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Entrevistar Carlos Drummond de Andrade foi

uma proeza que o PASQUIM não conseguiu.


No tempo em que era editor do jornal cheguei a
publicar essa dica:
“Ilmo. Sr. Poeta Carlos Drummond de Andrade,
pela presente dica, suplico ao senhor a gentileza de
conceder uma entrevista ao PASQUIM. Sei que o
senhor não tolera dar entrevistas, mas a gente
gostaria muito de fazê-la. Dá pé? Diz que dá pé,
poeta.
Aguardando uma resposta favorável, subscrevo-
me, atenciosamente em nome da patota. – (Sérgio
Cabral)”
No dia 21 de junho de 1971, em sua coluna no
Jornal do Brasil, Drummond respondeu com essa
nota:
“Prezado Sérgio Cabral, há mais de 50 anos não
tenho feito outra coisa na vida senão dar entrevistas:
em verso, em crônica, em carta, em papo. O que
penso, o que sinto, o que imagino, o que me dói, me
alegra, me aborrece, tudo está dito e contado por este
auto contador incorrigível. E você ainda quer que
repita o repeteco, bicho? Como leitor do PASQUIM,
não quero que ele publique matéria gasta. Um
abraço à patota.”
Diante da resposta, fui aos lugares onde ele
contou as coisas e montei essa entrevista,
procurando também reproduzir o estilo dos
entrevistadores da época do PASQUIM. Tempos
depois encontrei Drummond num jantar em
homenagem aos 70 anos de Prudente de Moraes,
neto, e ele me cumprimentou assim:
- Como vai o meu entrevistador?
Tive a alegre sensação de que gostou.

Sérgio Cabral – Desde que o PASQUIM nasceu


que a gente está tentando fazer uma entrevista com o
senhor. No entanto, o senhor não nos atendeu. A
gente sabe que o senhor nunca deu uma entrevista.
Mas, pra gente, pô, devia dar. Por que sempre fugiu?
Carlos Drummond de Andrade – A idéia de
fuga tem sido alvo de crítica severa e indiscriminada
nos últimos anos, como se fosse ignominioso, por
exemplo, fugir de um perigo, de um sofrimento, de
uma caceteação.
Jaguar – Mas por que esse negócio com O
Pasquim? Por que ele é um jornal prafrentex que
aponta para o futuro?
Drummond – Não serei o poeta de um mundo
caduco.
Flávio Rangel – Então dá a entrevista pro
Pasquim, pô.
Drummond – Também não cantarei o mundo
futuro.
Ziraldo – Então qual é o seu caso?
Drummond – O tempo é a minha matéria, o
tempo presente, os homens presentes, a vida
presente.
Millôr Fernandes – Eu disse algumas vezes aqui
no Pasquim que a música é uma atividade menor
em relação, por exemplo, à literatura. Agora, eu
soube que você reclama uma crítica mais profunda à
poesia, reconhecendo, inclusive, que a música tem
uma critica mais rigorosa.
Drummond – Infelizmente, exige-se pouco do
nosso poeta; do que se reclama ao pintor, ao músico,
ao romancista.
Millôr – Explica isso melhor.
Drummond – Entendo que a poesia é negócio
de grande responsabilidade e não considero honesto
rotular-se de poeta quem apenas verseja por dor-de-
cotovelo, falta de dinheiro ou momentânea tomada
de contato com as forças líricas do mundo, sem se
entregar aos trabalhos cotidianos e secretos da
técnica, sem leitura, da contemplação e mesmo da
ação. Até os poetas se armam, e um poeta
desarmado é, mesmo, um ser a mercê de inspirações
fáceis, dócil às modas e compromissos.
Paulo Garcez – O homem é um tremendo
profissional.
Drummond – Meu processo é lentíssimo,
componho muito pouco, não me julgo
substancialmente e permanentemente poeta.
Sérgio – Quer dizer que não é mole ser poeta,
não é?
Drummond – Eu sustento que o pior literato de
20 anos ainda é um homem maravilhoso. Eu o
invejo, o amo e o respeito, absolutamente sem
crítica.
Miguel Paiva – A lenda que corre por aí é que o
senhor não gosta muito de ajudar os novos.
Drummond – No Brasil, a glória começa com a
violação do sigilo espistolar. Lemos amanhã nos
jornais a carta que mandamos hoje ao moço escritor.
Fortuna – No Rio, a glória termina no Russel e
termina no Flamengo.
Millôr – Na sua resposta ao Maciel, você
cortejou os jovens de 20 anos. Mas em cima de mim
esse negócio não pega, não. Fala mesmo o que vocÊ
pensa do intelectual de 20 anos.
Drummond – Vinte anos é uma bela idade, mas
tem o inconveniente de não se dar a conhecer senão
depois que a perdemos. Para quem chega aos 50
anos, não há tempo mais doce; quando se tem 20
anos, é um inferno. A alma não se encontrou ainda,
mas julga haver-se reconhecido. Tudo é triste e
velho não há esperança nem ingenuidade. É
impossível ser otimista quando não houve
sofrimento nem foi avaliado o preço da vida. A
mocidade nutre-se de equívocos e, às vezes, chega a
morrer deles. Exemplo: Álvares de Azevedo.
Ziraldo – Mas é disso que nós vivemos. O
intelectual tem que ser permanentemente perplexo e
se nutrir de equívocos. Quer dizer o senhor acha que
o cara tem que ser quadradão pra dar certo?
Drummond – Sabe-se o que há de perigoso na
literatura em uma conduta exemplar; o perigo é tão
positivo como o dia da falta de conduta. De bons
sentimentos não germinam obrigatoriamente bons
versos.
Carlos Leonam – Estou tentando falar desde o
início da entrevista e não consigo. Agora já perdi a
primeira pergunta. Mas o Miguel Paiva falou um
troço que eu gostaria de insistir. É sobre sua falta de
paciência com os novos, Eu li uma vez no Correio
da Manhã uma poesia sua tratando do assunto. Se
um jovem levar pro senhor uma poesia ou um
romance como é que o senhor reage?
Drummond – Ah, não tragam originais para ler,
para corrigir, para louvar. Sobretudo para louvar.
Não sou leitor do mundo nem espelho das figuras
que amam refletir-se no outro, a falta de retrato
interior. Sou velho cansado que adora o seu cansaço
e não o quer submisso ao vão comércio da palavra.
Chico Júnior – O senhor se chateia assim, é?
Estava pensando em levar pro senhor os originais
das Memórias do Madame Satã que estou
escrevendo para o Pasquim agora desisti. O homem
é uma fera.
Drummond – Respeitem a fera, triste, sem
presas, é fera.
Ziraldo – O senhor sabe que de vez em quando
sou procurado por colegiais que querem saber a
minha biografia. Eles vão lá em casa, vêm aqui no
Pasquim. Eu não agüento mais parar meu trabalho
lá em casa para atender os garotos, embora goste
muito disso. Tanto é que Nelma aqui no Pasquim é
quem está quebrando o galho pra mim. O senhor
como é que reage?
Drummond – Vocês, garotos de colégio, não
perguntem ao poeta quando nasceu. Ele não nasceu.
Não vai nascer mais.
Ivan Lessa – E as entrevistas?
Drummond – Repórteres de vespertinos, não
tentem entrevistá-lo. Não lhe, não me peçam
opinião, que é impublicável qualquer que seja o fato
do dia.
Fortuna – Então, o que é que o senhor quer?
Drummond – Quero a paz da estepes, a paz dos
descampados, a paz do Pico de Itabira quando havia
o Pico de Itabira, a paz de cima das Agulhas Negras,
a paz de muito abaixo da mina mais funda e
esboroada de Morro Velho. A paz da paz.
Jaguar – Eu também. Meu caso é ir pra Arraial
do Cabo e ficar lá a vida toda.
Ziraldo – Por falar em Arraial do Cabo,
Caratinga já teve a honra de aparecer na sua poesia,
não foi, seu Drummond? Como que é a poesia
mesmo?
Drummond – Uma namorada em cada
município,
os municípios mineiros são duzentos e quinze
mas o verdadeiro amor onde se
esconderá:
em Varginha, Espinosa ou Caratinga?
Sérgio Augusto – Pelo que tenho lido em suas
crônicas, o senhor não é muito de ir ao cinema. Pelo
menos não escreve muito sobre o assunto. Mas eu
sei que o senhor é um grande admirador de Carlitos,
para o qual escreveu um poema lindíssimo, Canto
ao Homem do povo Charles Chaplin. Gostaria que
o senhor falasse sobre isso.
Drummond – Dignidade da boca, aberta em ira
justa e amor profundo, crispação do ser humano,
árvore irritada, contra a miséria e a fúria dos
ditadores, ó Carlitos, meu e nosso amigo, teus
sapatos e teu bigode caminham numa estrada de fé e
de esperança.
Garcez – Engraçado, ainda não falaram assim
do Jece Valadão.
Jaguar – Mas o Millôr Fernandes ganhou uma
poesia de Carlos Drummond de Andrade. Só que
naquele tempo o Millôr assinava Vão Gôgo n’o O
Cruzeiro.
Drummond – Vão Gôgo faz ouvir ao surdo
a alegre música do absurdo. Ele mostra
a cara da gente
como é, de fato: inteiramente
demissionária de nós mesmos.
serão jóias, serão torresmos
em nossos tipos anfibólicos
Vão Gôgo ensina tanta cousa
que nossa prudência não ousa
aprender, e leva na flauta
(vôo cego, não o aeronauta).
Liberta-nos o riso, mas...
Há algo preso em Alcatraz.
Miguel – Não sei se o senhor sabe, mas há uma
certa área que o considera um conservador. O que é
que o senhor acha disso?
Drummond – Quando nasci um anjo torto,
desses que vivem na sombra, disse: Vai, Carlos, ser
gauche na vida.
Millôr – Isso você disse numa certa época da
sua vida. Depois sua posição mudou um pouco. Pelo
menos, ficou um combatente mais ameno.
Drummond – Não posso acreditar que
transformada a ordem social e econômica, a vida
assuma aspectos idílicos de fácil intercompreensão e
o indivíduo sinta desvanecida a sua complexidade.
Alguma coisa excede o econômico, e essa coisa é a
própria capacidade de organizar o econômico, tanto
como a de suplantá-la.
Fortuna – E o senhor pensa o que desses caras
que atacam o senhor pela sua posição?
Drummond – Que metro serve para medir-nos?
Flávio – O Drummond é bem claro na sua obra.
Drummond – Eu preparo uma canção que faça
acordar os homens e adormecer as crianças.
Sérgio – Mas concretamente o que é que o
senhor fez pelo homem brasileiro?
Drummond – tenho apenas duas mãos e o
sentimento do mundo.
Ziraldo – O desejo de qualquer intelectual, de
qualquer artista, de qualquer homem é modificar
alguma coisa.
Drummond – Mas há uma hora em que os
bares se fecham e todas as virtudes se negam.
Leonam – Mas se o senhor fosse Presidente da
República o que é que faria?
Drummond – Fosse eu Rei do Mundo, baixava
uma lei: mãe não morre nunca. Mãe ficará sempre
junto do seu filho.
Miguel – Freud explica.
Maciel – Vamos falar de religião. Tenho a
impressão de que a ausência entre nós de um
pensamento religioso qualificado, o descobrimento
das fontes orientais do pensamento religioso, etc.
favoreceu em larga escala a adesão fácil às fantasias
da teosofia.
Drummond – O misticismo constitui um dos
recursos mais sutis de que lança mão o solitário para
evadir-se da sua regra. O místico não está só, pois
tem comunicação pessoal e direta com a divindade.
Está mesmo demasiadamente cheio da sociedade,
pois se liga a todos os homens através de Deus,
realizando uma comunhão que nenhum contato
repugnante ou simplesmente incômodo virá
comprometer. O místico é um falso solitário.
Maciel – Concordando que o místico esteja
cheio da sociedade.
Drummond – A solidão é niilista. Penso numa
solidão total e secreta, de que a vida moderna parece
guardar a fórmula, pois para senti-la não é preciso
fugir para Goiás ou às cavernas. No formigamento
das grandes cidades, entre o ronco dos motores e o
barulho dos pés e das vozes, o homem pode ser
invadido bruscamente por uma terrível solidão, que
o paralisa e o priva de qualquer sentimento de
fraternidade ou temor. Um desligamento absoluto de
todo o compromisso liberta e ao mesmo tempo
oprime a personalidade. Desta solidão está cheia a
vida de hoje, e a instabilidade nervosa do nosso
tempo poderá explicar o fenômeno de um ponto de
vista científico; mas, poeticamente, qualquer
explicação é desnecessária, tão sensível e
paradoxalmente contagiosa é esta espécie de
soledade.
Sérgio – O senhor não falou ainda da sua
cidade, Itabira.
Drummond – Declaro que nasci em Itabira, no
ano de 1902, filho de pais burgueses, que me
criaram no temor de Deus.
Sérgio Augusto – Como é que o senhor viu,
ainda jovem, a I Guerra Mundial?
Drummond – Ao sair do grupo escolar, tomei
parte na guerra européia (pesa me dizê-lo) ao lado
dos alemães. Quando o primeiro navio mercante
brasileiro foi torpedeado, tive que retificar a minha
posição. A esse tempo já conhecia os padres alemães
do Verbo Divino (rápida passagem pelo Colégio
Arnaldo em Belo Horizonte).
Leonam – Por falar nisso, o que é que o senhor
acha de Belo Horizonte?
Drummond – A menos interessante das cidades
mineiras; menos interessante do que qualquer
estaçãozinha de estrada de ferro, perdida no mato,
onde o trem não pára.
Ziraldo – Vamos organizar esta entrevista. O
senhor estava comentando que passou pelo Colégio
Arnaldo. Eu sei que o depois o senhor foi estudar em
Friburgo, no estado do Rio.
Drummond – Dois anos em Friburgo, com os
jesuítas. Primeiro aluno da classe, é verdade que
mais velho que a maioria dos colegas, comportava-
me como um anjo, tinha saudade das famílias e de
todos os bons sentimentos, mas expulsaram-me por
“insubordinação mental”. O bom reitor que me
fulminou com essa sentença condenatória morreu,
alguns anos depois, num desastre de bonde na Rua
São Clemente.
Voz não identificada – Bem feito.
Ziraldo – Não fale assim, rapaz.
Millôr – Ziraldo, agora você é que está
atrapalhando. Drummond. Essa expulsão lhe causou
algum problema de cuca?
Drummond – A saída brusca do colégio teve
influência enorme no desenvolvimento dos meus
estudos e de toda minha vida. Perdi a fé. Perdi
tempo. E sobretudo, perdi a confiança na justiça dos
que julgavam.
Flávio – Não ganhou nada?
Drummond – Ganhei a vida e fiz alguns
amigos inesquecíveis.
Jaguar – Continua.
Drummond – Casado, fui lecionar no interior.
Voltei a Belo Horizonte como redator de jornais
oficiais e oficiosos. Mário Casassanta levou-me para
a burocracia, de que tenho tirado meu sustento. De
repente, a vida começou a impor-se, a desafiar-me
com seus pontos de interrogação, que se
desmanchavam para dar lugar a outros. Eu liquidava
alguns, mas apareciam novos.
Sérgio – Qual foi o seu primeiro livro
publicado?
Drummond – Meu primeiro livro, Alguma
Poesia (1930), traduz uma grande inexperiência do
sofrimento e uma deleitação ingênua com o próprio
indivíduo.
Maciel – Isso continuou no seu segundo livro?
Drummond – Já em Brejo das Almas (1934),
alguma coisa se compôs, se organizou; o
individualismo será mais exacerbado mas há
também uma consciência crescente de sua
precariedade e uma desaprovação tácita da conduta
(ou falta de conduta) espiritual do autor. Penso ter
resolvido as contradições elementares de minha
poesia num terceiro volume, Sentimento do Mundo
(1940). Só as elementares: meu progresso é
lentíssimo.
Sérgio Augusto – O senhor também tentou ser
ator quando era garoto em Minas Gerais, não foi?
Drummond – Eu aprendia tudo quem me
ensinavam de geografia, história, maneira de
assentar e comer, não meter (em público) o dedo no
nariz, etc, mas não conseguia ser bom ator. Fui
péssimo.
Jaguar – O senhor acredita, como dizem alguns,
que a poesia já era?
Drummond – A poesia está viva, e sua luz, de
tão fulgurante, algumas vezes torna-se incômoda.
Leonam – O senhor falou que aprendia tudo de
geografia, história, etc. Qual foi o melhor professor
que o senhor já conheceu?
Drummond – Mário de Andrade, cem por
cento professor, o melhor professor que já conheci,
embora nunca lhe ouvisse uma aula.
Millôr – Ao contrário de você que detesta ler
originais dos jovens desconhecidos, Mário de
Andrade se interessava muito pelos escritores que
surgiam. Na sua casa de São Paulo ele recebia
originais de todo Brasil e respondia sempre com
uma carta elogiando ou esculhambando. Eu sei por
exemplo que você mesmo escrevia pra ele lá de Belo
Horizonte. Você e muitos escritores da sua geração.
Como é que vocês respondiam às cartas de Mário de
Andrade?
Drummond – As cartas de Mário de Andrade
ficaram constituindo o acontecimento mais
formidável da nossa vida intelectual belo-
horizontina. Eram torpedos de pontaria infalível.
Depois de recebê-las ficávamos diferentes no
sentido de mais ricos ou mais lúcidos. Quase sempre
ele nos matava ilusões, e a morte era tão completa
que só podia deixar-nos ofendidos e infelizes. Então
reagíamos com injustiças, tolices, o que viesse de
momento ao coração envinagrado. Mário recebia
sorrindo essas tolices, mostrava que eram
simplesmente tolices e ficávamos mais amigos.
Sérgio – Mário de Andrade foi um cara muito
importante na Semana de Arte Moderna de 1922,
coisa e tal e foi, na minha opinião, um dos maiores
intelectuais brasileiros de todos os tempos, no
sentido de que conhecia profundamente vários tipos
de atividades cultural, era um criador e um crítico
como poucos, um revolucionário, coisa e tal.
Quando penso numa comparação com ele o único
nome que me ocorre é o Ferreira Gullar, além de
Monteiro Lobato, este mais limitado naquele sentido
de que te falei antes. Mas todos os três foram
sobretudo militantes. Falei pra chuchu e ainda não
fiz a pergunta. É o seguinte: quem mais dos
modernistas impressionou ao senhor?
Drummond – Oswald de Andrade: não houve
no modernismo personagem mais vivo do que ele.
Fortuna – Na entrevista que deu ao Pasquim,
Eneida colocou o senhor entre os maiores amigos
dela. Pouco depois ela morreu.
Drummond – Do lado esquerdo carrego meus
mortos. Por isso caminho um pouco de banda.
Jaguar – O senhor tem uma quadrinha pra ela.
Drummond - Enquanto uma
cigarra zine
no ouro da tarde
que desmaia
fitas o rosto de
Lenine
com o longo olhar
de Krupskaia.

Ziraldo – Outro grande amigo seu foi Manuel


Bandeira, não foi?
Drummond – Ontem, hoje,
amanhã: a vida
inteira
teu nome é para
nós, Manuel,
bandeira.

Maciel – O senhor tem alguma poesia sobre a


Bahia?
Drummond – É preciso fazer um poema sobre
a Bahia. Mas eu nunca fui lá.
Ziraldo – Mas deixa eu fazer minha pergunta: se
o senhor ganhasse na Loteria Esportiva o que é que
faria com aquela grana toda?
Drummond – Compraria uma ilha; não muito
longe do litoral, que o litoral faz falta; nem tão perto,
também, que de lá eu possa aspirar a fumaça e a
graxa do porto. Para esta ilha sóbria não se levará
bíblia nem se carregarão discos. Algum amigo que
saiba contar histórias está naturalmente convidado.
Bem como alguma amiga de voz doce ou quente,
que não abuse muito dessa prenda. Haverá pedras à
mão – cascalho miúdo – que se possa lançar ao céu,
a título de advertência quando determinada arte
puser em perigo o ruminar bucólico da ilha. Não
vejo inconveniente na entrada sub-reptícia de
jornais. Servem para embrulho, e nas costas do
noticiário político ou esportivo há sempre um
anúncio de filme em reprise, invocativo, ou qualquer
vaga menção a algum vago evento que, por obscuro
mecanismo, desperte em nós profundas e gratas
emoções retrospectivas.
Flávio – Voltando àquele negócio do princípio,
o problema das entrevistas. O senhor não acha que
as entrevistas ajudam um pouco a posteridade?
Drummond – Muitos escritores organizam eles
mesmos a posteridade, explicando-se, confessando-
se, coroando-se. Não chegam à perfeição de se
atacar, mas no íntimo, desejariam fazê-lo.
Leonam – O senhor lê o Pasquim?
Drummond – É melhor sorrir (sorri
gravemente).
Sérgio – Sabe que tem gente que acha o
Pasquim pornográfico?
Drummond – Oh! Sejamos pornográficos
(docemente pornográficos). Por que seremos mais
castos que o nosso avô português?
Millôr – Drummond, você tem algum vício?
Drummond – Meu verso é minha consolação.
Meu verso é minha cachaça. Todo mundo tem a sua
cachaça.
Flávio – E mais nada?
Drummond – Perdi o bonde e a esperança.
Ziraldo – Quer dizer que há esperança?
Drummond – Meus olhos são pequenos para
ver países mutilados como troncos, proibidos de
viver, mas em que a vida lateja subterrânea e
vingadora.
Millôr – É a apologia dos heróis.
Sérgio – O senhor teme ser superado por um
novo movimento de poesia moderna?
Drummond – Como ficou chato ser moderno,
agora serei eterno.
Leonam – O senhor faz versos sobre tudo o que
vê ou que faz?
Drummond – Não faço versos sobre
acontecimentos. Não há criação nem morte perante a
poesia.
Ziraldo – Vários trabalhos seus em prosa e
poesia falam de Ouro Preto, Sabará, Congonhas,
aquelas cidades por onde o Aleijadinho andou, o que
é que o senhor acha dele?
Drummond – Esse mulato de gênio lavou na
pedra sabão todos os nossos pecados.
Garcez – Menos os dele.
Sérgio – Eu soube que o senhor detesta
literatura infantil.
Drummond – O gênero “literatura infantil”
tem, a meu ver, existência duvidosa. Haverá música
infantil? pintura infantil?
Sérgio – O senhor fala muito em si próprio na
sua obra, se confessa muito. O senhor acha
importante esse comportamento em todos os
escritores?
Drummond – Não aprovo as mulheres que
cantam em poesia o ser próprio corpo, relatando-nos
suas delícias e comodidades. Elas se oferecem
indistintivamente a cada leitor do livro ou jornal, na
rua ou na biblioteca. Mas suponho que se recusariam
a esse mesmo leitor que, de livro ou jornal em
punho, as procurasse para a consumação do ato
sugerido ou proposto literariamente.
Ziraldo – Há vários gênero de poema, existe até
o poema bíblico.
Drummond – Sim, é verdade, há poetas
bíblicos, mas quando chega a hora mosaica prefiro
ler diretamente a Bíblia.
Jaguar – O senhor está a par de alguma
revolução literária que esteja acontecendo ou para
acontecer no Brasil? Um negócio assim como a
semana de arte moderna.
Drummond – Nossas revoluções são bem
maiores do que quaisquer outras; nossos erros
também.
Leonam – Mas a gente pode acompanhar pelo
menos o que se está passando na Europa, por
exemplo, não é?
Drummond – Um sábio declarou a O Jornal
que ainda falta muito para atingirmos um nível
razoável de cultura. Mas, até lá, felizmente, eu
estarei morto.

Flávio – Como era sua infância em Itabira?


Drummond – Meu pai montava a cavalo, ia
para o campo. Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia. Eu sozinho, menino
entre mangueiras, lia a história de Robinson Crusoé.
Sérgio Augusto – O senhor era rico?
Drummond – Tive ouro, tive gado, tive
fazendas. Hoje sou funcionário público. Itabira é
apenas uma fotografia na parede. Mas como dói!
Millôr – Você teve apenas uma filha, não é?
Drummond – O filho que não fiz hoje seria
homem. Ele corre na brisa, sem carne, sem nome.
Flávio – O senhor conhece um caso de fixação
em mulher como o de Di Cavalcanti? Talvez se lhe
compara (gostaram do se lhe?) o Vinícius de
Moraes.
Drummond – Multiamante, Di Cavalcanti fez
pacto com a mulher.
Sérgio – Quais sãos as suas restrições à
Academia Brasileira de Letras?
Drummond – É inteiramente vinculada a um
padrão já há muito sabido.
Sérgio Augusto – O senhor ainda tem algum
vínculo com Itabira?
Drummond – Uma rua começa em Itabira que
vai dar no meu coração. Nesta rua passam meus
pais, meus tios, a preta que me criou.
Ziraldo – O senhor tem medo? Por exemplo: o
senhor tem medo da bomba atômica?
Drummond – A bomba tem 50 megatons de
algidez por 85 de ignomínia. A bomba não destruirá
a vida. O homem (tenho esperança) liquidará a
bomba.
Fortuna – O senhor tem outras preocupações?
Drummond – Minha poesia deste momento
inunda minha vida inteira.
Ziraldo – Há algo em sua vida que o senhor
jamais esqueceu nem esquecerá?
Drummond – Nunca esquecerei que no meio
do caminho tinha uma pedra.

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