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os demitidos da língua

Breno Luis Deffanti


brenopontocom@gmail.com
www.brenodeffanti.blogspot.com
2002

A motivação desse trabalho é uma pergunta cuja resposta pode ser aparentemente
simples: como um aluno, brasileiro, nas escolas de ensino fundamental e médio, brasileiras,
pode ser reprovado numa disciplina chamada ‘Língua Portuguesa’? A questão pode ir adiante e
questionar como a escola pode declarar um falante nativo incompetente na própria língua.
Esse fato me chamou a atenção ao ler um artigo publicado pelo deputado federal Aldo
Rebelo (PC do B-SP)1. A questão centrava-se na verdade nos estrangeirismos e o deputado
federal defendia seu projeto de lei2 que protegia a língua portuguesa contra os estrangeirismos.
Alegava que o projeto também objetivaria melhorar o ensino de português no país, que
apresenta números trágicos.

O último censo escolar realizado pelo governo brasileiro revelou uma tragédia:
40% dos alunos da primeira série do ensino fundamental repetem de ano. E um
escândalo: em oito Estados brasileiros a primeira série tem mais reprovados do
que aprovados. Em outra pesquisa, também oficial, piorou o desempenho dos
alunos em língua portuguesa [grifo meu] entre 1997 e 1999.

A questão que estou tentando levantar nesse trabalho pode ser mais trágica: como o
desempenho dos alunos em língua portuguesa pode ter piorado de um ano para outro, como os
falantes pioram no desempenho da própria língua?
Para Possenti (1996/2000), está claro que todos que falam sabem falar.

Ora, se abríssemos os ouvidos, se encarássemos os fatos, eles nos mostrariam


que uma coisa é óbvia: que todos os que falam sabem falar.Pode ser que falem
de forma um pouco peculiares, que certas características de seu modo de falar
nos pareçam desagradáveis ou engraçadas. Mas isso não impede que seja
verdade que sabem falar.

1
Sobre guerras e línguas, Folha de São Paulo, Caderno Mais, 01/07/2001.
2
Projeto de lei número 1676 de 1999
O argumento acima pode ser estendido se analisarmos como uma das funções da
linguagem a transmissão da experiência humana (Benveniste, 1902/1976)3 e da oposição “eu-
tu/ele”. Como se pode declarar alguém incapaz de usar a linguagem para estabelecer-se em
sociedade e relacionar-se nela uma vez que, quer queira ou não, esse sujeito já está
estabelecido em sociedade e já relaciona-se nela, quer de maneira central ou periférica.

como está caracterizado o ensino médio?

Para tentar entender melhor a situação, tentei localizar as fontes dos dados
apresentados por Aldo Rebelo. Infelizmente não consegui localizar os dados exatos, mas entrei
em contato com o site do Saeb4, Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica. Além de
não serem os mesmos dados que Aldo Rebelo apresentou, os dados que extraí do referem-se
mais precisamente ao ensino da 4a, 8a do ensino fundamental e do 3o colegial do ensino médio.
Apesar de diferentes, os dados levam à conclusões semelhantes ao do deputado e
correspondem ao mesmo período (1999).

Entre as prioridades estabelecidas pelo Ministério da Educação (MEC), destaca-


se a melhoria permanente da Educação Básica no Brasil. Contribuindo para a
realização de tal objetivo, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais (Inep) implantou, em 1990, um dos mais amplos e completos
esforços na coleta e sistematização de dados e análise de informações sobre o
ensino fundamental e médio em nosso País: o Sistema Nacional de Avaliação da
Educação Básica - Saeb.
O Saeb é um importante subsídio para a compreensão dos fatores associados ao
processo de ensino e aprendizagem, em diversas séries e disciplinas. Com base
nas informações coletadas por ele, o MEC e as secretarias estaduais e municipais
de Educação definem ações voltadas para a correção das distorções e
debilidades identificadas, dirigindo seu apoio técnico e financeiro para o
crescimento das oportunidades educacionais e da qualidade do sistema
educacional brasileiro, em seus diferentes níveis.
(fonte: www.inep.gov.br/saeb/oquee.htm)

Ou seja, a função do Saeb é fornecer os dados que retratem o perfil do ensino no


Brasil. Os dados foram extraídos através de provas que mediam o desempenho dos alunos em

3
BENVENISTE, E. “Problemas da Lingüística Geral I”
_______________ “Problemas da Lingüística Geral II”
4
http://www.inep.gov.br/saeb/default.asp
Português e Matemática e também de um questionário que coletava informações relativas ao
contexto em que os alunos estavam inseridos: as turmas, alunos, professores, diretores e
escolas. Por motivos óbvios, me aterei aos dados relativos ao ensino de português.
Para interpretarmos os dados, nos utilizaremos dos esquemas e medidas fornecidos
pelo teste, que constitui num sistema de equalização dos dados.

Desde 1995, o SAEB utiliza escalas de desempenho para descrever e comparar a


performance dos alunos brasileiros nas diferentes disciplinas avaliadas. Nestas
escalas, que variam de 0 a 500 pontos, o desempenho está ordenado de
maneira crescente e cumulativa, o que significa que o nível 500 abrange todos
os demais. A estimativa de desempenho obtida para os alunos ou grupos de
alunos em cada uma das três séries avaliadas indica, portanto, o lugar que
ocupam na escala.
Para interpretar os dados do Saeb, o próprio sistema de avaliação utilizou-se de
um esquema de equalização dos dados Desde 1995, o SAEB utiliza escalas de
desempenho para descrever e comparar a performance dos alunos brasileiros
nas diferentes disciplinas avaliadas. Nestas escalas, que variam de 0 a 500
pontos, o desempenho está ordenado de maneira crescente e cumulativa, o que
significa que o nível 500 abrange todos os demais. A estimativa de desempenho
obtida para os alunos ou grupos de alunos em cada uma das três séries avaliadas
indica, portanto, o lugar que ocupam na escala.
A interpretação de tais escalas pode ser feita de diferentes maneiras. A
alternativa adotada nos ciclos de 1995 e 1997 foi selecionar determinados
pontos e descrever o que os alunos neles situados demonstraram saber fazer.
Esta forma de interpretação fornece informações detalhadas sobre os
conhecimentos e habilidades que os alunos das séries avaliadas pelo SAEB são
capazes de manejar. O problema, porém, é que não é possível atribuir
significado pedagógico às médias de desempenho que se situam entre dois
pontos interpretados da escala. Sob esta perspectiva, portanto, havia lacunas na
interpretação das escalas de desempenho, dificultando a análise e utilização dos
resultados pelos agentes educacionais.
Para superar este problema, buscou-se, no SAEB 99, uma forma de
interpretação que descrevesse o que alunos sabem e são capazes de fazer em
determinados intervalos da escala, denominados níveis de desempenho. Este
tipo de interpretação favorece a análise da evolução do desempenho entre
diferentes ciclos de avaliação, uma vez que torna possível a interpretação
pedagógica de todos os pontos da escala.
A comparabilidade dos resultados do SAEB é garantida em todas as
etapas de desenvolvimento da pesquisa, desde a definição das populações de
referência e dos procedimentos de amostragem, passando pela construção dos
instrumentos e pelas técnicas de equalização dos resultados até a metodologia
de análise dos dados. (fonte: www.inep.org.br/saeb)
o ensino e o Saeb

Segundo o Saeb, os níveis de relacionamento do aluno com a língua portuguesa


encontram-se entre 150 a < 3505, que o permite ler, ter uma compreensão localizada e global
dos textos, trabalhar com textos pequenos e simples cuja temática aproxime-se à realidade, e
fazer um trabalhar com textos que priorizem a argumentação.

Evolução das Médias de Desempenho dos Alunos da 3ª série do Ensino Médio -


Língua Portuguesa
LOCALIZAÇÃO 1995 1997 1999

BRASIL 290,01 283,86 266,57


1,89 2,06 1,47
NORTE 274,37 269,41 246,07
5,71 5,53 1,43
NORDESTE 265,71 275,90 253,00
2,53 3,02 1,53
SUDESTE 298,79 282,78 271,15
3,35 2,89 2,77
SUL 296,06 296,98 277,64
3,12 6,71 2,18
CENTRO OESTE 296,81 293,03 270,94
4,79 2,55 1,91
(fonte: Informe de resultados comparativos do SAEB 1995, 1997 e 1999 -
http://www.inep.gov.br/saeb/anos_anteriores.htm )

Evolução das Médias de Desempenho dos Alunos da 4ª série do Ensino


Fundamental - Língua Portuguesa
LOCALIZAÇÃO 1995 1997 1999

BRASIL 188,28 186,46 170,73


1,56 1,60 0,91
NORTE 172,60 172,00 160,21
2,61 1,58 1,03
NORDESTE 178,03 177,80 157,46
2,59 1,75 0,70
SUDESTE 194,94 193,32 179,78
2,88 3,34 1,97
SUL 191,38 191,10 179,10
2,96 2,99 1,68

5 a a
Mais especificamente, os alunos de 4 série encontram-se entre 150 < 200; os alunos de 8 série entre os níveis
a
200 < 250 e os de 3 série do ensino médio nos níveis 250 < 300.
CENTRO OESTE 193,40 183,13 170,54
2,70 1,35 1,21
(fonte: Informe de resultados comparativos do SAEB 1995, 1997 e 1999 -
http://www.inep.gov.br/saeb/anos_anteriores.htm)

Evolução das Médias de Desempenho dos Alunos da 8ª série do Ensino


Fundamental - Língua Portuguesa

LOCALIZAÇÃO 1995 1997 1999

BRASIL 256,05 250,00 232,90


1,44 2,05 0,96
NORTE 240,97 241,81 226,34
4,08 1,74 1,16
NORDESTE 230,39 241,25 224,49
2,13 2,60 1,02
SUDESTE 266,76 251,48 235,27
2,32 3,69 1,80
SUL 261,92 259,27 239,28
2,77 5,19 2,22
CENTRO OESTE 256,47 254,02 235,71
4,00 2,59 1,32
(fonte: Informe de resultados comparativos do SAEB 1995, 1997 e 1999 -
http://www.inep.gov.br/saeb/anos_anteriores.htm)

O site também disponibiliza exemplos de exercícios e o que se espera do aluno nesse


tipo de exercício
Nível 150   < 200

Leitura com compreensão localizada de textos pequenos, com frases curtas


em ordem direta, vocabulário e temática próximas da realidade do aluno.
Neste nível os alunos operam preferencialmente com estratégias locais de
leitura, identificam informações cruciais/centrais, em posição destacada, e
ainda a finalidade ou tema de um texto. Usam, também, conhecimento de
mundo na percepção do sentido de um texto.
Na compreensão dos textos, o aluno demonstra:
 Identificar informações cruciais/centrais, em posição destacada.
 Realizar inferência em situação em que haja bastante evidência de
apoio.
 Operar preferencialmente com estratégias locais de leitura.
 Usar conhecimento de mundo/valores de ampla difusão na percepção
do sentido/finalidade de um texto.
 Reconhecer gêneros textuais, utilizando características gráficas e
discursivas bem salientes.
 Selecionar, de uma lista, o enunciado que expressa apropriadamente a
intenção, a finalidade ou tema de um texto.
Exemplo
Leia o texto:
NOME, COLEIRA E LIBERDADE

Eu sempre me orgulhei da condição de vira-lata.


Sempre fui um cachorro de focinho para cima.
Fujo de pedrada, que eu não sou besta
Fujo de automóvel, que não sou criança.
Trato gente na diplomacia: de longe!
Não me deixo tapear.
Comigo não tem “não-me-ladres”...
Se preciso, eu ladro e mordo!
E coleira, aceitar eu não aceito, de jeito nenhum!
Quando vejo certos colegas mostrando com orgulho aquela rodela imbecil no
pescoço, como se fosse não coleira, mas colar, chego a ter vergonha de ser cão.
Palavra de honra!
A coleira é o dono!
A coleira é escravidão!
Coleira é o adeus à liberdade!
Dirão vocês: a coleira pode livrar o cachorro da carrocinha.
Posso falar com franqueza?
Cachorro que não sabe fugir da carrocinha pelas próprias patas, que não é
capaz de autografar a canela de um caçador com os próprios dentes, não tem
direito de ser cão.
E é por isso que eu sempre fui contra o nome que os homens me impingem.
Porque é símbolo, também, de escravidão.
LESSA, Orígenes. Podem me chamar de bacana. Rio de Janeiro: Tecnoprint,
1977, p. 25-28.
O narrador da história é o:
A. cachorro de raça.
B. cachorro vira-lata.
C. cachorro da carrocinha.
D. cachorro da madame.
Nível 200   < 250
Leitura com compreensão global de textos pequenos, com frases curtas em
ordem direta, vocabulário e temática próximos da realidade do aluno.
Os alunos resolvem problemas de leitura a partir da compreensão global do
texto, incluindo inferências, localizam informações secundárias, reconstroem
uma narrativa, encadeando vários fatos na ordem de aparição, e reconhecem
efeitos de sentido de recursos variados (repetição, substituição,
onomatopéia).
Na compreensão dos textos, o aluno demonstra:
 Resolver problemas de leitura a partir da compreensão global do texto.
 Localizar informações secundárias.
 Fazer inferências a partir da leitura global.
 Reconstruir uma narrativa, encadeando vários fatos na ordem de
aparição.
 Correlacionar, em um texto dado, termos, expressões ou idéias que
tenham o mesmo referente.
 Reconhecer efeitos de sentido de recursos variados (repetição,
substituição, onomatopéia).
 Progredir na leitura articulando partes do texto.
 Excluir, de uma lista, por verificação, informações plausíveis não
contidas no texto.
 Reconhecer e comparar paráfrases, identificando entre várias, a mais
 apropriada.
 Reconhecer gêneros textuais a partir da enumeração de características.
Exemplo

No último quadrinho. Quando o homem diz: “Duro é ter que ouvir essa
ladainha” podemos concluir que ele está:
(A) aborrecido com o preço dos vendedores.
(B) gostando da oração que o menino está rezando.
(C) irritado com a fala do menino.
(D) irritado com a reza do menino

Língua Portuguesa

Nível 250   < 300

Leitura para estabelecimento de relações coesivas entre partes de um texto,


em textos de temática além da realidade imediata do aluno, com vocabulário
de uso específico e períodos mais longos.
Os alunos estabelecem relações coesivas entre partes do texto, inclusive pelo
reconhecimento de tópico e comentário, distinguem "fato" de "opinião";
problema de solução; tese de argumento; causa de efeito, fazem
transformações estruturais e estabelecem relações de correspondência, e
ainda compreendem explicações mais abstratas, metalingüísticas.
Na compreensão dos textos, o aluno demonstra:
 Identificar o tema central e/ou finalidade do texto.
 Discernir entre “fato” e “opinião”; problema e solução; tese e
argumento; causa e efeito.
 Estabelecer relações coesivas entre partes do texto, inclusive pelo
reconhecimento de tópico e comentário.
 Fazer transformações estruturais e estabelecer relações de
correspondência (sinonímia/pareamento).
 Compreender explicações mais abstratas, metalingüísticas.
 Interpretar dados presentes em um gráfico e relacioná-los com
informações contidas em um texto.
 Utilizar informações de um verbete para discernir o sentido mais
apropriado de uma palavra.
Exemplo
BRINQUEDOS INCENDIADOS
Cecília Meireles
a noite houve um incêndio num bazar. E no fogo total desapareceram
consumidos os seus brinquedos. Nós, crianças, conhecíamos aqueles
brinquedos um por um, de tanto mirá-los nos mostruários - uns, pendentes de
longos barbantes; outros, apenas entrevistos em suas caixas.
(…)
O incêndio, porém, levou tudo. O bazar ficou sendo um famoso galpão de
cinzas.
Felizmente, ninguém tinha morrido - diziam em redor. Como não tinha morrido
ninguém? - pensavam as crianças. Tinha morrido um mundo, e, dentro dele, os
olhos amorosos das crianças, ali deixados.
E começávamos a pressentir que viriam outros incêndios. Em outras idades.
De outros brinquedos. Até que um dia também desaparecêssemos sem
socorro, nós, brinquedos que somos, talvez, de anjos distantes!
(In: Janela Mágica, São Paulo, Moderna, pp 13-14)
Os outros incêndios a que a autora se refere, no último parágrafo, podem ser
entendidos como:

(A) descobertas que se fariam ao longo da


vida.
(B) perdas e decepções que ocorreriam ao
longo da vida. 
(C) acidentes com fogo em estabelecimentos
comerciais e residenciais.
(D) violentas transformações na cidade em
que morava.
(fonte: Informe de resultados comparativos do SAEB 1995, 1997 e 1999 -
http://www.inep.gov.br/saeb/anos_anteriores.htm)

Analisando os dados colhidos pelo Saeb, entendemos facilmente como os dados


´trágicos’ mostrados pelo deputado Aldo Rebelo se formaram e onde eles acertam e erram.
1o – Os dados não trabalham exatamente com a língua portuguesa; trabalham com a língua
portuguesa escrita culta.
O exemplo das questões aplicadas no teste realmente mostra que a grande função da
escola é ensinar a língua padrão, indo ao encontro do que Possenti (1996/2000) defende:

Objetivo da escola é ensinar o português padrão, ou talvez mais exatamente, o


de criar condições para ele seja aprendido. Qualquer outra hipótese é um
equívoco político ou ideológico

Mas o grande problema é que quando um aluno é reprovado – geralmente por motivos
e condições absolutamente questionáveis – ele é rotulado como incapaz para se considerar
como um falante de qualquer das modalidades do português, seja escrito, falado, culto ou não.
Assim, se um sujeito é considerado incapaz de usar a própria língua, o que dirá de realizar
qualquer outro tipo de atividade, como reinvidicar seus direitos como cidadão.(Freire, 1970).
O que percebemos é que a escola cobra do aluno algo que não lhe é especificado. Cobra
o ensino da língua padrão sem deixar a questão clara ao aluno, que acredita que está
aprendendo (ou melhor, não aprendendo) a língua portuguesa como um todo. Acaba que o
aluno acaba não reconhece a língua que aprende como sua e não também não tem a noção de
que está aprendendo um dialeto importantíssimo para o acesso à cidadania, sendo o dialeto
padrão o dialeto ´oficial’ para jornais, documentos oficiais. O problema agrava-se ainda mais
quando a escola apresenta ao aluno uma variação dita ´culta´ que sequer é usado pelos falantes
ditos ´cultos’6 (Bagno, 2000).
2o – O Saeb reconhece as diferenças, mas as ignora na hora em aplica um teste padronizado
para todas as regiões do país.
Nos seus protocolos, o Saeb reconhece a pluralidade geográfica do Brasil, tanto que
analisa os dados por regiões geográficas. Porém, aplica os mesmos testes tanto para alunos do
Nordeste, como para alunos do Sudeste; tanto para alunos vindo de ambiente letrado como
iletrado; alunos do interior e da capital. O teste ignora ainda que numa mesma sala de aula
possa haver alunos com características diferentes, idades diferentes, vindo de lugares
diferentes e com diferentes relações com o meio letrado.

Como é uma visão derivada da tradição escrita, fatos como “sotaque”, prosódia
e outras características “menores” não são considerados formalmente como
parte da língua, mas obviamente elas desempenham um papel central na real
comunicação face a face (Gnerre, 1991)

Talvez o Saeb não reconheça a língua portuguesa como uma língua heterogênea e caia
no senso comum de acreditar que temos apenas um dialeto de um extremo ao outro do país. O
mito da uniformidade lingüística do Brasil é extremamente prejudicial para qualquer processo
ou tentativa de educação (Bagno, 1999)

Esse mito é muito prejudicial à educação porque, ao não reconhecer a


verdadeira diversidade do português falado no Brasil, a escola tenta impor sua
norma lingüística como se ela fosse, de fato, a língua comum a todos os 160
milhões de brasileiros, independente de sua idade, de sua origem geográfica, de
sua situação socioeconômica (...)

Apesar das ´boas´intenções do Saeb de trabalhar para a reformulação do ensino


brasileiro visando sua melhora,

6
No seu livro ´Dramática da Língua Portuguesa’, Bagno defende a existência de uma distância entre o português
culto regrado pela gramática normativa aprendida na escola e pregada pelos comandos paragramaticais e o
português culto falado pelos falantes culto. Para que essa distancia seja encurtada ou eliminada, propõe uma
subversão herética, uma intervenção consciente na norma padrão de forma a aproximá-la da realidade dos
falantes.
A intenção é que, a partir destas informações, possam ser propostas novas
estratégias de intervenção, mudança e aperfeiçoamento do Sistema Educacional,
com vistas à melhoria da qualidade do ensino ministrado nas escolas brasileiras.
(fonte: Informe de resultados comparativos do SAEB 1995, 1997 e 1999 -
http://www.inep.gov.br/saeb/anos_anteriores.htm)

devemos saber olhar nas entrelinhas e tentar reconhecer quem realmente está por trás dessas
reformulações e quais suas verdadeiras intenções. Quando o processo vem ‘de cima para baixo’
a tendência é que seus resultados venham a ser contestados. O processo educacional deve ser
considerado em ações em ativas dos educandos e dos educadores (Freire, 1970)

Educador e educandos (lideranças e massas), co-intensionados à realidade, se


encontram numa tarefa em que ambos são sujeitos no ato, não só de desvelá-la e,
assim, criticamente, conhecê-la, mas também no ato de recriar esse
conhecimento.

No ponto de vista do ensino do português, uma educação realmente libertadora e crítica


deve mostrar ao aluno toda a realidade lingüística, em todas suas formas e seus estigmas (Bagno,
2000), para que o aluno possa ter condições de escolher o modo mais adequado de relacionar-se
com elas.

afasia: um lugar de linguagem

De acordo com Morato (2000), a nossa sociedade valoriza a linguagem de tal modo e
paixão que a protege de tudo e todos, incluindo dos próprios falantes. O conceito de língua está
unicamente ligada à língua ´bem falada’, desautorizando qualquer tipo de uso que se afaste do
estado de ´bem falada’

Herdeira do racionalismo greco-romano, a cultura ocidental não tem deixado de


ver a perda ou alteração da linguagem como um verdadeiro escândalo, capaz de
atingir letalmente a natureza do homem.
(...)
Sob um aparente amor à linguagem, nossa sociedade condiciona as formas de
falar e dizer, sobretudo através dos métodos tradicionais de ensino e das práticas
médicas e terapêuticas normativas.
Se um falante de um dialeto diferente do padrão sofre por preconceitos, que há de se
dizer dos sujeitos afásicos. Afasia constitui-se, segundo Coudry (1986/96), de “alterações de
processos lingüísticos de significação de origem articulatória e discursiva (nesta incluídos
aspectos gramaticais) produzidas por lesão focal adquirida no sistema nervoso central, em
zonas responsáveis pela linguagem, podendo ou não se associarem a alterações de outros
processos cognitivos.” Para a autora, um sujeito é afásico “quando do ponto de vista lingüístico,
o funcionamento de sua linguagem prescinde de determinados recursos de produção ou
interpretação”. Numa situação em que o sujeito deixa de ser sujeito e passa a ser reconhecido
apenas pelo seu aspecto patológico, o seu estado de demitido da língua amplia-se para de
demitido de suas próprias capacidades cognitivas. Essa condição, claro, é percebida pelo sujeito
afásico, que sofre junto com sua família e amigos próximos das condições que o preconceito lhe
impõe(Morato,2000). Numa das sessões do CCA 7, o sujeito CI relata essa condição às
pesquisadoras Imc e Ime.

Sigla Transcrição
CI é… é… é… a gente tem problema
CI é o brasileiro que acha
CI que afásico é problema mental
CI não é problema mental
CF oh, senhor
CI não é problema mental
(Fonte: BDN – PI 17-03-99)

Para Coudry (1986/96), a linguagem nada mais é que um produto da interação entre
falantes que partilham de pressupostos culturais comuns. Em resumo, o princípio básico da

7
O Centro de Convivência de Afásicos (CCA) funciona no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) e é produto de
convênio interdisciplinar com a Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. A partir da convivência entre
afásicos e não afásicos, fazem parte da dinâmica do CCA: registro em agenda de fatos cotidianos que merecem ser
contados; leitura e comentários de acontecimentos nacionais e internacionais divulgados pela imprensa escrita e
falada; atividades lingüístico-cognitivas orientadas (recontagem de piadas, comentários sobre charges políticas e
retratos psicológicos de personagens públicos, atividades não-verbais que desencadeiam produção oral e tarefas
interpretativas com discurso oral) integrando, pois, uma concepção abrangente de linguagem e de seu
funcionamento.
linguagem é o sujeito. Um sujeito que segundo Franchi (1976) realiza uma atividade constitutiva
com relação à linguagem, incompleta e passível de interpretação.

Não há nada imanente na linguagem, salvo sua força criadora e constitutiva,


embora certos ´cortes´ metodológicos e restrições possam mostrar um quadro
estável e constituído. Não há nada universal salvo o processo – a forma, a
estrutura dessa atividade. A linguagem, pois, ´dá forma´ ao conteúdo variável de
nossas experiências, trabalho de construção, de retificação do ´vivido´ que ao
mesmo tempo, constitui a realidade como um sistema de referências em que
aquele se torna significativo. Um trabalho coletivo, em que cada um se identifica
com os outros e a eles se contrapõe, seja assumindo a história e a presença, seja
exercendo suas opções solitárias.

Esse sentimento de incompletude com relação à linguagem a qual o sujeito não afásico é
passível, também ocorre com o sujeito não afásico. O que resume na minha opinião a relação
entre afásico e não-afásicos perante a linguagem é uma frase de Coudry perante sua banca de
livre-docência (2002):

É a incompletude que nos une

preconceito lingüístico ou preconceito de classe

Durante esse trabalho procurei mostrar quais os caminhos que levam alguns falantes a
serem considerados como incapazes de utilizar-se de sua própria língua, sendo mais irônico,
quais são esses extraordinários caminhos que levam alguém a concluir que um brasileiro
nascido no Brasil pode ser considerado incapaz ou inapto a utilizar-se de sua própria língua.
Tentei mostrar que as variações lingüísticas que se distanciam sintaticamente, foneticamente,
morfologicamente - por razões patológicas ou não – da forma padrão tendem sofrer todos os
tipos de preconceitos sociais. Preconceitos esdrúxulos, injustificáveis e até maldosos que não
resistem a nenhum tipo de abordagem cientifica, por mais superficial que ela seja feita.
Porém, não acredito que o preconceito encerre-se na forma lingüística; ele continua e é
uma forma de justificar um preconceito ainda mais perverso: o preconceito em cima do falante
da variação estigmatizada. É um falante que foge do padrão, rompe com o padrão, mas que
exige que sua condição seja respeitada (Freire, 1970).

A luta pela humanização, pelo trabalho livre, pela desalienação, pela afirmação
dos homens como pessoas, como “seres para si”, não teria significação. Este
somente é possível porque a desumanização, mesmo que tem um fato concreto
na história, não é, porém, destinado, mas resultado de uma “ordem” injusta que
gera violência dos opressores e esta, o ser menos.

A nossa luta pela quebra do preconceito não deve ser uma luta apenas por motivos
altruístas. A sociedade tem que se convencer que o preconceito, independente da forma ou
motivo, corrói a sociedade pela base. É dever de todos, acadêmicos ou não, direcionar todas os
esforços contra esse tipo de prática. É sempre bom lembrar que grandes manchas na história da
humanidade – como o holocausto durante a Segunda Guerra e o tráfico negreiro no Brasil
colonial – justificaram-se através do injustificável mito de uma suposta superioridade. O
preconceito não aprisiona somente quem sofre o preconceito, mas também quem o pratica.
Se até agora os livros de história contaram sobre tragédias por causa da manutenção do
preconceito, é hora então de escrevermos novas páginas sobre glórias e na erradicação do
preconceito. A luta contra o preconceito é, sobretudo, um ato de amor.

Bibliografia

BAGNO, M. “Dramática da Língua Portuguesa – Tradição Gramatical, Mídia & Exclusão Social -,
Edições Loyola, São Paulo: 2000”.
_________ “A Língua de Eulália – Novela Sociolingüística”, Editora Contexto, São Paulo: 1997.
_________ “Preconceito Lingüístico: O que é? Como se faz?”, 2a Ed, Edições Loyola, São Paulo:
2000.
BENVENISTE, E. “Problemas da Lingüística Geral I / Tradução de Maria Glória Novak & Maria
Luiza Nery”, Ed. Pontes, Campinas: 1991.
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