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Belo Horizonte
2009
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Letras, academia e poder – João Vitor Loureiro.
Belo Horizonte
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AGRADECIMENTOS
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RESUMO
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ABSTRACT
This paper surveys the data on the academic training of jurists, borned in
Portuguese America, in the late eighteenth and early nineteenth century and gives a
general overview of the legal and political thought in Europe stands in the same
period. Discusses the influences of such type of education in the role of jurists as
agents of the construction of an integrated political-legal-Brazilian culture, and
investigates the influences and consequences of such education in some passages
of the text of the 1824 Empire's Constitution.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
CONCLUSÃO............................................................................................................75
REFERÊNCIAS..........................................................................................................79
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INTRODUÇÃO
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Contrariando tal visão, o leitor lerá um texto que aborda as fontes históricas
de modo reflexivo e atento a seu contexto. Aqui não se propõe um esvaziamento do
debate político, como descrevem alguns autores 1, no momento em que foi feita a
opção metodológica por uma descrição social da história do direito. Quer-se dizer
que o conjunto institucional do Estado não é abandonado ou rejeitado para as
anotações feitas. Sem dúvida, não há como negar o papel que tem a instituição, no
processo de formação desses agentes: porém, seu papel não é decisivo, unilateral,
determinista, uma vez que se permeia de um contexto próprio, de formas e
esquemas de pensar e compreender o mundo inerentes às sociedades que
abandonavam, ainda que progressivamente, os padrões de organização jurídica
próprios do Antigo Regime. Por isso mesmo, aqui não está a se concordar com o
posicionamento de que a história social do Direito a tenha despolitizado, rejeitado a
análise da composição de fatores que, em última análise, conferem organização à
1 Como expõe o Prof. António Manuel Hespanha na introdução da obra O Direito dos letrados no império
português, p. 19: A crítica da Escola dos Annales era justa, se dirigida apenas contra quem a merecia. Mas
acabou por ter efeitos excessivos e prejudiciais (…). HESPANHA: 2006.
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Feitas tais ressalvas, o leitor passará, portanto, por diferentes leituras, ora de
contextos de espaços específicos, que encararão o Direito como fenômeno mutante,
que acompanha as transformações em processo tanto na Europa quanto na América
Portuguesa, ora de exposições gerais, que se valerão da perspectiva social do
Direito enquanto instrumento de preservação de condições tradicionalmente dadas.
Tal análise permitirá ser encadeada simultaneamente com os processos
econômicos, sociais e sobretudo políticos que influenciavam o modo de conceber e
processar o Direito.
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Parece fora de dúvida que o contexto brasileiro, o qual vivenciou sua ruptura
política com Portugal no ano de 1822 e teve outorgada a Constituição Política no
ano de 1824, deveria possuir, no período imediatamente anterior a tais eventos,
influências substantivas das academias jurídicas europeias, mormente da Faculdade
de Leis de Coimbra, local de formação da imensa maioria dos juristas nascidos no
Brasil ou de portugueses que vinham ao Brasil para exercer seus ofícios. Tais
influências se traduziram tanto pela apropriação de doutrina jurídica em aspectos na
prática e no discurso dos juristas brasileiros, quanto pelas formas jurídicas do
Estado e a prevalência de interesses determinados, consagrados pela Constituição
de 1824. Portanto, o período de formação do Estado brasileiro independente, com a
chegada da família real portuguesa, merece a atenção dos estudos em História do
Direito: o desenho de novos espaços institucionais que serão preenchidos por
camadas sociais em transformação, influenciadas pelo liberalismo político e
2 De acordo com KOZIMA, é perceptível a inexistência, ainda hoje, de “um Estado racional e
despersonalizado, decorrente daí, de um lado, a distinção precária entre o público e o privado... e, de outro
lado, a precariedade da segurança do indivíduo perante as possibilidades da atuação estatal”. Acrescenta,
ainda: “Nada obstante a ascensão do bacharel tipicamente brasileiro, que trouxe consigo os ideais do
Iluminismo, o que se verifica é que não houve, nem poderia haver, a conformação do Estado, efetivamente,
às ideias liberais, o que, em outras palavras, poderia significar a substituição do modelo tradicional por
uma forma de dominação de tipo racional, nos moldes weberianos. (Cf. KOZIMA: 2008, p. 370)
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É privilegiada, para esses fins, uma análise dos juristas enquanto grupo
social, sem se ater a descrições prosopográficas, e o papel de sua formação
acadêmica na construção daquilo a que se poderia designar por cultura jurídica
brasileira e identidade nacional.
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suas iniciativas. É também progressivamente que será edificado o Estado Liberal, refletindo-se mormente na
consagração das liberdades civis e alterando por completo o cenário europeu pós-revolucionário. Nesse
sentido, afirmam ELZE e REPGEN que, na literatura dos tratados publicísticos, as críticas não se reduziam
somente contra o sistema tributário, mas contra o Estado como um todo, contra a sociedade, que o sustentava,
e contra as instituições, através das quais ele (o Estado) se manifestava. (In der publizistischen
Traktatenliteratur richteten sich Kritik und Reformverlangen nicht allein gegen das Steuersystem, sondern
auch gegen den Staat als Ganzes, gegen die Gesellschaft, die ihn trug, und gegen die Institutionen, durch die
er wirkte). ELZE, REPGEN: 2003, p. 265).
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4 ELZE, REPGEN. 2003, p. 300 Studienbuch Geschichte. Livre tradução do autor: Seine Kriege waren zwar
keine Kreuzzüge für die Freiheit, aber sie exportierten das französische Staatsmodell, eine starke Exekutive,
bürgerliche Gleichheit und den Code Napoléon, in die eroberten Länder.
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A organização política desse espaço não deve ser, portanto, encarada como
uma hegemonia total e homogênea do liberalismo e do ideário iluminista,
representando um como que triunfo ideológico e de modelos de governo que
houvesse se processado de imediato após as guerras napoleônicas. Há, acima de
tudo, a configuração de antagonismos entre forças políticas, conservadoras ou
progressistas, pondo em crise o sustentáculo do Estado Absoluto, que é a
autoridade irrestrita do rei. Permanecem, entretanto, configurações do poder político
que ultrapassam um modelo acabado de Estado Liberal (aqui entendido como um
Estado guardião de liberdades individuais por meio de mecanismos jurídicos
formais). Modelo que, ao contrário das expectativas, não correspondeu a um
fenômeno imediato e abrupto, verificável em todas as nações europeias. Entre as
exceções, Portugal encontra no seu palco político verdadeiro embate entre as forças
de modernização do país e as mais conservadoras, que davam suporte à
permanência da monarquia absoluta, pondo o Império nas linhas de continuidade do
Antigo Regime. (SILVA, p 174) É o que será discutido, ainda que de forma breve e
consciente de não alcançar toda a complexidade da organização dos agentes
políticos do espaço português do primeiro quartel do século XIX, na próxima seção.
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5 Com exceção feita a Ribeiro Sanches, influenciado pela economia clássica inglesa, especialmente de David
Hume (1711-1776), todos os demais ilustrados portugueses da primeira metade do século XVIII professavam
ideias tipicamente mercantilistas. (SILVA: 2006, p. 52).
6 As reformas políticas de fundo ideológico iluminista, alavancadas pelo reformismo josefino não colocavam
Portugal ao compasso das grandes nações europeias de sua época, para as elites sociais progressistas. O
desenvolvimento tardio do jusnaturalismo filosófico em Portugal importava reformas políticas, ainda que
tardias. É o que aclama BRITO, em suas Memórias Políticas, §14: “Os fins do Legislador podem ser
differentes; mas no Estado actual da Europa, que cada um dos soberanos não póde reformar por si só,
devem reduzir-se a hum, que he a Riqueza como objecto de toda a Républica Europea. (…) A riqueza pois he
o indubitavel fim, a que tendem, e devem tender todos os legisladores.” (BRITO: 1803, pp. 21-22)
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7 O período do gabinete de Pombal em Portugal representou, comparativamente ao que se vivia até o início do
século XVIII, uma relativa racionalização dos quadros da administração pública. As medidas do governo
objetivavam debilitar estruturas rígidas ate então vigentes, que denunciavam o quadro de centralidade e
delonga na implementação das políticas. Desse modo, o esforço do governo é reaparelhar o quadro de pessoal
da administração, de modo a engendrar, através de reformas substanciais, uma burocracia estatal apoiada no
poder central, fiel e compromissada aos ideais reformistas. Portanto, é crucial atender as demandas de um
novo conceito de governança, alicerçada na propagação das luzes e que pudesse se demonstrar especializada,
revestida de autoridade técnica. Tais resultados seriam possíveis se a Academia desempenhasse seu papel
estratégico na formação de tal corpo burocrático, e são as reformas, principalmente do Ensino Jurídico em
Portugal, que o farão, resultando nas camadas letradas ocupantes de tais funções. Nesse sentido, ver SILVA,
pp. 114-115.
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E que o costume deve ser somente o que a mesma Lei qualifica nas
palavras = longamente usado, e tal, que por Direito se deva guardar = Cujas
palavras mando; que sejam sempre entendidas no sentido que correrem
copulativamente a favor do costume; de que se tratar, os três essenciais
requisitos: de ser conforme às mesmas boas razoes, que deixo
determinado, que constituem o espírito das Minhas Leis (…) (PORTUGAL.
Lei da Boa Razão, 1769).
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9 O decreto da rainha estabelecia que “considerando […] que esta [a felicidade dos povos] se não poderá
conseguir sem huma clara certeza e indubitável intelligencia das Leis, a qual se tem feito hoje mais difícil,
tanto pela multiplicidade de humas, como pela antiguidade de outras que a mudanca dos tempos tem feito
impraticáveis“. (Cf. SILVA:2000, p. 404).
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11 Este trabalho faz uso do termo Antigo Regime por diversas vezes, convém esclarecer ao leitor o uso adotado.
O termo foi inicialmente um resgate de Alexis de Tocqueville, que o usou para designar as estruturas vigentes
na França que foram destruídas pela Revolução. Segundo o autor, Mirabeau teria sido o primeiro a usar a
expressão, “Comparai o novo estado das coisas com o Antigo Regime”. Especialmente no sentido de
designar esse estado de coisas vigentes, em que se incluíam o absolutismo monárquico, os privilégios
nobiliárquicos e as desigualdades entre os membros da sociedade francesa, o termo acabou se alargando pelo
uso na literatura historiográfica, passando a designar não apenas esse estado de coisas vigente à época do
reinado de Luís XVI, mas a diferentes contextos que prevaleciam na Europa e que tinham em comum
parcelas dessas características denunciadas por Tocqueville em O Antigo Regime e a revolução. Portanto,
partilhamos do conceito alargado, ao qual boa parte deste trabalho se refere; porém, a maior parte dele diz
respeito ao contexto de finais do século XVIII. Cf. SOUZA: 2006, p. 64.
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feita entre seu plano abstrato, formal, ao plano a que se denomina prático, real,
concreto. Depende, assim, de religar os pontos de um descolamento proposto pela
teoria jurídica ao longo de séculos de doutrina, entre abstração e práxis, entre forma
e conteúdo, entre ideal e real. É essa tarefa que se propõe aos detentores do saber
jurídico, da razão jurídica, conjunto de conhecimentos de um grupo social destacado,
de formação letrada e erudita, responsável por alinhavar os traços fundamentais de
uma complexa engenharia social que começava a se estruturar, a partir da
concepção desse modelo de Estado de Direito.
Daí, importa delimitar em que espaço essa doutrina jurídica surgiu, e de que
modo tal espaço se comportava em meio às transformações de seu tempo,
readequando a conciliação entre ensino e experiência política.
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Rolle gespielt hat und in den kümmerlichen Resten einer praktisch nicht mehr ernst genommenen
Disziplinargerichtsbarkeit heute nur noch Fossil ist (wobei meist übersehen wird, dass diese akademische
Gerichtsbarkeit letztlich auf einen Schutz vor den staatlichen Gewalten zielte).
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Em outra posição, o discurso letrado – que a este trabalho importa como foco
de atenção – endossa três características essenciais, as quais conferiam-no sua
permanência histórica e sua face conservativa em meio às transformações sociais:
1) a finalidade de condicionamento dos agentes a sua fundamentação, 2) a
utilização de aportes teóricos e lógicos que excluíssem não-letrados de seu domínio,
e 3) a consagração de princípios edificantes da ordem política. (aqui tida como os
princípios e valores que davam sustentação às instituições políticas). Edificado com
base nesses pilares, o conhecimento jurídico não terá apenas a característica de
subproduto cultural de determinado contexto, mas sobretudo, de fator decisivo para
a permanência dos mecanismos de dominação e de organização social. Com isto, é
possível aprofundar a compreensão das características desse chamado discurso dos
letrados :
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atividades que dizem respeito à ordem social, fortemente marcada por questões de
interesse público. A operação reducionista da lei em sua dimensão pública (O Estado
enquanto lei – vide constitucionalismo; a lei enquanto manifestação do Estado),
portanto, desconsidera as formas de organização jurídicas extraordinárias,
alavancando crescente fiscalização do Estado na formação dos quadros de pessoal
para sua administração e para a defesa de seus interesses. É por meio desse
pensamento que serão fundados, com o nascimento do Estado de Direito brasileiro,
os primeiros cursos jurídicos nacionais, no ano de 1827, por exemplo.
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15 Nos dizeres de WIEACKER, p. 403, a Escola Histórica se propõe a exploração da dimensão histórica do
direito(...) compreende não apenas o direito como história, mas também a ciência jurídica como histórica.
No entanto, no programa de uma renovação da ciência do direito positivo, isto só pode ter o sentido de que o
objeto da ciência jurídica é pré-determinado pela historicidade do direito do presente (e não pelas
abstrações do jusracionalismo ou pelos comandos dos legisladores iluministas).
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Coimbra, no ano de 1772 (as quais serão analisadas no próximo capítulo), tiveram
por escopo corrigir alguns vícios do próprio atraso intelectual e científico de Portugal,
exaltando certas virtudes do pensamento ilustrado e, conforme SILVA:
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16 A análise dos diversos níveis de poder que organizam a sociedade portuguesa e colonial de Antigo Regime, é
exposta por HESPANHA em sua obra Às vésperas do Leviathan: instituições e poder político Portugal
século XVII. Segundo o autor, coexistem na sociedade vários níveis de poder e vários campos de equilíbrios
sociais; ou seja, de que tanto o poder como os equilíbrios sociais são analisáveis numa série enorme de
registos (económicos, culturais, estéticos, discursivos, etc.).Compartilhamos a análise feita na obra, e
acrescentamos que esses níveis de organização não deixaram de existir com o advento do Estado liberal de
Direito: no entanto, sua configuração é decisivamente alterada a partir desse advento, uma vez que controlar,
exercer poder em seus diversos níveis, passará a se reportar diretamente ao conjunto de princípios e valores
revestidos na forma de lei, seu fundamento maior.
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Esta reflexam para V.P. é superflua, pois conhese mui bem o meu animo; e
sabe, que eu só pego na pena para dar-lhe gosto. Mas porque poderá ler
esta carta, a algum ignorante, ou malévolo; que intenda, que eu, dizendo o
que me-parece dos estudos, com isto digo mal, da- Religiam da-Companhia
de Jezu; que neste Reino, é a que principalmente ensina a Mocidade, devo
declarar, que nem é ese o meu animo. (…)
Alem diso, aqui em Portugal, é muita outra gente que ensina; os outros
Religiozos, ensinam os seus e os de fora, os mestres seculares, tambem
ensinam. E asim as minhas opinioens, podem ter por-objeto, nem uma só
pesoa. (VERNEY: 1746, pp. 3-4)
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17 Conforme aduz o prof. Mário Júlio de Almeida COSTA, a designação de Lei da Boa Razão foi conferida por
José Homem Correa Telles, em seu Commentario Critico á Lei da Boa Razão, em data de 18 de agosto de
1769, datado em sua segunda edição no ano de 1824, que em breve introdução, escreve: „Huma das Leis
mais notáveis do feliz reinado do Senhor D. José, he a lei de 18 de agosto de 1769. Denomino-a Lei da BOA
RAZAO, porque refugou as Leis Romanas, quem em BOA RAZÃO não forem fundadas.“ COSTA: 1996, p.
366.
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O certeiro golpe para a conclusão das Reformas dos Estatutos foi, sem
dúvidas, a promulgação de tal lei três anos antes, o que abriu campo ao
racionalismo como fundamento central do discurso jurídico, em seu plano prático. No
dia 28 de agosto de 1772, são aprovados os Estatutos por meio de Carta de Lei,
cuja parte que tratava da Faculdade de Leis e de Cânones teve como principal autor
João Pereira Ramos de Azeredo Coutinho. As críticas mais importantes apontadas
no Compêndio Histórico que culminou nos novos Estatutos residiam na prioridade
que se dava ao estudo do direito romano e do direito canônico, e o desmerecimento
do direito pátrio, além de um apego demasiado à oppinio communis doctorum.
(COSTA: 1996, p. 372).
18 João Pereira Ramos de Azeredo Coutinho (1722-1799) nascera no Rio de Janeiro, filho de família abastada e
prestigiada, conforme se vê em PEREIRA DA SILVA: Assevera Frey Gaspar da Madre de Deus que da vasta
progenie de Amador Bueno da Ribeira é oriundo o capitão-mor Manuel Pereira Ramos de Lemos e Faria,
possuidor de terras e engenhos de Marapicú, Cabossú, Itaúna, Paúes e Pantanáes do Rio Gandú. De seu
consórcio com D. Helena de Andrade Souto Maior Coutinho nasceram João Pereira Ramos de Azeredo
Coutinho (…). Mais ou menos se celebrisáram estes irmãos todos pelas suas letras e serviços. PEREIRA DA
SILVA, J.M. Os varões illustres do Brazil durante os tempos coloniáes, vol I, tomo I. Paris: 1858, p. 283).
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Era atribuição dos professores fixar o programa das disciplinas, iniciadas pela
História das Leis, Usos e Costumes legítimos da Nação Portugueza: depois deveria
proceder à História da Jurisprudência Theoretica, ou da Sciencia das Leis em
Portugal: e concluindo com a História da Jurisprudência Pratica, ou do Exercício das
Leis; e do modo de obrar, e expedir as causas, e negócios nos Auditórios, Relações
e Tribunais destes Reinos. (PORTUGAL: 1772, pp. 357 e segs.).
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somente se o jurista estivesse atento à realidade. (COSTA et. MARCOS: 1999, pp.
83-86)
No que concerne às avaliações dos estudantes, tal era contínua, por meio de
exercícios literários, orais ou escritos. Os exercícios orais eram aplicados por meio
de chamadas, em que se objetivava obter do estudante a repetição, de forma
resumida, da lição previamente ministrada. Também havia os exercícios orais
aplicados no sábado, que ficaram conhecidos pelo nome de sabbatinas e os
exercícios mensais, sendo que todos adotavam uma estrutura de lógica socrática,
privilegiando verdadeira disputa argumentativa. Também havia exercícios escritos,
que versavam sobre o uso moderno dos institutos de direito romano, através dos
quais era auferido o conhecimento sobre determinado texto ou questão de direito. Ao
final do curso, os estudantes eram submetidos a exames de qualificação, os quais
ganhavam nível maior de exigência, sendo que já no quarto ano obtinham os alunos
o título de bacharel. No quinto ano, procediam-se ao exames de conclusão do curso,
que versavam sobre o conteúdo de todas as disciplinas do aprendizado, e, no caso
de aprovação, confeririam o diploma de Bacharel Graduado em Direito Civil. (COSTA
et. MARCOS: 1999, pp. 88- 90).
explicada pela diferente apropriação que príncipes e tribunais locais faziam das normas de direito romano,
sobretudo daquelas estabelecidas no corpo de direito civil justinianeu. Portanto, o caráter fragmentário e
plural do espaço político germânico à época, permeou a necessidade de um direito atento à realidade
específica do contexto de cada um daqueles reinos e principados, dando margem a um direito de caráter
reinícola e que determinou a recepção do direito romano de maneira diferenciada, conforme explicitado na
nota n. 13. Neste sentido, ver HESPANHA: 2003, p. 190.
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Figura 01: Diploma de bacharel em Direito concedido a Lourenço Caetano Pinto, no ano
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de 1827.
20 Apesar de a ilustração tratar de diploma conferido no ano de 1827, extrapolando um pouco o marco temporal
do presente estudo, as Reformas Pombalinas do ensino jurídico alcançaram tal ano sem terem sido
substancialmente alteradas, e o documento serve para a compreensão do espaço acadêmico de Coimbra. A
disposição visual do diploma ainda demonstra a organização do ensino jurídico em Portugal: aliadas estão as
Faculdade de Leis e a Faculdade de Cânones. Não há uma secularização absoluta, permanecendo as cadeiras
comuns de estudo entre os cursos de Direito e de Direito Canônico. Portanto, no canto superior e no canto
esquerdo do documento estão representados os símbolos tradicionais da Igreja Católica: a hóstia sagrada e a
mitra pontifical, respectivamente. Já no canto direito e inferior, se verificam representados a balança e a
espada, símbolos da equidade e da coerção do direito, remontando à figura da Iustitia latina, e o Galo de
Barcelos, símbolo português que remete à conhecida história seiscentista de um homem inocente que,
apontado como suspeito de crime ocorrido, teria sido levado à presença de juiz e, ao ser condenado à forca,
teria apontado a um galo assado, sobre mesa do banquete na ocasião posto e bravejado: É tao certo eu estar
inocente, quanto certo é esse galo cantar quando me enforcarem“. E assim teria o homem se livrado da forca,
uma vez que logo antes de sua execução, o galo teria se levantado da bandeja e cantado. Por assim dizer, o
Galo de Barcelos acabou se tornando símbolo da justiça nas tradições portuguesas, e passou a ser
representado mesmo nos documentos oficiais da Faculdade de Direito de Coimbra. No diploma acima, consta
o seguinte texto (livre tradução do autor): EM NOME DE DEUS, AMEM. Doutor Antonio Pinheiro Azevedo
Silva, irmão da Ordem do Convento de S. Tiago, Doutor em Cânones da Catedral Igreja do Algarve, e
professor público ordinário decano em Cânones Sagrados, Pro-Reitor da Universidade de Coimbra, etc: e
ao mesmo tempo ele mesmo Alma da Universidade atestamos, publicamente, e certificamos e a todos e a
cada um a quem interesse examinar as presentes Letras, que nosso dileto Lourenço Caetano Pinto, filho de
Manuel Caetano Pinto, nascido no Rio de Janeiro, é Bacharel Graduado na Faculdade de Direito Civil, foi
aceito em nossa Academia, digno de louvor e honras, curso seu de aguda moral e de antecipado Exame
Público, no qual por seríssimos e sapientíssimo professores foi aprovado por unanimidade de ritos e ainda
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180
160
140
Número de estudantes
120
100 Coluna A
80
60
40
20
0
1772-1782 1783-1792 1793-1802 1803-1812 1813-1822
Intervalos de tempo
de solenidade observada segundo os Estatutos da Universidade. Além disso foi condecorado ele mesmo
Bacharel Graduado pelo sapientíssimo e exímio preceptor José Pinto de Fontes, tendo prestado o primeiro
juramento ele mesmo defensor público e privado da Virgem Maria Imaculada Conceição mãe de Deus, dia
16 de julho de 1827, da mesma forma que no Livro de Exames, Atos e Graus do mesmo ano, folha 135, se
encontra registrado. Do que fornece testemunho público, haver escrito e oral, damos Bacharel Benemérito e
deitamos subscrição nossa e também apenso sigilo da Universidade. Coimbra, dia 17 de julho do 1827 ano
de nosso senhor.
21 A evolução dos dados apresentados no gráfico demonstra uma tendência de queda quase linear no número de
brasileiros ingressos nos estudos jurídicos em Coimbra, entre os anos de 1772 e 1812, o que pode ser
explicado, parcialmente, pela própria transferência da família real portuguesa ao Brasil (e das funções
judiciárias centrais ocupadas por um grande número de portugueses bacharéis que também ingressaram no
Brasil a partir de 1808. Fato é que, ainda que a reorganização da administração da coroa, especialmente a no
período pombalino, implicasse num aumento do número de cargos públicos, sobretudo na área mineradora,
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É preciso ter em mente que as reformas do ensino são, antes de tudo, uma
empresa de iniciativa concentrada do governo Pombalino: as dimensões que elas
alcançam, entretanto, se processam pela atuação de agentes diversos, os quais
estavam subordinados às decisões do gabinete, e cuja fidelidade e compromisso a
tal governo denunciavam um sistema político de dependência e favorecimentos
tendentes à centralização. O ministro de D. José interferiria em todas as áreas que
considerasse relevantes, a fim de dar cabo ao projeto de reformas e modernização
do país, nos termos do programa ilustrado. Não diferente será a situação no setor
educacional, tendo o próprio Marquês trocado correspondências com o Reitor-
Reformador da Universidade de Coimbra, D. Francisco Lemos de Faria Pereira
Coutinho, defendendo a importância do estudo do Direito pátrio na formação dos
acadêmicos:
Outro sentido não poderia ser conferido à reforma: a preocupação com uma
legislação nacional faz germinar a imagem de um Estado monárquico governado
pelos motes do assim chamado despotismo ilustrado: elevar a condição do Estado e
sua importância, e organizar o corpo burocrático que gravita ao seu redor consiste
no esforço principal das políticas do gabinete pombalino. Portanto, a educação de
juristas tem o papel estratégico de vinculá-los ao conjunto de leis originadas no seio
do poder central, resultando, em última análise, em certo controle de decisões em
tal não demandava necessariamente brasileiros, tampouco diplomados, e foi suprida, em boa parte, por
portugueses.
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verifica das cadeiras de Direito Pátrio, além de as Cadeiras de Direito das Gentes e
Direito natural terem sido autonomizadas. Além do fato de que quatro cadeiras
passaram a ser comuns à Faculdade de Leis e à Faculdade de Cânones,
constituindo em relevante fator para a fusão das duas, anos mais tarde.
22 MENDONÇA, Hypóllyto José da Costa Pereira Furtado de. Correio braziliense, julho de 1809.
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Tal ressalva nos leva a considerar que, apesar de tal transformação, o que se
processa em Portugal no primeiro quarto do século XIX, no que diz respeito ao
ensino jurídico, não é muito diferente dos resultados da reforma promovida pelos
Novos Estatutos no século anterior: um certo conservadorismo no uso das fontes,
um reiterado apego aos ditames da romanística, e uma resistência arcaica de
completa secularização do ensino jurídico. Há ainda vigente uma mentalidade que
privilegia o jurista em seu papel de dupla mão: ao mesmo tempo que avalia e
23 MENDONÇA, Hyppólyto José da Costa Pereira Furtado de. Reflexoens sobre o Correio Braziliense (autor
anônimo). Lisboa: Na Impressão Regia, p. 175.
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Isto deve fazer-se sem perda de tempo, e sem esperar a reforma geral dos
estudos, que também he huma cousa mui essencial, que senão deve
retardar. Tudo quanto se pode saber de theologia está reduzido a muito
pouco, e já se sabe: o que convem saber de Direito Romano não he muito
mais: as Leys Ecclesiasticas em breve tempo serão em Hespanha um
estudo de mera curiosidade, e erudição, como o são em Franca; a filosophia
de Gaudin para que que serve? Já he tempo, que se ensine á mocidade o
que verdadeiramente lhe importa, e resignarmo-nos a ignorar o que se-não
pode saber.
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João VI, por exemplo, já se verifica um desses esforços, por meio da legislação:
III- (…) Haverá em todas as Villas hum Juiz das Sesmarias, que servirá por
tres annos: As Comarcas proporão três pessoas desta Capitania a Meza do
Desembargo do Paco, e nas mais ao Governador e Capitão General, para
se escolher dellas a que mais apta parecer, devendo ser propostos com
preferencia bachareis formados em Direito, ou Filosofia e na falta delles
pessoas que forem de maior probidade e saber25
25Alvará com força de lei, pelo qual V.A.R. Há por bem ordenar que se não passem cartas de concessão, ou
confirmação de sesmaria, sem proceder medição, e demarcação judicial: E estabelece a forma de nomeação dos
juizes das sesmarias, e os salários, que elles, e mais Officiaes, devem vencer. E dá outras providências, a fim da
boa ordem, e regularidade das mesmas Sesmarias. Impressão Régia: 1809. BIBLIOTECA NACIONAL DO RIO
DE JANEIRO, Setor de Obras Raras.
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26 MENDONÇA, Hyppólito José da Costa Pereira Furtado de. Exame dos artigos históricos e políticos, que se
contém na coleção periódica intitulada Correio Braziliense ou Armazem Litterario, no que pertence somente
ao Reyno de Portugal. Quinto Volume, que comprehende o dicto exame em duas cartas, relativas aos
Números 13, e 14 do dicto Correio Braziliense. Lisboa, na Impressão Régia, 1810. Com licença do
Desembargo do Paco. Londres. Correio Braziliense, setembro de 1810.
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Por outro lado, a vinda da família real representou um pacto certeiro entre as
elites do espaço fluminense e a nobreza. Ainda que parcelas dessa elite estivessem
influenciadas pela doutrina liberal a que tivera contato na Europa, quando letrada, a
presença da Monarquia Lusa no Brasil influenciará decisivamente a feição da
monarquia independente brasileira, e sobretudo sua ordem constitucional. E, mais
importante, representará a transferência de instituições da metrópole para a colônia,
como a Casa de Suplicação, a Mesa da Consciência e das Ordens, para citar alguns
exemplos, em boa parte das quais se exigia a presença de doutores em leis.
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detinham força e eficácia muito maiores que o ditame de uma lei promulgada pelo
governo central. Sabres, bacamartes ou absolvições produziam efeitos muito mais
decisivos na determinação de condutas sociais que alvarás ou decretos reais.
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27 A transferência da corte portuguesa ao Brasil significou a transferência, conforme já exposto, dos órgãos da
administração central, e de seu representante maior, o próprio monarca, D. João VI. Tal fato tornou ainda
mais estreitos os laços de aproximação entre a magistratura e a Coroa, sendo que os cargos de jurisdição
passariam a ser concedidos sob a vigilância e aval direto do rei, conforme se verifica em diversas cartas de
concessão disponíveis na Coleção da Série Justiça do Roteiro de Fontes do Arquivo Nacional para a história
luso-brasileira.
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e todo aquele que recusa exhibir tem a presumpcao de dolo I Cod de Fid
Instrument e com outros P.P Castilh. Lustio controvert. Lib 8. cap. 20 n. 29 c.
30 Praesumptio oritur contra cum qui recusat exibere aut edere
instrumentum. Oritur enim praesumptio quod ei noceat si enim prodesse non
occultant.
(...)
O Referido Embargado, o seu forte he negar a verdade, que se acha
deduzida nos embargos fls.___sem se lembrar que o negar he o mesmo
que mentir, e a mentira vem a ser pecado mortal contra a natureza.
(...)
Mendacium in hominibus perfectis esse mortale peccatum contra naturam.
(...)
Esquecido então do que lhe he vedado se não intrometer em negócios
Seculares, por evitar o que delles resulta nas Usuras e Enveterado o
Relatado Embargado em tais negócios, lansou de si o direito Divino, sao as
vozes de Paulo na segunda Carta a Timóteo: Nemo militans Deo implicet
negocius secularibus.
(...)
Da mesma sorte lhe he vedado por muios Concílios e Bullas Pontifícias e
severamente reprehendido pelos Santos e entretanto he digna da nossa
atencao Ica de Sao Hierônimo lembrada por Benedictus 14 na Bulla que
principia: Apostolica servitutio = datada em 1741 contra o Clérigo, que se
intromete nos negócios seculares, tudo isso tem escurecido o Relatado
Embargado.28
28 ARQUIVO PÚBLICO NACIONAL. Código de Fundo 20. Processo n. 914 m38, gal C., fl. 86.
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29 Alvará com força de Lei, declarando e modificando o parágrafo quarto de outro do primeiro de Dezembro de
1804; ordenando que o voto e parecer dos Lentes Censores das Dissertaçõees, que annualmente fazer e
entregar os Doutores oppozitores da Universidade de Coimbra não seja decisivo, e à Congregação das
Faculdades fique pertencendo approvar, e repprovar as referidas Dissertações. Rio de Janeiro: Imprensa
Régia, 1815. Disponível em: <www.brown.edu/Facilities/John_Carter_Brown_Library/CB.indexes
/laws_1815_p1.html>
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Assim, o fato de boa parte dos homens letrados que viviam no Brasil terem se
formado no curso de Direito da Faculdade de Leis de Coimbra pode não expressar,
por si só, as razoes para a independência política brasileira. Porém, levando em
conta que, conforme observado anteriormente, havia estabelecida uma cara relação
entre homens letrados e cargos ocupados na administração colonial, essa ordem
somente se romperá no momento em que a organização vigente se alterar; vale
dizer, no momento em que a condição de colônia deixe de existir. A experiência de
independência, implementada desde 1808, portanto, implicará em ruptura política às
avessas, tornando o processo muito mais uma questão de monarquia, estabilidade,
continuidade e integridade territorial que de revolução colonial. (MAXWELL: 2000, p.
186)
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ganhar força entre seus diamantes brutos. O contato com a literatura corrente num
período de efervescentes ideias propiciou, por mais evidente que tal pareça, a
aproximação a ideais ilustrados, ao liberalismo, à secularização do Estado e a todo
um programa que parecia fazer muito sentido num contexto de dissensões e
conflitos como o europeu, mas que se via debilitado a sua propagação na América
Portuguesa.
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Assim, o que se poderia denominar liberalismo brasileiro nada mais foi que
um eco remanescente de um processo de descolonização já deflagrado com as
transformações políticas ocorridas a partir da transplantação do governo de Lisboa
ao Rio de Janeiro, e cujo estopim estivera com a revolução do Porto de 1820 e a
tentativa de recolonização das cortes. Não parecia adequado às elites centrais
submeter novamente o Brasil à autoridade metropolitana, e ver derrocada uma
situação favorável aos comerciantes brasileiros e portugueses (agraciados pela
abertura portuária), aos comerciantes de escravos, a alguns juristas (favorecidos e
alinhados à estrutura burocrática dos órgãos judiciários transplantada e pelas
concessões e honrarias do poder central também transplantado), aos poucos
pequenos manufatureiros (favorecidos pela liberdade de criação de indústrias, em
razão da revogação do Alvará de D. Maria que proibia a existência de manufaturas
no Brasil, por meio da carta régia de 10 de marco de 1810) e a alguns proprietários
de terras (superestimados pela sucessão de concessões de sesmarias pelo governo
joanino). Estava-se, portanto, diante de um contexto de satisfação e oportunidade 30,
30 Aqui está a se fazer menção especial às elites fluminenses, as quais tomaram decisivo papel para o desenrolar
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do processo de independência. Satisfação e oportunidade servem para designar certo estado de ânimo com
relação ao governo implementado no Rio de Janeiro, no que diz respeito às vantagens e concessões dele
advindas. Nos dizeres de Jurandir MALERBA, “começa a se desenhar a trama em que se ligaram a coroa e
os homens fortes do Rio de Janeiro, basicamente envolvidos no comércio de grosso trato e de almas. Uma
vez identificados os benfeitores da monarquia, faltava estabelecer as vias de mão dupla que ligavam a praça
do comércio ao paço imperial; porque se os “homens bons“ seguraram a bolsa do rei, não o fizeram por
bondade, mas impelidos por uma mentalidade arcaica, própria do Antigo Regime, a mesma que explica o
desvio de grandes somas das atividades produtivas para outras rentistas ou, como foram chamadas, bens de
prestígio. Os grandes que socorreram o rei buscavam e receberam distinção, honra, prestígio social, em
forma de nobilitações, títulos, privilégios, isenções, liberdades e franquias, mas igualmente fatores com
retorno material, como os postos na administração e na arrematação de impostos. “ (MALERBA: 2000, p.
232).
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mas fez prevalecer uma ideia estreita de nação: a que se identificava com
os interesses dos proprietários. (COSTA: 2005, pp. 93-94)
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No que diz respeito aos modelos de nação, um dos egressos de Coimbra que
estiveram à frente dos projetos nacionais de constituição e organização do Estado é
José Bonifácio de Andrada e Silva. Sua figura controversa, que depositava
esperanças em uma nação livre, despida do jugo da escravidão e inspirada pelo
liberalismo norte-americano e europeu, representa o eco de ideais e imaginários
infiltrados nas elites letradas brasileiras, diplomadas em Coimbra na transição do
Antigo Regime europeu.
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governo, ainda que os governe como dantes: demais o temor dos negros, e
as rivalidades das diversas castas são o paládio contra revoluções políticas.
(SILVA: 2000, p. 79)
Pois que a Constituição tem um corpo para querer ou legislar, outro para
obrar e executar, e outro para aplicar as leis ou julgar, parece preciso para
vigiar esses três poderes, a fim de que nenhum faca invasões no território
do outro, que haja um corpo de censores de certo número de membros
eleitos pela nação, do mesmo modo que os deputados em Cortes, cujas
atribuições serão: 1°) conhecer de qualquer ato dos três poderes que seja
inconstitucional, cujo juízo final de faca perante um grão-jurado nacional,
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CONCLUSÃO
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REFERÊNCIAS
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outro do primeiro de Dezembro de 1804; ordenando que o voto e parecer dos Lentes
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Figura 02. Página 45. Gráfico elaborado pelo autor, a partir dos dados obtidos em
GARCIA, Rodolfo. Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, 1940, vol. LXII.
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