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PROFESSORES DE MATEMÁTICA
plinio@ufmg.br
Resumo
O texto trata da questão da dicotomia formação-prática na licenciatura em
matemática. Numa primeira parte, discuto brevemente algumas dificuldades inerentes à
superação dessa dicotomia e conjecturo sobre as razões da permanência histórica desse
fenômeno na formação do professor de matemática. Em seguida, levanto algumas
questões relacionadas com uma abordagem inovadora do problema. Por fim, apresento
algumas contribuições da literatura especializada na área de formação de professores de
matemática, as quais indicam caminhos que me parecem viáveis e interessantes para a
superação da referida dicotomia.
Palavras-chave: Educação Matemática; Formação de Professores; Licenciatura;
Formação Matemática; Saberes Docentes.
Introdução
São muitos os pontos de convergência e de tensão no debate corrente sobre a
estruturação do processo de formação do professor de matemática na licenciatura. E
cada um deles poderia servir de tema para um ou mais simpósios como esse de que
estamos participando no XV ENDIPE. Alguns exemplos:
1. O papel das chamadas TIC (tecnologias de informação e comunicação) na
educação escolar e as formas de incorporação destas na formação do professor
da escola básica.
2. Como desenvolver o trabalho com a história da matemática na formação do
professor? Como a história pode favorecer efetivamente o ensino e a
aprendizagem da matemática na escola?
3. Há certa convergência em torno da idéia de que o aluno (incluindo o da
licenciatura) não pode mais ser pensado como um ser puramente
cognitivo/racional. Há que se levar em conta que a aprendizagem é movida
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Algumas dificuldades
A importância de se buscar uma formação mais colada na prática parece
consensual. Afinal, que professor de um curso de licenciatura em matemática nunca se
perguntou coisas do tipo: para que serve isso que estou ensinando? Ou, qual deles nunca
foi questionado por algum aluno com a pergunta “fatal”: onde na minha futura prática
profissional vou utilizar isso que estou aprendendo? Entretanto, gostaria de chamar a
atenção para alguns pontos que ilustram o nível de dificuldade inerente ao tratamento da
questão. Em primeiro lugar, me parece importante refletir um pouco sobre as várias
formas segundo as quais se poderia entender a superação da referida dicotomia. Se a
entendemos como uma separação problemática, como um fosso entre o que é discutido
no curso de licenciatura e as questões que se colocam na prática profissional, então a
sua superação deve significar a construção de aproximações, o estabelecimento de
pontes, a criação de vínculos entre essas duas instâncias. A título de ilustração, vou
apresentar, reconhecendo que de maneira breve e simplificada, dois pontos de vista
distintos a respeito dos vínculos possíveis entre formação e prática. No dizer de Tardif
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prática tem uma razão de ser, ou seja, nenhuma prática é gratuita, descondicionada.
Assim, se queremos mudar, é preciso conhecer. Outro pressuposto seria aquele segundo
o qual a inserção de profissionais “bem preparados”, “tecnicamente competentes”, na
prática docente é capaz de produzir mudanças substanciais no ensino escolar da
matemática. E isso é o que um curso de licenciatura de qualidade deveria buscar
oferecer ao mercado: profissionais tecnicamente qualificados (i.e., com uma formação
matemática “sólida”) para o ensino da matemática na escola. Cada um desses
pressupostos pode conduzir a diferentes abordagens em termos da superação da
dicotomia formação- prática.
Outra dificuldade em relação à eventual superação dessa dicotomia é a seguinte:
há uma distância “natural” entre as atividades de formação e as da prática profissional.
Estudos como os de Schön (1983) e Lampert (1985), por exemplo, mostraram que
muitas questões e dilemas da prática profissional são decididos a partir de “reflexões na
ação”. Isso significa que alguns dos saberes cruciais para as decisões nem sempre são
apenas evocados de um conjunto de conhecimentos pré-adquiridos, muitas vezes são
produzidos “na ação”, a partir de reformulações instantâneas e adaptações à situação e
às condições do momento em que surgem esses dilemas e questões. Num certo sentido,
isso quer dizer que pelo menos uma parte significativa da prática profissional docente
não pode ser planejada ou antecipada no processo de formação. É preciso
freqüentemente adaptar ou mesmo reformular as teorias da formação em função das
condições de um dado momento da prática profissional. Em outras palavras: as salas de
aula, os alunos, as escolas, enfim, o contexto da prática profissional do professor nem
sempre pode ser reduzido a uma generalidade teórica a partir de abstrações. No entanto,
ao mesmo tempo, a formação não pode se debruçar sobre cada contexto concreto e
condições específicas possíveis. Esta contradição tem de ser levada em conta em
qualquer desenho de currículo que vise a superação da dicotomia formação-prática e
isso constitui uma dificuldade que, a meu ver, não pode ser minimizada.
Há que se levar em conta, no entanto, que as dificuldades aparecem justamente
em função dos estudos que identificam o problema e sugerem a necessidade de sua
superação no âmbito da formação do professor. Como dissemos, essa dicotomia vem
sendo historicamente apontada nos estudos mais amplos sobre as licenciaturas no Brasil
e, em particular, na licenciatura em matemática - conferir, por exemplo, Ludke (1994),
Diniz Pereira (2000), Fiorentini et al. (2002). Em termos práticos, são vários os
exemplos de tentativas de reformulações curriculares, antigas e recentes, que se
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Ninguém gosta da dicotomia entre formação e prática docente, mas ela atravessa a
história dos cursos de licenciatura. Como se explica essa impermeabilidade às
mudanças curriculares, essa resistência histórica, essa permanência contra todos os
desejos?
Há formas mais sofisticadas desse aforismo, mas preferi esta pela sua
simplicidade e pelo fato de que, há relativamente pouco tempo, foi expressa exatamente
assim, como argumento em uma reunião de um grupo de acadêmicos, cuja tarefa era
propor os fundamentos para o novo currículo da licenciatura em matemática de uma
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universidade federal. Mas gostaria de fazer referência a outras formas mais ou menos
equivalentes, algumas até mais famosas. Por exemplo:
compreensão profunda dessa dimensão política da educação escolar para que ele, como
educador, possa desempenhar um papel de contraposição aos interesses que pretendem
colocar e/ou manter a escola a serviço da reprodução das condições capitalistas de
produção. Nesse sentido, inverte-se, em certa medida, a perspectiva anterior e o
“conteudismo” é que passa a ser identificado com uma proposta tecnicista/neutralista da
formação do professor, em oposição a um projeto mais politizado e engajado. Nessa
perspectiva, espaços para uma formação do professor mais voltada para a sociologia e a
história da educação, para a análise crítica das políticas educacionais etc. passam a ser
reivindicados, em detrimento dos espaços curriculares anteriormente destinados à
formação “de conteúdo”.
Embora essas discussões, ainda hoje, não possam ser consideradas
completamente ultrapassadas, creio que não chegaram a desestabilizar essa lógica tácita
expressa no aforismo citado. De todo modo, pode-se dizer que os questionamentos
“externos” não se mostraram eficientes nesse sentido. A nosso ver, entretanto, as coisas
começam a clarear quando nos permitimos questionar essa lógica de modo direto e
frontal, embora preservando, naturalmente, o espaço do diálogo e da investigação. O
que temos proposto é um questionamento dessa lógica a partir de uma posição “interna”
a ela, isto é, aceitando, em princípio, suas premissas e suas conclusões, mas avançando
no sentido de qualificá-las analiticamente. Assim, concordamos que o professor de
matemática da escola vai ensinar matemática e, portanto, precisa saber matemática.
Mas, perguntamos:
Conclusão
Concluimos retomando a questão da dicotomia e discutindo brevemente como os
estudos e investigações relatados acima podem contribuir para a prática da formação do
professor de matemática. Cabe observar, em primeiro lugar, que essas pesquisas e seus
resultados não resolvem, por si só, o problema da dicotomia na formação matemática do
professor, mas abrem possibilidades para a sua superação, na medida em que enfatizam
a importância de se considerar as especificidades dos conhecimentos associados à
prática da profissão docente no processo de formação do professor. Em outras palavras,
os resultados desses estudos “quebram” a lógica subjacente ao aforismo citado
anteriormente: o professor de matemática da escola precisa conhecer a matemática, mas
não necessariamente na mesma forma que o matemático, que o engenheiro, que o
biólogo etc. As pesquisas citadas demonstram concretamente que a matemática
acadêmica não é suficiente para a formação matemática do licenciando (alguns deles,
mais do que isso, levantam a questão da necessidade de se investigar até mesmo se ela
seria necessária e conveniente para o trabalho docente escolar). Por outro lado, os
conflitos apresentados e discutidos em Moreira e David (2008) levantam uma pergunta
inquietante: como integrar, com um mínimo de organicidade, essas duas formas de
saber matemático (a matemática acadêmica e a escolar) num corpo de conhecimentos
que prepare adequadamente o licenciado para o exercício profissional, de modo que ele
possa usufruir das contribuições de ambas?
Em segundo lugar, notamos que essa distinção entre matemática escolar e
matemática acadêmica e os esforços de caracterização de um conhecimento matemático
específico para a educação matemática escolar colocam novos desafios, correspondentes
a um novo patamar da relação formação-prática. Quais seriam esses novos desafios?
Encerramos este texto com a descrição sumária de alguns deles:
Referências
BALL, D.L., BASS, H., SLEEP, L.; THAMES, M. (2005) A theory of mathematical
knowledge for teaching. Work-session presented at ICMI Study 15, Lindoia, Brazil. On
line access: http://stwww.weizmann.ac.il/G-math/ICMI/log_in.html
BALL, D.L.; THAMES, M.H.; PHELPS, G. (2008) Content knowledge for teaching:
what makes it special? Journal of Teacher Education, v.59, n.5, p.389-407.