomarem qualquer
iniciativa nesse sentido, ao que se acrescenta a ascensão de uma nova classe
de políticos no arquipélago, “todos antiparlamentaristas, antidemocráticos,
fascizantes” (ibid.) alinhados com o regime e fervorosamente nacionalistas que
chegaram mesmo a rejeitar, numa altura em que se discutia a divisão do
território em províncias, a criação da província dos Açores.

Mas, a decisiva machadada que o Estado Novo empreendeu contra a


autonomia política açoriana foi com a elaboração, por Marcelo Caetano, do
Estatuto dos Distritos Autónomos das Ilhas Adjacentes de 31 de Dezembro de
1940 que perdurou, com algumas alterações de pormenor, até ao 25 de Abril
de 1974. O Estatuto pode ser descrito como um conjunto encadeado de
normas reflectindo a natureza autoritária e centralista do regime impondo uma
autonomia limitada assente numa filosofia corporativista do Estado, prevendo
uma divisão administrativa em três distritos (Angra do Heroísmo, Horta e Ponta
Delgada) totalmente independentes entre si contrariando desta maneira uma
possível unidade regional (Monjardino, 1999: 151). Deste modo, os Açores
“passavam de novo a integrar-se na orgânica política e social do território
continental” (Reis Leite, 2008: 182), enquanto aguardavam pela mudança que
só poderia chegar pela revolução.

35
1.2. Implantação e desenvolvimento da autonomia açoriana

A revolução chegou a 25 de Abril de 1974 aniquilando o sistema político do


Estado Novo e inaugurando um novo capítulo na História de Portugal. As
colónias tornaram-se países independentes, a ditadura cede lugar à
democracia, o municipalismo emerge como nova forma de organização
democrática do território português e nos Açores a na Madeira consagra-se a
autonomia política regional pela Constituição de 1976.

Como vimos, até à revolução de Abril os Açores permaneceram divididos em


três distritos (Angra, Horta e Ponta Delgada), com três governadores civis
nomeados pelo poder central, totalmente independentes entre si e que apenas
respondiam perante a Lisboa. Divisão que não era ocasional nem inocente. De
Acordo com António Barreto (1994: 275) tratou-se de uma “perversão
paracolonial” que o Estado central alimentou para impedir que se criasse
qualquer sentimento de unidade regional entre todas as ilhas. Como se já não
bastasse a geografia…

Todavia, o facto da Igreja Católica no arquipélago estar organizada numa só


diocese liderada por um só bispo serviu de exemplo de que uma unidade
regional entre todas as ilhas não era uma quimera mas sim algo perfeitamente
exequível. “A Igreja, sobretudo depois da criação da diocese em 1534, foi
responsável pelo avanço da uniformização, contribuindo, mais do que qualquer
outra instituição, para formar os Açores como território e unidade” (Reis Leite:
2008, 149).

Mas o que simbolicamente tornou possível a concretização da autonomia


política açoriana foi a conjugação do conceito de autonomia com o conceito de
região (Ferreira, 2008: 325). Apesar de diversas acepções, por autonomia
podemos entender a capacidade de se governar a si próprio, determinando a
sua vontade segundo as suas leis e costumes. Autonomia significa liberdade e
dignidade da pessoa ou da comunidade, cooperando em vez de obedecendo,
além de independência identitária (Barreto: 1994, 270). Enquanto região é um
conceito histórico-geográfico, cultural, económico e político organizacional.
36
Mas, “acima de tudo, a região é também um edifício humano e uma construção
identificacional” (C. Amaral, 1990: 75).

A passagem dos três distritos entre si desligados a uma unidade político-


administrativa, com um governo e um parlamento regional, foi no entanto um
processo político conturbado. Os acontecimentos revolucionários no continente
e a independência das antigas colónias, em especial, pela analogia insular, as
independências dos arquipélagos de Cabo Verde e São Tomé e Príncipe,
tiveram consequências nos Açores.

O clima de liberdade instaurado com o derrube da ditadura gerou uma onda de


euforia sem precedentes em todo o país. Nos Açores, depois de quase meio
século de alienação, a liberdade recentemente conquistada dava a sensação
de que todos os caminhos para o arquipélago podiam ser possíveis no futuro.

“E todos e tudo se lançaram a propor projectos, a situar-se perante os


acontecimentos e as escolhas. Uns queriam a manutenção da portugalidade
nacionalista, outros pretendiam apoiar-se no novo poder de Lisboa, para melhor
introduzirem reformas políticas, sociais e económicas no arquipélago, mais alguns
procuraram reatar o fio condutor das lutas autonómicas, e também surgiram os que
preconizavam a independência. Todos procuravam uma nova identidade.” (Ferreira,
2008: 335)

O desenrolar do processo revolucionário em Portugal, sobretudo durante o


período do “Verão Quente” de 1975, acirrou a animosidade entre os diferentes
projectos. Os conservadores, adversários do novo regime, provocam
desestabilização nas ilhas e apoiam-se em movimentos separatistas como a
Frente de Libertação dos Açores (FLA), que surge em Março do mesmo ano,
um movimento que preconizava a independência do arquipélago e ganha
protagonismo por intermédio da exploração da profunda religiosidade da
população num espírito de cruzada contra o comunismo ateu que grassava em
Portugal continental (Almeida, 1996: 45). Tem então lugar uma onda de
agitação e violência nunca antes vista com manifestações separatistas,
atentados bombistas e todo o tipo de agressões a pessoas e a bens, com
carros e casas destruídos e incendiados. Os mais atingidos eram pessoas e
partidos de esquerda como o PCP, o MDP e também o PS.

37
É neste contexto que a 6 de Junho de 1975 ocorre em Ponta Delgada uma
gigantesca manifestação de lavradores a pretexto do descontentamento com a
situação da lavoura insular, que contou com a adesão de vários outros sectores
da população, onde os manifestantes acabaram por derivar para reivindicações
independentistas e pela exigência de demissão do governador civil, António
Borges Coutinho, que aceita demitir-se e transfere as suas competências para
o comandante militar dos Açores, o general Altino de Magalhães, que tinha
conseguido controlar a manifestação servindo de intermediário nas
negociações entre os manifestantes e o governador. José Medeiros Ferreira
(2008: 342) classifica a manifestação de 6 de Junho como “ambivalente nos
seus propósitos”, uma vez que “tanto pretendeu moderar e domesticar a
revolução desencadeada em Lisboa, como desenvolver uma perspectiva
independentista, para se cristalizar no regime de autonomia político-
administrativa regional”.

Acalmados os ânimos, ainda nesse mês, numa reunião em Lisboa que contou
com a presença de representantes açorianos, foi elaborada uma proposta de
criação de uma Junta Governativa dos Açores que substituiria os governos
civis e as juntas gerais lançando as bases para a existência de órgãos de
governo únicos no arquipélago. A proposta, embora muito alterada, veio dar
origem ao Decreto-Lei n.º 458-B/75 de 22 de Agosto, publicado pelo V Governo
Provisório de Vasco Gonçalves, que criou a Junta Administrativa e de
Desenvolvimento Regional, que rapidamente ficou conhecida por Junta
Regional dos Açores. A partir daqui as várias ilhas dos Açores configuram-se
politicamente unidas por um só poder.

A Junta Regional assumiu funções em Setembro de 1975, sendo presidida pelo


general Altino de Magalhães e composta por vogais escolhidos entre todas as
forças políticas, mas não possuía competências próprias nem delegadas
limitando-se ao exercício da gestão corrente nas áreas de intervenção
herdadas das juntas gerais e dos governos civis dos distritos autónomos (idem:
353). Contudo, em Dezembro desse ano apresentou uma anteproposta de
Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores que em

38
Janeiro de 1976 foi transformada em proposta a qual deu origem ao Estatuto
Provisório de 1976, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 318-B/76 de 30 de Abril.

Na sequência da aprovação da Constituição da República Portuguesa de 1976


que, no seu Título VII, consagrou pela primeira vez o direito à autonomia
política dos Açores é publicado Estatuto Provisório da Região Autónoma dos
Açores pelo Decreto-Lei n.º 318-B/76 de 30 de Abril. Oitenta e um anos depois
do Decreto Autonómico de 1895 estava assim criada a Região Autónoma dos
Açores. Praticamente desaparecida a violência e acalmadas as tensões
separatistas, realizaram-se, a 27 de Junho de 1976, as primeiras eleições para
a Assembleia Legislativa Regional dos Açores (ALRA). O Partido Popular
Democrático (PPD) vence o sufrágio e João Bosco Mota Amaral toma posse a
8 de Setembro de 1976 como o primeiro Presidente da Região Autónoma dos
Açores.

Conseguida a autonomia, as entidades políticas regionais dedicaram-se de


imediato a um processo de criação simbólica da identidade açoriana: a
açorianidade. Os Açores passaram a ter uma bandeira, um hino e um brasão
de armas que simbolizam a união entre todas as ilhas e entre todos os seus
habitantes. E assiste-se a um esbatimento da ilha enquanto primeira referência
identitária. Nenhuma das nove ilhas açorianas possui bandeira própria. A
edificação de um canal de televisão regional, a RTP-Açores, enquadra-se
nesse objectivo, mostrando os Açores aos açorianos, criando com a partilha
noticiosa insular uma unicidade entre as ilhas.

“A procura dos critérios «objectivos» de identidade «regional» ou «étnica» não deve


fazer esquecer que, na prática social, estes critérios (por exemplo, a língua, o dialecto
ou o sotaque) são objecto de representações mentais, quer dizer de actos de
percepção e apreciação, de conhecimento e reconhecimento em que agentes
investem os seus interesses e os seus pressupostos, e de representações objectais,
em coisas (emblemas, bandeiras, insígnias, etc.) ou actos, estratégias interessadas
de manipulação simbólica que têm em vista determinar a representação mental que
os outros podem ter destas propriedades e dos seus portadores.” (Bourdieu, 1994:
112).

39
Com a instauração da autonomia política iniciou-se um processo de rápida e
profunda transformação da sociedade açoriana. As primeiras grandes
empreitadas do novo poder regional foram a criação de órgãos e serviços
públicos regionais, ao mesmo tempo que vão sendo construídas infra-
estruturas básicas necessárias ao desenvolvimento do arquipélago como
novas estruturas (portos e aeroportos) de comunicações inter-ilhas e com o
exterior. Reestrutura-se a rede rodoviária e a rede eléctrica e o saneamento
básico chega a todas as zonas. Constroem-se novos hospitais e centros de
saúde. Na educação, que até 1975 apenas a rede básica de escolas primárias
estava completa, processa-se a uma autêntica “revolução” com a criação de
várias escolas básicas, secundárias e profissionais, além do Instituto
Universitário dos Açores, que antecedeu a Universidade dos Açores. Com a
autonomia política o progresso chegou aos Açores. O sucesso das autonomias
regionais é tal modo evidente que mesmo no território continental já se tentou,
em 1998, criar a regionalização administrativa.

A autonomia política é no entanto um processo em permanente construção. O


definitivo Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores,
uma espécie de “constituição regional”, chega em 1980 pela Lei n.º 39/80 de 5
de Agosto. E desde então já conheceu três revisões (em 1987, 1998 e 2009)
sempre no sentido do aprofundamento da autonomia açoriana na medida em
que as sucessivas revisões constitucionais o permitem.

Todavia, desde os seus primeiros anos até aos dias de hoje a autonomia
açoriana tem sido marcada por vários conflitos de competências entre os
órgãos nacionais de soberania (especialmente o Tribunal Constitucional) e os
órgãos de poder autonómico. Em causa estão dois entendimentos diferentes
sobre as autonomias regionais, um que defende a “autonomia progressiva” e
outro que argumenta que a “autonomia tem limites” (Ferreira, 2008: 356).

A propósito destes dois diferentes entendimentos ocorreu, aquando da terceira


revisão ao Estatuto Político-Administrativo, um grave conflito institucional que
opôs o Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva ao Presidente do
Governo Regional, Carlos César, com o Primeiro-ministro, José Sócrates, a

40
alinhar pelo segundo em defesa do Estatuto. A querela assumiu contornos
alarmantes e motivou mesmo uma comunicação ao país, a 31 de Julho de
2008, por parte do Presidente da República alegando que o diploma colocava
em causa as “competências dos órgãos de soberania consagrados na
Constituição”. Cavaco Silva vetou por duas vezes o Estatuto aprovado por
unanimidade de todos os partidos na Assembleia da República e na
Assembleia Legislativa Regional dos Açores. Mas o diploma seria novamente
aprovado no parlamento (desta vez com a abstenção do PSD) e encontra-se
em vigor. Contudo, o Tribunal Constitucional fiscalizou o documento e deu
razão aos argumentos do Presidente da República considerando
inconstitucionais alguns dos artigos.

Deste modo, a luta dos açorianos por um cada vez maior aprofundamento da
autonomia política continua.

“Honrando a memória dos primeiros autonomistas que afirmaram a identidade


açoriana e a unidade do seu Povo e homenageando o ingente combate de todos
quantos, sucedendo-lhes no tempo, mantiveram e mantêm vivo o ideal autonomista”
(Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, Lei n.º 2/2009, de
12 de Janeiro)

41
1.3. Governos e símbolos da Região Autónoma dos Açores

Governos da Região Autónoma dos Açores

Desde a criação da Região Autónoma, os Açores já conheceram dez governos


e três presidentes. De 1976 a 1995 o Partido Social-Democrata foi o partido
responsável pela governação do arquipélago sendo sucedido pelo Partido
Socialista em 1996, que se mantém em governação até ao presente.

Quadro 1.1 Lista de Presidentes do Governo Regional dos Açores

Governo Presidente Período


I Governo Regional João Bosco Soares da Mota Amaral 1976-1980
II Governo Regional João Bosco Soares da Mota Amaral 1980-1984
III Governo Regional João Bosco Soares da Mota Amaral 1984-1988
IV Governo Regional João Bosco Soares da Mota Amaral 1988-1992
V Governo Regional João Bosco Soares da Mota Amaral 1992-1995
VI Governo Regional Alberto Romão Madruga da Costa 1995-1996
VII Governo Regional Carlos Manuel Martins do Vale César 1996-2000
VIII Governo Regional Carlos Manuel Martins do Vale César 2000-2004
IX Governo Regional Carlos Manuel Martins do Vale César 2004-2008
X Governo Regional Carlos Manuel Martins do Vale César 2008-

42
Bandeira do Açores

Na bandeira dos Açores dominam as cores: azul-escuro (do lado da haste, que
ocupa 40% do total) e branca (60%). Ao centro, sobre a linha divisória, figura
um açor brilhante de oiro em forma estilizada naturalista protegido, em
semicírculo, por nove estrelas com cinco raios de cor de oiro que representam
cada uma das ilhas do arquipélago. Junto da haste, no canto superior
esquerdo, encontra-se o escudo nacional português que simboliza a ligação
dos Açores a Portugal. Aprovada pelo Decreto Regional n.º 4/79/A de 10 de
Abril e regulamentada pelo Decreto Regulamentar Regional n.º 13/79/A de 18
de Maio foi oficialmente hasteada pela primeira vez a 12 de Abril de 1979.

43
Brasão de Armas

No brasão de Armas da Região Autónoma dos Açores o açor estendido justifica


o nome do arquipélago preenchido com nove estrelas que representam
numericamente as ilhas. A divisa reza Antes morrer livres que em paz sujeitos
e simboliza o período de resistência, em 1582, da ilha Terceira ao domínio
filipino. As lanças que exibem dois toiros negros acorrentados a oiro, invocando
a batalha da Salga travada naquele período, retratam a principal actividade
económica insular e representam o animal ao serviço do açoriano, são
encimadas com bandeiras que traduzem a importância da Ordem de Cristo no
povoamento do arquipélago (Cruz de Cristo) e o culto ao Espírito Santo (pomba
branca) que singulariza religiosamente os Açores. A versão definitiva do brasão
foi publicada em anexo ao Decreto Regulamentar Regional n.º 41/80/A de 31
de Outubro.

44
2. A abstenção eleitoral

A Região Autónoma dos Açores defronta-se com um problema desmotivante


face a todo o percurso político que atravessou até alcançar a autonomia
política. As elevadas taxas de abstenção eleitoral que se têm vindo a registar,
cada vez com maior intensidade, nos Açores distinguem politicamente pela
negativa o arquipélago em comparação com o restante território português.

Embora autores como André Freire e Pedro Magalhães possam desdramatizar


o fenómeno:

“Uma elevada abstenção eleitoral não tem de ser vista necessariamente como algo
de «mau» para a democracia, nem o seu aumento como um sintoma de crise e
deslegitimação das instituições de competição e participação políticas. A abstenção
pode mesmo indicar uma diminuição dos conflitos sociais e políticos, a estabilização
dos regimes e um elevado nível de confiança depositada pelos cidadãos naqueles
que concorrem pela delegação do poder.” (Freire e Magalhães, 2002: 16)

Os mesmos politólogos também admitem que “nem todas as interpretações


possíveis são tão benignas” (ibid.). Nós, por nossa vez, também encontramos
dificuldades em relativizar a perversão da abstenção em relação ao sistema
político democrático, que foi concebido para possibilitar a participação
igualitária de todos os cidadãos através do voto, funcionando como princípio de
legitimação dos dirigentes políticos e como técnica de regulação da vida
pública. Somente pelo voto podemos condensar os valores de liberdade e de
igualdade que estão na base da sociedade democrática (Baudouin, 2000: 191).

A importância que o momento eleitoral assume em todos os regimes


democráticos pode ser confirmada pela dureza das batalhas que
acompanharam a universalização progressiva do direito de voto ao longo dos
séculos e pela repugnância que o voto livre sempre causou a todos os
totalitarismos políticos. Portugal só quase no final do século XX atingiu esse
objectivo, talvez por isso não deva abdicar dessa conquista com tamanha
facilidade, como paulatinamente tem vindo a acontecer de eleição em eleição.

45
Todavia, o aumento da abstenção não é um fenómeno exclusivamente
português. O aumento generalizado da abstenção nos últimos anos nas
democracias industrializadas é objecto de consenso entre os académicos que
se detêm sobre este fenómeno. As suas causas e consequências é que
permanecem em grande medida desconhecidas e objecto de intensa
especulação teórica. (Freire e Magalhães, 2002: 19).

Não existindo nenhuma explicação consensual para o fenómeno da abstenção,


existem no entanto alguns estudos (Franklin, 2003; Freire, 2000; Magalhães,
2008; Freire e Magalhães, 2002) que avançam com algumas explicações
pertinentes para o fenómeno. Contudo, nenhuma dessas explicações
permitem-nos diagnosticar a “doença” e muito menos ainda apontar a “cura”
para o dramático aumento dos números da abstenção eleitoral nos Açores.

Aliás, a abstenção eleitoral nos Açores já pode ser caracterizada como uma
“imagem de marca” açoriana no sistema eleitoral português, como se confirma
pelo Quadro 1.2. Desde 1976 até 2009, somente nas eleições para a
Assembleia da República, em 1979, e para o Parlamento Europeu, em 1994,
os Açores apresentam valores de abstenção mais baixos do que a média
nacional. E mesmo nessas eleições as diferenças entre a participação eleitoral
nos Açores em relação à média nacional são mínimas.

A regra é que a abstenção nos Açores supere sempre a abstenção nacional,


independentemente do aumento que se verifique a nível nacional, os Açores
conseguem sempre a “proeza” de aumentar ainda mais, como no primeiro
referendo à interrupção voluntária da gravidez, em 1998, quando a média de
abstenção nacional atingiu os alarmantes valores de 68,06%, na Região atingiu
os 72,7%. Aliás, são nos referendos que o eleitorado açoriano se mostra
menos participativo. Nunca se efectuou nenhum cuja abstenção eleitoral nos
Açores ficasse abaixo dos 70%.

Quando falamos em “imagem de marca” não estamos a dramatizar nem a


exagerar. Note-se que apenas dois anos depois do 25 de Abril a taxa de
abstenção nos Açores já se situava acima dos 30%. Embora tenha registado
um decréscimo nos sufrágios seguintes, decorridos nos anos de 1979 e 1980,
46
a partir de 1983 situa-se definitivamente acima dos 33%. Em 1987 dá-se o
ponto de viragem para acima dos 40% que, se exceptuarmos as eleições para
a Assembleia Regional de 1992, se manteve até ao ano 2000. De 2001 em
diante os valores não desceram abaixo dos 51%.

Se analisarmos individualmente cada eleição constatamos que, tal como em


Portugal continental, são nas eleições para o Parlamento Europeu que a
abstenção atinge valores mais elevados e sempre crescentes. Nas últimas, em
2009, o eleitorado açoriano mostrou que é possível atingir a percentagem de
78,3% de abstencionistas. Nas eleições para a Assembleia da República
verifica-se um aumento da abstenção de 1980 a 1987, interrompido por uma
ligeira descida em 1991, continuando a aumentar desde então até 2009. Nas
eleições presidências o cenário não é mais animador, aumentou sempre de
1980 até 2006, onde conheceu um decréscimo para os 55,92%.

Deixadas propositadamente para o fim, as eleições para a Assembleia


Legislativa Regional dos Açores, o órgão legislativo regional pelo qual lutaram
gerações de açorianos durante dois séculos, só por uma vez (23,95% em
1980) obteve uma taxa de abstenção inferior a 30% e desde 1996 não desceu
abaixo dos 40%. Embora sejam as eleições com maior adesão eleitoral, as
diferenças de participação em relação às restantes eleições não são
verdadeiramente significativas.

Estamos convencidos que a abstenção açoriana enquadra-se numa “abstenção


passiva ou sociológica”, isto é, consubstanciada na não participação eleitoral
dos cidadãos na escolha dos seus representantes através do voto e que é
explicável pelo seu isolamento geográfico e social e pelo seu interesse nulo
pela política (Freire, 2000: 177).

Mas também estamos convencidos que a resposta a este comportamento


eleitoral passivo do eleitorado açoriano pode estar nos jovens, porque o eleitor
só enfrenta verdadeiramente o dilema da abstenção no momento em que vai
exercer o seu direito de voto pela primeira vez. Portanto, se uma geração de
novos eleitores decidir pela participação na sua primeira oportunidade de voto

47
então assistiremos a um declínio geracional da abstenção (Franklin, 2003:
324). No capítulo que se segue vamos verificar se isso pode ser possível.

7
Quadro 1.2 Números da abstenção nos Açores (1975-2009)

Eleição Abstenção Abstenção Data


Açores Nacional
Assembleia Constituinte 9,31% 8,34% 25-4-1975
Assembleia da República 22,12% 16,47% 25-4-1976
Assembleia Regional (ALRA) 32,45% - 27-6-1976
Presidência da República 32,19% 24,53% 27-6-1976
Assembleia da República 16,91% 17,13% 2-12-1979
Assembleia Regional (ALRA) 23,95% - 5-10-1980
Assembleia da República 23,81% 16,06% 5-10-1980
Presidência da República 25,91% 15,61% 7-12-1980
Assembleia da República 33,51% 22,21% 25-4-1983
Assembleia Regional (ALRA) 37,64% - 14-10-1984
Assembleia da República 39,94% 25,84% 6-10-1985
Presidência da República (1V.) 38,50% 24,62% 26-1-1986
Presidência da República (2V.) 36,09% 22,01% 16-2-1986
Assembleia da República 46,17% 28,43% 19-7-1987
Parlamento Europeu 45,85% 27,58% 19-7-1987
Assembleia Regional (ALRA) 41,15% - 9-10-1988
Parlamento Europeu 59,44% 48,90% 18-6-1989
Presidência da República 48,21% 37,84% 13-1-1991
Assembleia da República 42,13% 32,22% 6-10-1991
Assembleia Regional (ALRA) 37,63% - 11-10-1992
Parlamento Europeu 63,35% 64,46% 12-6-1994
Assembleia da República 43,50% 33,70% 1-10-1995
Presidência da República 49,19% 33,62% 14-1-1996
Assembleia Regional (ALRA) 40,98% - 10-10-1996
Referendo IVG 72,7% 68,06% 28-6-1998
Referendo Regionalização 77,9% 51,71% 8-11-1998
Parlamento Europeu 69,11% 60,07% 13-6-1999
Assembleia da República 49,74% 38,91% 10-10-1999
Assembleia Regional (ALRA) 47,04% - 15-10-2000
Presidência da República 62,84% 49,08% 14-1-2001
Assembleia da República 51,93% 38,52% 17-3-2002
Parlamento Europeu 69,42% 61,40% 13-6-2004
Assembleia Regional (ALRA) 44,34% - 17-10-2004
Assembleia da República 51,81% 35,74% 20-2-2005
Presidência da República 56,92% 38,47% 22-1-2006
Referendo IVG 70,50% 56,1% 11-2-2007
Assembleia Regional (ALRA) 53,38% - 19-10-2008
Parlamento Europeu 78,30% 62,95% 7-6-2009
Assembleia da República 55,94% 39,40% 27-9-2009

7
Fontes: Vice-presidência do Governo Regional dos Açores; Comissão Nacional de Eleições.

48
Capítulo III

A Participação Cívica e Política dos Jovens nos


Açores

49
1. Caracterização Geral do Estudo

O objecto de estudo do nosso trabalho é a participação cívica e politica dos


jovens açorianos em contexto educativo. Nesse sentido, efectuamos um total
de 263 inquéritos a alunos do 9º Ano (131) e 11º Ano (132), com idades
compreendidas entre os 13 e os 20 anos, da Escola Secundária Domingos
Rebelo e da Escola Secundária das Laranjeiras, ambas situadas no concelho
de Ponta Delgada, ilha de S. Miguel, Açores. O nosso estudo baseou-se em
instrumentos utilizados em estudos anteriores (Menezes, Afonso, Gião e
Amaro, 2005 e Magalhães e Moral, 2008) e foi desenvolvido no âmbito da
realização do mestrado em Ciências da Educação da Faculdade de Psicologia
e de Ciências da Educação da Universidade do Porto sob a orientação da
Professora Doutora Isabel Menezes e tem como finalidade ajudar a tentar
compreender os comportamentos e atitudes cívicas da juventude açoriana.

Para o efeito, isto é, para a construção de instrumentos de observação válidos


e fiáveis o nosso desenho metodológico concebeu os inquéritos divididos em
oito itens: 1 (Caracterização da amostra: dados pessoais e familiares); 2
(Conhecimentos cívicos e políticos: e. g. Direitos Humanos, Sistema Político,
União Europeia, Democracia, interpretação de mensagens políticas, Açores,
Autonomia açoriana); 3 (A participação cívica: atitudes e confiança em
instituições, comportamentos cívicos e oportunidades de participação); 4
(Disposição para a participação cívica futura); 5 (Cidadania na escola: atitudes
e oportunidades de participação); 6 (Atitudes políticas: informação e debate
político); 7 (Atitudes face ao funcionamento do sistema político regional e
nacional); 8 (Alinhamentos ideológicos e partidários; e atitudes em relação a
reformas políticas e à religião).

50
2. Caracterização geral da amostra

O nosso estudo incidiu sobre um total de 263 inquéritos válidos, dos quais 131
foram efectuados a alunos do 9º ano e outros 132 a alunos do 11º ano de
escolaridade, ou seja obtivemos uma representação praticamente equitativa
entre o total da nossa amostra de acordo com o nosso objectivo inicial.

Quadro 2.1 Distribuição da amostra por ano de escolaridade

Ano Frequência Percentagem


9º 131 49,8%
11º 132 50,2%
Total 262 100

Género e ano de nascimento

Relativamente à idade da amostra cumulativa (9º e 11º anos) inquerida esta


compreende idades que vão dos treze aos vinte anos. Embora a grande
maioria dos inqueridos (82,5%) se situe entre as idades dos catorze aos
dezassete anos.

Quadro 2.2 Distribuição da amostra por idade

Idade Frequência Percentagem


13 1 0,4
14 50 19,0
15 52 19,8
16 59 22,4
17 56 21,3
18 29 11,0
19 13 4,9
20 3 1,1
Total 263 100,0

51
No que respeita à repartição por sexos da nossa amostra verifica-se uma
ligeira predominância de inqueridos do sexo feminino (53,2%) face a inqueridos
do sexo masculino (46,8%).

Quadro 2.3 Distribuição da amostra por sexos

Sexo Frequência Percentagem


Masculino 123 46,8
Feminino 140 53,2
Total 263 100,0

Local de nascimento

Quanto ao local de nascimento da nossa amostra, podemos verificar, através


do Quadro 1.4, que a esmagadora maioria dos inqueridos (91,6%) é natural
dos Açores. Somente 5,3% nasceu no continente ou na Madeira e apenas 3%
é natural de um outro país. Daqui podemos concluir que raros são os jovens
nascidos em Portugal continental ou na Madeira e mais raros ainda os que
nasceram no estrangeiro entre os inqueridos.

A naturalidade paterna (Quadro 1.5) e materna (Quadro 1.6) revela igualmente


que os progenitores dos nossos inqueridos são sobretudo naturais dos Açores.
Pelo Quadro 1.5 verificamos que 82,1% dos pais nasceram no arquipélago,
enquanto 8% nasceu no continente ou na Madeira e 9,9% num outro país.
Números que são ainda mais elevados se tivermos em consideração a
naturalidade materna, onde 88,6% nasceu no Açores, 9,1% no continente ou
Madeira e 2,3% num outro país. Do que se pode constatar que são mais as
mulheres açorianas que se casam ou se unem com homens não naturais do
arquipélago do que o contrário.

Se tivermos em conta que o nosso estudo se restringiu a Ponta Delgada, a


cidade açoriana mais populosa e motor económico da região, podemos
facilmente confirmar que o cosmopolitismo está muito longe de constituir uma
realidade nos Açores, onde se verifica uma clara predominância de naturais e
52
descendentes de naturais das ilhas. O isolamento geográfico do arquipélago
face ao restante território nacional e o facto de apenas recentemente constituir
um destino de imigração podem ajudar a explicar estes resultados.

Quadro 2.4 Distribuição do total da amostra por local de nascimento

Local de nascimento Frequência Percentagem


Açores 241 91,6
Continente ou Madeira 14 5,3
Outro país 8 3,0
Total 263 100,0

Quadro 2.5 Distribuição da amostra por local de nascimento paterno

Local de nascimento Frequência Percentagem


Açores 216 82,1
Continente ou Madeira 21 8,0
Outro país 26 9,9
Total 263 100,0

Quadro 2.6 Distribuição da amostra por local de nascimento materno

Local de nascimento Frequência Percentagem


Açores 233 88,6
Continente ou Madeira 24 9,1
Outro país 6 2,3
Total 263 100,0

Recursos académicos da família

As qualificações académicas dos familiares directos da nossa amostra são


relativamente baixas, com valores mais baixos nos pais quando comparados
com as qualificações das mães, como se pode comprovar pelos quadros 1.7
(escolaridade paterna) e 1.8 (escolaridade materna).

A maioria dos progenitores resume as suas qualificações até ao 9º ano: 66,2%


dos pais e 58,6% das mães. Apenas 19,8% dos pais e 21,3% das mães
53
frequentaram o ensino secundário e somente 14,1% dos pais e 20,2% das
mães frequentou o ensino superior. Valores baixos que podem ser agravados
se tivermos em conta que 31,2% dos pais e 27% das mães não foi além do 1º
ciclo.

Tudo isto remete-nos para uma necessidade urgente de qualificação da


população adulta açoriana. No entanto, a introdução na Região do Programa
Novas Oportunidades que permite de forma facilitada e rápida o incremento de
qualificações junto da população adulta pode, num período de tempo muito
reduzido, alterar radicalmente estes valores.

Quadro 2.7 Escolaridade paterna

Nível de escolaridade Frequência Percentagem Percentagem acumulada


Nunca andou na escola 1 0,4 0,4
Até ao 1º ciclo 81 30,8 31,2
Até ao 3º ciclo 92 35,0 66,2
Até ao ensino secundário 52 19,8 85,9
Até ao ensino superior 37 14,1 100,0
Total 263 100,0 100,0

Quadro 2.8 Escolaridade materna

Nível de escolaridade Frequência Percentagem Percentagem acumulada


Até ao 1º ciclo 71 27,0 27,0
Até ao 3º ciclo 83 31,6 58,6
Até ao ensino secundário 56 21,3 79,8
Até ao ensino superior 53 20,2 100,0
Total 263 100,0 100,0

Recursos culturais da família

A análise dos recursos culturais da família é baseada na disponibilidade de um


jornal diário e na quantidade de livros em casa. Como se pode observar no
Quadro 1.9 a maioria dos inquiridos (65,4%) não possui um jornal diário em
casa. No entanto, o facto de 34,6% possuírem é revelador de uma população
de certo modo informada, o que é um indicador que contraria a ideia, que

54
muitos se esforçam por fazer passar, de que os cidadãos são passivos e não
procuram informação.

Quadro 2.9 Presença de jornal em casa

Resposta Frequência Percentagem


Sim 91 34,6
Não 172 65,4
Total 263 100,0

Quanto ao livro, esse suporte de saber que nas palavras de Umberto Eco “é
como a colher, o martelo, a roda ou o cinzel. Uma vez inventados, não se pode
fazer melhor” (2009: 20), a sua presença nas casas da nossa amostra é
igualmente reveladora de alguma busca pelo conhecimento. Apenas 20,5%
possui bibliotecas privadas medievais, isto é, com menos de 10 livros.
Enquanto 39,5% possui até 50 livros e 19,4% até 100. É de frisar que 20,5%
possuem bibliotecas particulares com quantidades de obras bibliográficas
superiores aos 200 exemplares. Pelo que se pode concluir que, com maior ou
menor grau, a presença do livro nas moradias dos inquiridos é uma constante.

Quadro 2.10 Quantidade de livros em casa

Quantidade de livros Frequência Percentagem


Até 10 54 20,5
Até 50 104 39,5
Até 100 51 19,4
Mais de 200 54 20,5
Total 263 100,0

Em síntese

A população da nossa amostra é muito pouco diversificada constituída na sua


esmagadora maioria por naturais e descendentes de naturais dos Açores. As
poucas qualificações dos progenitores é também um dado a reter, embora isto
não se reflicta de todo sobre o consumo de informação (jornais) e cultura
55
(livros). O que enfraquece a ideia que as pessoas com menos estudos são
naturalmente avessas à leitura de jornais e livros.

3. Conhecimentos cívicos e políticos

Nesta secção procuramos aferir os conhecimentos básicos que os alunos


possuem sobre um conjunto genérico de questões relacionadas com: os
direitos humanos; o sistema político; o funcionamento democrático; a União
Europeia; a capacidade de interpretação de mensagens políticas; o 25 de Abril;
os Açores e a autonomia política açoriana. Os resultados (Quadro 3.1) que
obtivemos revelam uma maioria de respostas correctas em quase todos os
itens, excepto no conhecimento do 6 de Junho de 1975.

Os valores mais altos de respostas correctas ocorreram no conhecimento da


finalidade da Declaração dos Direitos Humanos, do que foi o 25 de Abril e o
que são os Açores. A abordagem ao conceito de democracia regista
igualmente valores elevados de respostas correctas. De salientar que os
alunos conseguiram folgadamente passar no “teste” da interpretação de
mensagem política, que até não era muito fácil, relacionado com a abstenção
eleitoral, através da descodificação de um cartoon de Luís Afonso.

A União Europeia foi um dos itens cuja margem de respostas correctas foi
menor. O motivo pelo qual muitos dos alunos (40,7%) não ter conseguido
acertar no número actual de Estados-membros pode estar relacionado com
facto de este número (27) só recentemente estar fixado, em 1 de Janeiro de
2007.

A autonomia açoriana foi a temática em que os alunos revelaram menores


conhecimentos. Somente uma minoria (37,3%) da nossa amostra conhece o
significado do 6 de Junho de 1975 – o ponto de viragem da história autonómica
açoriana. E um número alargado (46,8%) desconhece que o primeiro

56
Presidente do Governo Regional dos Açores foi João Bosco Mota Amaral. O
facto da Região Autónoma dos Açores ser governada, desde 1996, pelo
Partido Socialista não é do conhecimento de muitos (35,7%) dos alunos
açorianos.

Convém, no entanto, salientar que os itens de conhecimentos autonómicos não


são abordados nos programas escolares do ensino básico ou do secundário. O
que significa que os alunos apenas os poderiam adquirir em conversas
informais com os pais ou outros adultos, ou através da leitura de jornais
regionais. Há décadas que nos Açores se debate a introdução de uma
disciplina de “História dos Açores” nos programas curriculares das escolas da
Região, projecto que nunca se concretizou. É neste contexto que devemos
compreender estes resultados.

Quadro 3.1 Conhecimentos cívicos e políticos

Pergunta Respostas correctas (%) Respostas erradas (%)


Direitos Humanos 210 (83,3%) 42 (16,7%)
Constituição da República 180 (68,4%) 83 (31,6%)
União Europeia 156 (59,3%) 107 (40,7%)
Democracia 209 (79,5%) 54 (20,5%)
Interpretação de mensagem política 183 (69,6%) 80 (30,4%)
História política (25 de Abril) 233 (88,6%) 30 (11,4%)
Açores 236 (89,7%) 27 (10,3%)
Autonomia (primeiro presidente) 140 (53,2%) 123 (46,8%)
Autonomia (actual governo) 169 (64,3%) 94 (35,7%)
Autonomia (6 de Junho) 98 (37,3%) 165 (62,7%)

Em síntese

Os conhecimentos cívicos e políticos dos alunos são, de forma geral, positivos.


Os alunos conseguiram obter respostas positivas em quase todos os itens, o
que é revelador de um expressivo conhecimento de alguns temas
fundamentais como os direitos humanos, a democracia ou o sistema político

57
português. Em relação aos menores conhecimentos sobre a autonomia
açoriana, especialmente sobre história autonómica, devem ser entendidos pela
pouca oportunidade dos alunos em obterem informações na escola e fora desta
sobre estes temas. Só assim se entende a enorme disparidade entre o
conhecimento do 25 de Abril de 1974 em relação ao 6 de Junho de 1975.

4. Participação Cívica

Confiança em instituições

A confiança que os cidadãos depositam nas instituições tem vindo, desde o


final da década de 90, a tornar-se um tópico de crescente interesse académico,
uma vez que a prevalência de atitudes de desconfiança institucional pode
contribuir para minar a participação democrática (Magalhães, 2003: 443).
Sendo de assinalar que a investigação junto dos jovens portugueses tem vindo
a registar baixos níveis de confiança nas instituições políticas (Machado Pais,
cit. in Menezes, Afonso, Gião e Amaro, 2005: 73), algo que o nosso estudo
confirma.

Inquiridos sobre a confiança que depositam no desempenho das funções de


um conjunto de instituições, os resultados (Quadro 4.1) obtidos junto do
conjunto dos alunos (9º e 11º ano) da nossa amostra revelam que as
instituições entendidas como de confiança positiva (acima do ponto 4, numa
escala de 0 a 7) são: hospitais e centros de saúde; comunidade científica;
forças armadas; organizações ambientais; União Europeia; e as escolas. Se
compararmos os resultados dos alunos do 9º ano com os do 11º ano
chegamos à conclusão que existe uma maior confiança nas instituições entre
os alunos do 9º ano do que entre os alunos do 11º ano. Pelo que concluímos
que a desconfiança nas instituições aumenta conforme aumenta a idade – o
que se reflecte em demasia na relação de confiança dos alunos do 9º ano com

58
as igrejas e a polícia quando comparada com a mesma relação nos alunos do
11º ano.

De salientar que entre as instituições que gozam de menor confiança entre os


alunos de ambos os anos encontram-se as instituições políticas em geral e os
partidos em particular. Assembleia Legislativa Regional dos Açores,
Assembleia da República, Presidente da República, autarquias, Governo
Regional e Governo da República são tidas como instituições pouco confiáveis.

No entanto, tendo em conta o carácter localizado do nosso trabalho, importa


comparar a confiança atribuída às instituições políticas regionais
comparativamente às nacionais. Comparando os parlamentos, a Assembleia
da República (o órgão político que goza de maior confiança entre os inquiridos
e que inclusive chega a atingir valores positivos entre os alunos do 9º ano) é
entendida como de maior confiança do que a Assembleia Legislativa Regional
dos Açores. Do mesmo modo, também o Governo da República obtém uma
confiança superior àquela que é atribuída ao Governo Regional. Quanto aos
valores extremamente negativos dos partidos (2,42) podem estar relacionados
com o facto de estes serem entendidos como instituições arcaicas e
desactualizadas sem capacidade de representarem os seus interesses e
preocupações (Mair, 2003: 277-278).

A União Europeia é de resto a única instituição política que goza de confiança


positiva entre os inquiridos, o que se pode dever ao maior conhecimento que
os alunos possuem sobre esta instituição resultante das escolas difundirem
muita informação e promoverem várias actividades sobre a importância da
construção europeia, além do consenso generalizado sobre o reconhecimento
dos benefícios resultantes da entrada de Portugal na União Europeia. Por outro
lado, a ausência de conhecimentos sobre a Organização das Nações Unidas
pode explicar a pouca confiança atribuída pelos alunos a esta instituição.

Sobre órgãos de soberania não políticos, os baixos valores atribuídos aos


tribunais parecem confirmar que o descrédito na justiça também se faz sentir
entre os mais jovens.

59
8
Quadro 4.1 Confiança nas instituições

Instituições Ano Frequência Média


Escolas 9º 131 4,45
Escolas 11º 132 4,20
Escolas Total 263 4,33
Comunidade Científica 9º 131 4,45
Comunidade Científica 11º 132 4,66
Comunidade Científica Total 263 4,56
Igrejas 9º 131 4,15
Igrejas 11º 132 3,42
Igrejas Total 263 3,78
Organizações ambientais 9º 131 4,51
Organizações ambientais 11º 132 4,40
Organizações ambientais Total 263 4,46
Partidos Políticos 9º 131 2,65
Partidos Políticos 11º 132 2,20
Partidos Políticos Total 263 2,42
Polícia 9º 131 4,22
Polícia 11º 132 3,39
Polícia Total 263 3,80
Forças Armadas 9º 131 4,74
Forças Armadas 11º 132 4,30
Forças Armadas Total 263 4,52
Tribunais 9º 131 3,68
Tribunais 11º 132 3,36
Tribunais Total 263 3,52
Hospitais/C. de Saúde 9º 131 5,11
Hospitais/C. de Saúde 11º 132 4,20
Hospitais/C. de Saúde Total 263 4,65
Autarquias 9º 131 3,75
Autarquias 11º 132 3,39
Autarquias Total 263 3,57
ALRA 9º 131 3,52
ALRA 11º 132 3,27
ALRA Total 263 3,40
AR 9º 131 4,15
AR 11º 132 3,42
AR Total 263 3,78
Governo Regional 9º 131 3,48
Governo Regional 11º 132 3,09
Governo Regional Total 263 3,29
Governo da República 9º 131 3,58
Governo da República 11º 132 3,45
Governo da República Total 263 3,51

8
A pergunta do questionário era: “Qual é a confiança que tens nas seguintes instituições, no que diz
respeito ao desempenho das suas funções?”

60
Presidente da República 9º 131 3,40
Presidente da República 11º 132 3,22
Presidente da República Total 263 3,31
ONU 9º 131 3,35
ONU 11º 132 3,14
ONU Total 263 3,24
União Europeia 9º 131 4,40
União Europeia 11º 132 4,50
União Europeia Total 263 4,45

61
Envolvimento cívico continuado

O nosso estudo procurou conhecer o envolvimento cívico que os alunos já


experimentaram. Nesse sentido colocamos um conjunto de oportunidades de
participação cívica às quais os inquiridos poderiam ter ou terem tido alguma
ligação. As respostas (Quadro 4.2) que obtivemos revelam que o maior
envolvimento que os alunos conheceram esteve relacionado com associações
desportivas, onde 74,9% da nossa amostra está ou já esteve ligado, mesmo
que apenas pontualmente. Sublinhe-se que mais de metade (57%) manteve ou
mantém uma participação em associações desportivas superior a um período
de seis meses. As actividades que seguidamente envolvem um grau de maior
participação são os grupos culturais e recreativos, os escuteiros e os grupos de
jovens religiosos. Com valores residuais aparecem as associações de
estudantes e as associações sociais ou de solidariedade. A actividade cívica
que os alunos menos experimentaram foi a militância em juventudes
partidárias.

Procuramos igualmente apurar qual dos envolvimentos cívicos foi mais


significativo para os alunos. Face aos valores anteriores (Quadro 4.2)
verificamos (Quadro 4.3) sem surpresa que a experiência mais significativa foi
a participação em associações desportivas, seguida a larga distância pelos
escuteiros e pelos grupos culturais ou recreativos. Registe-se que apesar de
28,9% ter experimentado uma participação em grupos de jovens religiosos,
apenas 8% considera que foi esta a sua experiência mais significativa. Com
valores muitos baixos surgem as associações sociais e as associações de
estudantes. As juventudes partidárias obtêm valores nulos, enquanto 6,8% da
nossa amostra não entendeu como significante a sua participação.

62
9
Quadro 4.2 Envolvimento cívico continuado

Escuteiros Frequência Percentagem


Nunca 182 69,2%
Apenas pontualmente 6 2,3%
Menos de 6 meses 13 4,9%
Mais de 6 meses 62 23,6 %
Total 263 100%
Associação de Estudantes Frequência Percentagem
Nunca 241 91,6%
Apenas pontualmente 6 2,3%
Menos de 6 meses 5 1,9%
Mais de 6 meses 11 4,2%
Total 263 100,0%
Grupo de Jovens Religioso Frequência Percentagem
Nunca 187 71,1%
Apenas pontualmente 18 6,8%
Menos de 6 meses 16 6,1%
Mais de 6 meses 42 16,0%
Total 263 100,0%
Grupo Cultural / Recreativo Frequência Percentagem
Nunca 151 57,4%
Apenas pontualmente 18 6,8%
Menos de 6 meses 27 10,3%
Mais de 6 meses 67 25,5%
Total 263 100,0%
Juventudes Partidárias Frequência Percentagem
Nunca 258 98,1%
Apenas pontualmente 2 0,8%
Menos de 6 meses 2 0,8%
Mais de 6 meses 1 0,4%
Total 263 100,0%
Associação Desportiva Frequência Percentagem
Nunca 66 25,1%
Apenas pontualmente 19 7,2%
Menos de 6 meses 28 10,6%
Mais de 6 meses 150 57,0%
Total 263 100,0%
Movimentos Sociais Frequência Percentagem
Nunca 212 80,6
Apenas pontualmente 30 11,4
Menos de 6 meses 11 4,2
Mais de 6 meses 10 3,8
Total 263 100,0

9
A pergunta do questionário era: “Estás ou já estiveste alguma vez ligado a…”

63
10
Quadro 4.3 Envolvimento cívico mais significativo

Actividade Cívica Ano Frequência Percentagem


Escuteiros 9º 24 18,3%
Escuteiros 11º 22 16,7%
Escuteiros Total 46 17,5%
Associação de Estudantes 9º 2 1,5%
Associação de Estudantes 11º 2 1,5%
Associação de Estudantes Total 4 1,5%
Grupo de Jovens Religioso 9º 8 6,1%
Grupo de Jovens Religioso 11º 13 9,8%
Grupo de Jovens Religioso Total 21 8%
Grupo Cultural / Recreativo 9º 25 19,1%
Grupo Cultural / Recreativo 11º 19 14,4%
Grupo Cultural / Recreativo Total 44 16,7%
Juventudes Partidárias 9º 0 0%
Juventudes Partidárias 11º 0 0%
Juventudes Partidárias Total 0 0%
Associação Desportiva 9º 67 51,1%
Associação Desportiva 11º 55 41,7%
Associação Desportiva Total 122 46,4%
Movimentos Sociais 9º 0 0%
Movimentos Sociais 11º 4 3%
Movimentos Sociais Total 4 1,5%
Nenhuma 9º 4 3,1%
Nenhuma 11º 14 10,6%
Nenhuma Total 18 6,8%
Outra 9º 1 0,8%
Outra 11º 2 1,5%
Outra Total 3 1,1%

10
A pergunta do questionário era: “das experiências de participação de envolvimento continuado que já
tiveste qual foi a que consideras ter sido a mais significativa na sua vida?”

64
Participação em actividades

Procurando avaliar o envolvimento dos nossos inquiridos através da realização


de determinadas actividades, elaboramos um conjunto de questões
relacionadas com a procura de informação, a participação e organização de
actividades e a capacidade de iniciativa e de liderança.

Não obstante os alunos avaliarem o seu envolvimento nas suas experiências


de participação cívica de forma bastante positiva (Quadro 4.4), os resultados
(Quadro 4.5) que obtivemos revelam uma tendência passiva de envolvimento,
excepto na tomada de decisões individuais ou em grupo. A procura de
informação impressa ou junto de pessoas mais experientes é escassa; a
participação em actividades como petições, protestos, debates ou tomadas
públicas de posição é negativa; e a organização de idênticas actividades é
ainda mais negativa. A capacidade de liderança chega a atingir valores
extremamente baixos. Entre os alunos do 9º e 11º ano as diferenças destes
comportamentos são diminutas e pouco relevantes, pelo que se pode concluir
que a participação dos alunos não deve ser propriamente definida como activa.

11
Quadro 4.4 Avaliação do envolvimento

Ano Frequência Média


9º 131 5,40
11º 132 5,15
Total 263 5,27

11
A pergunta do questionário era: “Como avalias o teu envolvimento?”

65
12
Quadro 4.5 Participação em actividades

Pergunta Ano Frequência Média


Procurar informação em livros, bibliotecas, jornais, 9º 3,15
131
internet ou junto de pessoas mais experientes
Procurar informação em livros, bibliotecas, jornais, 11º 3,52
132
internet ou junto de pessoas mais experientes
Procurar informação em livros, bibliotecas, jornais, Total 3,33
263
internet ou junto de pessoas mais experientes
Participar em actividades (como petições, protestos, 9º 3,66
festas, reuniões, assembleias, debates, tomadas 131
públicas de posição)
Participar em actividades (como petições, protestos, 11º 3,56
festas, reuniões, assembleias, debates, tomadas 132
públicas de posição)
Participar em actividades (como petições, protestos, Total 3,61
festas, reuniões, assembleias, debates, tomadas 263
públicas de posição)
Organizar actividades (como por exemplo, petições, 9º 2,96
protestos, festas, reuniões, assembleias, debates, 131
tomadas públicas de posição)
Organizar actividades (como por exemplo, petições, 11º 3,17
protestos, festas, reuniões, assembleias, debates, 132
tomadas públicas de posição)
Organizar actividades (como por exemplo, petições, Total 3,06
protestos, festas, reuniões, assembleias, debates, 263
tomadas públicas de posição)
Orientar ou gerir uma equipa encarregue da 9º 2,57
organização de actividades (como, por exemplo,
131
petições, protestos, festas, reuniões, assembleias,
debates, tomadas públicas de posição, etc.)
Orientar ou gerir uma equipa encarregue da 11º 2,74
organização de actividades (como, por exemplo,
132
petições, protestos, festas, reuniões, assembleias,
debates, tomadas públicas de posição, etc.)
Orientar ou gerir uma equipa encarregue da Total 2,66
organização de actividades (como, por exemplo,
263
petições, protestos, festas, reuniões, assembleias,
debates, tomadas públicas de posição, etc.)
Tomar decisões (sozinho ou em grupo) 9º 131 4,78
Tomar decisões (sozinho ou em grupo) 11º 132 4,47
Tomar decisões (sozinho ou em grupo) Total 263 4,62

Frequência de debates

A nossa análise ao envolvimento dos alunos pretendeu aferir se a discussão e


o debate de opiniões eram correntes durante as suas experiências de
participação cívica. As respostas (Quadro 4.6) que obtivemos apontam
positivamente nesse sentido, ou seja que havia diferentes pontos de vista em
12
A pergunta do questionário era: “Quando colaboraste, realizaste alguma destas actividades?”

66
discussão e eram analisadas diferentes opiniões que poderiam originar novos
pontos de vista. O que pode ter influência sobre a importância que essa
participação teve nos alunos, francamente positiva.

13
Quadro 4.6 Frequência de debates

Pergunta Ano Frequência Média


Havia diferentes pontos de vista em discussão 9º 131 4,20
Havia diferentes pontos de vista em discussão 11º 132 4,22
Havia diferentes pontos de vista em discussão Total 263 4,21
Havia reflexão e eram analisadas as diferentes opiniões 9º 131 4,46
Havia reflexão e eram analisadas as diferentes opiniões 11º 132 4,34
Havia reflexão e eram analisadas as diferentes opiniões Total 263 4,40
As opiniões em debate produziam novos pontos de vista 9º 131 4,12
As opiniões em debate produziam novos pontos de vista 11º 132 4,10
As opiniões em debate produziam novos pontos de vista Total 263 4,11
Eram abordados problemas reais e/ou do teu quotidiano 9º 131 3,80
Eram abordados problemas reais e/ou do teu quotidiano 11º 132 3,91
Eram abordados problemas reais e/ou do teu quotidiano Total 263 3,86
A participação era muito importante para ti enquanto pessoa 9º 131 4,76
A participação era muito importante para ti enquanto pessoa 11º 132 4,80
A participação era muito importante para ti enquanto pessoa Total 263 4,78

Em síntese

Os alunos revelam níveis baixos de confiança em todas as instituições


políticas, excepto a União Europeia, e os órgãos de governo regional gozam de
menor confiança comparativamente aos órgãos de soberania. O que pode
significar que a proximidade do poder não tenha repercussão sobre a
confiança. Outra constatação é que os órgãos autonómicos não se distinguem
pela positiva entre o conjunto dos órgãos políticos, tidos como pouco confiáveis
pelos alunos.

A experiência de envolvimento cívico com maior significado e participação está


relacionada com associações desportivas, cujos elevados valores de
participação deixam entender que a nossa amostra tem no desporto a sua
principal plataforma de relacionamento social, além da escola. A relativa

13
A pergunta do questionário era: “Enquanto colaboraste, com que frequência sentiste que…”

67
tendência passiva detectada na participação em algumas actividades, como a
procura de informação e a participação em petições, protestos, assembleias e
tomadas públicas de posição, pode estar relacionada com a natureza da
participação que conheceram na sua maioria, ou seja ligada à prática do
desporto.

5. Disposição para a participação cívica futura

Apurar a disposição para a participação cívica futura foi um dos objectivos


basilares do nosso estudo. A participação dos cidadãos é o pilar fundamental
da democracia, por isso tem sido uma fonte de preocupação dos estudos
efectuados nas últimas décadas (Menezes, Afonso, Gião, Amaro: 2005, 90).
Preocupação que o nosso trabalho igualmente partilha. Nesse sentido,
procuramos descobrir a disposição futura dos jovens da nossa amostra para
actividades: políticas convencionais (e. g. votar, aderir a um partido, participar
em actividades políticas ou candidatar-se a um cargo político), de participação
cívica (e. g. informar-se sobre assuntos políticos e contactar directamente com
políticos), associadas a movimentos sociais (e. g. aderir a um associação cívica
ou exercer o voluntariado), e associadas a direitos laborais (e. g. aderir a um
sindicato ou fazer greve).

Os resultados (Quadro 5.1) que obtivemos junto da nossa amostra revelam


antes de mais um dado que, devido à sua importância para o contexto da
Região Autónoma dos Açores, implica que lhe dediquemos um tratamento
especial. Referimo-nos à disposição futura para o voto, cujos elevados índices
de abstenção eleitoral que se tem vindo a registar nos Açores têm preocupado
em demasia os dirigentes políticos e já levaram o Presidente da Região, Carlos
César, a sugerir a introdução do voto obrigatório.

Neste item, o nosso estudo aponta bons indicadores para a democracia


participativa. Os jovens açorianos do 9º ano (4,15) e sobretudo do 11º ano
68
(5,23), pretendem exercer futuramente o seu direito de voto. O que constitui
motivo de esperança numa Região onde predominam os cidadãos pouco
disponíveis para o “sacrifício” cívico do sufrágio. Mas, esta esperança só
poderá se transformar em realidade se estes jovens exercerem o seu direito de
voto na sua primeira oportunidade para o efeito, porque para a maioria das
pessoas a propensão para votar é estabelecida no momento em que votam
pela primeira vez. Votar é um hábito que aqueles que votam nas suas primeiras
eleições tendem a adquirir, continuando a votar nas eleições subsequentes.
Por outro lado, aqueles que não encontram razões para votar nas suas
primeiras oportunidades de voto tendem a abster-se nas eleições
subsequentes, independentemente da importância destas (Franklin, 2003:
324).

Analisando os restantes dados sobre a participação política convencional,


podemos comprovar que existe pouca disposição entre os jovens para
futuramente aderirem a um partido político e menos ainda para concorrer a um
cargo político. Participar em actividades políticas e, principalmente, contactar
com responsáveis políticos estão longe de constituírem prioridade. No entanto,
compete-nos registar que a baixa apetência para participação política
convencional, não é consequência do desinteresse pela política. Aliás, a
generalidade dos alunos revela um acentuado interesse em se manterem
informados – embora com pouca interacção com os meios de comunicação
social – sobre assuntos políticos, o que pode favorecer a participação cívica
nomeadamente através do voto (Magalhães, 2008: 486) e, especialmente os
alunos do 11º ano, em conversar sobre assuntos políticos com outras pessoas,
o que num país como Portugal, onde o consumo de informação é limitado,
pode constituir a principal fonte de informação política (idem: 480).

No que se refere às actividades associadas a movimentos sociais, a recolha e


oferta de donativos a instituições de solidariedade recolhe níveis significativos
de concordância. Embora isto não se reflicta na vontade de adesão a uma
associação cívica, o que se pode dever à escassa sensibilidade em relação ao
papel determinante que estas associações podem assumir na sociedade
(Ginsborg, 2008: 77).
69
Sobre o sindicalismo, a futura adesão a um sindicato atinge valores negativos,
não obstante o recurso à greve como forma de protesto ou de luta por direitos e
condições laborais colher elevada simpatia junto dos jovens.

14
Quadro 5.1 Disposição para a participação cívica futura

Pergunta Ano Frequência Média


Votar em eleições? 9º 131 4,15
Votar em eleições? 11º 132 5,23
Votar em eleições? Total 263 4,70
Usar os meios de comunicação social para te 9º 5,18
131
manteres informado sobre assuntos políticos?
Usar os meios de comunicação social para te 11º 5,27
132
manteres informado sobre assuntos políticos?
Usar os meios de comunicação social para te Total 5,22
263
manteres informado sobre assuntos políticos?
Falar sobre acontecimentos políticos com outras 9º 3,85
131
pessoas (familiares, amigos, colegas)?
Falar sobre acontecimentos políticos com outras 11º 4,16
132
pessoas (familiares, amigos, colegas)?
Falar sobre acontecimentos políticos com outras Total 4,01
263
pessoas (familiares, amigos, colegas)?
Participar em comícios, manifestações ou campanhas 9º 2,82
131
eleitorais?
Participar em comícios, manifestações ou campanhas 11º 2,57
132
eleitorais?
Participar em comícios, manifestações ou campanhas Total 2,69
263
eleitorais?
Ser candidato a um cargo político? 9º 131 1,79
Ser candidato a um cargo político? 11º 132 1,86
Ser candidato a um cargo político? Total 263 1,83
Aderir a uma organização política? 9º 131 1,88
Aderir a uma organização política? 11º 132 2,11
Aderir a uma organização política? Total 263 2,00
Aderir a um sindicato? 9º 131 1,85
Aderir a um sindicato? 11º 132 2,48
Aderir a um sindicato? Total 263 2,16
Aderir a uma associação cívica? 9º 131 2,84
Aderir a uma associação cívica? 11º 132 3,50
Aderir a uma associação cívica? Total 263 3,17
Fazer greve? 9º 131 4,93
Fazer greve? 11º 132 4,50
Fazer greve? Total 263 4,71
Enviar cartas para os meios de comunicação social, 9º 3,08
131
manifestando opinião sobre algum assunto?
Enviar cartas para os meios de comunicação social, 11º 3,02
132
manifestando opinião sobre algum assunto?
Enviar cartas para os meios de comunicação social, Total 3,05
263
manifestando opinião sobre algum assunto?

14
A pergunta do questionário era: “No futuro achas que vais realizar as seguintes actividades?”

70
Recolher ou oferecer donativos para uma instituição 9º 4,44
131
de solidariedade social?
Recolher ou oferecer donativos para uma instituição 11º 4,66
132
de solidariedade social?
Recolher ou oferecer donativos para uma instituição Total 4,55
263
de solidariedade social?
Entrar em contacto com políticos, expondo assuntos 9º
131 2,28
do teu interesse?
Entrar em contacto com políticos, expondo assuntos 11º
132 2,56
do teu interesse?
Entrar em contacto com políticos, expondo assuntos Total
263 2,42
do teu interesse?

Em síntese

A elevada predisposição dos jovens para exercerem o seu direito de voto é um


factor de esperança numa Região que se caracteriza pelas mais elevadas
taxas de abstenção eleitoral a nível nacional. Saliente-se que se tivermos em
conta que dos jovens que constituem esta amostra 17% são maiores de idade
e 21,3% têm 17 anos, podemos estar a projectar a sua participação eleitoral já
no próximo acto eleitoral e a breve prazo para os restantes. O que pode
constituir uma lufada de ar fresco no enfadonho panorama abstencionista
açoriano.

Não podemos igualmente ficar indiferentes ao elevado interesse dos jovens em


dar o seu contributo a instituições de solidariedade social. Mas, registamos com
curiosidade a elevada ausência de vontade de compromisso dos jovens
perante todo o tipo de instituições (partidos, associações cívicas e sindicatos).

71
6. A cidadania na escola

Como podemos observar no Quadro 6.1, o interesse em debater os problemas


da escola é diminuto entre os alunos, embora este seja ligeiramente superior
entre os alunos do 11º ano comparados com os do 9º ano. Todavia, este pouco
interesse não se reflecte na confiança que os alunos depositam nas suas
capacidades argumentativas: a presunção de que conseguem fazer ouvir a sua
opinião junto dos colegas é elevada, tanto para alunos do 9º como do 11º ano;
que no entanto não é transferida para tentar influenciar os colegas no sentido
de resolver os problemas da escola, certamente pelo pouco interesse que
estes problemas suscitam junto dos alunos. O associativismo académico é
entendido, pelos alunos de ambos os anos, como um meio bastante positivo
para influenciar as decisões tomadas pela escola. O que pode ser
compreendido pela convicção generalizada entre os alunos de que poderiam
ajudar a resolver os problemas da escola se lhes fosse dada uma
oportunidade.

Podemos concluir que o pouco interesse dos alunos pelos problemas escolares
pode estar relacionado com a pouca ou nenhuma oportunidade que lhes é
concedida para fazerem parte da solução destes problemas. Como confiança
na sua capacidade de persuasão e na solidez da sua opinião não lhes falta,
talvez não fosse má ideia que as escolas os incluíssem ou pelo menos os
ouvissem na resolução dos seus problemas. Não nos esqueçamos que uma
escola democrática é uma escola que se organiza de modo a estimular a
participação de todos os implicados no processo educativo, ou seja, que
reconheça como interlocutores válidos todos os seus membros (Rovira, 2000:
57).

72
15
Quadro 6.1 Participação Cívica na Escola

Pergunta Ano Frequência Média


Tenho interesse em participar em discussões sobre os 9º 3,57
131
problemas da escola
Tenho interesse em participar em discussões sobre os 11º 3,71
132
problemas da escola
Tenho interesse em participar em discussões sobre os Total 3,64
263
problemas da escola
Quando discutes algum assunto, consegues que os teus 9º 4,51
131
colegas ouçam a tua opinião
Quando discutes algum assunto, consegues que os teus 11º 4,64
132
colegas ouçam a tua opinião
Quando discutes algum assunto, consegues que os teus Total 4,57
263
colegas ouçam a tua opinião
Quando há um problema para resolver na Escola, consegues 9º 3,51
influenciar decisões ou convencer os outros a optar pela tua 131
solução
Quando há um problema para resolver na Escola, consegues 11º 3,80
influenciar decisões ou convencer os outros a optar pela tua 132
solução
Quando há um problema para resolver na Escola, consegues Total 3,66
influenciar decisões ou convencer os outros a optar pela tua 263
solução
Se os alunos se unirem num grupo ou numa associação de 9º 4,09
estudantes podem influenciar a definição das regras e “ter 131
uma voz” nas decisões que são tomadas na Escola
Se os alunos se unirem num grupo ou numa associação de 11º 4,28
estudantes podem influenciar a definição das regras e “ter 132
uma voz” nas decisões que são tomadas na Escola
Se os alunos se unirem num grupo ou numa associação de Total 4,19
estudantes podem influenciar a definição das regras e “ter 263
uma voz” nas decisões que são tomadas na Escola
Se os alunos tiverem a oportunidade de expressarem as suas 9º 5,03
131
opiniões podem ajudar a resolver problemas da escola
Se os alunos tiverem a oportunidade de expressarem as suas 11º 4,87
132
opiniões podem ajudar a resolver problemas da escola
Se os alunos tiverem a oportunidade de expressarem as suas Total 4,95
263
opiniões podem ajudar a resolver problemas da escola

De acordo com o Quadro 6.2, podemos desde logo deduzir que as aulas são
fracamente politizadas, sem que os alunos tragam assuntos políticos para
serem debatidos nas aulas. Todavia, a culpa da pouca politização nas aulas
não se deve apenas aos alunos, mas também por os professores promoverem
pouco, especialmente com os alunos do 9º ano, o debate político e social nas
aulas, mesmo que se trate de assuntos polémicos. O que em nada favorece a
democracia na escola.

15
A pergunta do questionário era: “Relativamente à tua vida na escola, em que medida concordas com as
seguintes afirmações?”

73
No entanto, em termos de democracia na sala de aula os resultados são
francamente bons. É relativamente positiva a liberdade que os alunos sentem
para discordar dos professores nas aulas; e é de enaltecer o encorajamento
dos professores para que os alunos tenham e expressem as suas próprias
opiniões no contexto da sala de aula, sobretudo entre os alunos mais velhos do
11º ano, assim como o respeito que os docentes demonstram perante a
opinião dos alunos, que não se revelam adeptos do seguidismo e sentem-se
confortáveis para discordar da opinião da maioria dos colegas. O que é um
importante indicador sobre a liberdade e autonomia de pensamento entre os
jovens.

74
16
Quadro 6.2 Participação Cívica na Escola

Pergunta Ano Frequência Média


Os alunos costumam trazer assuntos políticos do dia-a-dia 9º 2,17
131
para serem discutidos nas aulas
Os alunos costumam trazer assuntos políticos do dia-a-dia 11º 2,86
132
para serem discutidos nas aulas
Os alunos costumam trazer assuntos políticos do dia-a-dia Total 2,51
263
para serem discutidos nas aulas
Os alunos sentem liberdade para discordar dos seus 9º 3,56
131
professores sobre assuntos políticos e sociais nas aulas
Os alunos sentem liberdade para discordar dos seus 11º 3,68
132
professores sobre assuntos políticos e sociais nas aulas
Os alunos sentem liberdade para discordar dos seus Total 3,62
263
professores sobre assuntos políticos e sociais nas aulas
Os alunos são encorajados pelos professores a terem as 9º 3,89
suas próprias opiniões sobre vários assuntos e a expressá- 131
las nas aulas
Os alunos são encorajados pelos professores a terem as 11º 4,55
suas próprias opiniões sobre vários assuntos e a expressá- 132
las nas aulas
Os alunos são encorajados pelos professores a terem as Total 4,22
suas próprias opiniões sobre vários assuntos e a expressá- 263
las nas aulas
Os professores respeitam as opiniões dos alunos 9º 131 4,19
Os professores respeitam as opiniões dos alunos 11º 132 4,43
Os professores respeitam as opiniões dos alunos Total 263 4,31
Os alunos sentem liberdade para expressar as suas opiniões 9º 4,27
na aula mesmo que essas opiniões sejam diferentes das da 131
maioria dos colegas
Os alunos sentem liberdade para expressar as suas opiniões 11º 4,52
na aula mesmo que essas opiniões sejam diferentes das da 132
maioria dos colegas
Os alunos sentem liberdade para expressar as suas opiniões Total 4,39
na aula mesmo que essas opiniões sejam diferentes das da 263
maioria dos colegas
Os professores encorajam os alunos a discutir nas aulas 9º 2,73
assuntos políticos e sociais polémicos sobre os quais várias 131
pessoas têm opiniões diferentes
Os professores encorajam os alunos a discutir nas aulas 11º 3,90
assuntos políticos e sociais polémicos sobre os quais várias 132
pessoas têm opiniões diferentes
Os professores encorajam os alunos a discutir nas aulas Total 3,32
assuntos políticos e sociais polémicos sobre os quais várias 263
pessoas têm opiniões diferentes

16
A pergunta do questionário era: “Em relação às aulas e aos professores, qual é a tua opinião sobre as
seguintes afirmações.”

75
Quanto aos temas que devem merecer abordagem na sala de aula, os
resultados (Quadro 6.3) apresentam diferenças pouco significativas entre os
alunos do 9º ano e do 11º ano. Deste modo, em termos conjuntos os valores
obtidos traduzem-se pela seguinte ordem de prioridades: sexualidade (5,74);
ambiente (5,71); igualdade entre homens e mulheres (5,53); organizações
cívicas e políticas (4,63); orientação sexual (4,62); e imigração (4,21). O
inequívoco destaque concedido à sexualidade como tema de debate aponta
para um ambiente favorável à introdução da disciplina de educação sexual nas
escolas. E a atenção concedida ao ambiente revela uma juventude com cada
vez maiores preocupações ambientais, além de pouco conservadora
relativamente a questões de igualdade de género. De salientar que todos os
restantes temas obtêm igualmente valores positivos junto dos alunos

17
Quadro 6.3 Temas cívicos

Pergunta Ano Frequência Média


Igualdade entre homens e mulheres 9º 131 5,60
Igualdade entre homens e mulheres 11º 132 5,46
Igualdade entre homens e mulheres Total 263 5,53
Imigração em Portugal 9º 131 4,14
Imigração em Portugal 11º 132 4,29
Imigração em Portugal Total 263 4,21
Ambiente 9º 131 5,64
Ambiente 11º 132 5,77
Ambiente Total 263 5,71
Sexualidade 9º 131 5,74
Sexualidade 11º 132 5,74
Sexualidade Total 263 5,74
Orientação sexual (casamento entre pessoas do mesmo 9º
131 4,40
sexo, etc.)
Orientação sexual (casamento entre pessoas do mesmo 11º
132 4,84
sexo, etc.)
Orientação sexual (casamento entre pessoas do mesmo Total
263 4,62
sexo, etc.)
Organizações cívicas e políticas (associações de defesa do 9º
131 4,35
ambiente, juventudes partidárias)
Organizações cívicas e políticas (associações de defesa do 11º
132 4,91
ambiente, juventudes partidárias)
Organizações cívicas e políticas (associações de defesa do Total
263 4,63
ambiente, juventudes partidárias)

17
A pergunta do questionário era: “Quais dos seguintes assuntos deveriam, em tua opinião, ser
abordados na escola para ajudar os jovens a serem cidadãos mais conscientes e participativos?”

76
Em síntese

Nas aulas verifica-se um ambiente favorável ao pluralismo, nomeadamente nas


percepções dos alunos sobre as oportunidades de expressarem e discutirem
as suas opiniões e no respeito e encorajamento destas pelos professores. Se
este ambiente democrático fosse revertido do contexto da sala de aula para a
organização escolar favoreceria a edificação de uma escola realmente
democrática. Os alunos, tanto do 9º como do 11º ano, manifestam uma clara
vontade em dar o seu contributo para a resolução dos problemas da sua
escola. Contributo que poderia ser devidamente capitalizado pelas escolas
dando maiores possibilidades de participação aos alunos em beneficio da
democracia na escola e fora desta. A escola deve fazer um esforço para
introduzir práticas democráticas no seu interior, criando hábitos democráticos
através da inclusão dos alunos na construção dum espaço de autonomia e
participação, porque só assim se formam cidadãos livres e participativos
verdadeiramente capazes de impulsionar projectos de transformação social.

77
7. Atitudes políticas (informação e debate político)

Informação

Em relação às atitudes políticas entendemos pertinente averiguar junto dos


jovens o grau de confiança atribuído por estes à informação consoante o seu
suporte (jornais, rádio, televisão, internet e livros) e através da análise dos
resultados (Quadro 7.1) chegamos a surpreendentes conclusões.

Em termos conjuntos (alunos do 9º e 11º) o suporte de informação gerador de


maior confiança é o livro (5,23), seguido da televisão (5,03), da internet (4,76),
da rádio (4,53) e por último dos jornais (4,47). O que é revelador de que o livro
permanece confortavelmente como o suporte cuja informação goza de maior
confiança junto dos jovens, não obstante a forte concorrência que tem vindo a
enfrentar dos novos suportes de informação como a televisão e a internet. Este
facto não deve ser alheio à permanente utilização de manuais escolares pela
nossa amostra, nomeadamente para a realização de testes e exames – os
principais elementos do processo de avaliação dos alunos. De registar que as
respostas, obtidas numa escala de 0 a 7, indicam que todos os suportes de
informação são de confiança positiva.

Todavia, se analisarmos separadamente os resultados dos alunos do 9º e do


11º ano podemos ainda retirar outras ilações. Assim, analisando somente as
respostas dos alunos do 9º ano, verificamos que a ordem de confiança nos
suportes de informação é a seguinte: televisão (5,20); internet (4,92); livros
(4,86); rádio (4,53); e jornais (4,43). Ou seja, aqui verificamos que a informação
televisiva é tida como de maior confiança quando comparada com os restantes
suportes. Tendo em conta a idade dos alunos, a facilidade cognitiva da
assimilação da informação emitida por televisão (imagem e áudio) pode ajudar
a compreender esta preferência. Nesta parte da amostra a internet supera,
embora por pouco, o livro em termos de confiança. Rádio e jornais são
respectivamente os suportes de menor confiança.
78
Debruçando-nos agora sobre a nossa amostra do 11º ano podemos aferir que
a ordem de preferências é esta: livros (5,59); televisão (4,86); internet (4,59);
rádio (4,54): e jornais (4,52). Do que se conclui que os livros ganham
preponderância conforme aumenta a idade e o grau de ensino superando em
larga medida os restantes suportes em termos de credibilidade da informação.

A televisão também aqui supera a internet no que toca à confiança da


informação. Como os conteúdos informativos televisivos estão igualmente
disponíveis nos sites das estações de televisão na internet, a maior
credibilidade da informação televisiva pode se dever à maior exposição desta
junto dos alunos, nomeadamente no hábito de visionamento familiar dos jornais
televisivos durante a hora do jantar (Menezes, Afonso, Gião e Amaro, 2005:
94). O baixo índice de confiança, quando comparados com os outros suportes,
da rádio e dos jornais pode-se dever à pouca preferência destes suportes pelos
inqueridos.

18
Quadro 7.1 Confiança na Informação

Pergunta Ano Frequência Média


Informação em jornais 9º 131 4,43
Informação em jornais 11º 132 4,52
Informação em jornais Total 263 4,47
Informação na rádio 9º 131 4,53
Informação na rádio 11º 132 4,54
Informação na rádio Total 263 4,53
Informação na TV 9º 131 5,20
Informação na TV 11º 132 4,86
Informação na TV Total 263 5,03
Informação na Internet 9º 131 4,92
Informação na Internet 11º 132 4,59
Informação na Internet Total 263 4,76
Informação em livros 9º 131 4,86
Informação em livros 11º 132 5,59
Informação em livros Total 263 5,23

18
A pergunta do questionário era: “Qual é a confiança que tens na informação emitida pelos seguintes
meios de comunicação?”

79
Exposição a notícias políticas

Foi também objectivo do nosso trabalho averiguar a frequência com que os


alunos lêem, vêem e ouvem notícias sobre o que se passa nos Açores, no país
e no mundo. Os jornais, a rádio, a televisão e a internet são fontes
imprescindíveis sobre política. Todavia, o impacto da exposição a notícias
políticas sobre os alunos é ambíguo, com alguns estudos a referenciarem
efeitos positivos no conhecimento e envolvimento político, enquanto outros
encontram efeitos negativos no interesse pela política (Torney-Putra, Lehman,
Oswald & Schultz, cit in Menezes, Afonso, Gião e Amaro, 2005: 93).

Começando a nossa análise pelo interesse noticioso (Quadro 7.2) sobre o que
se passa nos Açores, no país e no mundo, a totalidade (alunos do 9º e 11º) da
nossa amostra revela mais interesse sobre o que se passa no país (3,90) do
que pelo que se passa nos Açores (3,77) ou em outros países (3,54).
Separando a nossa amostra, os alunos do 9º ano confirmam um maior
interesse pelo que se passa no país (3,47) do que se passa na região (3,30) e
no mundo (3,21). E entre os alunos do 11º ano, além da sua prioridade
informativa ser o que se passa no país (4,33), o interesse por aquilo que se
passa no mundo (3,87) é superior à atenção noticiosa dispensada aos Açores
(3,77).

Compete-nos ainda registar que a exposição a noticiários televisivos é a


principal fonte noticiosa tanto para os alunos do 9º como do 11º ano. Enquanto
a rádio é a fonte de informação menos popular entre os alunos de ambos os
anos. Estes dados permitem-nos ainda concluir que o interesse noticioso, em
qualquer dos meios de comunicação social, aumenta conforme aumenta a
idade dos alunos.

80
19
Quadro 7.2 Exposição a notícias políticas

Pergunta Ano Frequência Média


Lês artigos no jornal ou na Internet sobre o que 9º 3,30
131
se passa nos Açores?
Lês artigos no jornal ou na Internet sobre o que 11º 4,23
132
se passa nos Açores?
Lês artigos no jornal ou na Internet sobre o que Total 3,77
263
se passa nos Açores?
Lês artigos no jornal ou na Internet sobre o que 9º 3,47
131
se passa no nosso país?
Lês artigos no jornal ou na Internet sobre o que 11º 4,33
132
se passa no nosso país?
Lês artigos no jornal ou na Internet sobre o que Total 3,90
263
se passa no nosso país?
Lês artigos de jornal ou na Internet sobre o que 9º 3,21
131
se passa nos outros países?
Lês artigos de jornal ou na Internet sobre o que 11º 3,87
132
se passa nos outros países?
Lês artigos de jornal ou na Internet sobre o que Total 3,54
263
se passa nos outros países?
Vês noticiários na televisão? 9º 131 4,66
Vês noticiários na televisão? 11º 132 5,15
Vês noticiários na televisão? Total 263 4,91
Ouves noticiários na rádio? 9º 131 3,08
Ouves noticiários na rádio? 11º 132 3,33
Ouves noticiários na rádio? Total 263 3,21

Envolvimento em discussões sobre política

O nosso estudo incluiu itens sobre o envolvimento em discussões políticas


pelos alunos com os pais, familiares, pessoas da mesma idade e com os
professores. Foi também do nosso interesse averiguar qual a temática política
(regional, nacional ou internacional) preferida para o debate pelos alunos.

19
A pergunta do questionário era: “Com que frequência…”

81
Os resultados (Quadro 7.3) revelam pouca predisposição para o debate
político. Abordando o total da amostra confirmamos que independentemente da
temática o interesse pela discussão política é sempre negativo: política regional
(2,64); política nacional (2,54); e política internacional (2,43). Entre os alunos
do 9º ano o interesse pela discussão política é muito baixo sobre qualquer das
temáticas o que também se regista, embora com uma ligeira subida da
propensão para o debate, entre os alunos do 11º ano.

Relativamente aos interlocutores dos debates os preferidos pelo total da nossa


amostra são os pais ou outros adultos, sobretudo entre os alunos do 11º ano.
Os debates com pessoas da mesma idade é baixo, o mesmo se passa com os
debates com os professores. De sublinhar que a propensão para o debate
aumenta significativamente nos alunos do 11º ano quando comparados com os
alunos do 9º ano.

Quadro 7.3 Debate político

Pergunta Ano Frequência Média


Discutes ou falas sobre política regional? 9º 131 2,33
Discutes ou falas sobre política regional? 11º 132 2,95
Discutes ou falas sobre política regional? Total 263 2,64
Discutes ou falas sobre política nacional? 9º 131 2,20
Discutes ou falas sobre política nacional? 11º 132 2,89
Discutes ou falas sobre política nacional? Total 263 2,54
Discutes ou falas sobre política internacional? 9º 131 2,17
Discutes ou falas sobre política internacional? 11º 132 2,68
Discutes ou falas sobre política internacional? Total 263 2,43
Com pessoas da tua idade 9º 131 2,92
Com pessoas da tua idade 11º 132 3,47
Com pessoas da tua idade Total 263 3,19
Com os teus pais ou outras pessoas adultas 9º 131 4,00
Com os teus pais ou outras pessoas adultas 11º 132 4,35
Com os teus pais ou outras pessoas adultas Total 263 4,17
Com os professores 9º 131 2,16
Com os professores 11º 132 3,08
Com os professores Total 263 2,62

82
Em síntese

A confiança depositada pelos alunos na informação contida nos livros, superior


à contida nos restantes suportes (televisão, internet, rádio e jornais) revela que
o livro resiste à concorrência vinda dos novos suportes de informação. Facto
que se evidencia conforme aumenta a idade e o grau de instrução dos alunos.

O interesse noticioso dos alunos sobre o que se passa nos Açores é inferior ao
que se passa no país. O que vem contrariar a expectativa que tínhamos à
partida para a realização deste trabalho. Tendo em conta que a nossa amostra
é maciçamente composta por naturais e descendentes de naturais do
arquipélago e perante a evidência destes resultados vemo-nos obrigados a
conceder alguma razão a José Manuel de Oliveira Mendes (1996) que sustenta
que a construção simbólica do regionalismo açoriano não tem uma efectiva
correspondência por parte população açoriana.

Sobre as fontes de informação política, os noticiários televisivos têm


preponderância sobre a imprensa escrita (jornais e internet) e sobre a rádio. O
que pode estar relacionado com a maior exposição face a notícias em
televisão, que na maioria dos casos é o único instrumento de informação
presente no ambiente familiar (Ginsborg: 2008: 51), do que nos outros
suportes, uma vez que a maioria da nossa amostra não possui jornal em casa
e a rádio parece-nos um suporte que goza de pouca simpatia e confiança junto
dos jovens.

A discussão sobre assuntos políticos por temática (regional, nacional e


internacional) atinge sempre valores negativos. No entanto, regista-se uma
frequência elevada de debate com os pais. O que se pode dever a um maior à-
vontade dos alunos junto da família, o que propicia a discussão. O que já não
se passa com pessoas da mesma idade, provavelmente pela ausência de
domínio de temas políticos, nem com os professores, tradicionalmente
distantes e pouco propensos a discussões com os alunos.

83
De qualquer modo, podemos concluir que existe pouca a propensão dos alunos
para a discussão política. Como escreveu algures Jorge Luís Borges, bem-
aventurados sejam os mansos que não condescendem perante a discórdia.

8. Sistema político regional e nacional

A nossa análise pretendeu conhecer o interesse pela política sobre o ponto de


vista geográfico, sendo nosso objectivo perceber se os alunos revelam um
maior ou menor interesse consoante o grau de proximidade, local, nacional,
europeu ou internacional, em que se desenvolve a decisão política. Para o
efeito elaboramos uma escala de 1 a 4, em que 1 significa nada; 2 pouco; 3
bastante; e 4 muito.

Os resultados (Quadro 8.1) evidenciam pouco interesse pela política,


independentemente do âmbito geográfico desta – tal como já haviam
demonstrado estudos anteriores (e. g. Magalhães e Moral, 2008). Contudo,
podemos conferir que o interesse pela política diminui conforme aumenta a
distância geográfica em que esta se efectua, ou seja, que o factor proximidade
tem influência sobre o interesse político. Compete-nos ainda registar que o
interesse político aumenta, em todas as temáticas, nos alunos do 11º ano
comparativamente aos alunos do 9º ano.

84
20
Quadro 8.1 Interesse político

Temática política Ano Frequência Média


Política Regional 9º 131 2,02
Política Regional 11º 132 2,51
Política Regional Total 263 2,26
Política Nacional 9º 131 1,97
Política Nacional 11º 132 2,33
Política Nacional Total 263 2,15
Política Europeia 9º 131 1,95
Política Europeia 11º 132 2,33
Política Europeia Total 263 2,14
Política Internacional 9º 131 1,92
Política Internacional 11º 132 2,29
Política Internacional Total 263 2,11

Foi também objectivo deste trabalho procurar analisar a forma como os nossos
inquiridos avaliam o funcionamento da autonomia açoriana e do regime
democrático português. Questionados sobre a forma como avaliam o
funcionamento do regime autonómico açoriano, os alunos avançam com
opiniões que tendem a ser positivas, considerando como entendem o seu
actual funcionamento e a expectativa futura que têm sobre este.

De acordo com o Quadro 8.2 e numa escala de 0 a 10, em que 0 significa


muito mal e 10 muito bem, a média dos alunos de ambos os anos sobre o
actual funcionamento do regime autonómico é de 5,40, ou seja, acima do ponto
central da escala, portanto positiva. É de frisar que a perspectiva de
funcionamento futuro supera (5,71) o entendimento actual e sobretudo como
achavam que há dez anos (4,48) funcionava a autonomia açoriana, isto é,
negativamente.

Por sua vez, em relação ao funcionamento do regime democrático em Portugal


as opiniões dos alunos são negativas, tanto para o actual funcionamento
(4,31), como funcionava há dez anos (4,25) e como acham que vai funcionar
no futuro (4,75). Perante uma relação sempre negativa, encontramos no
entanto um ligeiro optimismo em relação ao futuro.

20
A pergunta do questionário era: “Em que medida estás interessado em política…”

85
21
Quadro 8.2 Funcionamento político e democrático

Pergunta Ano Frequência Média


Como funciona actualmente a 9º 5,21
131
autonomia nos Açores?
Como funciona actualmente a 11º 5,58
132
autonomia nos Açores?
Como funciona actualmente a Total 5,40
263
autonomia nos Açores?
Como funcionava a autonomia 9º 4,45
131
açoriana há 10 anos?
Como funcionava a autonomia 11º 4,51
132
açoriana há 10 anos?
Como funcionava a autonomia Total 4,48
263
açoriana há 10 anos?
Como vai funcionar a autonomia 9º 5,64
131
daqui a 10 anos?
Como vai funcionar a autonomia 11º 5,79
132
daqui a 10 anos?
Como vai funcionar a autonomia Total 5,71
263
daqui a 10 anos?
Como funciona actualmente a 9º 4,63
131
democracia em Portugal?
Como funciona actualmente a 11º 3,99
132
democracia em Portugal?
Como funciona actualmente a Total 4,31
263
democracia em Portugal?
Como funcionava a democracia há 9º 4,39
131
10 anos?
Como funcionava a democracia há 11º 4,11
132
10 anos?
Como funcionava a democracia há Total 4,25
263
10 anos?
Como vai funcionar a democracia 9º 5,07
131
daqui a 10 anos?
Como vai funcionar a democracia 11º 4,44
132
daqui a 10 anos?
Como vai funcionar a democracia Total 4,75
263
daqui a 10 anos?

21
A pergunta do questionário era: “numa escala de 0 a 10, em que 0 significa muito mal e 10 muito bem,
responde às seguintes questões sobre o funcionamento da autonomia nos Açores e da democracia em
Portugal.”

86
Em síntese

O interesse que os nossos inquiridos manifestam perante qualquer contexto


(regional, nacional, europeu ou internacional) político é pouco. Que, no entanto,
aumenta consoante a proximidade geográfica em que se realiza a acção
política e conforme aumenta a idade dos nossos inquiridos.

A avaliação dos alunos sobre o regime autonómico açoriano é mais positiva do


que a que fazem sobre o funcionamento da democracia em Portugal. Existe
também um patente optimismo em relação ao funcionamento futuro dos
sistemas políticos regionais e nacionais e uma nítida percepção do que o actual
funcionamento de ambos os regimes é melhor daquele que existia há dez anos
atrás. Aspectos que nos permitem ter uma leitura genericamente favorável
sobre o modo como os jovens entendem a democracia em Portugal e
particularmente a autonomia nos Açores.

87
9. Alinhamentos ideológicos e partidários, reformas e religião

Alinhamentos ideológicos

Sobre posicionamentos ideológicos a nossa amostra, tal como outros estudos


anteriores (e. g. Magalhães e Moral, 2008: 48), revela um posicionamento ao
centro, embora ao centro-esquerda. Numa escala de 0 a 10, em que 0 significa
mais à esquerda e 10 mais à direita, o posicionamento da média de ambos os
anos situa-se em 4,85, não existindo nenhuma diferença ideológica significativa
entre alunos do 9º e do 11º ano, como podemos conferir no Quadro 9.1.

Todavia, sublinhamos que estes valores devem ser relativizados, uma vez que
pudemos observar que durante a realização dos questionários vários alunos,
sobretudo do 9º mas também do 11º, expressaram dificuldades em se situarem
ideologicamente devido ao desconhecimento dos significados dos termos
“esquerda” e “direita”. Deste modo, a resposta ao centro pode ter funcionado
como a resposta mais fácil.

22
Quadro 9.1 Alinhamento ideológico

Ano Frequência Média


9º 131 4,85
11º 132 4,84
Total 263 4,85

O Quadro 9.2, sobre a importância ideológica, vem reforçar a nossa ideia da


falta de conhecimentos da nossa amostra em relação aos conceitos de
“esquerda” e “direita”. O que pode ajudar a compreender a pouca importância
(3,79) atribuída pelos alunos do 9º ano aos conceitos. Mesmo os alunos, mais
velhos, do 11º ano também estão longe (4,64) de valorizar a importância da
ideologia.

22
A pergunta do questionário era: “Numa escala de 0 a 10 em que 0 é a posição mais à esquerda e 10 a
mais à direita, em que posição te colocas?”

88
23
Quadro 9.2 Importância da ideologia

Ano Frequência Média


9º 131 3,79
11º 132 4,64
Total 263 4,21

Alinhamentos partidários

O nosso estudo pretendeu saber se os nossos inquiridos possuem ou não


simpatia partidária por algum dos partidos do actual quadro partidário
português. As respostas (Quadro 9.3) que obtivemos revelam que a maioria
(57,8%) dos alunos não se identifica com nenhuma das forças políticas
existentes, embora não seja de menosprezar a minoria (42,2%) de alunos que
se revêem nos actuais partidos. Entre os alunos do 9º e do 11º ano podemos
comprovar que são os mais velhos (47%) que mais se revêem nas actuais
forças partidárias, enquanto os alunos mais novos se revelam mais relutantes
(37,4%) na sua simpatia em relação aos partidos políticos.

Entre os simpatizantes partidários (Quadro 9.4) é de realçar que a preferência


recai sobretudo nos dois maiores partidos, PS e PSD, que em conjunto
totalizam 84,6% das simpatias partidárias. O Partido Socialista é a força política
que recolhe maior simpatia junto da nossa amostra, seguido pelo Partido
Social-Democrata, enquanto o Bloco de Esquerda se afirma como a terceira
força partidária entre os jovens inquiridos. CDS e CDU obtêm valores residuais.

A nossa leitura sobre estes resultados é de que os partidos políticos


manifestam alguma dificuldade em atrair as atenções e os afectos dos jovens,
apesar de continuarem a atrair um número considerável de simpatizantes, em
especial junto dos alunos mais velhos, o que podemos relacionar com os
efeitos do ciclo de vida, isto é, o processo de envelhecimento na juventude
conduz a uma maior identificação e participação política (Franklin, 2003: 329).
23
A pergunta do questionário era: “E essas ideias de esquerda ou direita até que ponto são importantes
para ti?”

89
Entre as simpatias partidárias, o facto dos dois maiores partidos políticos
portugueses, PS e PSD, serem as forças partidárias que gozam de maior
simpatia entre os jovens deve ser compreendido tendo em conta que o sistema
político português, ao nível da governação e de implantação social, se
estabilizou em torno de destes dois partidos (Jalali, 2007: 340).

24
Quadro 9.3 Simpatia partidária

9º Ano 11º Ano Total (9º e 11º)


Sim 49 (37,4%) 62 (47%) 111 (42,2%)
Não 82 (62,6%) 70 (53%) 152 (57,8%)
Total 131 (100%) 132 (100%) 263 (100%)

25
Quadro 9.4 Simpatia por partido

Partido 9º Ano 11º Ano Total (9º e 11º)


PS 22 (44,9%) 29 (47,5%) 51 (46,4%)
PSD 22 (44,9%) 20 (32,8%) 42 (38,2%)
CDS 1 (2%) 3 (4,9%) 4 (3,6%)
CDU 1 (2%) 2 (3,3%) 3 (2,7%)
BE 3 (6,1%) 7 (11,5%) 10 (9,1%)
Total 49 (100%) 61 (100%) 110 (100%)

Atitudes em relação a reformas políticas

Foi intenção do nosso trabalho examinar as atitudes dos jovens em relação à


sociedade, deste modo colocamos um conjunto de questões aos nossos
inqueridos com a finalidade de percebermos as suas atitudes em relação a
reformas políticas. As respostas (Quadro 9.5) que recolhemos evidenciam uma
inequívoca tendência reformista quanto à sociedade, sendo escassos os jovens
que entendem que a sociedade deve “se manter como está”. Aliás, a maioria
dos jovens defende mesmo “mudanças profundas” ou “mudanças radicais”, não

24
A pergunta do questionário era: “Consideras-te simpatizante de algum partido político?”

25
A pergunta do questionário era: “Se respondeste Sim, diz qual é o partido com que mais simpatizas.”

90
obstante a resposta mais escolhida ter sido a de que a sociedade pode
“melhorar com pequenas mudanças”. O conjunto destas respostas permite-nos
concluir que existe uma acentuada insatisfação perante o actual funcionamento
da sociedade.

26
Quadro 9.5 Atitudes em relação a reformas políticas

Pergunta 9º Ano 11º Ano Total (9º e 11º)


Está bem como está 6 (4,6%) 4 (3,0%) 10 (3,8%)
Pode melhorar com pequenas mudanças 62 (47,3%) 40 (30,3%) 102 (38,8%)
Precisa de reformas profundas 20 (15,3%) 40 (30,3%) 60 (22,8%)
Precisa de mudanças radicais 43 (32,8%) 48 (36,4%) 91 (34,6%)
Total 131 (100%) 132 (100%) 263 (100%)

Outro objectivo do nosso trabalho incidiu sobre as atitudes em relação a um


conjunto genérico de medidas destinadas a fomentar a participação política e a
melhorar a “qualidade” do sistema democrático. Em geral, há concordância
maioritária, embora moderada, com todas as medidas apresentadas no nosso
questionário: criar novos mecanismos de participação política; tornar o sistema
eleitoral mais “personalizado”; e recorrer mais frequentemente à democracia
directa. De sublinhar que o grau de concordância com todas medidas cresce
significativamente nos alunos do 11º ano quando comparados com os do 9º
ano, ou seja, quanto mais velhos mais apoiantes de medidas que melhorem a
participação dos cidadãos, como podemos atestar no Quadro 9.6.

26
A pergunta do questionário era: “Pensando na sociedade em que vives, com qual destas quatro
opiniões te identificas?”

91
27
Quadro 9.6 Atitudes em relação a reformas políticas

Pergunta Ano Frequência Média


Criar novos mecanismos para que os cidadãos 9º 5,86
131
possam participar nas decisões políticas
Criar novos mecanismos para que os cidadãos 11º 6,07
132
possam participar nas decisões políticas
Criar novos mecanismos para que os cidadãos Total 5,97
263
possam participar nas decisões políticas
Alterar sistema eleitoral para permitir votar mais 9º 5,63
131
pelos candidatos e menos pelos partidos
Alterar sistema eleitoral para permitir votar mais 11º 5,77
132
pelos candidatos e menos pelos partidos
Alterar sistema eleitoral para permitir votar mais Total 5,70
263
pelos candidatos e menos pelos partidos
Consultar mais vezes a população através de 9º 5,69
131
referendos
Consultar mais vezes a população através de 11º 6,27
132
referendos
Consultar mais vezes a população através de Total 5,98
263
referendos

Religiosidade

No que concerne à religião, pretendemos apurar a pertença a cultos religiosos


assim como medir a religiosidade entre os alunos. As respostas (Quadro 9.7)
que obtivemos revelam que uma larga maioria dos inquiridos se considera
pertencente a uma religião – a católica (Quadro 9.8). Todavia, os indicadores
de religiosidade (Quadro 9.10) apresentam valores negativos, o que pode
significar que a pertença religiosa está mais relacionada com questões culturais
do que com questões espirituais.

27
A pergunta do questionário era: “Das propostas que se seguem, e numa escala de 0 a 10 em que 0
significa que discordas totalmente e 10 que concordas totalmente, posiciona-te em relação a cada uma
delas.”

92
28
Quadro 9.7 Pertença a religião

9º Ano 11º Ano Total (9º e 11º)


Sim 100 (76,3%) 89 (67,4%) 189 (71,9%)
Não 31 (23,7%) 43 (32,6%) 74 (28,1%)
Total 131 (100%) 132 (100%) 263 (100%)

29
Quadro 9.8 Culto religioso

9º Ano 11º Ano Total (9º e 11º)


Católica 97 (97%) 88 (97,8%) 185 (97,4%)
Outra 3 (3%) 2 (2,2%) 5 (2,6%)
Total 100 (100%) 90 (100%) 190 (100%)

30
Quadro 9.9 Religiosidade

Pergunta Ano Frequência Média


És uma pessoa religiosa? 9º 131 3,75
És uma pessoa religiosa? 11º 132 3,64
És uma pessoa religiosa? Total 263 3,70

Em Síntese

Os alunos situam-se ideologicamente ao centro-esquerda, embora a divisão


ideológica entre “esquerda” e “direita” não assuma uma particular importância
entre os inquiridos. A maioria da nossa amostra não se revê nos partidos do
actual quadro político partidário português, e a minoria que assume simpatia
partidária divide as suas preferências entre os dois mais representativos

28
A pergunta do questionário era: “Actualmente sentes que pertences a alguma religião?”

29
A pergunta do questionário era: “Se respondeste Sim, diz qual? ”

30
A pergunta do questionário era: “Independentemente de pertenceres a uma religião em particular, numa
escala de 0 a 7, dirias que és uma pessoa...”

93
partidos políticos portugueses: PS e PSD, com vantagem para o Partido
Socialista – a força partidária responsável pela governação regional e nacional.

Existe entre os alunos uma manifesta insatisfação para com o actual


funcionamento da sociedade e uma concordância maioritária com medidas que
fomentem a participação política e promovam a melhoria qualitativa do sistema
democrático, nomeadamente através de medidas que favoreçam a participação
dos cidadãos nas decisões políticas.

A Igreja Católica é a religião mais representativa entre os alunos, embora mais


de ¼ destes não se reveja em nenhuma confissão religiosa. Os indicadores de
religiosidade são negativos, o que pode significar que os nossos inqueridos
enquadram-se no padrão vulgarmente conhecido por “católicos não
praticantes”, ou seja, identificam-se como católicos sobretudo pela influência
cultural dominante, sem que isso seja reflexo de uma efectiva religiosidade ou
prática religiosa.

94
Considerações finais

95
Considerações Finais

Chegado o momento de apresentar as nossas considerações finais sobre o


trabalho que desenvolvemos, começamos por explicar as motivações que
estiveram na sua origem. O autor, apesar de residir no continente português
por razões de natureza material (profissionais e académicas), é açoriano. E
havendo uma possibilidade de fazer um estudo localizado sobre a participação
cívica e política dos jovens em contexto educativo a escolha recaiu
naturalmente sobre os Açores. Somente deste modo poderíamos garantir que o
nosso objectivo não se restringia ao mero interesse académico da realização
de uma tese de mestrado para a obtenção do grau de mestre sob qualquer
pretexto trivial. As nossas preocupações sobre a participação cívica entre os
jovens na Região são reais e genuínas. Não foi a tese de mestrado que
ocasionou que o estudo incidisse sobre os Açores. Foram antes os Açores que
motivaram a produção da tese. Assim, conseguimos produzir um estudo sobre
a Região com a certificação científica da Faculdade de Psicologia e de
Ciências da Educação da Universidade do Porto.

Viver e sobretudo crescer nos Açores não é a mesma coisa que viver e crescer
no Minho ou no Alentejo, sem desprimor para estas regiões. Os Açores, a sua
geografia, a sua cultura e as suas gentes, marcam qualquer pessoa que tenha
mantido uma ligação, mesmo que ténue, àquela terra. Ninguém fica indiferente
à singular beleza natural do arquipélago31 que esmaga todos os que a
contemplam. Como disse Vitorino Nemésio, a geografia faz o açoriano, ou seja
o isolamento, o clima caprichoso e as constantes indisposições da natureza
(tempestades, sismos e erupções vulcânicas) formam o carácter dos açorianos,

31
Em 2007, um painel de 522 especialistas da “National Geographic Traveler” classificou o arquipélago
dos Açores como um dos mais atractivos destinos de turismo ambiental do planeta, recolhendo a segunda
melhor pontuação, atrás das Ilhas Faroe (Dinamarca), entre um conjunto de 111 ilhas ou arquipélagos do
mundo. Os itens avaliados foram a qualidade ambiental, a integridade social e cultural, a condição da
arquitectura, a atracão estética e a gestão do turismo, que tem resistido aos estragos resultantes das
adaptações materiais ao turismo de massas. Numa escala de 0 a 100, os Açores obtiveram a
classificação de 84. Desde então, a revista National Geographic tem dedicado uma especial atenção ao
arquipélago promovendo a divulgação da sua qualidade ambiental a nível mundial.
96
que uma vez adquirido fica para sempre. Pode-se tirar um açoriano dos
Açores, mas não se pode tirar os Açores de um açoriano.

É perante esta evidência que todo o conteúdo da nossa tese deve ser
compreendido. Mesmo a componente da Cidadania (Cap. I) também não foi
abordada inocentemente. Embora o nosso objectivo tenha sido demonstrar
como o conceito de cidadania, sempre marcado pela dialéctica inclusão-
exclusão, foi evoluindo ao longo dos tempos começando a ser visto em função
de deveres passando paulatinamente a ser entendido em termos de direitos; a
nossa descrição da evolução conceptual que a cidadania atravessou procurou
colocar ênfase em determinados aspectos que podem ser extrapolados para a
realidade açoriana actual, nomeadamente o zelo que dedicamos à virtude da
participação cívica na Grécia antiga em contraponto com a condição de idiotia
atribuída aos que voluntariamente abdicavam do seu contributo cívico para
com a sua comunidade.

A nossa abordagem à concepção moderna de cidadania justifica-se por dois


motivos: a confusão conceptual entre cidadania e nacionalidade e a
consagração da centralidade dos direitos dos cidadãos pela Declaração dos
Direitos Humanos que este período proporcionou, que são os elementos-chave
para a desafio conceptual da cidadania pós-nacional que adiante
apresentamos.

Antes, porém, expomos a mais influente exposição da cidadania enquanto


direitos de T. H. Marshall. Entendemos que o contributo do sociólogo inglês foi
fundamental para a consolidação definitiva da cidadania em função de direitos.
Mas, o que torna o ensaio “Cidadania, Classe Social e Status” (1950) numa
referência incontornável é sua conceptualização da cidadania social enquanto
estádio final da cidadania – aquele que efectivamente pode garantir uma justiça
social nas sociedades capitalistas, esbatendo as diferenças de classes pelo
acesso universal a serviços públicos de saúde, educação e segurança.

A nossa apresentação da perspectiva evolucionista de conquista de direitos


(civis, políticos, sociais) de Marshall procura evidenciar que a conquista destes
direitos não só não está consumada como pode mesmo não chegar a ser
97
concretizada, por isso, prudentemente, inserimos a cidadania social no nosso
trabalho como um desafio e não como uma evolução conceptual.

O esquema de Marshall permite-nos compreender a sucessão de conquistas


de direitos pelos cidadãos numa ordem sequencial, ao mesmo tempo que nos
explica que a conquista de cada um dos direitos se torna indispensável para a
conquista do direito seguinte. E sob este enquadramento que apresentamos
outro desafio ao conceito de cidadania: a cidadania pós-nacional.

A cidadania pós-nacional não se detém sobre os direitos sociais, mas sim na


conquista dos direitos políticos pelos cidadãos não-nacionais, isto é, os
imigrantes que residem em território português sem usufruírem de cidadania
política, para os quais a aquisição dos direitos políticos assume uma
importância prioritária relativamente aos direitos sociais.

Estamos convencidos que um projecto pós-nacional de cidadania pode passar


da teoria à prática depois de uma primeira experiência ser concretizada. Ao
contrário do desafio da cidadania social que foi abordado segundo uma
perspectiva global, o desafio da cidadania pós-nacional foi abordado no sentido
de ser situado na Região Autónoma dos Açores, funcionando esta como
laboratório duma experiência de cidadania liberta da lógica nacional. Desse
modo o projecto da autonomia política açoriana assumiria um lugar de
vanguarda a nível nacional, europeu e mundial, distinguindo os Açores
enquanto lugar de referência, onde o princípio da dignidade humana se
sobreponha ao princípio exclusor da nacionalidade.

O nosso estudo observou todo o processo de consolidação da autonomia


política açoriana desde o final do século XIX até aos nossos dias. Admitimos
que neste capítulo a formação de base do autor, em História, predominou. A
nossa intenção foi prestar uma homenagem a todo esse processo de
descentralização política pelo qual tantos açorianos se bateram durante longos
e difíceis períodos políticos e que ainda não se encontra totalmente
consumado. Contudo, os elevados valores da abstenção eleitoral que se
verificam no arquipélago, praticamente desde a criação da Região Autónoma
dos Açores, não prestam o devido tributo a todo esse processo nem conferem
98
dignificação aos responsáveis políticos regionais enquanto legítimos
representantes dos interesses dos cidadãos açorianos pelo desfasamento
crescente entre eleitos e eleitores, além de insinuarem o fracasso da
autonomia açoriana enquanto projecto político com uma efectiva adesão da
parte da população.

O desconforto que sentimos perante esta condição de desafecção de muitos


cidadãos açorianos constituiu, no entanto, um decisivo factor de motivação
para que realizássemos este nosso trabalho. Decidimos, então, procurar
respostas junto dos jovens em contexto educativo. Através de 263 inquéritos
válidos obtidos junto de alunos do 9º ano (131) e 11º ano (132) da Escola
Secundária das Laranjeiras e da Escola Secundária Domingos Rebelo –
estabelecimentos de ensino onde o autor obteve respectivamente a sua
formação do 3º Ciclo e do Secundário – conseguimos retirar junto de uma
amostra bastante significativa, tendo em conta o contexto educativo do
arquipélago, algumas extrapolações que nos permitem compreender melhor a
participação cívica e política da juventude açoriana.

Fazer uma tese sobre um determinado tema “significa presumir que até então
ninguém tivesse dito nada de tão completo nem tão claro sobre o assunto”
(Eco, 2001: 198). Estamos convencidos que o fizemos, embora tivéssemos
“beneficiado” do facto de até ao momento não ter sido realizado nenhum
estudo semelhante sobre a realidade açoriana. Deste modo, foi também nossa
intenção disponibilizar dados sobre a participação cívica e política dos jovens
açorianos que futuramente poderão receber tratamento e análises diferentes
daquelas que efectuamos, sem nunca atribuir um carácter de verdade absoluta
às nossas leituras sobre os resultados, muito nos agradaria que o nosso
trabalho motivasse outras interpretações.

Antes de finalizar este nosso trabalho, gostaríamos de deixar a nossa principal


sugestão sobre o modo como pensamos que se poderia dinamizar a cidadania
e a democracia entre os jovens, que passa pela aprendizagem da democracia
e da cidadania na escola. No nosso entender, a cidadania começa a construir-
se na escola. E no nosso estudo recolhemos bons indicadores que apontam a

99
escola como a instituição chave para a construção de cidadãos participativos e
politicamente activos. Embora seja de registar a pouca participação nas
associações de estudantes, o associativismo académico é entendido como um
meio bastante positivo para influenciar as decisões tomadas pela escola e
existe uma convicção generalizada entre os alunos de que poderiam contribuir
para resolver os problemas da escola se lhes fosse dada uma oportunidade.

O pouco interesse que os alunos revelam pelos problemas escolares pode


igualmente estar relacionado com a pouca ou nenhuma oportunidade que lhes
é concedida pela escola para fazerem parte da solução destes problemas,
além da falta de atenção prestada pela escola na formação cívica e
democrática dos alunos. A nossa sugestão passa por estimular a
aprendizagem da democracia na escola, ou seja, que a escola acompanhasse,
por intermédio dos professores, a aquisição de competências democráticas
pelos alunos. O que, de acordo com a sugestão de Meirieu fornecida por
Perrenoud (2002: 46), poderia ser feito “aprendendo a fazer aquilo que não se
sabe fazer fazendo-o”, isto é, promovendo e incentivando o associativismo na
escola, através da dinamização das associações de estudantes e da sua
legitimação enquanto órgãos representativos dos alunos no quadro dos órgãos
directivos das escolas. A aprendizagem da democracia pelos alunos só pode
ser encarada assim, ou seja, incluindo os alunos no conjunto da organização
da vida na escola, negociando horários, espaços, regras e sanções, modos de
cooperação e de regulação da coexistência entre alunos, professores e
educadores (idem: 48).

A escola tem um papel irrefutável na formação de cidadãos. Como os alunos


revelam uma inequívoca vontade em dar o seu contributo para a resolução dos
problemas escolares e aproveitando o ambiente democrático da sala de aula,
as escolas dariam um extraordinário contributo para a democracia se
revertessem esse capital democrático para a organização escolar favorecendo
a edificação de uma escola realmente democrática, criando hábitos
democráticos pela disponibilização de maiores possibilidades de participação
aos alunos, construindo deste modo cidadãos activos e participativos de
amanhã. Exactamente o que os Açores precisam.
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http://www.vpgr.azores.gov.pt/ – Vice-Presidência do Governo Regional dos


Açores

108
Anexos 1

(Inquéritos)

109

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