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Fonte: O Globo

In: http://oglobo.globo.com/blogs/prosa/post.asp?t=as-duas-vidas-de-
catherine&cod_post=195038

Entrevista

As duas vidas de Catherine M.

Ciúmes, ela? Depois de criar um choque entre os bem pensantes da França, ao


descrever com extrema crueza sua movimentada e pouco convencional vida sexual,
Catherine Millet surpreende de novo ao relatar com a mesma profusão de detalhes sua
descida aos infernos do ciúme quando descobre que o marido tinha aventuras com outras
mulheres. Catherine é aquela diretora da mais importante revista francesa de arte, a “Art
Press”, que escolheu abandonar o pedestal reservado à respeitadíssima especialista em
Salvador Dali e Yves Klein para contar num livro, em tom lacônico e distanciado, sua
entrega a um número incalculável de mãos e pênis de homens anônimos, encontrados ao
acaso em estacionamentos, nas sombras do Bois de Bologne, ou em estações de trem
parisienses. Seu relato de orgias e surubas virou um best-seller, “A vida sexual de Catherine
M.” (Ediouro), que vendeu 2,5 milhões de exemplares em 47 países — o mais recente
lançamento foi na Albânia e o próximo será no Líbano, um país árabe. Sete anos e muitas
polêmicas depois, ela reaparece agora num novo livro, “A outra vida de Catherine M.” —-
lançado no Brasil pela Agir — como uma tigresa disposta a usar as garras para manter
jovens rivais distante de seu marido. A mesma mulher que oferece o corpo a quem puder
lhe dar prazer, conta, sem nenhum pudor, como durante três anos vasculhou o computador
e as gavetas do companheiro com uma obsessão de mulher fiel, disposta a tudo para
manter seu casamento de quase 30 anos com o escritor Jacques Henric. Enquanto investiga
a vida paralela do marido, perde-se em crises de angústia, taquicardias e cenas cheias de
lágrimas, num enredo distante da utopia do amor livre, até então aceito como dogma pelo
casal, desde o encontro dos dois nos libertários anos 70. A autora (ao lado, em foto de
divulgação) estará no Brasil em julho participando da Festa Literária Internacional de Paraty
(Flip).

Pelo que a senhora conta, “A vida sexual de Catherine M.” foi uma maneira de sair
da crise de ciúmes. Foi isto?
Na verdade, quando comecei a escrever estava tão fragilizada que não tinha segurança
sobre o que estava fazendo. E também não tinha confiança de que sairia da crise.
Retrospectivamente, ao escrever “A outra vida de Catherine M.” (cujo título original é “Dia
de sofrimento”), percebi que isto tinha acontecido.
Por que decidiu se expor outra vez em um livro?
Logo depois de “A vida sexual” dei muitas entrevistas e participei de muitos encontros com o
público. E todo o tempo vinha a pergunta: mas se você tem essa vida sexual livre, você não
conhece o ciúme? E eu era obrigada a reconhecer que sim, eu conhecia o ciúme. Nas
semanas que se seguiram à publicação de “A vida sexual” decidi que, por honestidade com o
público, eu contaria que tinha vivido uma crise terrível de ciúme.
Mas passaram-se sete anos entre um livro e outro...
Primeiro, eu viajei por mais de três anos por causa de “A vida sexual de Catherine M.” E
depois eu queria um refresco, estava cansada de falar sobre isso. Escrevi um livro (que não
foi traduzido em português) sobre Salvador Dali como escritor, que me exigiu alguns anos
de trabalho.
É mais difícil contar a vida sexual ou falar do seu ciúme?
Falar do ciúme é muito mais difícil, claro. Por diferentes razões, “A outra vida de Catherine
M.” me obrigou a rememorar sentimentos extremamente dolorosos. Ao contrário, “A vida
sexual” me fez voltar aos bons momentos, era escrever sobre boas lembranças. Sempre
falei livremente e sem nenhuma inibição da minha vida sexual e do meu corpo. Mas falar de
sentimentos nunca foi fácil para mim. Ao contrário do que muita gente pensou ao ler meu
livro, eu não sou exibicionista... Mas não escondia nada sobre a minha vida sexual, no meio
profissional muita gente sabia. Para mim, era uma maneira natural de levar a vida.
Os livros “confessionais”, digamos, mudaram a sua vida?
Não mudaram muito. No meio artístico, então, não mudou nada: nem a relação com meus
colaboradores próximos — que não necessariamente sabiam o que acontecia — nem com os
artistas de uma maneira geral. Acho que o mundo artístico hoje é o mais liberal de todos, é
um universo em que a liberdade é completa. Podemos nos permitir coisas que seriam
chocantes entre as pessoas do (mundo do) cinema ou entre escritores. Nas obras de arte,
expostas nas galerias, há coisas da mesma natureza do que as contadas no meu livro
(risos). De uma maneira geral, as reações foram positivas: imagino que as pessoas acharam
engraçado ver que eu tinha virado um personagem midiático. Criou-se uma simpatia maior
em torno de mim.
Como “A outra vida de Catherine M.” foi recebido?
As críticas na França foram ainda melhores, foram muito positivas. Na verdade, todas as
críticas iam no sentido de que, finalmente, eu me confirmava como escritora. Isso foi uma
surpresa. O outro livro não era mal escrito, mas não era isso que interessava às pessoas.
Para os críticos foi um pouco como se aquela mulher, que fez as pessoas falarem tanto dela,
finalmente tivesse virado uma escritora.
A linguagem de “A vida sexual...” é muito mais crua do que a de “A outra vida...”.
Foi um efeito procurado?
São dois livros muito diferentes. “A outra vida de Catherine M.” é mais bem escrito, primeiro
porque eu já tinha uma experiência anterior de escrever um livro no qual falava de mim. As
frases são mais longas, mais torneadas. E também porque a dificuldade que eu tinha para
contar a dor, a complexidade dos meus sentimentos, me fazia pensar mais. A natureza do
que eu tinha para contar me obrigava a mudar a forma de escrever.
A senhora disse que o francês é a língua do sexo. O que achou das traduções, ao
ler o seu livro em outras línguas?
Eu e muitos outros escritores já falamos isso. Existem muitas palavras para falar de sexo, de
órgãos sexuais, de sedução. Conversei com alguns tradutores e foi interessante, porque a
gente percebe as diferentes percepções do vocabulário do sexo nas diferentes línguas. A
gente vê que em algumas línguas, para designar os órgãos sexuais ou a bunda, por
exemplo, existem muitas palavras. Ou, ao contrário, muito poucas palavras. Algumas são
empregadas de uma maneira banal em francês mas, em inglês, por exemplo, viram uma
obscenidade terrível.
O surpreendente no seu livro sobre o ciúme é que a senhora vigia o seu
companheiro com uma obsessão de mulher fiel. Para os leitores que conhecem “A
vida sexual de Catherine M.” foi uma surpresa?
Acho que não foi muito surpreendente. Mesmo se a maioria das pessoas não tem uma vida
sexual livre como a minha, não são muitas as que escapam do ciúme. A liberação sexual,
como sonhávamos nos anos 60 e 70, era uma utopia. Todos os que viveram essa época são
conscientes disso: a sexualidade completamente livre que imaginávamos, com a realização
completa dos nossos desejos, sem entrar em conflito com o cônjuge, era uma utopia. Aqui,
na França, ao lerem “A outra vida de Catherine M.”, muitos disseram: “ah, finalmente,
descobrimos que ela é normal”.
Ou seja, caiu o mito Catherine M.
As pessoas pensam que eu era um monstro sem sentimentos. Voilà, não sou. O fato de ter e
assumir uma sexualidade livre não me impede de cair na armadilha horrorosa do ciúme e
não imuniza ninguém contra a dor que o acompanha.

Lendo seus livros sobre arte e os textos “confessionais” parece que existem duas
Catherine Millet. Há uma relação entre o olhar de crítica de arte e relato de
Catherine M.?
Acho que a crítica ensinou-me a ser mais descritiva do que introspectiva. Para falar de um
sentimento não vou procurar explicações profundas na minha vida passada, na minha
infância. Eu vou procurar simplesmente descrever como se manifesta esse sentimento, o
que ele me fez dizer, como ele age sobre o meu corpo ou sobre a minha vida. É um
paradoxo, mas quando eu trabalho prefiro ficar na superfície. Escrevo como se eu estivesse
descrevendo uma escultura.
Bataille e Sade são autores que a inspiraram?
Não. Claro que eu li isso, faz parte da cultura da minha geração. Mas a lógica do Bataille é a
da transgressão e tudo o que contei sobre a minha vida sexual não entra nessa lógica. Claro
que o tema me interessa, mas não faz parte das minhas experiências. Jamais transgredi os
tabus sociais, nem o tabu do incesto, nem os tabus religiosos. Acho que não existe
sociedade sem tabus fundamentais. Nunca estive na posição de transgressora.
A artista francesa Sophie Calle também vem ao Brasil para a Flip.Tanto a senhora
quanto ela partem de histórias pessoais em livros e/ou trabalhos de arte. Existe
proximidade entre as duas?
Não acho muito, não. Podemos pensar nisso porque ela se revela nas suas obras. Mas acho
que ela está mais no pathos do que eu. Eu conto as histórias como se elas não me
pertencessem mais . Sophie, para falar de um momento de crise, por exemplo, faz isso de
um ponto de vista crítico. Acho que estamos em terrenos diferentes.
Como a crítica de arte vê o trabalho de Sophie?
Eu respeito, mas não é o tipo de coisa que me interessa. Eu jamais escrevi sobre ela ou
sobre seu trabalho, por exemplo. Vou ver as exposições, mas não somos amigas.
O que a senhora espera dessa viagem ao Brasil e da participação na Flip?
A única coisa que me disseram é que vou debater sobre a questão do tabu (ela vai
conversar com a psicanalista Maria Rita Kehl no domingo, dia 5, às 11h30m). Ainda não sei
sobre o que vou falar...

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