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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE EDUCAÇÃO

O Desenvolvimento da Autonomia na Educação Infantil


Erika Maria Bezerra 1
Vanessa Cristina Gregório 2
Ana C. V. Selva 3

Resumo

O desenvolvimento moral e da personalidade do ser humano vem sendo estudado


por educadores que consideram a importância da escola neste processo. Esta pesquisa tem
como objetivo analisar como o desenvolvimento da autonomia está sendo trabalhado na
Educação Infantil. Foram realizadas observações sistemáticas em sala de aula e uma
entrevista com a docente de uma turma da Educação Infantil. Os resultados mostraram que
a professora tem uma prática baseada no respeito às possibilidades das crianças e incentivo
para que as mesmas resolvam seus problemas de forma autônoma. Ao mesmo tempo
parece, na maioria das vezes, estar atenta para dar um suporte às crianças, se necessário.
Também devemos notar o clima de cooperação estabelecidos na sala de aula e o respeito
aos combinados estabelecidos com as próprias crianças.

Palavras-chave: Educação Infantil. Autonomia. Desenvolvimento moral da


criança.
_________________________________
1. Graduanda do curso de Pedagogia.
2. Graduanda do curso de Pedagogia
3. Orientadora dessa pesquisa.

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INTRODUÇÃO

O objetivo desta investigação é analisar como o desenvolvimento da autonomia


tem sido trabalhado em uma escola de Educação Infantil. Não há um motivo único que
justifique a escolha do objetivo de estudo deste projeto. Relatar sobre as questões que
fazem parte desta justificativa é reviver o processo de graduação até aqui vivido e
desembarcar no contexto atual de nossa sociedade. Além desse objetivo geral, outros mais
específicos nortearam nossa pesquisa, como descobrir a respeito do planejamento e das
propostas pedagógicas utilizadas pela escola para desenvolver a autonomia das crianças
sob sua atuação; identificar se existe coerência entre o argumento do docente, a respeito do
desenvolvimento da autonomia em sala de aula e as atividades desenvolvidas durante a
aula além de verificar se há participação dos alunos no planejamento de atividades
cotidianas e na resolução de problemas da turma.
A reflexão e a vivência proporcionadas pela Universidade através dos conceitos
teóricos abordados e das visitas por nós realizadas a escolas e creches permitiram-nos
traçar um paralelo muito próximo entre teoria e a prática pedagógica desenvolvida no
âmbito escolar. Sendo assim, é com base nestes aspectos que passamos a refletir sobre o
contexto atual desta sociedade na qual estamos inseridos.
Este contexto, fundado em bases capitalistas, lança-nos constantemente desafios
onde a educação, ao nosso ver, tem sido a principal fonte de respostas, considerando seu
caráter formativo, às exigências impostas pelos anseios da lógica capitalista. O mercado de
trabalho, combustível da economia nacional, necessita de profissionais com iniciativa,
capazes de alavancar os índices financeiros que hoje representam a identidade de um país.
Esse é mais um motivo que justifica um estudo sobre o desenvolvimento da autonomia na
escola, por ser esta instituição um local de formação para os novos profissionais que
deverão se destacar no mercado caso almejem sucesso profissional.
E foi partindo desse pensamento que assumimos nosso interesse em analisar a
prática docente desenvolvida no espaço escolar no intuito de proporcionar o
desenvolvimento da autonomia nas crianças, como por exemplo, atividades que estimulem
a tomada de decisões e escolhas por parte dos alunos, exercícios de resolução de
problemas, apoio e incentivo para as crianças fazerem tarefas cotidianas de forma
independente como tomar banho, escovar os dentes e comer.

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Nesta etapa da vida, a fase pré-escolar, as crianças mantêm laços afetivos muito
fortes de apego à família e é justamente nesse período em que são “forçadas” a darem boas
vindas a uma nova realidade em suas vidas. Muitas vezes, a reação de recusa a permanecer
no espaço escolar não está contextualizada no âmbito da democracia familiar, pois a
criança nesse momento da vida, é passiva ao entendimento de que ali se inicia sua jornada
frente às ideologias capitalistas e às exigências sociais.
Decidimos desenvolver este trabalho partindo da escola porque é um ambiente
socializador no qual as crianças têm contato a partir do momento que constroem sua auto-
idealização e passam anos formando sua personalidade. Por reconhecermos que a escola
não é a única responsável pelo desenvolvimento da autonomia das crianças, destacamos o
papel da família e ainda, outros meios que fazem parte da vida da criança nesta fase.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

É sabido que os seres humanos não são criaturas feitas para viver isoladas e sim
conviver com outros da mesma espécie, até para facilitar o desempenho de muitas
atividade necessárias à vida de toda sociedade e para haver uma melhor construção e
disseminação do saber. Apesar da necessidade de relações sociais, os indivíduos divergem
entre si, cada um com sua própria leitura de mundo, com suas próprias idéias,
pensamentos e concepções. Isto advém do processo de formação da personalidade, é
quando a criança desenvolve aquele aspecto do ‘eu’ que nos dá a sensação de
pertencermos a grupos, que faz com que nos sintamos ao mesmo tempo iguais a todos os
outros indivíduos do grupo e diferentes de todos eles. Erikson (1976) chamou este
sentimento de sentimento de integridade do ‘eu’ ou sentimento de identidade pessoal.
A sociedade também passou por um processo de formação quando a concepção de
autonomia surgiu com mais ênfase na passagem para o antropocentrismo, pois o homem
percebeu que com a utilização de alta tecnologia poderia colocar a natureza a seu serviço e
livrar-se da labuta que o escravizava. Com a modernização da sociedade tendo crescente
processo de industrialização, o homem passou a ter maiores possibilidades de conciliar a
liberdade individual com o bem-estar social.
Entretanto, a possibilidade política contradizia tal perspectiva humana, pois
continuava a monopolizar, controlar e explorar a maioria dos indivíduos, concentrando
riquezas nas mãos de poucos, o que é característico do capitalismo. À educação restou um

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desafio, o de considerar a realidade como ela é e suas limitações, para a partir dessa
reflexão apresentar o que a atual sociedade impede o homem de ser e com isso poder
favorecer a autonomia, a liberdade e a emancipação do indivíduo. Apesar da educação ser
um instrumento de manutenção das concepções políticas de domínio, é na escola que se
tem maior abertura para um processo de transformação do modo de ser do homem e de
suas condições de existência.
Quando as relações existentes, entre a criança e a sociedade, dão-se de forma
positiva, essa terá “desenvolvido a capacidade para confiar em si mesma e nos seus
provedores internos, sentir-se-á um indivíduo íntegro e autônomo, digno de amar e ser
amado, bem como com possibilidades de realização plena de suas capacidades no
desempenho de tarefas” (RAPPAPORT, 1981, p. 73).
Desde bebês, os seres humanos estão gradativamente desenvolvendo uma
compreensão de seus sentimentos, desejos e quereres. A mãe ou a cuidadora é responsável
por oferecer toda estimulação sensorial, além de ser a pessoa que irá cuidar da criança, e
discriminar, a partir de sinais emitidos pela criança, quais as necessidades básicas que está
sentindo. Será também a mãe quem ajudará a criança “a discriminar suas sensações
internas e a desenvolver maneiras novas e cada vez mais amadurecidas de comunicá-las e
conseqüentemente de satisfazê-las” (RAPPAPORT, 1981, p. 48).
Numa escola de educação infantil ou creche quem tem essa função de estimular a
criança em seu desenvolvimento é a educadora, geralmente constituída pela professora,
por isso é tão importante que esta respeite as crianças dando espaço a seus sentimentos,
idéias e opiniões, pois assim dará oportunidade de desenvolverem autoconfiança, respeito
por si mesmas e pelos outros, além de estar favorecendo a formação de mentes ativas,
criativas e indagadoras.
Na idade pré-escolar (fase pré-operacional) o relacionamento social vai incluir
além dos pais, outros adultos, como professores da escola maternal e outras crianças,
sendo os pais ainda as figuras centrais da afetividade. Por isso, deve-se estimular a
autonomia da criança tanto na escola como em casa, aproveitando ser esta uma fase de
autodescoberta em relação às necessidades básicas em que se pode estimular a
independência das crianças na realização das atividades de rotina, tal como comer sozinho,
se vestir e tomar banho (RAPPAPORT, 1981).
Para Piaget (1977) a criança constrói além de conhecimento, inteligência e
personalidade, valores sociais e morais. Segundo Rappaport, o objetivo do

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desenvolvimento da inteligência é a socialização do pensamento. Essa socialização do
pensamento é “sair de um pensamento fechado em si, confuso e desorganizado [...], para
um estilo de pensar e de entender a realidade [...] que seja comum a todos os indivíduos de
uma dada cultura” (RAPPAPORT, 1981, p. 49). Para que essa construção do pensamento
seja respeitada, a educação construtivista tem como primeiro princípio a cultivação de uma
atmosfera sócio-moral baseada em respeito mútuo e contínuo de uns com os outros.
As salas de aula onde há respeito mútuo contrastam-se com outras com respeito
unidirecional, isto provém do tipo de moralidade que se relaciona com o tipo de
relacionamento existente nas salas de aula. Assim, enquanto que uma relação de respeito
mútuo promove o desenvolvimento da autonomia das crianças, relacionamentos baseados
apenas no respeito unidirecional parecem retardar este desenvolvimento.
Na fase em que o ser humano ainda é um bebê ocorrem as primeiras relações com
o mundo exterior, através dos seus cuidadores, com os quais constituirá a criança um
sentimento de confiança básica ou de desconfiança básica. A partir das experiências
afetivas vividas, essa criança pode ou não ter, ao longo de sua vida, maiores possibilidades
de gratificação pessoal, pode ser mais autônoma ou mais dependente, isto pode ser
causado tanto pela família, quanto pela escola como foi citado no parágrafo anterior. De
acordo com Piaget, “as escolas realmente influenciam o desenvolvimento moral, quer
tenham essa intenção ou não” (apud DEVRIES; ZAN, 1999, p.28).
O respeito pela criança é fundamental para o desenvolvimento da autonomia de
acordo com DeVries e Zan (1999). Para elas, existem três modos de praticar respeito pelas
crianças, o primeiro é envolvê-las na elaboração das regras da sala; o segundo é usar
alternativas cooperativas para a disciplina e o terceiro é promover a resolução de conflitos
entre elas. Estes três pontos apresentam alternativas para o desenvolvimento da autonomia
o que é o objeto de estudo do presente trabalho.
Este estudo está fundamentado na teoria cognitivo-construtivista, mais
especificamente nos estudos a respeito do desenvolvimento moral da criança. Esta teoria
difere-se dos pensamentos behavioristas e do enfoque psicanalítico por defender que a
estrutura moral está ligada ao desenvolvimento das estruturas do pensamento. Seus
principais representantes são Piaget (1977) e Kolberg (1976, apud BEE, 1984). Estes
estudiosos dão maior atenção ao raciocínio moral e sua estrutura, à construção e aquisição
de valores, aos tipos de regras e como estas mudam no curso do desenvolvimento. Eles
têm estudos que apresentam o desenvolvimento psicológico da criança e estes nos dão

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uma luz sobre nosso objeto que foi citado anteriormente. Para Piaget (1977), o
desenvolvimento psíquico é similar ao crescimento biológico, pois acredita que ambos
seguem para um equilíbrio. Em suas pesquisas, Piaget analisou três aspectos do
desenvolvimento moral: regras morais, julgamento moral e a noção de justiça. Já Kohlberg
acredita existir princípios universais básicos que fundamentam os valores morais. Ele tem
o princípio da justiça como a essência da moralidade. Para ele a maturidade moral dá-se
por volta dos vinte anos e muitas pessoas não alcançam os estágios mais avançados (apud
CAMINO; LUNA, 2004). No próximo tópico iremos explorar tais teorias.
Primeiramente, é importante apresentar o que está sendo chamado de autonomia.
Piaget ressalta que autonomia é uma “atividade disciplinada ou autodisciplinada” (apud
BATTRO, 1978, p. 42). Ainda de acordo com Piaget, a autonomia está entre a anomia e a
heteronomia e igualmente distante das duas, a primeira é própria ao egocentrismo e à
inércia, enquanto a segunda própria à coerção e da atividade forçada (ibid).
Piaget (1977) também explica que heteronomia é um cumprimento de regras feitas
pelos outros sendo aceitas sem questionamento, refere-se a vontade de outra pessoa que
interfere de algum modo na vontade do ‘eu’, já a autonomia segue regras morais do eu,
regras originadas por sentimentos internos da necessidade de como tratar os outros.
Autonomia no olhar psicológico trata-se do “comportamento de um indivíduo que obedece
às leis que ele formulou ou aquelas cujo valor compreendeu e aceitou” (PIÉRON, 1996, p.
54).
É esse mesmo raciocínio que precisa fazer parte da atividade docente buscando
instruir os alunos a refletir sobre o que lhes mandam fazer e a questionar caso não
concordem, procurando uma justificativa cabível para que eles façam o que foi solicitado.
Em cada fase ocorre uma crise psicossocial, que é uma necessidade de ajustamento
pessoal às solicitações do ambiente social, por isso que em cada fase o indivíduo se
questiona o por quê das exigências sociais. Para Piaget, o indivíduo consegue criar, em sua
vida mental, condições especiais de lidar com as solicitações do ambiente externo, físico e
social.
Segundo Bee (1984), a criança desenvolve moralmente a partir do que aprendeu ou
internalizou de seus pais e da sociedade a qual está inserida. Quando a criança está no
primeiro estágio do desenvolvimento moral, sugerido por Piaget (1977), que é referente à
moralidade heterônoma, ela acredita inteiramente que as regras são absolutas, fixas e

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quebrá-las irá trazer, conseqüentemente, a punição, o castigo. Também nessa fase ela julga
a bondade ou maldade baseada nas conseqüências e não na intencionalidade.
Em um outro momento da vida da criança, por volta dos sete anos, ela dá lugar à
moralidade autônoma, também chamada moralidade de reciprocidade, é o inverso do
primeiro estágio, agora as regras são mutáveis e podem ser arbitrárias. Quebrar tais regras
nem sempre leva à punição e o julgamento leva em conta mais a intenção que alguém tem
para fazer uma ação. Nesta fase a criança considera a honestidade e a reciprocidade como
princípios básicos para o relacionamento com os outros.
Lawrence Kohlberg (1976, apud BEE,1984), que foi súdito de Piaget, apesar de
concordar com a teoria de seu instrutor, foi mais além em seus estudos, pois Piaget
acreditava que o desenvolvimento moral ocorria apenas na infância, mas Kohlberg cria
que esse desenvolvimento se dava até a fase adulta e considerou existir mais estágios de
desenvolvimento além da heteronomia e autonomia estudados por seu instrutor. Bee
(1984), apresenta de maneira detalhada as teorias de Piaget e Kohlberg, é interessante ver
a complementação que Kohlberg dá à teoria de Piaget, como que destrinchando as várias
etapas de desenvolvimento que o ser humano passa.
Kohlberg (ibid) procura complementar essas idéias de Piaget a respeito do
desenvolvimento moral, ele classifica em três níveis de desenvolvimento e em cada nível
há dois subestágios. Os dois estágios estudados por Piaget (1977), enquadram-se no nível
um, o da moralidade pré-convencional. Por volta dos dez anos, ocorre uma transição do
nível um para o nível dois (moralidade convencional), isto se dá por causa da mudança de
julgamento que passa de um baseado nas conseqüências e vantagens próprias, para outro
baseado nas regras do grupo a que o indivíduo pertence. A criança compreende que o certo
é o que sua família e/ou grupo que convive pensa ser certo e também o que ela quer que
seja certo.
Por volta dos dezesseis anos começa a se desenvolver o nível três que é o pós-
convencional, este nível vai se aperfeiçoando até a idade adulta, pode ser mais rápido para
uns do que para outros. Nesta fase percebe-se que as leis são necessárias, mas não são
fixas e que devem ser mudadas caso atinjam moralmente algum tipo de pessoa, para os
adolescentes as leis devem refletir valores individuais.
No próximo parágrafo destacaremos melhor a autonomia na escola fazendo uma
reflexão a respeito da abordagem deste aspecto moral em sala de aula.

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Dos 18 aos 30 meses começam a ser construídos nas crianças fundamentos da
autonomia, isto porque elas sentem que estão começando a controlar a expulsão e retenção
de materiais orgânicos provenientes de seu próprio corpo. Rappaport afirma que existe, em
nossa cultura, a necessidade de um controle precoce que deverá ser obtido a partir de
treinos rigorosos. A expectativa é de que as crianças tenham comportamentos regulares e
previsíveis, de maneira programada, mas o bebê age conforme o ‘treinamento’ por querer
se autoafirmar e mostrar que é capaz de realizar atividades sozinho para saber se será
amado mesmo agindo autonomamente.
Se a criança não notar estímulo e segurança por parte dos pais, o que seria
autonomia pode se transformar em vergonha e dúvida. Portanto, na escola de educação
infantil é necessário haver um incentivo às atividades em que as crianças possam ter
liberdade para criar, para escolher, para fazerem sozinhas, isto ajudará a desenvolver até
aquelas crianças que, por algum motivo, não são tão incentivadas em casa, não percebem o
interesse dos pais para aquilo que ela já consegue fazer sozinha.
Segundo Freire (1996), o professor é responsável pelo bom desenvolvimento dos
alunos, portanto ele não pode considerar a autonomia do aluno como algo que ele pode ou
não conceder quando quiser, porque se agir assim está transgredindo um imperativo ético.
O professor que não respeita a curiosidade do aluno, seus gostos, que minimiza as
crianças, que regula as atitudes dos alunos no menor sinal de rebeldia e também não impõe
limites, este transgride os princípios éticos fundamentais de nossa existência, o que
significa romper com a decência. Qualquer tipo de discriminação é imoral, inaceitável, por
isso é importante estar atento para que as crianças não tenham esse direito à autonomia
desrespeitado. Se o professor realmente deseja trabalhar adequadamente respeitará a
autonomia e a identidade do educando fazendo uso de uma prática coerente em sala de
aula.
No Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI) estão
apresentados conteúdos apropriados para este período educativo, dentre eles alguns
merecem destaque por fazerem menção a aspectos e ações importantes para o
desenvolvimento da autonomia em crianças na faixa etária de quatro a seis anos.
São estes,
iniciativa para resolver pequenos problemas do cotidiano, pedindo ajuda se
necessário; participação em situações de brincadeira nas quais as crianças escolham
os parceiros, os objetos, os temas, o espaço e as personagens; valorização do diálogo
como uma forma de lidar com os conflitos; participação em situações que envolvam a

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combinação de algumas regras de convivência em grupo e aquelas referentes ao uso
dos materiais e do espaço, quando isso for pertinente ( BRASIL, RCNEI, 1998, p. 36,
37).

Estes conteúdos ao serem aplicados em sala de aula auxiliam a um maior


desempenho das crianças quanto a tomada de decisão e independência perante atividades
cotidianas. Por isso, é de fundamental importância que os docentes, que trabalham com
crianças nessa faixa etária, tenham um conhecimento aprofundado desse material
fornecido pelo Ministério da Educação e do Desporto.
Quando se fala sobre o desenvolvimento da autonomia na educação infantil, ainda
mais quando é enfatizado o trabalho pedagógico que é realizado em sala de aula, não se
pode deixar de citar o RCNEI, documento citado anteriormente, pois este referencial
aborda não só os conteúdos que são necessários para trabalhar com crianças de quatro a
seis anos, que é a faixa etária das crianças que estudaremos, como também orientações
para o docente buscando melhorar a prática de sala de aula.
De acordo com o RCNEI, autonomia e independência são aspectos fundamentais
para formar cidadãos. As crianças precisam desenvolver a capacidade de fazer escolhas e
isto é alcançado mediante mecanismos como a tomada de decisão. Em todos os instantes
da vida do ser humano é necessário tomar decisões e estas influenciarão positiva ou
negativamente os fatos que ocorrerão após terem sido feitas as escolhas.
Portanto, é importante que haja na sala de aula momentos em que a criança precisa
escolher dentre várias opções, sejam materiais a serem utilizados ou locais onde se
poderão realizar algumas atividades. Se no ambiente da sala de aula não houver espaço
para uma ação autônoma das crianças, então este tornar-se-á autoritário. Deixando as
crianças dirigirem suas próprias ações, o docente estará propiciando a oportunidade de
desenvolverem um senso de responsabilidade, o que é de extrema importância na
sociedade capitalista na qual estão inseridas.
A escola que valoriza a independência das crianças não vê conversa como
sinônimo de bagunça, pelo contrário, irá valorizar o diálogo e coordenar as conversas. A
independência nas mais diversas ações é condição necessária para o desenvolvimento da
autonomia. Os professores e as instituições devam planejar e refletir sobre a disposição
dos materiais e utensílios pedagógicos, pois eles devem estar acessíveis às crianças de
modo a estimular o “fazer sozinho” sem a interferência do adulto.

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As atividades que estimulem a ajuda mútua é de grande importância nesta fase,
porque cada criança possui competências distintas, isto proporciona trocas que permitem
às crianças vivenciarem a diferença de saberes. É importante que seja incentivado o
trabalho em grupo para a realização de atividades do cotidiano da sala de aula, como
organizar os brinquedos em seus devidos lugares, preparar o espaço para as refeições. Isto
permite que conversem sobre o que fazem e confrontem seus pontos de vista, assim as
crianças perceberão que suas opiniões são umas dentre outras demais e então possam
integrar suas idéias.
A rotina deve ser algo valorizado por docentes e instituição, pois quando as
crianças sabem da seqüência dos acontecimentos diários em sala de aula, poderão agir
com mais independência. Esse é outro aspecto fundamental para o desenvolvimento da
autonomia, então é necessário que na sala estejam expostas tabelas apresentando as
atividades diárias a serem realizadas utilizando desenhos e escrita (BRASIL, RCNEI,
1998).
Com uma visão panorâmica por essas teorias e definições, citadas anteriormente,
pode-se compreender que o desenvolvimento do ser humano é algo contínuo e permanente
até a fase adulta, quando as pessoas estão com seus valores e opiniões bem formados,
prontos para analisar os acontecimentos que as cercam e consertar seus erros. Mas para
formar adultos autônomos, com valores morais corretos, é imprescindível um trabalho na
educação infantil voltado para a construção desses comportamentos morais e com
independência, a criança não desenvolverá estes princípios corretamente se não for bem
preparada e acompanhada, estimulada e apoiada. Em seguida apresentaremos a
metodologia utilizada para formalizar este trabalho de pesquisa.

METODOLOGIA

Esta pesquisa foi realizada em uma escola da Rede Particular da Cidade do Recife,
de pequeno porte, cuja clientela é de classe média. Essa instituição dispõe de uma turma
de Educação Infantil, oferecida nos turnos matutino e vespertino, regidas pela mesma
educadora. Nossas observações foram realizadas no horário da tarde. Além da educadora,
a escola conta com a colaboração de uma auxiliar da Educação Infantil, seis funcionários e
a diretora. No intuito de adquirir informações que dêem suporte à construção de um

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conhecimento concreto, foi adotada uma metodologia fundamentada na abordagem
qualitativa.

Participaram desta pesquisa a professora da Educação Infantil, que leciona


há 18 anos nesta escola, onde iniciou sua carreira docente, em turmas de
Educação Infantil; a auxiliar de sala, que sempre esteve presente nos dias observados, e a
turma composta por 15 alunos na faixa etária de 2-5 anos. O período de observação
realizado nesta sala foi de cinco dias distribuídos em dois dias, consecutivos, no final do
primeiro semestre e três dias, consecutivos, no início do segundo semestre. É válido
ressaltar que a forma pela qual foram distribuídos os dias de observação ocorreu em
função da organização e disponibilidade da própria escola. Durante o período das
observações, a professora foi entrevistada.

A recepção das pesquisadoras foi feita pela diretora que se mostrou simpática e
acessível. Desde o primeiro momento explicitamos a nossa pretensão em analisar o
cotidiano da sala de Educação Infantil. Fomos apresentadas à educadora que
disponibilizou sua sala para as observações. Aproximadamente cinco minutos após
estarmos na sala, fomos apresentadas às crianças como estudantes da UFPE e que
passaríamos alguns dias juntos. Durante as observações as pesquisadoras faziam
anotações, quando necessário. As pesquisadoras tentaram, ao máximo, não interferir na
rotina da sala de aula, mantendo-se apenas como observadoras.

A estrutura física da sala de aula é adaptada e de tamanho suficiente para o


desenvolvimento das atividades e ao público que utilizava o espaço, onde possuíam sete
mesas cada uma com quatro cadeiras, que se encontravam enfileiradas nas laterais da sala
otimizando a utilização do espaço físico. As observações realizadas totalizaram 20 horas
distribuídas da forma já citada. No segundo dia de observação, face um momento de
disponibilidade, foi realizada a entrevista com a professora. À medida que uma
pesquisadora fazia as perguntas, a outra anotava os dados. A entrevista durou em média
45 minutos. A entrevista procurou verificar o conhecimento teórico da educadora da sala
observada, a fim de estabelecer uma comparação e verificação da coerência entre suas
concepções e sua prática exercida. A entrevista foi realizada em um ambiente
relativamente calmo, sem interrupções que pudessem comprometer o seu

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andamento.

RESULTADOS

Iremos analisar neste artigo as observações realizadas em sala de aula e a entrevista


feita com a professora da turma, de modo a relacionarmos o discurso com a prática
docente. Em alguns momentos poderão ser apresentados trechos da entrevista no sentido
de fundamentar dados em análise e vice-versa.

OBSERVAÇÕES

Esta análise foi elaborada a partir de recortes das observações realizadas


na sala de aula. Para proporcionar uma melhor compreensão dos resultados
obtidos, organizamos os dados nas seguintes categorias: (1) Os combinados;
(2) Relação professora-aluno; (3) Hábitos diários; (4) Atividades escolares
e o (5) Clima de cooperação.

1. Os combinados

Nas observações realizadas foi verificada a existência de combinados


estabelecidos na turma. Segundo a professora, estes eram estabelecidos e trabalhados,
desde o início do ano letivo, com as crianças de modo que todas os compreendessem e
internalizassem. Neste caso, internalizar refere-se à aceitação das crianças perante as
regras estabelecidas.

Quando as aulas começaram, era necessário manter um controle da turma, como por
exemplo, para beber água e ir ao banheiro, então combinamos que seria necessário pedir
permissão para sair e dizer o que iriam fazer, isto (...) para não virar bagunça de todos quererem
ir ao mesmo tempo.

Foi percebida, no discurso da docente, a flexibilidade sob a qual a questão


era tratada. Desta forma, a modificação de tais combinados ocorria mediante algo que a
justificasse e sua função era contribuir para um melhor convívio entre todos e estabelecer

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a organização dos alunos em sala, por tratar-se de uma turma mista na faixa etária de 2-5
anos. Nos dias observados foram presenciados momentos de discussão e resgate dos
combinados no grupo, de acordo com a necessidade do momento. Em diálogo com as
crianças, foi percebido que tais combinados pareciam estar internalizados e que as regras
estabelecidas faziam parte do dia-a-dia da classe. Em um dos dias observados, foi
presenciado o comentário da professora para a turma a respeito de um dos combinados
estabelecidos, onde expressava que ninguém deveria levar brinquedos de casa para a
escola. Uma das crianças expressa, em diálogo conosco, tal combinado dentre outros:

(...) para ir ao banheiro durante a aula pode ir sozinho, mas tem que avisar que vai; não
pode gritar para não atrapalhar os coleginhas; não pode bater no outro; não pode trazer
brinquedo de casa(...) porque se quebrasse a culpa seria de quem trouxe o brinquedo, então para
evitar confusão era melhor não trazer (observação de 26 / 06 / 06).

2. Relação professora-aluno

Foi notada, na prática docente, uma preocupação em deixar que as crianças


tentassem realizar suas atividades sozinhas, sendo apenas supervisionadas por ela. A
professora, por exemplo, aguarda a tentativa das crianças de se servirem na hora do
lanche, mesmo diante da dificuldade, não há uma antecipação em “fazer por elas”. Há uma
valorização dos êxitos de cada criança, sem se realçar as dificuldades de cada uma. O
extrato abaixo ilustra um momento do lanche de uma criança:

(...) Neste dia C. havia trazido uma garrafinha com suco e que ao abrir e colocar o suco
no copo, quase que derruba o suco por toda a mesa, mas mesmo assim se serviu sozinha. A
professora, de longe, observava o esforço que C. fazia (observação de 26 / 06 / 06).

Em outro momento, foi observado que uma criança de 3 anos vestia sua roupa após
ir ao banheiro sozinha. Por tratar-se de uma necessidade fisiológica de todo ser humano, ir
ao banheiro, a ênfase é dada à naturalidade com que a situação foi desenvolvida,
principalmente quando relacionada à idade da criança. Como se pode observar, a seguir,
no trecho:

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(...) uma das alunas menores indo ao banheiro, (...) após usar o sanitário levantou-se e
com grande dificuldade foi vestindo a roupa e andando ao mesmo tempo, como se não quisesse
perder tempo para aproveitar o recreio, apesar da dificuldade conseguiu arrumar-se sozinha. A
professora parecia atenta, pronta a ajudar, se necessário (observação de 21 / 06 / 06).

Este exemplo sugere que a prática da professora incentiva atitudes de persistência


diante das dificuldades encontradas. Apesar da maioria das crianças apresentarem indícios
de autonomia na realização de algumas atividades, mesmo diante das dificuldades próprias
da idade, foi verificado um aluno na turma que na maioria das ocasiões, se não em todas,
espera a autorização de um adulto para suprir suas necessidades, o que pode ser
considerado um comportamento diferente diante do que foi observado e exposto
no trecho a seguir:

(...) um garoto de 4 anos estava aos prantos, com o rosto”lavado em lágrimas”. A


ajudante da professora perguntou a ele porque estava chorando, ele falou que queria ir ao
banheiro. A ajudante falou: ‘Ôxe, é preciso chorar, é? Vai pro banheiro! (...) Então ele levantou e
saiu correndo para o banheiro (observação de 21 / 06 / 06).

Este exemplo remete à compreensão de que algumas crianças possuem


características de comportamento e mesmo de educação familiar que podem dificultar seu
relacionamento social. Faz jus salientar que independentemente de todos os alunos serem
estimulados a desenvolver atitudes autônomas, por razões diversas, há aqueles que
precisam do reforço de um adulto para tomar suas decisões e agir conforme as mesmas.
Diante das observações realizadas foi possível observar que a prática da auxiliar de
sala não segue o mesmo discurso da prática docente no que tange aos estímulos à
autonomia. Isto pode ser observado no extrato abaixo:

(...) na hora de colocar o canudo no Todynho a ajudante observou a tentativa dela,


quando (...) disse: ‘me dá, me dá logo, C., deixa eu colocar. (observação de 21 / 06 / 06)

Diante disto percebe-se uma lacuna na coerência da prática desenvolvida pelos


profissionais atuantes desta turma quanto à forma de lidar com às crianças. Na turma
observada, a preocupação em desenvolver a autonomia pareceu partir especificamente da
professora.

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3. Hábitos diários

Em todos os dias observados, as crianças, desde as menores até as maiores,


guardaram sozinhas suas tarefas de casa em suas pastas e entregaram à auxiliar as tarefas
da aula anterior. Nestes momentos, a partir do que foi observado, os alunos pareciam estar
habituados a execução da tarefa realizando-a com grande naturalidade. Como podo ser
visto no trecho a seguir:

Após a distribuição das tarefas de casa, as crianças ao colocarem suas tarefas nas pastas
também entregam as do dia anterior para a auxiliar, depois guardam as pastas em suas mochilas.
Tudo é feito com muita tranqüilidade (...) (observação de 16 / 08 / 06).

Em diálogo com a professora, é explicado sob qual motivo isto foi estabelecido:

Decidimos entregar as tarefas para que eles mesmos guardassem e organizassem em suas
pastas, porque antes perdíamos muito tempo da aula guardando estas tarefas pasta por pasta e
agora está melhor por agilizar nosso trabalho, com isto ganhamos tempo (observação de 14 / 08 /
06).

No que tange os princípios da autonomia, percebe-se que o foco central da decisão


não está voltado para o desenvolvimento de atitudes autônomas, mas que, de certa forma,
contribui para esta questão. Nesta turma é interessante observar a naturalidade com que as
situações acontecem. A citar a forma como desempenham seus hábitos diários como, por
exemplo, beber água, ir ao banheiro, lavar as mãos, além de hábitos de
limpeza, como o fato de terem a noção de que devem manter a sala limpa. A professora dá
espaço para que eles atuem proativamente e tenham a oportunidade de sentirem prazer em
satisfazer suas necessidades sem requererem de imediato o auxílio de um adulto. A seguir,
será destacado o caso de R. de 3 anos e S. de 2 anos, respectivamente:

Chegou ao bebedouro ficou de pontas de pé para pegar um copo, ao puxar um copo, outro
caiu no chão. Ele pegou o copo que caiu e tentou colocar de volta ao recipiente no qual estava,
mas não conseguiu por conta da altura (ele era baixinho), então decidiu colocar em cima da
mesinha que estava o vasilhame de água. Então colocou água para beber, sem dificuldades, pois a
altura propiciava a todos se servirem da água sozinhos. Depois procurou com os olhos o lixeiro,

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tentou abri-lo pelo pedal, mas não conseguiu. O lixeiro parecia estar quebrado. Então procurou
outro, foi lá e tentou abrir com o pé novamente não conseguindo levantou a tampa com a mão e
jogou o copo, ao jogá-lo, este caiu fora do lixeiro, foi lá pegou o copo do chão e acertou
dentro do lixeiro (observação de 26 / 06 / 06).

(...) ao terminar de tomar seu mingau, Sérgio não deixou a mamadeira em qualquer lugar.
Procurou com os olhos a auxiliar, como viu que ela estava do outro lado da sala levantou, foi até
ela e entregou-lhe nas mãos a mamadeira (observação de 21 / 06 / 06).

O primeiro exemplo, de R. de 3 anos, nos chama atenção a forma como a sala, os


móveis, o vaso sanitário, a pia, o filtro de água mineral, o suporte de copos e as portas são
estruturados fisicamente de acordo com o publico a que se destina, possibilitando a livre
movimentação das crianças, dispensado o auxílio de adultos. Espaços como este
proporcionam e estimulam atitudes autônomas das crianças. Faz jus salientar que janelas e
instalações elétricas como, por exemplo, interruptores e tomadas encontram-se em local de
difícil acesso às crianças o que denota a preocupação com a segurança dos alunos.
A heterogeneidade da faixa etária das crianças estimula e reforça o
desenvolvimento da autonomia de cada aluno por meio da convivência diária. Os menores,
segundo a professora, procuram imitar os maiores no que se refere aos hábitos diários,
fator considerado nesta análise como um ponto positivo no desenvolvimento das crianças.

4. Atividades escolares

Foi observado que quando solicitada em sala de aula para o auxílio de uma
atividade a professora orienta os alunos de uma maneira para que através da
reflexão possam chegar à resposta, ao invés de dar “tudo pronto”. Ela estimula o
raciocínio enfatizando a crença na capacidade de cada um. O trecho a seguir, explicita o
fato de forma clara, de acordo com a prática adotada durante uma atividade no quadro:

(...) quando eles ficavam perguntando qual letra seria a próxima, a professora dizia que
eles não tentassem adivinhar e sim pensassem, sugeria que eles voltassem na leitura até descobrir
qual letra viria depois da que tinha escrito. (observação de 14 / 08 / 06)

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Um dos alunos ficou em dúvida quanto ao número que vem após o número 5, então a
professora o orienta para que reiniciasse a contagem para descobrir qual seria este numeral,
após a contagem aluno disse: ‘é seis’ e a professora pediu que escrevesse (...) (observação de 15 /
08 / 06).

A professora, nos dias observados, sempre esteve disponível para orientar os


alunos, não interferindo nas tentativas de suprir suas próprias necessidades a menos que
realmente não conseguissem fazerem sozinhos. E necessário que cada professor saiba o
momento de intervir junto ao aluno, no sentido de não remetê-lo ao descaso nem à
dependência. Nos momentos observados, a professora sempre buscou ser um auxílio e não
a solução dos fatos. Procura encorajar, proporcionando o estímulo necessário a cada aluno
no sentido de evidenciar a capacidade de cada um em realizar suas tarefas sob a forma de
elogios, como pode ser observado a seguir:

A professora distribuiu nas mesas lápis de cor e um desenho numa folha e ofício para que
pintassem. (...) Em cerca de cinco minutos, Sérgio entregou-lhe o desenho. Onde ela falou: ‘Que
lindo! Parabéns!’ Assim foi com o desenho de todos os alunos (observação de 21 / 06 / 06).

A professora como sempre com bastante empenho ensinava a tarefa de classe,


(...) incentivando-os a fazerem sozinhos, dizendo a eles que sabiam fazer,
que eram capazes (...) (observação de 16 / 08 / 06).

Foi verificada uma prática durante a realização das atividades de classe que até
então desconhecíamos, que era o fato das borrachas ficarem apenas com a professora.
Assim, quando as crianças erravam solicitavam à professora uma borracha para apagar a
tarefa. Este fato pareceu contraditório á prática observada da professora que tanto parece
incentivar a autonomia das crianças. O relato, a seguir, expressa um comentário da
professora a respeito do uso da borracha:

Antes as crianças ficavam apagando constantemente a tarefa e demoravam muito para


terminar, então a professora explicou que achou por bem ficar com a borracha e dar a eles só
quando realmente errassem (...) (observação de 14/08/2006).

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Consideramos que o comentário da professora chama atenção para uma atitude que
teve por objetivo favorecer o desenvolvimento de atividades na sala, entretanto, podemos
questionar se mais interessante não seria conversar com as crianças e combinar com elas
sobre este uso da borracha, como tem sido feito em relação a diversos outros aspectos já
citados.

5. Clima de cooperação

Na busca pelo desenvolvimento da autonomia, criar um clima de cooperação é


fundamental ao êxito. Tanto a relação professor-aluno quanto a aluno-aluno
parecia nesta sala estar regada de muito carinho e respeito. Na observação
realizada no dia 26 / 06 / 06 isto foi possível verificar:

(...) sentou uma coleginha em seu colo e ambas se abraçavam e arrumavam o cabelo da
outra.

Também foi possível observar que apesar das dificuldades que lhes eram
próprias em decorrência da faixa etária que pertenciam, os maiores se preocupavam em
ajudar os menores, o que demonstra serem crianças proativas e com um certo grau de
independência em relação aos que necessitavam de auxílio. Exemplos:

(...) havia a preocupação dos maiores com os menores para que estes não se
machucassem, ajudavam na hora do lanche abrindo o refrigerante do outro (observação de 14 /
08 / 06).

Um menino novato estava com uns pedaços de plástico jogando para o alto e juntando
depois para jogar novamente. Então uma menina se aproximou e pegou um pedaço de plástico
para ajudá-lo a apanhar, mas ele começou a chorar; rapidamente ela entregou o pedaço de
plástico para ele e disse: ‘Não chora, não! Olha aqui (observação de 16 / 08 / 06).

Diante de problemas, como conflitos entre as crianças, os alunos e a professora têm


comportamentos peculiares para contornar as situações.As crianças, por exemplo, ao se
defrontarem com situações de conflito buscavam a reconciliação, sem solicitar imediata

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intervenção dos adultos. De acordo com cada situação a professora assume uma postura de
advertência-los para que não façam inimizades entre si e nem maltratem seus colegas. Em
extratos, apresentados abaixo, é possível verificar alguns destes momentos:

(...) algumas meninas fizeram uma roda para brincar de ciranda, Camila viu e levantou
para brincar também na roda. (...) uma das meninas colocou a mão em seu peito e a afastou
dizendo: ‘Sai que você não sabe!’ E permaneceu brincando. (...) Camila voltou à mesa e
continuou lanchando. A menina que antes tinha dito que ela não brincaria na roda (...) olhou para
ela e disse: ‘Camila vem cá, me dá um abraço’. As meninas se abraçaram e se beijaram no rosto
(observação de 26 / 06 / 06).

(...) duas crianças brigavam, a menina bateu no rosto do menino e este reclamou para a
professora, esta por sua vez quis saber o por quê da briga, perguntou aos alunos: ‘Eu quero
brigas aqui na sala? Quero que batam no outro?’, responderam que não. (...) A professora
perguntou porque ela não queria que eles brigassem e responderam porque eram coleginhas,
amiguinhos. Perguntou se amigos devem bater um no outro, responderam que não (...)
(observação de 16 / 08 / 06).

É preocupação da professora que as crianças sejam unidas, assim poderá haver


um clima de cooperação mais favorável na turma. Nestes casos, os combinados
estabelecidos com a turma exercem papel fundamental como, por exemplo, o de
que não pode levar brinquedos de casa para a escola. Existem questões que
são resolvidas mediante acordo estabelecido com a família. A professora explica que antes
os pais compravam os brinquedos, mas as crianças brigavam dizendo “Meu pai comprou
pra mim, é meu!”, pois viam os pais comprarem os brinquedos e não queriam dividi-los.
Por esta razão, a escola decidiu por bem pedir uma taxa aos pais para que comprasse os
brinquedos. A partir dessas ações percebe-se que a professora busca estimular a
cooperação e não a competição na sala de aula. Foram observadas situações em que a
atitude errada de uma criança exerce grande influencia sob as demais. Quando ocorrem
estes comportamentos a professora costuma intervir chamando a atenção das crianças.
Como, por exemplo, no trecho a seguir:

(...) três crianças ficaram juntas em círculo conversando, quando uma das três começou a
pisar em algumas pecinhas que se encontravam no chão da sala. As outras duas também

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começaram a pisar onde algumas pecinhas quebraram (...), quando percebeu as três crianças que
quebravam as pecinhas no chão. Ao notar o acontecimento a professora perguntou: ‘o que é isso,
heim?’ As crianças rapidamente sentaram-se na cadeira. A professora conversou com as
crianças sobre aquele tipo de ação (observação de 21 / 06 / 06)

Assim, observa-se que além de estimular um comportamento cooperativo entre as


crianças, a professora também está atenta para conversar com as crianças sempre que
algum comportamento é inadequado aos interesses do grupo. A seguir relataremos a
análise da entrevista realizada com a professora.

ANÁLISE DA ENTREVISTA

Uma das considerações feitas pela professora durante a entrevista consiste


na importância que a mesma dá aos exemplos que os adultos fornecem às
crianças e neste sentido, a importância de suas próprias atitudes em sala de aula. Assim,
afirma que: “Os pequenos se espelham nos maiores, além da professora, porque nós
somos o espelho dos nossos alunos. Eles agirão de acordo com o que trabalhamos e
falamos em sala de aula”. Tal discurso é comprovado nas observações, pois a professora
procura ser o exemplo das crianças no que diz respeito à organização, limpeza, higiene,
entre outros comportamentos que incentivam a autonomia.
A professora também comenta na entrevista a respeito do que pensa sobre a
importância de se desenvolver a autonomia desde cedo: “Acredito que faz com que eles se
sintam mais seguros e confiantes em si mesmos; as crianças se sentem capazes de fazer
suas atividades cotidianas por conta própria; melhora inclusive a auto-estima, porque já
não se acham mais tão dependentes dos pais ou professores; é fundamental para que eles
ajam com maior independência”. Nas observações percebe-se que a professora
desempenha uma prática coerente a seu discurso no que tange o desenvolvimento da
autonomia, quando espera que as crianças tentem realizar suas atividades cotidianas
sozinhas, quando proporciona aos alunos a reflexão a respeito de algum questionamento
ou de alguma atitude tomada pelas próprias crianças. Da mesma forma que a professora
incentiva os alunos em suas atividades, orienta os pais para que não deixem de participar
do desenvolvimento de seus filhos, pois para ela, os pais têm grande influência na
formação das crianças. Isso demonstra o conhecimento da articulação indispensável entre

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família-escola. Na entrevista a professora relata um fato em que ela precisou conversar
com um dos alunos porque sua mãe o havia desencorajado chamando-o de burro:

“Precisei falar com ele dizendo que era capaz, que todos nós temos dificuldades em fazer
algumas coisas, mas mesmo assim não significa que somos burros, todos somos capazes (...)”.

A docente, durante as observações, nos pareceu sempre buscar encorajar as


crianças para que não desistam de fazer alguma coisa. Ela também fala a respeito dos
combinados que foram discutidos durante as observações. Segundo ela, “no início era
difícil trabalhar com a diferença de idade deles, com a diferença de estágio que cada um
se encontrava, brigavam muito, então foi preciso estabelecer combinados para auxiliar na
união deles”. A professora fala na entrevista que costuma fazer atividades que envolvam
as crianças como o ‘ajudante do dia’, como vimos neste extrato: “Procuramos fazer
atividades (...) onde o ajudante do dia ajuda a distribuir ou recolher os brinquedos (...)”,
apesar de não ter sido verificado, desta forma, nos dias observados. Ela dava oportunidade
para que alguns alunos a ajudassem, mas não era algo que permanecia durante todo o dia
de aula, se dava apenas na hora da distribuição das tarefas quando ela solicitava ao aluno
que estivesse mais próximo para entregar as tarefas para a auxiliar e mais nada
além disso na entrevista a docente ressalta que as crianças já vêm de casa com alguns
hábitos independentes, como no extrato seguinte:

(...) muitas crianças já vêm de casa sabendo usar o vaso sanitário, beber água sozinhas,
lanchar sozinhas também, nós aqui na escola apenas reforçamos estas atividades através de
brincadeiras, da divisão de tarefas entre eles.

Esta continuidade é observada na rotina da sala de aula como foi relatado na


análise das observações.A relação estabelecida entre entrevista e observação remete a
compreensão de que na sala de aula analisada há uma prática que estimula o
desenvolvimento da autonomia das crianças e que há a preocupação por parte da
professora em estimulá-las para que possam ser independentes onde todos os pontos
citados na análise das observações fundamentam tal conclusão.

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CONSIDERAÇÔES FINAIS

Um dos objetivos desta pesquisa foi analisar a concepção de autonomia da


educadora infantil e relacionar tal concepção com o desenvolvimento de suas práticas
educativas. Tinha-se como pressuposto, assim como Piaget (1977), que as escolas
realmente influenciam o desenvolvimento moral da criança, quer tenham essa intenção ou
não. Os resultados, que se referem a cinco observações realizadas, permitem afirmar que a
prática da educadora observada parece proporcionar às crianças oportunidades de
desenvolverem autoconfiança, independência, respeito por si mesmas e pelos outros, além
de favorecer a formação de mentes ativas, criativas e indagadoras.
A docente, em sua prática, apresenta um embasamento teórico fundamentado de
conceitos, experiências e crenças sobre formas de educar que lhe são próprias, construídas
ao longo de sua carreira docente.
Cabe neste momento destacar que é no meio social que a criança irá desenvolver o
aspecto do ‘eu’, chamado por Erikson (1976) de sentimento de identidade pessoal. Desta
forma, a escola constitui um dos meios sociais que a criança está inserida, estabelecendo
no âmbito da sala de aula regras de convivência e comportamento que proporcionam o
amadurecimento de sua identidade.
Um caminho que parece promissor em relação ao desenvolvimento de crianças
pensantes e autônomas é a oportunidade de participarem de certas decisões sobre a
dinâmica escolar. Na sala de aula observada parece existir esse espaço para o diálogo de
regras e de atitudes. Como representantes destas regras estão os combinados estabelecidos
entre a educadora e os alunos como, por exemplo, o fato das crianças não poder levar para
a escola os brinquedos de casa, sendo a conseqüência para quem não seguir o combinado,
algo também discutido com as crianças (“se o brinquedo quebrar a culpa será de quem
levar”).
Gostaríamos de salientar que, diante das observações, verificou-se que assim como
existem situações em que as crianças são incentivadas a agir autonomamente, existem
momentos que, em contrapartida, os alunos têm seu espaço de decisão e independência
limitados. O exemplo disto é que a professora, apesar de apresentar todo um
comportamento voltado para o desenvolvimento da autonomia, mantinha as borrachas em
sua posse durante as atividades escritas em sala de aula. Consideramos que poderia
favorecer mais o desenvolvimento das crianças se ela proporcionasse a liberdade de

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decisão para que as próprias crianças apagassem suas falhas e conversasse com elas sobre
questões relativas a este aspecto (O que apagar? Por que apagar? etc). Parece que a
professora faz isto ou para observar mais de perto onde os alunos estão errando ou apenas
para agilizar seu trabalho sem pensar muito nos alunos.
Situações como estas (por exemplo, a da borracha) diferenciam-se do pensamento
de DeVries e Zan (1999) onde afirmam que deve existir o respeito pela criança e crer em
sua capacidade de decisão, fatores fundamentais para desenvolver a autonomia. Paulo
Freire (1996) complementa este argumento quando considera que o professor é
responsável pelo bom desenvolvimento dos alunos, não podendo considerar a autonomia
do aluno como algo que ele pode ou não conceder.
Um aspecto que ainda deve ser comentado refere-se à incoerência entre as atitudes
da professora e de sua auxiliar. Enquanto a professora parece educar para o
desenvolvimento da independência dos alunos, a auxiliar parece estar direcionando suas
atividades em busca de evitar qualquer interferência no desenvolvimento das aulas. Parece
ser necessário que a escola retome a discussão sobre o desenvolvimento da autonomia
infantil em seu interior e estabeleça esse debate com todos os seus funcionários.
Um outro aspecto analisado consiste na necessidade de maior articulação da escola
com a família. A professora expressa que gostaria que os pais dos alunos participassem
com mais ênfase da vida escolar de seus filhos e os estimulassem para a realização de
atividades sozinhos. Tal consideração mostra que vários são os responsáveis para
desenvolver a autonomia nas crianças e um deles é a família. Bee (1984), considera que a
criança desenvolve-se moralmente a partir do que aprendeu e internalizou de seus pais e
da sociedade na qual está inserida.
Um ponto que não foi verificado ao longo de nossa coleta de dados diz respeito à
continuidade do processo formativo de cada criança nas séries seguintes sob a forma de
registro formal. Ao ser questionada sobre esse assunto, a educadora nos informa que há
um contato constante entre as professoras e que costumam ‘trocar idéias’ e informações
sobre os alunos em reuniões ou então nos horários de intervalo, entretanto não parece
haver um registro escrito que resgate e retrate o desenvolvimento dos alunos durante o
ano.
Por fim, a relação estabelecida pela professora entre suas concepções e o
desenvolvimento de suas práticas parece preservar uma relação de correspondência. De
um modo geral, consideramos que o exercício de sua prática docente evidencia a

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dedicação desta para com o processo de desenvolvimento da autonomia das crianças
abrindo espaços para que estas desempenhem a autoria dos seus atos. Assim como a
professora observada, nós devemos ter consciência da importância da autonomia na vida
das crianças, portanto é necessário refletirmos a respeito de nossa prática docente assim
como o fez Paulo Freire quando escreveu: “Saber que devo respeito à autonomia e à
identidade do educando exige de mim uma prática em tudo coerente com este saber”
(FREIRE, 1996, p. 61).

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BATTRO, Antônio M. Dicionário Terminológico de Jean Piaget. São Paulo: Pioneira,


1978, p. 42.

BEE, Helen. Desenvolvimento Moral. A criança em desenvolvimento. São Paulo:


Harbra, 1984, 3ª ed., p. 336-344.

CAMINO, Cleonice; LUNA, Verônica. Aquisição e Desenvolvimento de valores morais.


In: CORREIA, Mônica (org.). Psicologia e escola: uma parceria necessária, Campinas –
SP: Álínea, 2004, p. 101 – 124.

DEVRIES, Rheta; ZAN, Betty. Criando uma atmosfera sócio-moral construtivista em


sala de aula. Pátio: Revista Pedagógica; Artes Médicas, ano 02, nº 07, Nov. 1998/ Jan.
1999.

ERIKSON, E. Infância e Sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 1976, 2ª ed.

FREIRE, Paulo. Ensinar exige respeito à autonomia do ser do educando. Pedagogia da


Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996; 30ª
ed.; (Coleção Leitura); p. 59-61.

PIÉRON, Henri. Dicionário de Psicologia. São Paulo: Globo, 1996, 10ª ed, p. 54.

PEAGET, Jean. O Julgamento moral na criança. São Paulo: Mestre Jou, 1977.

RAPPAPORT, Clara Regina. Psicologia do Desenvolvimento: A idade pré-escolar. São


Paulo: E.P.U., 1981, vol. 03, cap. 03.

BRASIL. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Ministério da


Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental – Brasília: MEC/ SEF,
1998, vol. 02, p. 36 – 40.

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