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Belo Horizonte ::: Minas Gerais ::: Brasil

4 a 7 de novembro de 2008
PERFIL DE
UM GESTOR
*
CULTURAL

• Um líder comunitário do século XXI;

• Um estrategista e facilitador de processos;

• Um transmissor de valores e educador;

• Um empreendedor e agente dinamizador da


economia;

............................................................................................................. • Um profissional inovador e criador de melhores


1º Seminário Internacional de Gestão Cultural (2008 : Belo Horizonte, MG) realidades.
Coordenação Geral: Marcela de Queiroz Bertelli e Maria Helena Cunha
BERTELLI, Marcela de Queiroz, (Org.); CUNHA, Maria Helena, (Org.);
Anais do 1º Seminário Internacional de Gestão Cultural. Belo Horizonte:
DUO Informação e Cultura, 2008. 150p.

1. Gestão Cultural. 2. Profissionalização. 3. Cultura. 4. Políticas públicas


5. Formação 6.Informação. I. Título. II. BERTELLI, Marcela de Queiroz.
III. CUNHA, Maria Helena * Perfil definido por José Antonio Mac Gregor durante a reunião do Grupo
de Trabalho: Profissionalização, formação, perfil, habilidades e saberes.
.............................................................................................................

SEMINÁRIO
INTERNACIONAL
DE GESTÃO
CULTURAL
NOVEMBRO 2008

Realização Produção Executiva


DUO Informação e Cultura Paralelo Marketing Social e Cultural

Coordenação Geral Assessoria Jurídica


Marcela de Queiroz Bertelli Drummond e Neumayr Advocacia
Maria Helena Cunha
Tradução Simultânea
Patrocínio Prodel Eventos
ArcelorMittal Brasil Intérpretes - Maria Del Pino Tlasencia e
Cemig Ricardo Paolineli Térsio

Apoio Institucional Assessoria de Imprensa


OEI - Organização dos Estados Altino Filho
Ibero-americanos
Fotografia
Parceria Tiago Lima
AECID – Agência Espanhola de
Cooperação Internacional para Web Design
o Desenvolvimento Pixer Comunicação

Apoio
Fundação ArcelorMittal Brasil Equipe DUO Informação e Cultura
UNA 1º Seminário
VIVO
Ariel Lucas Silva
Daniel Patrick
Apoio Cultural Diego Ribeiro
Rádio Inconfidência Elaine Vignolli
Rede Minas Eliane Lopes Gomes
Lei Estadual de Incentivo à Cultura Luciana Naves
Governo do Estado de Minas Gerais Marcelo Lages Murta
Lei Federal de Incentivo à Cultura Nádia Matos
Ministério da Cultura Yasmini Costa
SUMÁRIO

ABERTURA ENCONTROS TEMÁTICOS: UMA PROPOSTA METODOLÓGICA--------------122


Palestra de abertura
Alfons Martinell Sempere------------------------------------------------------------------------------------------21
Pensando a gestão cultural a partir dos
desafios do desenvolvimento brasileiro:
MESA: PENSANDO A GESTÃO CULTURAL A PARTIR DOS economia, mercado e fomento----------------------------------------------------------------------------124
DESAFIOS DO DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO:
ECONOMIA, MERCADO E FOMENTO-------------------------------------------------------------------36 Juventude, mercado e consumo cultural: entendendo os
novos públicos--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------125
André Urani---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------37 Desenvolvimento de cidades---------------------------------------------------------------------------------127
Ana Carla Fonseca--------------------------------------------------------------------------------------------------------53 Gestão na diversidade---------------------------------------------------------------------------------------------129

Mundo em movimento: política cultural, intercâmbios e


MESA: MUNDO EM MOVIMENTO: POLÍTICA CULTURAL, INTERCÂMBIOS E Cooperação internacional--------------------------------------------------------------------------------------132
COOPERAÇÃO INTERNACIONAL---------------------------------------------------------------------------66
Política cultural comparada------------------------------------------------------------------------------------133
Gérman Rey-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------67 Comunicação, cultura e sociedade---------------------------------------------------------------------135
Isaura Botelho----------------------------------------------------------------------------------------------------------------75 Cooperação cultural entre os países ibero-americanos
Marta Porto---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------83 e a discussão da agenda 21-------------------------------------------------------------------------------137

MESA: MERCADO DE TRABALHO EM MUTAÇÃO: Mercado de trabalho em mutação:


GESTÃO CULTURAL E FORMAÇÃO PROFISSIONAL--------------------------------------88 Gestão cultural e formação profissional---------------------------------------------------------140

José Antonio Mac Gregor-------------------------------------------------------------------------------------------89 Profissionalização, formação, perfil, habilidades e saberes---------------------141


Antônio Albino Canelas Rubim---------------------------------------------------------------------------------97 Cultura da gestão: planejamento e ferramentas de trabalho-------------------144
Palestra por José Márcio Barros--------------------------------------------------------------------------102 Educação, cultura e novas mídias----------------------------------------------------------------------146
Ao propor a realização do 1º Seminário Internacional de Gestão Cultural, a DUO
Informação e Cultura teve como perspectiva aprofundar a discussão em torno da
profissionalização do campo da gestão cultural, mais especificamente sobre os
aspectos da formação profissional e do acesso à informação qualificada. Essas
questões sempre estiveram presentes nos 10 anos de atuação da DUO no merca-
do cultural brasileiro.

A viabilização de encontros formativos como este 1º Seminário incentiva o diálo-


go permanente entre áreas afins como a cultura, a política e a economia, temas
centrais que foram abordados sob diversos aspectos ao longo dos quatro dias de
trabalho. Para tanto, foram convidados - por sua relevante atuação na área espe-
cífica dos temas em debate - palestrantes, mediadores, coordenadores e relatores
dos encontros temáticos que vieram de diversas partes do Brasil e de países ibero-
americanos, trazendo cada um a sua contribuição para o aprofundamento teórico
e metodológico do evento.

Tão importante quanto os profissionais que vieram expor suas reflexões colocadas
em debate foi a participação efetiva de 294 inscritos de 12 estados brasileiros.
Este Iº Seminário recebeu, ao todo, 694 inscrições de 20 estados e mais de 100
municípios, das cinco regiões brasileiras. Esses são números significativos que
nos permitem afirmar que, atualmente, o campo da gestão cultural tem um espa-
ço fundamental de reflexão sobre a área da cultura, no âmbito do setor público,
da iniciativa privada e das organizações da sociedade civil. Tal perspectiva aponta
uma realidade que é o reconhecimento da gestão cultural como um campo de
trabalho imprescindível para o processo de profissionalização do setor cultural
como um todo.

Consideramos que o campo da cultura é um setor em permanente crescimento


e com grande potencial estratégico de desenvolvimento econômico, social e hu-
mano, o que implica a necessidade de qualificação do debate em torno de temas
de real interesse para a sociedade: a democratização do acesso e da produção
cultural e artística; a definição de políticas públicas e, conseqüentemente, a parti-
cipação efetiva dos cidadãos nesses processos.

Não poderíamos deixar de ressaltar a importância da construção de parcerias


para viabilizar este 1º Seminário Internacional de Gestão Cultural, o primeiro de
uma série. Contamos com parceiros fundamentais e, mais uma vez, queremos
agradecer por acreditarem em nossas idéias e em nossa capacidade de realiza-
ção. Aqui, nos referimos ao patrocínio da ArcelorMittal Brasil e da CEMIG, à parce-
ria com o Centro Cultural da Espanha em São Paulo - que representa a Agência
Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento/AECID, ao apoio
da Fundação ArcelorMittal, do Centro Universitário UNA, da VIVO, da Secretaria
de Estado da Cultura de Minas Gerais e do Ministério da Cultura, por meio de
suas respectivas leis de incentivo à cultura. Destacamos, ainda, o apoio cultural
da Rádio Inconfidência e da Rede Minas. Não poderíamos deixar de reconhecer,
Realização Patrocínio
também, o trabalho de toda a equipe da DUO Informação e Cultura e da Paralelo
Marketing Social e Cultural, que não mediram esforços para realizar um evento Parceria
impecável!

Acreditamos, por fim, que é fundamental colocarmos à disposição informações


relevantes e consistentes sobre a gestão cultural como forma de fomentar o de-
bate, a reflexão e promover a articulação desse campo a partir dos conceitos e
experiências diversificadas. Para avançar nas questões específicas e contempo-
râneas da gestão cultural, elegemos como eixo temático os espaços culturais e
suas várias abordagens, que serão trabalhados, em 2010, durante o 2º Seminário
Internacional de Gestão Cultural.

1º Seminário Internacional de Gestão Cultural • 13

Apoio Cultural
A ArcelorMittal Brasil é uma das principais siderúrgicas da América Latina, com
presença destacada nos setores de aços longos e planos ao carbono. Constituída
em dezembro de 2005, reúne três das mais competitivas empresas siderúrgicas
do País - ArcelorMittal Aços Longos (incluindo a Acindar da Argentina e a Arcelor-
Mittal Costa Rica), ArcelorMittal Tubarão e ArcelorMittal Vega.

Aliar a produção do aço ao desenvolvimento das comunidades é parte da filosofia


da ArcelorMittal. Para isso, a empresa conta com o apoio da Fundação ArcelorMit-
tal Brasil, que gerencia os projetos sociais, incluindo os investimentos na área de
arte e cultura.

As ações culturais apoiadas e promovidas pela ArcelorMittal Brasil e operacio-


nalizadas pela Fundação ArcelorMittal Brasil são definidas de acordo com a Po-
lítica de Investimento Cultural do Grupo, desde o início de 2008. Por meio dela,
busca-se universalizar o acesso a bens e serviços culturais, ampliar a capacidade
criativa das comunidades, identificar novas formas de expressão, promover a ex-
perimentação, os movimentos culturais e talentos artísticos, bem como assegurar
a geração e ampliação de públicos, entre outros objetivos.

A adoção dessa política traz novas diretrizes para o investimento no setor, alinha-
das aos valores da Agenda 21 de Cultura, com foco na Formação de Públicos e
Acessibilidade, Formação Artística e Formação de Gestores e Técnicos. Trata-se
de uma visão contemporânea de inserção cultural, alinhada com uma preocu-
pação  com os valores de identidade, diversidade, acessibilidade, qualidade de
gestão e sustentabilidade, com resultados de médio e longo prazos.

A escolha das iniciativas que recebem recursos da instituição está em sintonia


com as novas diretrizes, especialmente a escolha de projetos de formação e capa-
citação de gestores culturais nas comunidades e o incentivo ao desenvolvimento
de artistas locais. Os programas culturais acontecem em 24 cidades de atuação
da ArcelorMittal  com o apoio  das Leis de Incentivo à Cultura e realizados em
parceria com as prefeituras locais. No sentido de promover a formação cultural,
a Fundação realiza projetos de qualificação e apóia seminários, cursos de gestão
cultural e eventos relevantes.

Para atuar com essa nova forma de trabalho e fortalecer uma gestão comparti-
lhada com os diversos profissionais envolvidos na coordenação dos programas
culturais, a Fundação criou o Comitê de Cultura, com representantes de áreas
estratégicas da ArcelorMittal para seleção e análise de projetos.

Realização Patrocínio Parceria


O Seminário Internacional de Gestão Cultural vem ao encontro da política cultural
da ArcelorMittal fomentando a formação e promovendo a troca de informações
entre gestores nacionais e internacionais.  Para nós, da ArcelorMittal, é um orgu-
lho participar desse momento rico e intenso de produção de conhecimento sobre
gestão no segmento cultural. Sabemos que iniciativas como o Seminário Interna-
cional são fundamentais para provocar o debate e, principalmente, possibilitar
a convergência de experiências orientadas no desenvolvimento socioeconômico
ético e sustentável.
1º Seminário Internacional de Gestão Cultural • 15
Por entender que a ampliação dos debates sobre a gestão pode contribuir para
o desenvolvimento da cultura do Estado e do País, a Cemig tem orgulho de parti-
cipar de ações que fomentem essas discussões. Dessa forma, acreditamos que
pela troca de idéias e experiências é possível implementar gestões cada vez mais
eficientes no setor cultural.

Além disso, auxiliar na realização do 1º Seminário Internacional de Gestão Cul-


tural é, a nosso ver, demonstrar atenção à questão inserida no âmbito da prática
e da reflexão internacionais sobre o tema, pois trata-se sem dúvida de um tema
de grande relevância no cenário cultural do país, como já demonstra, por si só, o
grande número de inscrições e de regiões de procedência dos participantes.

Foi com grande satisfação que assistimos à maneira como o seminário provocou
o debate sobre a formação profissional e sobre a diversidade de campos de atua-
ção do gestor cultural, condições necessárias à expansão e profissionalização do
setor no país. Dividir experiências com representantes de diversas nacionalidades
também é aprimorar a gestão da cultura em todo o mundo de uma maneira única,
evitando assim o aumento da assimetria de regiões economicamente mais ricas
em relação às demais.

Consideramos, ainda, que é de suma importância instigar as discussões sobre os


papéis de cada setor, público e privado, na promoção da cultura. Analisar e incen-
tivar as diversas formas de parcerias entre o poder público, a iniciativa privada e
as organizações civis para a divulgação da cultura no país significa, de forma com-
plementar, promover o desenvolvimento da sociedade como um todo, ajudando a
reduzir as desigualdades sociais.

Instigar a pesquisa e a divulgação da informação, pensando em uma rede regio-


nal, nacional e internacional, prova que o mundo integrado cria possibilidades
inéditas para que se possa difundir as culturas regionais de maneira global, o que
também abre novos campos de atuação para a gestão cultural.
Realização Patrocínio Parceria Apoio Institucional Apoio
Por fim, promover esse evento em Minas Gerais demonstra, mais uma vez, o com-
prometimento assumido pelo estado em contribuir, cada vez mais, para uma dis-
cussão ampla das práticas e dos conceitos contemporâneos da gestão da cultura,
bem como em fomentar a profissionalização do setor.

1º Seminário Internacional de Gestão Cultural • 17


A AECID é uma Agência Estatal submetida ao Ministério de Assuntos Exteriores
e de Cooperação da Espanha por meio da Secretaria de Estado para a Coopera-
ção Internacional (SECI) e faz parte da missão diplomática espanhola no Brasil. É
responsável pelo desenho, execução e gestão de projetos e programas de coope-
ração para o desenvolvimento, diretamente, com recursos próprios ou mediante
colaboração com outras instituições nacionais, internacionais, multilaterais e or-
ganizações não governamentais.

A Rede de Centros Culturais da Espanha (CCE) no exterior promove, no âmbito da


cooperação cultural, os mesmos valores e objetivos dos principais organismos
de cooperação internacional, a exemplo do PNUD (Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento) e da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura), o que se reflete no Plano Diretor da Cooperação
Espanhola (2009-2012) e em sua Estratégia “Cultura e Desenvolvimento”.

No Brasil, o Centro Cultural da Espanha/AECID está localizado em São Paulo. Tem


realizado um intenso trabalho em associação com os poderes públicos e com
uma diversificada gama de instituições e organizações da sociedade civil. A ati-
vidade da AECID no campo da cooperação cultural no Brasil complementa e se
coordena com a que desenvolve a Embaixada da Espanha a partir da Conselheria
de Cultura, do Instituto Cervantes e do Escritório Técnico de Cooperação/AECID
em Brasília.

A ênfase do trabalho do Centro Cultural da Espanha em São Paulo não se limita


à promoção da cultura espanhola, mas ao apoio a iniciativas que agreguem di-
ferentes atores iberoamericanos atuantes na área de cultura e desenvolvimento.
Trata-se, portanto, de fomentar o encontro de experiências e recursos para criar
espaços de reflexão, intercâmbio e diálogo, e assim, apoiar a produção artística e
cultural e o seu papel como fator de desenvolvimento. Dessa maneira, busca-se
dinamizar e descentralizar a atividade cultural para contribuir com o exercício dos
direitos de produção e fruição de todos os agentes do campo da cultura. O CCE
procura complementar e fortalecer o trabalho dos parceiros nas áreas em que
atuam com mais dificuldades.

A Cooperação Espanhola trabalha com a cultura porque acredita que ela é um


elemento decisivo e essencial para o desenvolvimento.

A Rede defende a liberdade cultural e o direito à diversidade como fatores funda-


mentais para o desenvolvimento humano. Promove o diálogo cultural e trabalha
facilitando as relações culturais entre o resto da Ibero-América e a África, âmbitos
geográficos prioritários para a cooperação espanhola.
Patrocínio Parceria Apoio Institucional Apoio
Em 2010, o Centro Cultural de Espanha apoiará, pelo segundo ano consecutivo, o
Seminário Internacional  de Gestão Cultural organizado pela  DUO informação e
Cultura com o objetivo - compartilhado por ambas instituições -  de trabalhar para
a consolidação do setor cultural brasileiro e a formação de profissionais na área.

1º Seminário Internacional de Gestão Cultural • 19


ENTRE
RAZÃO E
SENSIBILIDADE

Os textos aqui publicados foram fielmente transcritos do registro


audiovisual das palestras apresentadas durante o Seminário.
Optamos por reproduzi-los de forma a não perder o tom coloquial e a
manter a emoção das falas.
PALESTRA DE POR
Boa-noite. Primeiro eu gostaria de pe-
dir desculpas por não falar pra vocês
em português, que seria uma língua

ABERTURA ALFONS
que eu gostaria de falar porque tem
uma fonética parecida com a da minha
língua materna que não é o espanhol,

MARTINELL
é o catalão. Eu vou me expressar em
espanhol e fazer uma apresentação da
forma mais clara possível.*

SEMPERE Eu gostaria de agradecer à Maria He-


lena pelo convite, um convite que eu
demorei muito em aceitar a vir aqui,
em Belo Horizonte. É a primeira vez
que eu venho aqui nesta cidade e ela
Dia 4 de novembro me convidava muito. Eu falava que eu
não podia porque nesses últimos anos
eu estava muito atarefado em funções
de governo e não podia me dedicar a
esse tipo de coisa. Agora que eu vol-
tei para a minha vida normal e saí do
governo, a normalidade também me
permite estar aqui com vocês. Bom, e
a minha satisfação é porque eu acho
que é importante que Belo Horizonte
organize o primeiro, que eu espero que
não seja o único e o último, mas que
seja o primeiro de muitos seminários
internacionais de Gestão Cultural.

Eu venho de uma cidade chamada Giro-


na, eu sou um periférico, eu sou da pe-
riferia, está certo? Eu sou da periferia
do meu país, ou seja, eu sou de uma ci-
dade pequena, periférica, da periferia.
Nós estamos encostados na fronteira
com a França, muito longe do centra-
lismo de Madri, longe também do ou-
tro centro: de Barcelona. Nessa cidade,
nós temos tentado construir ao longo
de muitos anos. Eu trabalhei doze anos
depois da ditadura na municipalidade
e agora, na universidade, nós estamos
tentando construir um projeto cultural
local que eu acho que é muito impor-
tante. E é por isso que eu coloco isso
em relação a Belo Horizonte. Eu acho
que os espaços que nós poderíamos
chamar de periferias, os espaços não
centrais ou a centralidade dos não
centros, se usássemos essa imagem
de Macauê, os não-centros são lugares
importantes onde estão se produzindo
fenômenos importantes e onde, em *A tradução do texto para o
alguns momentos, podemos trabalhar protuguês nesta publicação foi
com um foco internacional, ou seja, a autorizada pelo palestrante

1º Seminário Internacional de Gestão Cultural • 23


internacionalidade dos projetos cultu- com o tempo que se movimentar nos que a competência-chave é a questão do-nação estava pensando uma coisa
rais não está na base dos grandes cen- cenários porque, de qualquer forma, a da contextualização. É o que ela fala, diferente, mas as fronteiras são ago-
tros, mas está na base da produção lo- contemporaneidade da cultura requer ou seja, é situar qual é a resposta em ra transpassadas, a gente está vendo
cal, como eu vou tentar falar na minha uma adequação para essa contem- cultura. Nós não temos modelos, os isso, pelo menos no meu país. Agora,
conversa aqui com vocês. poraneidade. Talvez nós pudéssemos modelos são teóricos, só servem pra na minha cidade, 15% da população
criticar de forma muito clara um certo explicar. Cada projeto dialoga com seu são imigrantes que chegaram nos últi-
Bom, isso é importante na Gestão Cul- estancamento da gestão cultural. Eu contexto e, portanto, também a cul- mos cinco anos, portanto, isso está al-
tural porque, de certa forma, nós es- sou muito crítico, eu estou há muitos tura não pode se acomodar na tradi- terando a cultura de lá, está alterando
tamos em um momento que eu diria anos formando gestores culturais, ou ção, nem no passado. Essas seriam as a realidade da cidade. Há uma mobili-
complexo, difícil, em que se tem que seja, eu montei o primeiro curso de identidades culturais refúgio, como eu dade diferente e a gente se movimenta
assumir uma série de desafios, em gestão cultural na Espanha, em 1986, citei anteriormente, mas é preciso lu- muito, mais do que nunca na história.
que se tem que trabalhar com novas e o primeiro curso de pós-graduação, o tar nas fronteiras, nos riscos das fron- Hoje a gente vê o currículo de um ar-
variáveis - que não apenas se fechar primeiro mestrado. Portanto, eu tenho teiras. Por isso eu falava da vanguarda tista e vê alguém, uma pessoa muito
no processo de produção cultural -, em muita experiência na formação e nós e da inovação. Não há cultura se nós jovem que tem muita experiência. En-
que se tem que ter um papel com ou- temos formado muitas pessoas que não temos vanguarda e inovação. Nós tão esses são os espaços geopolíticos.
tras políticas e que se tem que traba- estão trabalhando nesses campos. não temos aquela tensão aguda com Além da política nacional e da política
lhar também com os contextos novos. Mas nós também somos críticos em a inovação e, quando uma cultura dos estados, está se gerando uma nova
É isso que eu vou tentar falar aqui, na relação aos resultados, pois nós temos não tem tensão, tudo funciona como forma de agir. A minha atuação agora
minha palestra. visto que após algum tempo há uma um bálsamo de óleo em que nada se não é só o meu país, o Brasil, mas tal-
acomodação dos gestores culturais, mexe. Aí o negócio está pior, está ruim vez um pedaço do Brasil e um pedaço
Mas poderíamos voltar um pouco ao uma espécie de burocratização, até porque a cultura está doente, está em do Uruguai, outro pedaço da Argenti-
que é mais específico e que, durante uma certa tendência para a adminis- um processo ruim. Então, a cultura é na, vão se criando espaços informais,
essa semana, vocês vão conseguir fa- tração burocrática do que para a ges- sempre um lugar turbulento, com tur- realidades novas, que em algumas
zer na parte da tarde, ao longo deste tão operacional moderna e contempo- bulência. Um intelectual do meu país regiões são bastante importantes. Ta-
seminário. Eu poderia falar de projetos rânea, ou seja, há um aparato crítico falou uma vez que a gestão da cultura manha liberdade quebra uma ruptura
concretos, mas eu penso que é impor- em relação a isso e pode existir gestão é como estar em um campo minado daquele princípio de que um território
tante falarmos de onde nós estamos, cultural de direita e de esquerda, de no qual você não sabe onde vai explo- era igual a uma entidade. Isso custou
qual é o cenário em que nós estamos progressistas e não-progressistas, de dir a próxima mina, ou seja, essa idéia muito, pelo menos na América Latina
nos enxergando ou onde nós vamos integristas, é claro que pode existir. de trabalhar com esse ambiente. Eu e também no meu país.
nos enxergar no futuro e, talvez, esses acho que isso é importante, a gestão
cenários que eu vou apresentar pos- Ninguém pode duvidar de que a cultura da cultura diante desses desafios da Vocês pensam que a Espanha é um
sam mudar muito rápido, levando em é uma ferramenta dos fundamentalis- contemporaneidade. país pluricultural. Eu falei da minha lín-
consideração a rapidez da evolução mos e é a ferramenta das identidades, gua que não é o espanhol, é o catalão.
de alguns fenômenos que vão afetar dos refúgios, como Manuel Castells, o Também é verdade que a cultura apa- Então, isso demorou muitos, muitos
a nossa vida do dia-a-dia e eu acho sociólogo, fala que fundamentam cer- rece aqui com o surgimento de novos anos, e eu, quando era criança, quan-
que isso é importante. Portanto, acho tas resistências. A gente não pode se espaços geopolíticos. De certa forma do ia pra escola, quando na época da
que é necessário um primeiro percur- esquecer disso, mas é verdade que a temos uma crise do estado-nação, ditadura era proibido de falar a minha
so por algumas reflexões gerais, umas gestão cultural é caracterizada por um constituem-se novos espaços institu- língua, eu era perseguido pela minha
reflexões meio sem ordem, plurais, de certo dinamismo, ou seja, está em mo- cionalizados da cultura, temos novos língua, e ninguém me ensinou essa lín-
muitas cores. Para a gestão da cultura vimento. O que significa estar em mo- espaços informais, aparecem na prá- gua na escola, era proibido. Portanto,
nós temos utilizado aquela imagem do vimento? Estar em permanente diálo- tica de novas formas de se relacionar essa realidade da multiculturalidade é
mosaico. Eu gosto cada vez mais da go com o seu contexto. E o contexto é o além dos estados-nação e, portanto, um fato importante que está quebran-
imagem do caleidoscópio que você vai conjunto desses entornos, das realida- criam-se regiões culturais transnacio- do, está rompendo com essa identida-
girando e está sempre, permanente- des em que é produzido o fenômeno nais. Sobretudo, isso é um fenômeno de criada de falar o que é uma cultura
mente, em movimento, em um sentido da ação cultural. Esse contexto muda, que está motivado pelos resultados brasileira, o que é uma cultura espa-
contrário a essa permanência. ele é cambiável, ele é mutante, não é de uma sociedade globalizada. O so- nhola. É isso que se está questionando
permanente. E a cultura tem graves di- ciólogo Ballman fala que, a partir do agora. O que é? Bom, é um conjunto,
Há também nessa questão os gesto- ficuldades de se harmonizar. que ele entende como globalização, é um mosaico de elementos. Eu que
res culturais ou promotores culturais, o componente mais importante da tenho trabalhado quatro anos na chan-
essas pessoas a quem a sociedade Eva Moren, quando fala da teoria da globalização é a mobilidade. Não só a celaria, na direção geral de relações
encarrega de um projeto cultural. Nós complexidade, diz que a competên- mobilidade de pessoas, mas também culturais antípodas, quando me fala-
não vamos discutir as denominações, cia é chave para trabalhar em torno de discursos, de linguagens, de formas vam: você tem que promover a cultura
mas essas pessoas, que a sociedade da complexidade e a cultura é uma expressivas, etc. O movimento é dife- espanhola, eu tinha que falar o que era
requer para que eles supram necessi- delas. Há pessoas que entendem a rente. Essa mobilidade é tão ampla e a cultura espanhola. Eu tinha sérios
dades culturais específicas que a pró- cultura como uma questão estática, tão incontrolável que o estado-nação problemas, alguns deles antológicos
pria comunidade apresenta, elas têm mas a cultura é complexa e ela diz não consegue responder a isso. O esta- e outros que não me deixavam dormir

24 • Palestra de abertura 1º Seminário Internacional de Gestão Cultural • 25


tranqüilo porque eu falava: meu Deus, o tório também. Mas, no final do século Nós encontraríamos muitos exemplos que agora o negócio saiu do controle
que é isso, o que é a cultura espanhola? XX, na guerra dos Bálcãs, o território práticos em que essa reflexão nos per- porque o nosso sistema educacional
Então, eu podia ir para alguns tópicos, não era importante, era só a questão mitisse identificar formas de atuação, está em uma região de seis milhões
mais ou menos aceitos, tudo bem, mas da identidade cultural. Agora é real- até formas de formular um projeto, de habitantes, em cinco anos cresceu
era uma decisão realmente difícil. mente a questão da identidade cultu- porque um projeto pode se formular a com 250 mil novas vagas escolares.
ral e o que vai restar disso. Foi essa partir de uma identificação, um proje- Vocês sabem o que são 250 mil vagas
Essas identidades uniformizadoras tal- a idéia de criar uma identidade entre to é formulado sempre a partir de um escolares, 250 mil vagas novas, quan-
vez no século XIX e XX tenham servido diferentes. Mas o que é que une a gen- olhar, uma leitura. E nunca um olhar e tas turmas novas, quantos professores
para criar o estado-nação e criar polí- te? O que é uma identidade de projeto uma leitura coincidem um com o outro, são? É além do que estava planejado,
ticas culturais focadas na criação da político? Isso é uma forma de criarmos porque, se todos fizéssemos a mesma como fruto da imigração. Por exemplo,
capital, com aquela grande pinacote- identidades, porque todos nós temos coisa, nós faríamos projetos culturais na Espanha, eu tenho saúde, que é um
ca, o grande teatro nacional, a grande que aceitar que essas identidades são iguais. A graça, a beleza de um gestor bem universal, público, qualquer pes-
biblioteca. Isso era uma cultura de um construídas de certa forma, em certo cultural para se apresentar para um soa com papéis ou sem papéis tem
país e isso há anos quebrou-se. Nós te- momento, não surgiram espontane- edital é que se diferencia, apesar de direito à saúde. O pessoal vai para a
mos a capacidade e a sensibilidade de amente, mas houve uma vontade co- que se faça o mesmo projeto cultural Espanha pra realmente ter acesso ao
identificar culturas que tinham estado munitária, coletiva, de criar uma série para artes contemporâneas, em uma sistema público de saúde. Quando eles
estigmatizadas, que tinham estado es- de identidades. mesma cidade, para uma mesma or- estão doentes, vão pra lá porque eles
condidas, perseguidas, minoritárias, e ganização. Como são diferentes? Por- sabem que lá eles vão ser cuidados.
colocá-las na agenda política, apesar Então, com essa questão da ruptura, que têm olhares diferentes. E esses O bem-estar não é nacional. Então,
de todos os problemas. Estão na agen- com esse assunto, esse é um tema olhares nos permitem fazer leituras nós não podemos colocar fronteiras,
da política agora mais do que nunca. muito, muito importante porque hoje, diferentes de certas realidades, identi- mas essa idéia de que o ser humano
Nunca, na história da humanidade, as se olharmos internamente, nós nos ficações diferentes que vão ser a base é humano em qualquer lugar e isso ser
culturas minoritárias e as línguas mino- encontramos dentro de um território, da nossa proposta, uma proposta cria- problema do bem-estar, tudo se apre-
ritárias tinham estado tão conhecidas não existe uma unidade cultural pes- tiva que, a partir da interpretação dos senta como problema supranacional,
como agora, graças à Internet e a essa soal. Um estudo recente da cidade de dados que essa leitura nos oferece, vai principalmente quando está próxima
sociedade da informação. Nunca, nun- Barcelona diz que lá são faladas 200 articular uma operação que vai sair di- à sua fronteira algum tipo de ausência
ca antes o minoritário tinha tido essa línguas. Eu li aquilo e não acreditei, ferente daquela do meu vizinho e isso de bem-estar e, portanto, nós temos
visibilidade. Eu tenho um amigo que procurei as fontes e vi que realmente vai ser a competitividade no setor cul- esse problema perto também.
trabalha com línguas exóticas, ou lín- é um estudo sério, um estudo muito tural e é importante aceitá-lo assim.
guas minoritárias, quase sendo perdi- sério. No resto do mundo inteiro ago- Existe um princípio fundamental que é Tudo isso não está longe da cultura,
das. Hoje estão trabalhando muito com ra se fala em Barcelona. Porque há o o bem-estar da qualidade de vida, não porque a cultura tem que responder
isso porque eles, quando encontram pessoal do Paquistão, aquela popula- é mais um conceito nacional. Talvez aos desafios da contemporaneidade.
uma língua que só é falada por 40 pes- ção, mas quantas línguas eles falam? vocês no Brasil ainda não percebam Em longo prazo o que nós pedimos à
soas, eles estão fazendo um trabalho Então eles fizeram realmente um estu- isso como é percebido em outros paí- cultura é que nos ajude, que possa nos
de registro. Daqui a alguns anos serão do muito sério, muito bem detalhado. ses, mas vocês vão perceber isso em ajudar para interpretar o que está acon-
agradecidos por esse trabalho, pois há Quando você considera a cidade do algum momento, porque o Brasil é tecendo na sociedade. Em longo prazo
línguas que vão se perder e não vamos México e vê que lá se falam 23 línguas quase um continente numericamente, a cultura é uma máquina de símbolos,
conseguir recuperá-las, pois não foram mexicanas - mexicanas, sim -, com al- é um continente e, portanto, é difícil representações que vão nos permitir
estudadas no momento exato. guns mercados lá em áreas, regiões da para vocês terem essa visão. entender melhor o que está aconte-
cidade do México. Então essa identida- cendo. A cultura é imprescindível para
Quanto à questão também das identi- de é uma realidade multicultural, in- Mas eu vou explicar um exemplo da a construção política, então isso obriga
dades transnacionais, falo de novo do tercultural como gosto de chamar. E a Espanha. O bem-estar de Marrocos é a um aumento da consciência desses
Manuel Castells, pois no livro dele, da gestão cultural quando está nesse foco o nosso próprio bem-estar porque nós valores internacionais que vamos ten-
sociedade da informação, há um ca- não pode mais se posicionar a partir estamos na fronteira. A África do Sul tar explicar mais tarde. Vocês podem
pítulo do livro da identidade cultural de uma “monoidentidade” cultural, ou tem um problema de fome que faz pensar que esse cenário fica muito lon-
de que eu gosto muito. Ele fala das de uma “monorrealidade”, é preciso in- com que um milhão de pessoas se ge, muito distante. Eu diria pra vocês
identidades-projeto, identidades cultu- troduzir o conceito de diversidade. Mas desloquem para o norte, e esse proble- que não está tão distante, há alguns
rais novas. Um exemplo disso seria a esse conceito de diversidade, além do ma é o nosso problema. Esse é o nosso elementos dele aqui que são do dia-a-
identidade cultural européia. A Europa que fala a convenção, é um conceito problema, o estado de bem-estar eu- dia. Eu vou explicar o exemplo que ou-
tem sido um continente que durante para ser introduzido na prática, como ropeu que nós realmente conseguimos tro dia eu repetia. Quando eu era crian-
o século XX tem se imantado com os eu introduzo a diversidade na progra- criar muito bem. Na Espanha foi um ça, eu fui à escola franquista e eu não
outros e isso nunca aconteceu em um mação, por exemplo, a diversidade dos pouco mais tarde porque estávamos conseguia falar o catalão, e todos nós
outro continente. Nós ficamos nos ins- públicos, os públicos que estão isola- saindo daquela fase obscura, mas éramos catalães, todas crianças cata-
truindo como nunca aconteceu em um dos, que não têm acesso. nós calculamos, fizemos um cálculo e lãs, e a professora punia a gente se a
outro continente. E basicamente por falamos: bom, vamos ter tantos hos- gente falasse catalão, porque em casa
identidades culturais que perdem terri- pitais, tantas escolas, mas acontece eu falava catalão. A gente era punido

26 • Palestra de abertura 1º Seminário Internacional de Gestão Cultural • 27


com castigo. O castigo era um cubo, um um fluxo muito mais local. Quando eu estão sendo feitos em nível regional o que está acontecendo hoje em dia?
balde de madeira e alguém que falasse falo de local eu não falo da questão só na América Latina com o Mercosul, Basicamente podemos caracterizar
a palavra em catalão tinha que segurar do município, eu falo da questão nacio- como é hoje o convênio Andrés Bello, dessa maneira porque as transferên-
aquilo - e era muito pesado - até encon- nal, porque acontece uma questão que o pacto andino, o LID, etc. Isso é muito, cias, entendendo transferência como
trar uma outra pessoa que falasse em alguns sociólogos têm detectado que muito importante, porque essa ação movimento de um conhecimento ou de
catalão e aí podia passar o balde pra é que o Estado é muito grande para a local vai requerer um apoio, apoio não um saber, ou de uma prática, hoje em
ela. Era muito bom. A gente aprendeu questão local, mas também é muito só econômico, mas também apoios e dia as transferências são mais rápidas
a amar a língua. Não é isso a defesa, pequeno para a questão global. Então, argumentações que vêm dessas novas do que nunca. Nunca no trabalho inte-
né? Meus filhos, graças às mudanças, nessa crise do estado-nação nós preci- estruturas. Nesse contexto também é lectual alguém pôde entrar e ler tão
fizeram a escola toda deles em catalão samos de alguém que saiba trabalhar importante a influência de todos os as- facilmente autores ou trabalhos. Na
e eles falam também o espanhol, mas capacidades, trabalhar em um nível pectos da sociedade da informação. Bolívia, por exemplo, com uma biblio-
em setembro minha neta de três anos além do nacional e alguém que saiba grafia de sociologia francesa de 2008,
foi pra escolinha e, quando ela voltou no trabalhar mais na política de proximida- Nós estamos diante de uma revolução ou seja, alguém que antes talvez tar-
primeiro dia, eu perguntei pra ela quan- de. Hoje, eu não sei se vocês utilizam na qual a periferia, em que anterior- dasse ou demorasse cinco anos em
tas crianças havia na turma. Ela falou: o conceito de política de proximidade, mente nós estávamos isolados, agora ter acesso ao que tinha sido publicado
somos vinte na turminha. E você é ami- mas as políticas de proximidade estão pode não estar tão isolada. Eu criei um na França, em 2008, como pesquisa-
ga de quem? Você ficou amiguinha de adquirindo uma grande importância e projeto internacional em uma cidade dor, em 2008, está lendo isso prati-
quem? Eu sou amiguinha da Fátima, de isso responde a essa necessidade por- periférica porque graças à sociedade camente em tempo real. Então, estão
outro que esqueci o nome. E a minha que onde nós temos esses problemas da informação eu posso estar conec- se realizando transferências enormes.
filha falou: é porque a metade da turma mais concretos, frutos do resultado da tado, eu posso estar presente, posso Há alguns anos eu tenho viajado pela
é de imigrantes. Mas é uma realidade globalização, é no âmbito local, ou seja, falar, dialogar com amplos setores América Latina e as transferências são
que nós temos lá. Onde vivenciamos são representados esses problemas do que está acontecendo em nível in- tão altas que hoje em dia não existem
essa realidade? Onde é vivenciada? Não nas cidades, nas cidades onde vivencia- ternacional e, sobretudo, porque essa aquelas diferenças que existiam há 15,
é experimentada nas grandes políticas mos, onde nós enxergamos o problema sociedade da informação está produ- 20 anos ou quando havia um professor
nacionais, não, é vivenciada no local, e onde nós temos que trabalhar. Apesar zindo mudanças nas formas culturais universitário ou um intelectual que não
no aspecto local. Apesar de tudo, ape- disso, nós consideramos que temos que além do que nós somos capazes de tinha acesso a uma informação que
sar dessa grande importância do inter- reforçar as estruturas supranacionais. perceber e assimilar. Entre a cultura outros países forneciam aos seus pes-
nacional, a questão local tem um valor existe um debate com a ciência, por- quisadores. Hoje em dia, portanto, a
significativo diante da globalização. Ou Eu, nesses quatros anos em que te- que a ciência se adapta e a tecnologia transferência é importantíssima, mas,
seja, as políticas que nós chamamos de nho estado no governo, eu me esforcei também se adapta muito bem às mu- sobretudo, por essa mobilidade que
proximidade respondem a necessida- muito trabalhando no que eu chamo danças, então a cultura precisa de uma nós comentamos antes.
des cidadãs muito mais reais. Se essa de multilinearidade cultural, ou seja, geração, como diz um sociólogo espa-
escola não compensa esse desequilí- nós temos que dar conteúdo a essas nhol, ou seja, os cientistas sempre es- Esses movimentos levam consigo uma
brio, vai nos gerar um problema. Ou o organizações supranacionais porque tão modificando e nós, para modificar grande quantidade de informação, tal-
professor trabalha a integração dessas são aquelas que realmente conse- uma opinião, levamos muito tempo. vez em um pen drive isso detenha mais
culturas ou nós vamos ter um problema guem resolver e enfrentar alguns pro- Então, a partir dessas mudanças cien- conteúdo do que os 20kg que se pode
de comunicação e convívio, mas além blemas que nunca vão ser possíveis tíficas e técnicas que estão acontecen- levar em um avião, por exemplo. Então
do local que é onde o cidadão resolve a em nível nacional. Há problemas, por do nessas sociedades, a cultura tem existem mais migrações de conheci-
maioria dos seus problemas. exemplo: o cinema da América Latina que assimilá-los com mais possibilida- mento e também mais aproximações
que não viaja de um país para o outro, des, e a cultura tem que saber integrar de reflexões de fundamentos teóricos,
A maioria das necessidades de um cida- não faz circular esses bens culturais. tudo aquilo que possa contribuir para ou seja, não existem tantas diferenças.
dão está no âmbito local: a segurança, Por exemplo, o cinema brasileiro não é esse novo marco da sociedade da in- Ainda que existam tantas diferenças, é
a saúde, a educação, o trabalho, o em- visto na Colômbia e não chega cinema formação como um marco imprescin- interessante comentar isso. Eu participei
prego. A maioria dessas necessidades colombiano aqui no Brasil. Então isso dível, exceto se uma sociedade quiser de um seminário pouco tempo atrás na
é local. A globalização não responde a não pode ser resolvido em nível bilate- estar isolada do resto do mundo como África. Existem grandes deficiências de
esse tipo de coisa, responde a outro tipo ral, nós precisamos de um outro nível. algumas estão tentando para não en- meios e recursos na África, mas de re-
de coisa e nós temos visto que em uma É por isso que nós temos que aceitar trarem na fluência dos efeitos. flexões e fundamentos teóricos não. Ou
crise de mercados financeiros talvez o a questão das legitimações e é por seja, nós chegamos à conclusão de que
refúgio seja o local. E há alguns que já isso que a mudança de foco e o avan- Existem países que ainda controlam o nós estávamos mais ou menos no mes-
estão falando isso, ou seja, as econo- ço que nos últimos anos tem sido feito acesso à Internet porque isso é uma mo nível de reflexão. Outra coisa que
mias mais locais são economias mais por organismos internacionais, como forma de unir até aquelas identidades nós tínhamos eram os meios e eles não
resistentes à crise. E é assim, é assim na a convenção da diversidade cultural de refúgio que Castells mencionou. Ou possuíam esses meios. Se nós falamos
Europa. A Europa tem mais capacidade da UNESCO em 2005, como o relató- seja, aí estão identidades de todo o tipo, aqui de cinema africano, por exemplo,
pra superar essa crise porque a maioria rio do PNUD sobre o desenvolvimento não somente hispânicas, mas cristãs, as reflexões que eles faziam sobre a sua
dos comércios é feita entre os países da humano em 2004, que falou da diver- e existem também fundamentalistas, realidade eram completamente contem-
União Européia, então isso dá à Europa sidade cultural, como os esforços que fundamentalismos de todo tipo. Então porâneas, atuais e muito parecidas com

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qualquer país desenvolvido, mas não ti- internacionais. Surgiu uma enorme nistrativo e eu não quero que os meus na, ou seja, concentrada nos três “Es”:
nham indústria cinematográfica, capital gama de possibilidades como direitos direitos culturais se fixem nisso. É cla- eficácia, eficiência e economia. Então,
disponível, etc. Ou seja, verdadeiramen- especializados. Trabalham muito pou- ro que isso é difícil, é uma pauta difícil seria como, por exemplo, olhar para o
te existem muitas transferências hoje co sobre direitos culturais, por exemplo. de colocar na agenda internacional, processo cultural de modo interno? Eu
em dia e também essa emergência de Nós tentamos uns anos atrás colocar mas há uma declaração que um gru- tento cumprir os meus objetivos, tento
novas estruturas de formação transna- esse tema na agenda, mas não pude- po de Fribourg (Suíça) fez há uns anos fazer essas metas e pronto. Nós não
cional de formadores, de gestores cultu- mos avançar nisso porque os direitos para a UNESCO e no conselho da Euro- vamos criticar isso, mas isso não é su-
rais. Não se formam somente gestores culturais são muito difíceis de serem pa e ficou ali engavetada, engavetada ficiente. Quando isso já não é eficiente,
culturais locais, mas também gestores assumidos pelo estado-nação. Uma re- porque dizia sobre o direito a escolher ou seja, isso como você se situa com
culturais de outras realidades nesses dação de uma declaração de direitos a identidade ou o direito a escolher a relação ao contexto mais amplo, que
cursos. Eu vejo um crescimento impres- culturais dizia que eu, indivíduo, tenho comunidade cultural. Por que eu não papel isso tem no contexto internacio-
sionante desses gestores e de outras direito a escolher a minha identidade posso escolher a comunidade cultural nal? Portanto, nós temos a necessida-
culturas que dão muita movimentação a cultural e tenho direito a escolher a co- de Belo Horizonte, por exemplo? Se eu de de justificar e argumentar mais a
esses fluxos. munidade cultural de referência e isso quero morar aqui, para mim isso é im- gestão, a ação cultural. Não podemos
não agrada aos governantes. A UNES- portante? Quem vai impedir que eu as- fazer ou dizer: “ah, sim, é porque eu
Se vocês falam do caráter criador da CO pode assumir isso, mas os governos suma culturalmente pertencer a essa gosto de fazer isso”. Precisamos de
vida de um artista, isso pode ser apli- não podem assumir isso. Mas é um di- comunidade? Ninguém, porque isso é uma maior argumentação. Isso é pe-
cado a esse exemplo. Hoje um artista reito, ou seja, o estado vai me obrigar a uma parte de mim. Então, é um tema dido a nós pela sociedade em geral,
pode ver muitas coisas, as crises das quais são as minhas necessidades cul- muito polêmico. Realmente existem ou seja, nós temos que ter mais igual-
bienais existem porque artistas podem turais? Não. Um dos problemas mais muitas opiniões com relação a isso. dade profissional, inclusive mais justi-
ver muitas obras sem ir fisicamente à graves das políticas culturais é que nós Também é difícil de ser assumido por ficativas dos recursos públicos e das
bienal, então, as formas expressivas não podemos tipificar as necessidades coletividades muitas vezes que dizem políticas fiscais quando elas estão em
das linguagens estão sendo alteradas culturais, porque as necessidades cul- que defendem a identidade cultural, jogo, ou seja, temos que responder por
e criam-se novas práticas culturais, turais são individuais, não são coleti- mas a identidade cultural sem liber- que nós vamos destinar esse dinheiro
novas normas culturais que de algu- vas. Os direitos culturais são coletivos, dade. Então, aqui nós temos um tema público a isso.
ma maneira transformam o processo são mais coletivos do que individuais para debate, mas como um tema que
da criação e aquele artista periférico, porque, quando você consegue poder deve estar na agenda, que deveria Eu sou um grande defensor da presen-
isolado, pode estar atualizado com as se expressar publicamente com a sua estar na agenda como esses valores ça do estado na cultura e mais ainda
mudanças e as novas tendências es- própria língua, não é um direito indivi- mais compartilhados. nas últimas semanas. Se vocês podem
téticas tão bem quanto outro que se dual, é um direito compartilhado por dar 150 bilhões de euros para os ban-
encontra no centro de Paris, por exem- todos que compartilham essa língua Cada vez aparecem mais esses direi- cos espanhóis, por que eles não podem
plo. Não precisam ir até Paris ou até com você. Vocês entendem, ou seja, tos territoriais, os direitos dos povos dar cinco bilhões de euros para os cria-
Nova York para estar atualizados com gostem ou não gostem, isso é um di- indígenas e também ultimamente nós dores de cultura? Estariam muito feli-
o que se faz no cotidiano cultural hoje reito, mas as necessidades culturais temos um espaço de discussão que é zes. Realmente, é para isso que existe
em dia. Portanto, essa é uma mudan- são muito individuais, não podem ser a carta cultural ibero-americana como o estado: o estado, o que tem que fazer,
ça significativa para os organizadores organizadas como na saúde, na edu- um documento comum que foi apro- o que fez, mas para todos, não somen-
culturais. Hoje, se o diretor de um mu- cação, ou seja, eu não tenho a obriga- vado pelas cúpulas ibero-americanas te para algumas coisas e outras coisas
seu de arte contemporânea não sabe ção de ir ao teatro, eu posso escolher o que pretende criar um marco de rela- não. O estado serve para equilibrar
o que está acontecendo no mundo da que para mim é significativo na minha ções supranacionais na área da Amé- uma política cultural, na verdade, uma
arte contemporânea é porque simples- formação cultural. Portanto, isso é difí- rica Ibérica. Portanto, com tudo isso política cultural pública. É uma decisão
mente não deseja saber, porque hoje cil de ser planejado pela vida cultural, nós nos encontramos na questão des- sobre que aspectos da vida cultural da
em dia ele não quer ou porque se fixou mas, nesses sentidos, os direitos cul- ses valores, desses direitos, dessas sociedade seguem a lógica do mercado
ali em um modelo burocrático e age turais avançaram porque encontraram relações. Vocês sabem que a questão e que outros seguem a lógica do bem
somente como conservador, no senti- grandes resistências, e avançaram len- cultural domina esse ambiente. Nesse público, ou seja, que aspectos seguirão
do estrito da palavra, quase como um tamente por isso. aspecto, ela não pode ficar somente lógicas mistas entre elas, como um ar-
vigia de um museu, mais do que como no processo da produção, em que esse co-íris de tendências e matizes.
um diretor de um museu interessado Vocês imaginem o que representa o artista pode ter um público ou não no
no que está acontecendo nas novas respeito às línguas, às formas expres- seu processo de formação. Nós temos Mas se eu decido privatizar o arquivo
linguagens estéticas. sivas, ou seja, o direito que eu tenho a que saber situar o seu projeto nesse nacional, por exemplo, e digo ao arqui-
pertencer à identidade que eu queira. contexto, e aqui aparece a necessida- vista nacional: você tem que se autofi-
E, nesse contexto, os gestores cultu- Por que eu tenho que pertencer a uma de quase de uma mudança de paradig- nanciar, e digo a ele que ele seja priva-
rais, ainda que o seu projeto seja um identidade cultural a que eu não quei- mas na gestão cultural. A gestão cul- tizado. Bom, o que ele tem que fazer
projeto local, terão que trabalhar com ra pertencer? E por que isso? Porque tural que não observa somente para é vender obras para ganhar dinheiro
novos valores. Os valores já não serão eu tenho que assumir uma identidade si mesma, para dentro, mas também porque eu não acredito que ele possa
os valores unicamente locais ou nacio- cultural segundo meu passaporte, por que seja aberta. Ultimamente se fala- se financiar cobrando os ingressos de
nais, mas sim serão valores e direitos exemplo. Esse é um documento admi- va muito de uma gestão cultural inter- entrada nem vendendo algum tipo de

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suvenir. Ou seja, é preciso que nós en- blema que nós temos é que as nossas é essa necessidade de um novo méto- Mas nós não teríamos que pensar
tendamos que o estado tem que exis- políticas no conjunto das políticas do do intelectual. Isso foi dito por Michel muito sobre o que seriam as novas
tir. O estado tem que fazer duas coisas governo não são críveis à medida que Losier. Esse novo método intelectual, políticas culturais porque sobre polí-
basicamente: tem que diferenciar isso, estão muito mal argumentadas. essa nova maneira de refletir e de to- ticas culturais já se escreveu de tudo.
o que é a política, e criar duas coisas, mar decisões nos grupos dirigentes, ou Existem países que escreveram planos
o que eu digo sempre: a “contratendên- Eu estive quatro anos no posto de dire- seja, nós estamos necessitados de um nacionais, estratégias culturais magní-
cia” ao mercado, ou seja, subvencionar tor geral, eu estive quatro anos prati- novo método intelectual que não ob- ficas, portanto, não estou dizendo que
aquilo que não é rentável, e a “contra- cando a política depois de estudar. Eu vi serve tanto o que ele representa, cada temos que pensar uma reformulação
tendência” estrutural, levar cultura aon- que em muitos incrementos orçamen- pessoa, mas um novo método intelec- de políticas culturais. Ou seja, as po-
de a cultura não chegaria. Aí estão os tários e muitos avanços que eu propu- tual, principalmente com mais respon- líticas culturais já existem e estão aí.
três eixos. Existem matizes e tendências nha na política do meu ministério eu sabilidade, mas mais responsabilidade Eu sou anti-planejamento estratégico
diferentes, mas se nós decidimos que defendi pela via intelectual e também assumida, com mais gestão do risco. nessa questão como política. Eu estou
as bibliotecas são o recurso básico para político-intelectual, ou seja, pela via da Não há avanços se não existe avanço a favor do planejamento estratégico
a vida cultural dos cidadãos, e a vida argumentação. Uma amiga me disse o porque não existe gestão de risco, ou como técnica porque há muito tempo
cultural dos cidadãos evidentemente seguinte: “talvez o lado bom seja que seja, hoje em dia no modo econômico as empresas abandonaram a doutrina
tem que seguir uma lógica pública de você tenha vivido que isso é possível”. o capital de risco é uma ferramenta de planejamento estratégico porque
serviço público, isso quer dizer que tem E realmente é possível, eu disse a ela. importantíssima. Nós temos que cor- se afundavam ali e todo mundo seguia
que contar com bibliotecas. Uma direção geral com muito poucos rer riscos, riscos calculados, riscos que outra tendência estratégica quando
recursos, mas não somente em nível nos permitam avançar. quem mandava eram os estrategistas
Por isso não é nada absurdo o que eu de recursos, mas recursos, prestígio, da empresa. E então as empresas dis-
estou dizendo, ou seja, quando fala- presença, importância no conjunto da No meu país existem alguns centros seram: “não, não, nós vamos fazer es-
mos de cultura, muitas vezes dizem ação pública, ou seja, não se trata so- culturais e eu digo a eles que eles têm tratégias diárias, a cada dia nós vamos
sobre privatizar a cultura. Pediram no mente de orçamento, se trata também a síndrome de morrer de sucesso, ou ver como vai o mercado”. E todo mun-
governo do partido popular, falaram de ganhar significação e importância seja, morrer de sucesso é conseguir do da empresa já faz isso há muito
sobre privatizar a cultura, então, bom, política, entre aspas. que o centro cultural receba 600 pes- tempo. Então nós temos que ter uma
comecem pela ópera, pelo teatro real. soas por dia, todas as oficinas funcio- estratégia de longo prazo. É claro que
A ópera é absurdamente luminosa O orçamento é importante, mas não é nem e eles falem: por que nós vamos nós temos que ter essa estratégica por-
para a fazenda porque é uma ópera a única coisa. E essa via intelectual e mudar se tudo está funcionando? Mas que ela é um ponto de referência, mas
que se autofinancia na Europa. Sendo política não pode ser feita se não existe eles têm dois anos, eles levam dois se vamos segui-la ou não depende do
muito bem gerida entre entradas e pa- uma boa gestão, se por trás não existe anos fazendo a mesma programação, que nos passem no dia-a-dia, ou seja,
trocínios, pode chegar a 20% dos cus- uma boa argumentação, uma boa argu- e você morre no seu próprio sucesso aquela doutrina de seguir o planeja-
tos, e isso com uma gestão excelente, mentação política. Eu não sou filiado a porque a demanda e a oferta se per- mento estratégico. O planejamento es-
com muito boa gestão. Então, uma vez nenhum partido político, eu nunca tinha vertem criando um engenho em que se tratégico está ok, o marco estratégico,
falando com o gerente da ópera, um feito política na minha vida. Eles me está repetindo as coisas, não se está mas sempre deve estar aberto e deve
aluno meu perguntou a ele: “a ópera convidaram, eu fui e comecei a fazer produzindo novas coisas, não se está ser elástico e dinâmico para adaptar-
é deficitária, então?”, e o gerente dis- política, mas eu trabalhei politicamente inovando, provocando nada. Então, é se à realidade porque, se a realidade é
se: “Não”. E meu aluno disse assim: na política, ou seja, como eu não tinha claro, eles acreditam que estão muito alterada, nós temos também que alte-
“Não, é sim. Se vocês gastam 100 e nenhum interesse de fazer política por bem assim. Somente se o valor, se o rar a nossa estratégia. Então, essa é a
conseguem arrecadar somente 20, política, a minha política era escrever número de pessoas é que predomina gestão positiva.
então ela é deficitária”. E ele disse: documentos, formalizar as coisas, lutar, e você tem que gerir o teatro e pedem
“Não, não é deficitária. Isso é o que a convencer as pessoas, até que eles me que tenha uma ocupação de 90%. O Nós não temos que inventar nada, já
sociedade tem que pagar por ela para respeitassem um pouco. Eu levei dois que é que vai fazer? Ou seja, não se está tudo dito, tudo está inventado,
não perder essa forma de expressão”. anos para que eles me escutassem e, sabe se eu posso correr o risco de pro- como dizia Germán Rey, no tema da
Essa é a resposta correta. A sociedade quando eu levantava a mão, as pessoas gramar coisas pernoitadas, mas que Colômbia, como deviam administrar
não quer pagar isso, então vai perder diziam: “ah, o pessoal da cultura, o que sejam significativas e que apresentem um papel de políticas culturais da Co-
isso, perderá isso. Isso é fazer política, vocês têm a dizer?”, ou seja, essa era a outras tendências e gostos e que pos- lômbia. Eu disse à sua ministra: “olha,
isso não pode nos surpreender. O bom idéia. Então, eu levantava a mão e todo sam apresentar novas expressões es- mas aqui vocês têm políticas culturais
do estado é que essas decisões do dia eu falava, falava e falava e eu já le- téticas que ampliem a gama das valo- excelentes, são bem escritas, ou seja,
serviço público sejam decisões muito vava todas as coisas prontas, mandava rizações e sensações dos nossos bons as pessoas podem copiar isso aqui por-
bem argumentadas e que não sirvam documentos a todo mundo. Aí eles fala- cidadãos. Então, você vai correr esse que tudo já está escrito. O que é impor-
para tudo, mas que sirvam para criar vam: “você entende de produto interno risco ou não? Ou seja, essa gestão tante, na verdade, é como se age dia-
mercado e também para criar serviço bruto também?”, ou seja, nós temos acomodada com esses resultados tem riamente e com que musculatura, ou
público cultural. E os problemas que que saber o que estamos fazendo. Isso que ser justificada ou então ela não é seja, como se reage em determinados
temos nas políticas culturais é que às é muito importante. E temos que pas- positiva, e nesse processo de mais ri- momentos e como você pode avançar
vezes nós não sabemos matizar bem o sar a fazer um pouco a política real. gor intelectual está a necessidade da no seu dia-a-dia com uma clara orien-
que é uma coisa e o que é outra. O pro- Eu gosto muito de uma imagem que geração de novas políticas culturais. tação. É claro que nós temos que ter

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orientação, não estamos falando aqui foram conservados porque quatro pes- e a luta contra a fome. É necessário ca da gestão cultural quase de elite ou
de improvisar. Mas o gestor cultural soas começaram a criar um estado de que a cultura esteja aí. E quando está de dominância, de impor, mas é neces-
precisa saber que tem uma planifica- opinião de que aquilo não tinha que aí consegue contribuir com muitas coi- sária também uma leitura antológica
ção, mas que o seu sucesso não é da ser derrubado. Mas o serviço público sas como está acontecendo agora e a que eu gostaria de tratar, que é sobre
planificação, o seu sucesso é da res- pode ser serviço público, mas não em gente está vendo. a deontologia na gestão cultural, na to-
posta às necessidades de imediato que tudo, e há também a responsabilidade mada de decisões.
temos na gestão cultural, e isso não dos gestores. Então é preciso que essa Então, nós estamos em uma encru-
é improvisar”. A reação imediata - eu nova geração exista, e principalmente zilhada, eu diria, com alguns de nós Eu falava anteriormente de quando eu
sempre explico isso aos meus alunos esses novos conteúdos de políticas cul- querendo, acreditando que a cultura tinha que tomar decisões sobre o que
- é uma habilidade da gestão cultural turais para novas necessidades, que é desenvolvimento e o desenvolvimen- era a cultura espanhola para levar para
diferente da improvisação, ou seja, o nós já comentamos antes, e também to é cultura, mas isso é mais para a um país determinado. Então aí você
imediatismo, a necessidade imediata a cooperação entre políticas culturais retórica e à prática cabe provar que, tem que criar um diálogo entre valores
me diz que eu tenho que modificar al- e políticas educativas, políticas so- reforçando a cultura, reforçamos o de- e crenças e respeitos que são neces-
guma coisa naquele momento, então ciais, políticas de segurança e políticas senvolvimento e muitas comunidades sários. E também nisso eu gosto do
a capacidade de reação rápida que eu de saúde, ou seja, há a necessidade de conseguem realmente melhorar as conceito de Losier, nesse livro que fala
tenho naquele momento está no meu que a cultura nunca trabalhe sozinha, condições de vida pela cultura. A gente sobre o estado modesto. Talvez o que a
trabalho como gestor cultural. Isso, na mas sim que trabalhe articulada com está trabalhando muito nesse assunto gente precise é do estado modesto. Mi-
política, é importante. Nós já falamos outras políticas. Isso seria motivo para e também que a cultura tem que estar chel Losier contrapõe o estado modes-
sobre ele, mas poderíamos falar mais uma outra palestra de como as políti- presente nas relações internacionais, to à modernidade, mas também ele
sobre esse papel do estado. Já sabe- cas deveriam trabalhar em conjunto e ou seja, pode fazer algum tipo de con- faz uma contraposição sobre o estado
mos que o estado tem que intervir. Se não vou me estender muito nisso. tribuição para um entendimento maior modesto como um estado de mais ri-
intervier nos bancos, que intervenha entre os países e as suas culturas. Há gor intelectual na tomada de decisões.
também no setor cultural, ou seja, o Bom, finalmente, nós acreditamos que um respeito maior pelo outro que pode Eu acho que isso é necessário, ou seja,
estado não pode ser retirado disso. é preciso uma maior interação da cul- contribuir também para uma maior que sejam melhor justificadas as deci-
Ah, só nos dê uma parte pequenininha tura a partir do local, isso cada vez é capacidade de participação na criação sões e os melhores para tomarem as
dessa torta do orçamento, mas vamos mais importante, cada vez existem de contribuições para a participação decisões em um momento específico.
tentar dar mais orçamentos. mais projetos internacionais com ba- em lugares onde têm havido grandes E eu acho que é importante levar isso
ses locais. Cada vez é mais importan- conflitos, ou seja, a gestão cultural tem em consideração em longo prazo, to-
A mim não me preocupa tanto essa te que exista circulação de criações e que estar presente. E alguns desses mar decisões. E essa tomada de de-
parte de orçamento. Eu acho que a par- produções artísticas, mais intercâmbio assuntos da sociedade global, apesar cisões na medida em que seja mais
te cultural depende apenas de pontos de criadores e uma presença multicul- de tudo isso, são vistos, podem ser ob- certa, mais acertada, na medida que
econômicos, ou seja, a economia é im- tural e de projetos culturais. Quando servados nos espaços globais. seja mais fundamentada, mais argu-
portante, mas também é bom merecê- vocês vêem perguntas como: “ah, me mentada e compartilhada, as decisões
la, ou seja, às vezes nós vemos, e eu mostrem o organograma e para quem Para concluir, há somente duas coi- poderão ser opináveis como qualquer
não sei se vocês já viram no seu país, eu devo pedir qualquer coisa”, vocês sas para deixar com vocês aqui, como decisão na cultura, mas pelo menos
grandes quantidades de dinheiro de- verão que são cada vez mais multicul- duas referências: a primeira, é que a terão um rigor.
dicadas a alguns programas que não turais, na verdade, esses projetos. Às política é realmente democrática. Se-
nos amparam em nada, e nós vimos vezes no caso de uma companhia ou gundo Bordeaux, é aquela em que não Eu me lembro de uma expressão de
isso em todos os países. Mas o mais uma produção de cinema, por exem- acreditamos que será dada pela gente, um oficial, uma autoridade. Nós não
importante na geração de novas polí- plo, se vocês marcarem todo o reper- pelos cidadãos, mas eles mesmos vão estávamos de acordo em um proje-
ticas culturais é o papel democrático, tório de que nacionalidade eles são, fazer isso. A gente não pode realmen- to específico e eu disse que eu sen-
o papel da sociedade civil e, principal- vocês verão que existem aí várias na- te acreditar nisso, sobretudo, porque tia, mas esse projeto era muito bom.
mente, nesse novo conceito que falava cionalidades e isso é cada vez mais temos que saber que a nossa função Mas não era um projeto para assumir
do serviço público ou daquilo que era evidente como também é verdade que não é dar respostas às necessidades, ou ser assumido por uma instituição
de interesse geral. O interesse geral, é preciso um compromisso da cultura mas facilitar para que os cidadãos pública. E a gente discutia isso numa
ou seja, o estado da administração nos grandes temas da sociedade glo- decidam quais são as próprias neces- ação diplomática. A gente teve uma
tem uma responsabilidade de velar bal. O que eu quero dizer com isso é sidades culturais deles. O que nós po- grande discussão e a minha argumen-
pelo interesse geral, mas o interesse um compromisso para que a cultura demos fazer e uma política pode fazer tação era a de que ele não entendesse
geral não é a administração pública. não fique na margem, fique do lado é oferecer uma, várias possibilidades isso como uma censura. Então, no fi-
O interesse geral é algo compartilhado de grandes acordos dos cenários inter- culturais para que o cidadão consiga nal, ele falou: “tudo bem, eu aceito, eu
pela sociedade e nós não precisaría- nacionais e dos fatores internacionais. escolher. É o que eu falo das políticas aceito”, ele disse, “eu aceito a decisão,
mos procurar muitas histórias. Nós só falamos do internacional quan- do mínimo, o mínimo que deve existir mas eu aceito por todos os argumen-
do falamos da UNESCO e da diversida- na cidade para que o cidadão consiga tos que você me falou e eu entendo
Vocês conhecerão muitos casos nas de cultural. Não, não é isso, ou seja, escolher. E eu acho que isso é funda- que isso realmente não possa acon-
suas cidades, muitos lugares, muitos há uma importância se o número da mental e isso não é conseguido se há tecer nesse contexto e isso não é cen-
sítios arqueológicos ou culturais que agenda nacional é o final da pobreza um conceito, uma concepção na políti- sura, tudo bem, é uma argumentação

34 • Palestra de abertura 1º Seminário Internacional de Gestão Cultural • 35


do que tem que ser feito no momento
determinado”. Então eu acho que isso
é importante levar em consideração.
Não é mandar a cultura, não é mandar,
ordenar, mas é fazer política, e fazen-
do política a gente tem a negociação,
a defesa, a articulação e até diríamos
a sedução para o outro se deixar sedu-
zir pelo outro nesse diálogo tão impor-
tante. Portanto, a gestão cultural local,
a de proximidade, os pequenos círcu-
los hoje não podem ser separados de
grandes reflexões, e eu diria até o con-
trário, que esses projetos vão ganhar
mais sentido na proximidade sempre
que conseguirem realmente se loca-
lizar em territórios mais globais. O
desafio da gestão seria saber agir na
proximidade sem esquecer o global, o
cenário global em que estamos viven-
do. Muito obrigado. Esta é a minha ci-
dade aqui.

ALFONS MARTINELL SEMPERE

Diretor da Cátedra Unesco de Políticas Culturais e Cooperação,


Universidade de Girona - Espanha.

Especialista no campo da Formação de Gestores Culturais, Coo-


peração Cultural e desenvolvimento de Políticas Culturais Terri-
toriais. Atualmente é Diretor da Cátedra Unesco Políticas Cultu-
rais e Cooperação, da Universidade de Girona. Desde 1992, atua
como Professor Titular da Universidade de Girona, especializa-
do em temas de organização e gestão de instituições do campo
da gestão cultural, políticas culturais e a educação não formal.
Entre maio/2004 e julho/2008, foi Diretor Geral de Relações
Culturais e Científicas da Agência Espanhola de Cooperação In-
ternacional - Ministério de Assuntos Exteriores e de Cooperação
da Espanha. Publicou diferentes livros, artigos e trabalhos no
campo de gestão cultural, políticas culturais, cultura e desen-
volvimento, cooperação cultural internacional, a educação no
tempo livre, gestão municipal, educação social.

36 • Palestra de abertura 1º Seminário Internacional de Gestão Cultural • 37


MESA: PENSANDO A PALESTRA
Bom-dia a todos, é um grande prazer
estar aqui com vocês, eu agradeço
enormemente o convite da Lena Cunha

GESTÃO CULTURAL A POR


e da DUO. E eu vou logo avisando que
eu certamente não sou um especialis-
ta em cultura ou em gestão cultural. Eu
sou economista - ninguém é perfeito - e

PARTIR DOS ANDRÉ as coisas que eu tenho para dizer têm


evidentemente um viés que se deve a
uma “deformação” profissional que, no

DESAFIOS DO URANI meu caso, pelo menos, é inevitável.

A apresentação que eu preparei para

DESENVOLVIMENTO
hoje é uma combinação de várias coi-
sas que eu tenho pensado ultimamen-
te e basicamente é uma provocação.
Eu a chamei de “Três desafios do de-

BRASILEIRO: senvolvimento brasileiro, suas impli-


cações e uma proposta”. Eu vou falar
marginalmente de cultura e, com cer-

ECONOMIA, MERCADO teza, a Ana Carla vai entrar no tema de


forma muito mais profunda do que eu
seria capaz. Eu já dei uma olhada na

E FOMENTO
apresentação dela e é fantástica.

Primeiro, eu vou começar falando um


pouquinho sobre desenvolvimento,
o que a gente entende por desenvol-

Mediadora: Ana Flávia vimento. Eu vou me basear, aqui, no


texto de um americano, professor da
Universidade de Stanford, um cara
Machado - Universidade chamado Charles Meyer, que fez uma
resenha excepcional sobre meio sé-

Federal de Minas Gerais


culo de pensamentos sobre desenvol-
vimento; um livro que foi organizado
por ele e pelo Prêmio Nobel em Eco-

UFMG (MG/Brasil) nomia, Joseph Stiglitz, e que foi publi-


cado pelo Banco Mundial no ano de
2000. Na época, Joseph Stiglitz era o
economista-chefe do Banco Mundial.
E uma coisa interessante que o Meyer
fala nessa resenha é que o termo de-
senvolvimento, em si, em economia,
é um termo relativamente novo. É um
termo que, na verdade, aparece na lite-
ratura internacional em meados do sé-
culo passado, ao término da 2ª Guerra
Mundial, após um período totalmente
traumático da história da humanida-
de. A humanidade estava vivendo a
Dia 5 de novembro sua segunda guerra em poucas déca-
das. Ao final da 1ª Guerra, na tentativa
de construir a paz, se fez um desastre:
construíram os germes que acabaram
gerando a 2ª Guerra.

1º Seminário Internacional de Gestão Cultural • 39


Um economista famoso que está sendo tados, como Itália, Japão, Alemanha, e através de órgãos como o DNPE, hoje se possa oferecer máquinas e equipa-
reabilitado nestes dias, John Maynard desenvolvimento porque os arquitetos BNDES, que nos une num projeto que é mentos a bom preço; tem que oferecer
Keynes, participou das negociações da nova ordem internacional tinham para pensar o tal do “S” e até hoje não proteção para que não seja vítima de,
em Versailles, na França, e, saindo de claramente na cabeça, ao final da 2ª tem uma identidade muito clara, não eventualmente, alguém que forneça
lá, ele escreveu um livro menos conhe- Guerra Mundial, que a redução da po- é? Mas é ele quem escolhe o que é e condições melhores que você. Se você
cido, mas também muito famoso na breza era elemento essencial na cons- o que não é estratégico, e que a partir não oferecer tudo isso, o cara não vem.
época, que era “As conseqüências eco- trução da paz. E para construir uma disso apóia a implantação desses se- Então, o grau de intervenção que houve
nômicas da paz”, um pouco aquilo que nova ordem era necessário diminuir tores da nossa economia. foi imenso para poder atrair a indústria
o Chico Buarque chamou de “vai dar a diferença que existia entre países estrangeira a se instalar aqui no nosso
merda”. Desculpem-me pela expres- ricos e países pobres. Então, o desen- É uma coisa dantesca, quer dizer, o país. É uma aliança que se teceu entre
são chula, mas foi isso que ele disse, volvimento nasce, na verdade, como tipo de intervenção feita foi gigantes- o Estado Nacional e a grande empresa,
basicamente, porque as nações vence- um sinônimo de redução da pobreza ca. Acho que é bom imaginar o que sobretudo, transnacional.
doras impuseram uma recomposição no meio de um contexto de reconstru- isso quer dizer. O tal do Gershon Cole
das perdas por parte dos derrotados e, ção de uma ordem internacional, um dizia que quanto mais tarde você en- Uma outra grande característica do
particularmente, da Alemanha e deu meio de construir uma paz duradoura. trava num processo de industrializa- crescimentismo é a ênfase no capital
no que deu. O Keynes avisou que aquilo E essas instituições - o PNUD o Banco ção maior teria que ser a intervenção físico. Então, praticamente, não se fala
aconteceria, que a Alemanha não ia dar Mundial e, no nosso caso aqui na Amé- do Estado. Mas, por exemplo, na sema- das pessoas e do capital humano e
conta: deu hiperinflação, deu recessão, rica Latina, particularmente a CEPAL na passada, um costureiro da Christian das relações entre as pessoas, o que
deu evidentemente uma exacerbação -, tiveram uma enorme influência no Dior, aquele francês - não sei se era a gente chama hoje de capital social.
do nacionalismo, o nacional socialis- estilo que foi adotado em nosso conti- francês ou se era alemão -, um coroa, No nosso caso, aqui no Brasil, eu te-
mo, Hitler, a 2ª Guerra Mundial. E aí, é nente, particularmente em nosso país, um grande costureiro que comandou nho pra mim que nenhum outro país
bom que se saiba, ao final dessa guer- ao longo da segunda metade do sécu- uma grande casa de costura, deu uma no mundo levou tão longe essa idéia
ra mundial se fez a Liga das Nações lo passado, que eu vou chamar aqui de declaração de que não viria para o de crescimentismo quanto nós, brasi-
e apareceram Unesco, OIT, OMS, um crescimentismo. Brasil, para esse Festival Rio Summer leiros. Essas idéias, grosso modo, se
monte de instituições internacionais, que está acontecendo no Rio, porque fazem presentes em todo lado, é bom
com base em Genebra, com a idéia de Eu vou propor, como primeiro desafio o seguro de vida dele não cobria uma que se saiba. O Banco Mundial, o PNUD
garantir uma nova ordem internacional para nós, hoje, superar o tal do cresci- viagem para o Brasil. Esse é o grau de etc. espalharam isso para os quatro
estável, e não deu certo. mentismo. Então, eu vou explicar o que conhecimento que se tem em 2008. cantos: as Filipinas, a Turquia, a Costa
é, para mim, crescimentismo. Eviden- Com toda essa Internet, com toda essa do Marfim. Até o Peru e o Uruguai, que
No final da 2ª Guerra, a partir de uma temente nenhum crescimentista se televisão ao vivo, a cabo, no mundo são países menores, passaram por es-
reunião que se deu em Bretton Woods, chama de “crescimentista”, não existe todo, o cara se permite dizer uma as- tratégias muito semelhantes a essas
se conseguiu uma nova ordem interna- essa corrente explicitamente colocada neira dessas? nossas em meados do século passado.
cional em que apareceram essas novas no debate, mas é uma brincadeira que Mas dificilmente você vai encontrar no
instituições e que hoje estão sendo co- eu faço com os meus amigos desenvol- Imagine há 50, 60 anos, sem Internet, mundo país que levou esse estilo de
locadas em questão: o Fundo Monetá- vimentistas. Aqueles que se chamam sem televisão, as pessoas achando - desenvolvimento tão a sério, tão longe
rio Internacional; o Gate, que hoje virou de desenvolvimentistas eu os chamo os que sabem o que é Brasil - que a ca- como a gente foi capaz de levar. Nós
OMC, com a idéia de que o comércio é de crescimentistas. Esses são aqueles pital é Buenos Aires, alguém chegar e fizemos uma verdadeira revolução.
paz; o FMI, com a idéia de que não se para os quais desenvolver é crescer, dizer para um alemão pegar aquela fá- Entre 1940 e 1980, a população bra-
podia suportar grandes desequilíbrios vai do Lula ao Delfim Neto essa aliança brica dele e fazer uma outra igual aqui sileira triplicou. Nós passamos de 40
macroeconômicos, como dívida exter- que existe hoje e que é poderosa; vai no Brasil, porque ele tinha que impor- para 120 milhões de habitantes aqui
na, planos de pagamento, inflação, do PT ao PP; isso que eu estou queren- tar tecnologia e capital para produzir no Brasil, em 40 anos. Mas a revolução
coisas desse tipo. E no âmbito das Na- do dizer vai do Partido dos Trabalhado- automóveis, por exemplo. Ou chegar não é só essa, não, a revolução não é
ções Unidas foi criado, por exemplo, um res ao partido que representa a heran- à Região dos Lagos, lá onde o Obama à toa. Em 1936, 37, agora eu não sei
programa para o desenvolvimento, que ça da ditadura no nosso país e ainda é está comemorando hoje, e dizer: vem bem, o pai do Chico Buarque, Sérgio
é uma coisa nova, com comissões eco- o PP, é uma aliança em prol do nosso fazer seu eletrodoméstico em São Buarque de Holanda, escreveu “Raízes
nômicas para os diferentes continentes crescimento. Daí o crescimentismo Bernardo do Campo, em 1950? Para do Brasil” e, no último capítulo, ele usa
na Europa, na África, na Ásia e, aqui na que está ancorado numa idéia de que, convencer um gringo desses é preci- o termo “revolução” para falar da nossa
América Latina, a tal da Comissão Eco- para você crescer, precisa ter uma es- so oferecer muita coisa. O único que revolução, que não é uma data especí-
nômica para a América Latina eo Cari- tratégia nacional de desenvolvimento pode oferecer uma coisa dessas é o fica, não é um evento muito bem de-
be – CEPAL. Apareceram também um que, na época, foi realizada através de Estado. Tem que oferecer terreno, ofe- terminado, mas é um lento e sorrateiro
banco e uma idéia totalmente oposta uma industrialização via substituição recer incentivo fiscal, oferecer mão-de- processo que teve início com o Ciclo do
àquela que fizeram em Versailles, que de importações com o papel central do obra qualificada, oferecer sindicatos Café, no início do século XIX, e que tem
é o Banco Internacional de Reconstru- Estado Nacional como grande promo- que estejam domesticados, que não a ver com a urbanização brasileira.
ção e Desenvolvimento - reconstrução tor e organizador desse processo como sejam muito barulhentos nem muito
porque a idéia era financiar a reconstru- um todo. É ele que escolhe o que é e rebeldes; tem que oferecer uma taxa
ção dos países que tinham sido derro- o que não é estratégico, tipicamente de câmbio que seja favorável para que

40 • Pensando a gestão cultural a partir dos desafios do desenvolvimento brasileiro 1º Seminário Internacional de Gestão Cultural • 41
Em 1940, nos tempos do Sérgio Buar- Então vamos tentar imaginar o que ceu tanto assim, mas o que aconteceu Os neoliberais são tremendamente po-
que de Holanda, das Raízes do Brasil, quer dizer isso: chineses, japoneses, com seus pobres? Eles mudaram de bres no receituário, eles falam: invis-
desses 40 milhões de habitantes, 32 mi- coreanos, sírios, libaneses, italianos, endereço, eles não estão mais lá no tam nas pessoas, invistam em saúde,
lhões viviam no campo e apenas oito es- mineiros, baianos, pernambucanos, “cafundó do seridó” e vieram ser seus educação, e deixam os mercados fun-
tavam na cidade. Olha o que aconteceu gente dos quatro cantos do mundo vizinhos, não é? Tornaram-se bandos cionarem livremente. Então vamos ti-
nesses 40 anos, olha como triplicou a que veio “fazer a América” em São metropolitanos. Mudou a natureza do rar essas intervenções todas e é como
população brasileira! Desses 80 milhões Paulo, em um processo totalmente negócio, não é? Mas continuam sendo se os mercados fossem obras do “pa-
de brasileiros a mais que “apareceram”, caótico, absolutamente impossível de pobres. Então você não pode só falar pai do céu”, que é só deixá-los funcio-
74 foram para a cidade, 74 dos 80 mi- se organizar, com uma desigualdade de crescimento, você tem que falar de nar que eles funcionam direito.
lhões vieram para a cidade. Então foi devastadora, uma desigualdade de outras coisas, você tem que falar, por
uma mudança radical, a nossa cabeça oportunidade devastadora, mas uma exemplo, de desigualdade. Se você não A gente sabe que mercado é uma
se formou nesse momento. A identidade imensa capacidade de mobilidade so- falar de desigualdade, o que adianta? construção bacana, quando funciona
brasileira que a gente tem hoje se cons- cial. Havia caixinhas mágicas como o o mercado é uma coisa legal, não é?
truiu ao longo dessas datas. O Brasil se SENAI, que pegava pé rapado de um A segunda coisa é que não faz sentido Eu sou fã de mercado, mercado quan-
transformou em um país, primeiramen- pau de arara, semi-alfabetizado, e em dar ênfase só às coisas materiais, às do funciona é uma maravilha. Defi-
te, não-pobre. Em segundo lugar, essen- dois anos transformava aquele cara maquinas, aos equipamentos, às coi- nição de mercado: um lugar em que
cialmente urbano e razoavelmente mo- num operário de ponta, numa indús- sas. Você tem que dar atenção para as as pessoas se encontram para fazer
derno, ao longo dessas décadas em que tria de ponta ali no ABC. Em dois anos pessoas, para o capital humano, para trocas de forma espontânea. Quando
primava o modelo de desenvolvimento o cara saía lá do mato no interior do a saúde, a educação, a relação entre funciona é ótimo. Agora, a maior par-
crescimentista. nordeste, um interior onde não tinha as pessoas, o capital social. Tudo isso te dos mercados, se você deixar fun-
nada, e virava um operário de ponta, aqui é neoliberal. Falar de desigualda- cionar, não funciona ou, pelo menos,
O crescimento demográfico, que era sem passar pela escola, uma mobi- de, falar de capital humano, de saúde, não funciona direito. Alguém de vocês
extraordinário, tornou-se insignificante lidade extraordinária que aconteceu. de educação é falar de temas que as empresta para uma pessoa que não
se comparado ao progresso material. Havia uma promessa, o que eu quero pessoas acham que são de direita. Só conhece? Então, há muita gente que
Esse foi o Milagre Econômico do início dizer é que há no subconsciente cole- para ver como o tema é confuso, outra vocês não conhecem que precisa de di-
dos anos 1970. Nós mudamos enorme- tivo um modelo como esse, uma idéia coisa que eles diziam, pelo menos que nheiro, especialmente os mais pobres.
mente e nos demos muito bem durante de que existe um Estado Nacional ca- eles avisavam lá pelo meio dos anos Você é capaz de dar dinheiro para uma
esse período desenvolvimentista. Nós paz de prover a oportunidade de mobi- 1960, é que esse modelo crescimen- pessoa que você não conhece, mas
tivemos um progresso material que, na lidade para todos, mais cedo ou mais tista, além de ser autoritário, era in- você não vai emprestar, não é? Então
verdade, nenhum outro lugar do planeta tarde. Muito bem, esse modelo explo- trinsecamente concentrador de renda. o mercado de crédito é um mercado
e em nenhum outro momento do tempo diu, esse modelo foi para o espaço, e Concentrador de renda por quê? Por- tipicamente imperfeito, há um monte
até aquele momento - hoje se pode falar teve conseqüências - eu brinco aqui que há um juiz ladrão, o Estado, que de assimetrias, sendo que quem mais
alguma coisa da China -, na história da que bem que os neoliberais tinham é um árbitro do conflito que decide precisa acaba ficando de fora, acaba
humanidade, tinha experimentado uma avisado que isso ia acontecer, não é? É deliberadamente quem ganha e quem sendo meio pobre.
revolução como essa, dessas quatro dé- uma brincadeira porque vivem falando perde. Ele intervém em tudo, então
cadas. E as locomotivas desse proces- mal de neoliberal. Quando se discute quem ganha sempre são os mais for- Mas vamos ver o que aconteceu no
so, tanto do ponto de vista demográfico neste país, falar “neoliberal” é pior do tes. Passou-se a idéia de que se está nosso país com a implosão do mode-
quanto do ponto de vista material, eco- que xingar a mãe: acabou a discussão, concentrando renda, de que aquilo lo crescimentista. Nós passamos uma
nômico, foram as metrópoles brasilei- desqualificou o adversário, partiu para não é um resultado indesejado do mo- geração com o freio de mão puxado.
ras, as principais metrópoles brasileiras. a estupidez, não tem mais conversa. delo, aquilo é intrínseco ao modelo. Nós crescemos, durante 40 anos, 7%
As metrópoles, tanto em termos demo- Mas os neoliberais têm alguma coisa Aquilo não é um efeito colateral, aqui- ao ano. E nós passamos a crescer 2 ou
gráficos quanto em termos econômicos, interessante, em que às vezes a gente lo faz parte da natureza do bicho. Não 2.2% ao ano, em média, ao longo de
cresceram mais do que o conjunto bra- não presta atenção. se consegue corrigir aquilo, é implícito 25 anos, de 1980 a 2005. Mas o pior é
sileiro, foram elas que empurraram a naquela brincadeira. Além disso tudo, que a freada foi, sobretudo, das princi-
locomotiva pra frente. Para vocês terem O que os neoliberais diziam dos cresci- com essas intervenções generalizadas pais locomotivas do processo anterior,
uma idéia, São Paulo, a região metropo- mentistas? Primeiro: que crescer não em todos os mercados, acabam sendo das principais metrópoles. São Paulo,
litana de São Paulo, de 1940 a 1980, basta. De que adianta crescer se você provocadas distorções de tal tipo no que crescia 4,5% demograficamente
aliás, de 1920 a 1980, durante 60 anos, não reduz a pobreza? No caso brasilei- âmbito microeconômico que algum no período anterior, passou a crescer
cresceu 4,5% ao ano em termos demo- ro era tão maluco que o país cresceu, dia acabam explodindo, acabam vi- 2%; que crescia 10% economicamen-
gráficos. Economicamente, cresceu 10% cresceu, cresceu e foi reduzida a pro- rando uma “meleca astronômica” em te no período anterior ao ano, passou
ao ano durante 60 anos. É coisa para porção de pobres, mas não se reduziu termos macroeconômicos. Vai virar in- a crescer 1,5%, durante 25 anos. O
deixar qualquer chinês no chinelo! O Rio o número de pobres. Então o pessoal flação, vai virar déficit público, vai virar Rio crescia 3% demograficamente e
de Janeiro, que ficou para trás, que foi chega e fala: escuta só, mas para que dívida externa, não é? Eles cantaram passou a crescer 1%, mas, economi-
devagar durante 60 anos, cresceu 3,3% você quer crescer tanto se não é para isso, eles cantaram que isso ia acon- camente, de 7% passou para 0,57%. O
demograficamente e cresceu 7% ao ano reduzir o número de pobres? Você tecer e aconteceu na virada da década que aconteceu é que as nossas metró-
economicamente, durante 60 anos. cresceu como ninguém nunca cres- de 1970 para 80. poles cresceram menos ainda do que o

42 • Pensando a gestão cultural a partir dos desafios do desenvolvimento brasileiro 1º Seminário Internacional de Gestão Cultural • 43
país, e o pior, demograficamente, não dade, em termos de desigualdade en- burros n’água, não conseguiram repe- é que fica o nosso sonho civilizatório
é? As nossas metrópoles continuaram tre tipicamente o município periférico tir as condições que seus pais tiveram do século XX? Como é que fica? A re-
crescendo mais do que o país, embora e o município central de uma região no passado de ingressar no mercado volução do Sérgio, faltou dizer aqui,
tenham reduzido o ritmo de crescimen- metropolitana, vale para Rio, vale para de trabalho; não conseguiram entrar tem um componente cultural muito
to demográfico. O nosso país está cada São Paulo, vale para Belo Horizonte, no mundo da modernidade da mesma importante, quer dizer, ele diz que a ur-
vez mais metropolitano, é isso que eu vale para Curitiba, vale para Recife, forma que os pais tinham consegui- banização é a revolução não só porque
estou querendo dizer. Nós temos 40% etc. e tal. do entrar. Então, isso gera um imen- tem uma coisa estatística, mas porque
da nossa população, 42% para ser pre- so mal-estar que gera conseqüências seria a maneira de subverter a marca
ciso, que está nas regiões metropoli- Você tem um século de diferença de para o conjunto do país. patrimonialista que sempre caracteri-
tanas. Essas regiões metropolitanas desenvolvimento humano, isso quer zou o relacionamento entre o público
são importantes porque, além de nós dizer que, para o município periférico Eu vou falar duas palavras sobre as e o privado em nosso país. E patrimo-
sermos muitos nas regiões metropoli- alcançar as condições que o município perspectivas que nós temos. Eu sei nialismo é essa coisa aí de você, tipica-
tanas, é aqui que estão os formadores central da região metropolitana tem que o Goldman Sachs hoje está meio mente crescimentista, criar dificulda-
de opinião, é aqui que está a mídia, é em termos de renda, de saúde e de ridicularizado, seja porque não é mais des para vender facilidades, de você
aqui que se constrói o imaginário cole- educação, deveria levar, no ritmo atu- um banco de investimentos, é um ter uma política “para os amigos tudo
tivo nacional, é aqui que a gente cons- al, um século - um século! Dentro de banco comercial e quase foi engolido, e para os inimigos a lei”, não é? Tipi-
trói a representação de nós mesmos e um município central de uma região precisou de ajuda estatal e, pior ainda, camente é isso. Então para você sub-
nós estamos há uma geração - não é metropolitana você tem um outro sé- agora nós temos um banco brasileiro verter a urbanização seria um proces-
há uma década -, nós estamos há uma culo entre o pior e o melhor bairro, você maior do que o Goldman Sachs. Então, so. Como é que fica isso, hein? Como
geração encolhendo em termos de PIB tem dois lados de uma mesma rua realmente o Goldman Sachs está de- é que a gente pode pensar isso num
per capita. Depois de toda a mobilida- separados por oito décadas de desen- sacreditado, mas, segundo eles, essa mundo onde nosso papel vai ser produ-
de que houve ao longo de 60 anos, nós, volvimento humano. Aqui mesmo em coisa que andou meio na moda e todo zir frango, boi, soja e congêneres?
há 25 anos, num processo de tornar as BH, entre a Serra e favela da Serra, ou mundo andou falando: o Brasil é bric,
nossas metrópoles flácidas - flácidas no Rio, entre Gávea e Rocinha, ou em super chique! Essa expressão você já Acho que temos uma tarefa aí que se
porque nós estamos com um cresci- São Paulo, entre Morumbi e Paraisópo- deve ter ouvido e também que esses impõe: a de reinventar as metrópoles.
mento demográfico maior do que o lis, são oito décadas. Você sabe o que quatro países - Brasil, Rússia, Índia E, para reinventar as metrópoles, a en-
crescimento econômico -, não estamos quer dizer oito décadas de desenvolvi- e China - em 2050 vão pesar mais crenca não é, nesse caso, em nível ma-
sendo capazes de dar a elas robustez. mento humano? Quer dizer o seguinte: do que o G6 pesa hoje na economia croeconômico. Estamos acostumados
Mas não é só um problema econômico você cruza a rua e você ganha ou perde mundial. Isso quer dizer o seguinte: o a pensar as coisas macroeconomica-
que isso gera. Com as suas conseqü- 13 anos e meio de experiência de vida Brasil vai virar potência, em meados mente, as grandes questões, a dívida
ências em termos de desemprego, em ao nascer. A renda é multiplicada ou deste século, segundo a visão do Gol- externa, a inflação. Agora nós temos
termos de informalidade, em termos dividida por 17, a taxa de desemprego dman Sachs. Mas assim podemos ser um problema que se resolve através
de mobilidade social - essa questão da por nove, a escolaridade por quatro e a quinta maior economia do mundo, das taxas de juros. O problema não é
imobilidade social é brutal, eu não vou por aí vai. Se você tem muita mobilida- é o que eles dizem... Estou dando nú- o Henrique Meirelles, gente! Não é ele
ter tempo de me aprofundar em cima de, você pode até suportar uma coisa meros para essa brincadeira, mas é que vai resolver, não é o consenso de
disso. Mas eu falei que naqueles 60 dessas, mas se você não tem mobili- bacana ver o que nós vamos produzir. Washington, não é lá. É no nível das
anos, por exemplo, em São Paulo ou dade nenhuma, se aquele status quo Nós vamos produzir alimentos, vamos cidades, das metrópoles, e o desafio
no Rio de Janeiro, a mobilidade era está dado, isso é pólvora, isso se torna alimentar 40% da população mundial aí é de sermos capazes de moldar es-
extraordinária. A pessoa chegava e, de extremamente explosivo. É o que acon- com grãos, proteínas animais. Nós va- tratégias de longo prazo. Porque, se
repente, ela não conseguia imediata- teceu nas nossas regiões metropolita- mos produzir um monte de matéria- não tivermos a capacidade de pensar
mente um emprego, uma casa, colo- nas, acompanhado de uma imensa prima, biocombustíveis, é claro, e va- no longo prazo, nós nunca seremos ca-
car seu filho na escola. Mas olhava o frustração de expectativa daquilo que mos ter fantásticas reservas naturais pazes de enfrentar aqueles que são os
exemplo do vizinho e via que alguma a Maria Rita Kehl, uma psicanalista de água, de água doce, de fauna e de nossos verdadeiros problemas, nem de
coisa poderia acontecer com ela em paulista, chama de ressentimento. flora. No cenário do Goldman Sachs, a aproveitar aquelas que são as nossas
algum futuro nem tão distante. Então Ressentimento surgido de mágoa, ou indústria vai para a China, os serviços verdadeiras oportunidades. Eu vou fa-
ela tinha uma esperança que era dada seja, mágoa por uma promessa não vão ser divididos entre Índia e China, e lar um pouquinho disso mais à frente.
por essa mobilidade. A desigualdade cumprida: a promessa da modernida- o petróleo vai ser especialmente russo
era extrema, mas, como se tinha uma de pela qual os caras abandonaram e talvez sobre alguma coisa aqui pra Quando estou falando de problemas,
imensa mobilidade, acreditava-se que tudo, deixaram tudo para trás, vieram gente com essa coisa de petróleo. estou falando, por exemplo, da despo-
o dia seguinte ia ser melhor, valia a para cá, para as grandes regiões me- luição da Baía de Guanabara ou da Re-
pena esperar por uma oportunidade, ti- tropolitanas, apostaram suas fichas Pergunta: como é que ficamos nós na presa de Guarapiranga ou da Lagoa da
nha-se essa impressão. E há situações num futuro melhor. Fizeram sacrifícios, cidade? Vamos produzir mel, vamos Pampulha. Eu estou falando de coisas
que se perpetuaram, porque nesses 25 construíram suas casinhas e botaram produzir soja, o que nós vamos fazer como criar um ambiente de negócios
anos não se reduziu a desigualdade na seus filhos na escola e os filhos estu- quando a gente for potência lá na fren- para o setor informal; eu estou falando
região metropolitana, pelo contrário. daram. Mas, na hora de entrarem no te? Como é que fica a nossa revolução de você enfrentar de frente a questão
Falar minimamente sobre a desigual- mercado de trabalho, deram com os do Sérgio Buarque de Holanda? Como da favelização; estou pensando estra-

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tégias concretas de redução do desem- periferia, da baixada fluminense, que é são crescimentistas. Se a gente não dos seus pais, dos seus vizinhos; estou
prego metropolitano. Para coisas desse tudo mesmo subúrbio, é igual, é idên- for capaz de mudar um pouquinho es- falando do seu governo, estou falando
tipo você tem que ser capaz de pensar tico. É o mesmo problema, aquilo ali é sas coisas, a gente vai continuar sendo da empresa que oferece os produtos
em estratégias que sejam locais. Pri- território desindustrializado, desvoca- refém desse tipo de mentalidade, não que você consome, do seu empregador;
meiramente porque uma política que cionado, cemitério industrial, semiárido é? Então, o que a gente bota no lugar? confiança entre os países, o que for. Há
vale - eu não vou voltar nisso - para São econômico. Pegar aquilo ali tudo: você É incrível, mas as coisas chegam a um vários níveis aí, quanto mais, melhor.
Paulo possivelmente não vale pra BH, está falando de mais ou menos seis debate, a um certo nível, mas não são Isso tem a ver com transparência, evi-
não é? E que sejam de longo prazo, milhões de pessoas que ninguém olha assimiladas e às vezes não são suficien- dentemente.
porque você não consegue despoluir a pra elas. Todo mundo olha o Rio lá para temente abraçadas.
Baía de Guanabara num mandato de a zona sul, mas há ali seis milhões de E, finalmente, a última liberdade, que é
um prefeito. Você não faz isso, nem pessoas que estão encostadas, elas fo- E há um monte de novos paradigmas a proteção social. Porque todos nós so-
que ele seja reeleito. Barcelona, que ram pra lá não para ver o Pão de Açú- do desenvolvimento que aparecem por mos humanos e como seres humanos
é uma cidade criativa - daqui a pouco car, não para ir à praia de Ipanema, não aí que eu não vou ter tempo de falar nós somos fracos, sujeitos a baques
vamos falar de cidades criativas, pos- para trabalhar na Globo, ali no Jardim demais sobre eles. Mas vou enunciar nas nossas vidas. Doenças, acidentes,
sivelmente -, resolveu reinventar o seu Botânico, não para estudar na PUC. Os dois: o primeiro é sobre as liberdades. depressões, gravidez, velhice, e nesses
subúrbio depois de ter feito os Jogos caras foram para lá trabalhar na indús- Vou tentar ser bem rápido - eu pos- momentos de desamparo em que a
Olímpicos. Não tem nada a ver com os tria. A indústria se mandou e nunca so falar semanas sobre esse livro do gente não é capaz de prover para nos-
Jogos Olímpicos, isso foi depois, em mais vai voltar e as pessoas continuam Amartya Sem – mas, para o Sem, de- so próprio bem-estar, é bom que a gen-
1995. Olhou para o seu subúrbio e fa- ali. Você vai levar no mínimo 20, 30 anos senvolvimento é um processo contínuo te arrume um colinho, quem quer que
lou: isso não dá para ficar assim. para enfrentar esse problema. Isso tem de ampliação das liberdades a que os seja que dê aquele colinho. O ponto do
que ser dito, tem que ser falado e tem indivíduos têm direito, e ele cita cinco Sem é que cada uma dessas liberdades
Barcelona, vocês sabem, trinta anos que ser enfrentado. Barcelona não está tipos de liberdade: as liberdades polí- é um fim em si mesmo. Você não pode
atrás, com a morte do Franco, era uma enfrentando? São 30 anos. Nós vamos ticas, que são as liberdades de ir e de abrir mão de uma em nome da outra.
cidade decadente do Mediterrâneo, precisar dos mesmos prazos. Como é vir, de se organizar, de se associar, de Não existe uma hierarquia possível en-
com muito desemprego, marginalida- que a gente faz política para 30 anos exprimir sua própria opinião; as liber- tre essas cinco liberdades. E o segundo
de, muita droga, muita gangue, e hoje em uma democracia? Como é que se dades sociais, que são fáceis de enten- ponto importante é que, quanto mais
é uma cidade pop, uma cidade super, dá isso? A gente não tem esse hábito. A der. Saúde, por exemplo, quanto mais e de uma, mais da outra. Elas são instru-
super vanguardista em mil coisas. De- gente começa a achar que essas ques- melhor você viver em termos de saúde mentais. Elas se alimentam umas das
pois, com a Ana Carla e no próprio de- tões são insolúveis e aí não pensa mais evidentemente melhor pra você, melho- outras. Então, quanto mais educação
bate a gente pode falar sobre isso. Mas nelas, a gente se acanha. Mas esses ra sua qualidade de vida, e a educação. você tiver, por exemplo, maior a sua ca-
Barcelona se reinventou e muitas ou- são os grandes problemas que a gen- Aí há mais controvérsias. Pode-se dizer: pacidade de se organizar politicamente,
tras cidades também se reinventaram. te tem, são os problemas que acabam quanto mais eu estudo, mais minhocas de ir atrás de suas demandas efetivas,
Em 1995 elas olharam para o subúr- interferindo num monte de coisas. E a na cabeça me dão. Não é necessaria- de você entender melhor os sinais de
bio que era um subúrbio tão horrível pergunta é: quem vai implementar essa mente bom. Mas, de maneira geral, é como os mercados estão funcionando
quanto todos os subúrbios de todas as estratégia? Além de como, não é? Bom, uma melhor capacidade de compre- e assim por diante.
cidades metropolitanas do ocidente: vou deixar de lado. ender o mundo, de discernir, de fazer
aquela coisa de fábrica, galpão, aque- escolhas. Então é uma coisa que é boa Bem, e como é que fica o dinheiro nis-
les prédios feios, aqueles conjuntos O segundo desafio na ordem cultural também. Liberdade econômica é liber- so tudo, no paradigma das liberdades
habitacionais horrorosos e, bem, o que na minha cabeça é botar alguma outra dade de acesso a mercado, mercado de do Sem? Ele dá uma bela sacaneada
é que você vai fazer com aquilo? Eles coisa no lugar do crescimentismo. Se a trabalho, mercado de crédito, mercado nos liberais, nessa brincadeira. Porque
inventaram uma estratégia de desen- gente não souber enunciar o novo, se a de bens. É evidente que é melhor você os liberais não falam de liberdade? Os
volvimento para aquilo mirando o quê? gente não souber anunciar esse novo, tomar um vinho chileno do que um vi- liberais falam de liberdade, mas os li-
2025? Tá, 2025. Fizeram uma estraté- se a gente não souber trabalhar esse nho de São Roque, com todo respeito. berais falam de liberdade como meio.
gia em 1995 para 2025. novo, a gente vai continuar sendo refém Não sei se as pessoas aqui gostam de Como meio para se ter mais eficiência
dessa coisa velha, a gente vai continuar vinho de São Roque, mas só de você po- e eficácia, para você conseguir produ-
Barcelona, junto com a sua região vendo esses crescimentistas fazendo der ter acesso a um vinho importado é zir mais, para você produzir mais di-
metropolitana, era do tamanho do su- pose de bacana e dizendo que eles são uma coisa que melhora o seu leque de nheiro, uma coisa quantitativa. Então,
búrbio do município do Rio de Janeiro. os caras, que estão querendo mudar. O opções. Mercado de bens, de serviços e a liberdade é usada como meio pra
Voltando para o Chico Buarque, agora cara desenvolvimentista, o que ele vai de produtos - também é uma coisa im- você atingir uma coisa quantitativa-
estou sempre na família Buarque de fazer para mudar o mundo? Vai reduzir portante você ter mercado que funcio- mente melhor. Para o Sem, é o contrá-
Holanda, voltando para o Chico, tem o a taxa de juros, vai dar um crédito subsi- ne, não é? A questão da confiança eu rio. O Sem não nega a importância do
último CD dele, “Subúrbios”. O subúr- diado para uma grande multinacional, e estou chamando de “questão da trans- dinheiro, dinheiro é importante, é claro
bio do Chico vai de Olaria ao Meriti, ele aí ele é bonzinho, ele tem sensibilidade parência”. Quanto mais você confia no que é importante. Mas o dinheiro não é
vai de Bonsucesso a Nova Iguaçu, ele social. Não é isso que a gente vê, não outro, em todos os níveis, melhor para um fim em si mesmo. O dinheiro é um
mistura bairros do município do Rio, é isso. Os progressistas do nosso país, você. Eu estou falando do seu parceiro meio para correr atrás das liberdades
município central, com municípios da os caras que têm sensibilidade social afetivo, estou falando dos seus filhos, e não é o único meio, há outros meios

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que são possíveis. Então, ele inverte de coisa e, aí, é preciso que as ações tipo de mercado interessa aos bancos. Finalmente, o meu terceiro desafio
a mão, ele faz exatamente a inversão sejam sustentáveis e, aqui nesse caso, Você vem aqui (mostra o folder do ban- aqui é a questão de ampliar as várias
inclusive em relação ao porquê de a também no longo prazo. Eu vou falar co) e tem um monte de ações do Banco informações e para isso eu vou voltar
questão utilitarista estar atrás do back um pouquinho mais sobre isso. Há vá- Real em microcrédito. Mas se coloque no Amartya Sem. Vou brincar com vo-
up mental dos crescimentistas tam- rios outros paradigmas sobre os quais no lugar de um banqueiro. Você prefere cês com a Teoria da Justiça do Amar-
bém, não é? Ele dá uma sacaneada eu poderia falar aqui também. emprestar para uma pessoa que tem tya Sem a partir de uma parábola que
em todo mundo que veio antes desse uma conta de energia elétrica regular ou ele conta no capítulo 6 do livro dele,
ponto de vista, ele dá uma volta por Hoje em dia até a felicidade está na para quem tem um “gato”? Hein? Para “Desenvolvimento como Liberdade”. A
cima bastante interessante. moda quando a gente fala em desen- quem tem um “gato”? Para quem tem história é a de uma mulher chamada
volvimento econômico! Mas esse não uma conta, não é? Para alguém que foi Ana Purna. É uma parábola. Ana Purna
Há um outro paradigma que está sen- chega a ser um tema novo, embora capacitado ou alguém que não foi capa- é uma mulher com um profundo senti-
do muito badalado por aí que é o da novo na literatura sobre o desenvolvi- citado? Se coloque no lugar do cara da mento de justiça em toda escolha que
sustentabilidade. Eu estou vendo aqui mento. Esses novos paradigmas tra- Cemig, do dirigente da Cemig. Você pre- ela faz na vida ela quer fazer o bem.
no plural: as sustentabilidades. Porque zem novas questões. Ninguém nega, fere regularizar o “gato” de alguém que Ela está interessada em promover o
a idéia que está muito na moda, está hoje em dia, que a questão do preço tenha uma conta bancária ou de alguém bem diante de uma escolha muito sim-
todo mundo falando, eu até trouxe aqui relativo é uma coisa importante, quer que não tenha uma conta bancária? De ples, que é contratar uma pessoa para
- não estou fazendo propaganda de dizer, fazer os mercados funcionarem alguém que tenha uma conta bancária, fazer um serviço na casa dela: limpar
ninguém, não. Talvez seja o mais bem é uma coisa legal. Não tem muita in- correto? De alguém que foi capacitado um quintal. É uma tarefa simples, mas
feitinho deles, está super na moda um tervenção do Estado, a não ser em ou de alguém que não foi capacitado? não é divisível. Ela não pode dividir essa
banco - o banco Real ABNAmro acabou setores que sejam claramente não Isso quer dizer que o cara do banco vai tarefa entre duas ou três pessoas, têm
de lançar aqui - e não é pra fazer pro- concorrenciais para evitar práticas começar a distribuir energia elétrica ou que escolher uma só. Então, vamos lá.
paganda porque eu estou lendo, está monopolistas. Fazer os preços funcio- capacitar alguém? Isso quer dizer que o Apresentam-se três pessoas que estão
muito bem feito, é um primor de coisa, narem, ter mercados que funcionem cara da Cemig vai começar a emprestar totalmente aptas para fazer o mesmo
papel reciclado, bonitinho, está botan- direito é uma coisa legal, mas não é dinheiro? Isso quer dizer que os dois têm serviço, pelo mesmo preço, pelo mes-
do na mesma publicação o balanço o suficiente. Você precisa construir os que conversar. Eles têm que começar a mo tempo, com a mesma qualidade.
financeiro, econômico, ambiental e mercados, não é? É uma coisa nova fazer alguma coisa em conjunto. Então são totalmente indistinguíveis
social; está triple way, beleza. Está su- pensar que os mercados não funcio- desse ponto de vista. Ela olha para os
perbem avaliado, mas não basta esse nam sozinhos. Vamos tentar fazer com Quando eu digo que o “triple bottom line” três e diz: olha eu vou escolher esse
“fazer o dever de casa” em termos de que os mercados funcionem. (tripé da sustentabilidade que leva em primeiro aqui, sabe por quê? É o Dino,
responsabilidade social, empresarial, conta o econômico, o humano e o am- ele é o mais pobre dos três. O que tem
de você pedir para as empresas adota- Vou dar um único exemplo: microcrédi- biental) é uma coisa limitada, é que está de mais justo do que eu escolher uma
rem posturas que sejam responsáveis to. Há dez anos as pessoas, eu ouvi isso faltando sair da camisa de força corpo- pessoa pobre, porque assim, com o di-
em relação aos seus clientes, seus muito, as pessoas não chamavam de rativa, está precisando falar com o vizi- nheirinho que eu vou dar para ele, ele
stakeholders e serem transparentes microcrédito, eles chamavam de “Ban- nho, está precisando interagir num jogo vai ser menos pobre. Ele vai poder sa-
em relação a isso. Tudo isso é bacana, co do Povo”. Agora caiu em desuso essa mais coletivo. Até hoje as barreiras são tisfazer algumas necessidades a mais
necessário, é legal. Eu não tenho nada história de “Banco do Povo”. Ninguém muito ensimesmadas. As empresas, os que ele não está conseguindo satisfa-
contra isso, acho que não dá nem pra fala mais de Banco do Povo, mas falava atores, os governos também são muito zer. Uma coisa justa, não é? Mas aí, ela
ser, mas o problema é que os nossos “eu sou a favor do Banco do Povo porque ensimesmados. A questão do informal é olha um pouquinho mais e vê o segun-
desafios vão além disso. Para que es- eu sou contra o setor financeiro”. Eu já um novo tema, a questão da regulação. do, o tal do Bichano. Ele não é tão pobre
sas coisas sejam eficazes é preciso que ouvi essa besteira um monte de vezes e Por exemplo, ontem houve revisão tari- quanto o Dino, mas é mais infeliz. Ele é
uma empresa como essa e os outros demorou muito para “cair a ficha” que fária lá na Anaeel, em Brasília. Temos da nossa classe média, urbana, metro-
se envolvam num jogo maior. Porque não é isso, que o que você quer é fazer novas tarifas de energia elétrica. Como politana, é aquele cara que está acos-
não é a partir de uma coleção de ini- com que o mercado financeiro funcione é que funciona isso? Como é que funcio- tumado a tomar vinho chileno e agora
ciativas isoladas que você vai resolver para os pobres, chegue até os pobres. na botar preço em uma utility, em um está voltando a tomar vinho de São
o problema. Nós temos que participar Você quer que o pobre tenha acesso a bem público que é distribuído por uma Roque. Ele é empobrecido, ele é triste,
de um jogo coletivo mais amplo e, aí, uma conta corrente, a um talão de che- empresa privada? Como é que funciona está deprimido e, aí ela se diz: - mas,
tem uma quarta dimensão. Eu acho ques, a um cartão de crédito, a uma pou- esse negócio de botar um preço que seja pôxa, se eu der uma grana para esse
que é importante nessas brincadeiras pança, a um plano de previdência, a um justo e que faça com que a empresa cara, ele vai ficar mais feliz. O que exis-
incluir, nas questões da sustentabilida- seguro. Eu sou contra o mercado, então seja sustentável? Isso é um tema novo e te de mais nobre do que você produzir
de, a sustentabilidade política. Nesse vou fazer um negócio para o povo agora. é desafiante do ponto de vista do desen- a felicidade do sujeito, você contribuir
caso, também, quer dizer, não adianta Então, como é que você desenha isso? volvimento em questão. A questão da para a felicidade desse mundo? Aí co-
você ser sustentável econômica, social O banco sozinho não chega lá, é preciso democracia não é só política, mas tam- meça a ficar com minhoca na cabeça.
e ambientalmente, se vem uma coisa desenhar ações conjuntas. Aí começa bém social e econômica. Tem um monte Mas ela fica mais ainda quando olha
por fora que desmancha tudo. É ou não a trabalhar essa coisa: como é que um aí de novos temas, de novas questões com mais atenção para a terceira pes-
é? De alguma maneira você tem que banco pode interagir com outros para interessantes a serem pensadas em ter- soa, que é uma mulher, a Rogene. Ela
dar alguma sustentação a esse tipo desenvolver esse tipo de mercado? Esse mos de desenvolvimento. não é tão pobre quanto o primeiro nem

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tão infeliz quanto o segundo, mas ela é pouquinho sobre isso. Experiências subúrbio do Chico Buarque, que vai de das sedes das maiores redes de televi-
doente e, sendo doente, tem dores crô- que são interessantes a partir de Bo- Olaria para Nova Iguaçu. Mas o proble- são - públicas e privadas - e dos quatro
nicas, que não atrapalham em nada o gotá: temos aqui um representante da ma é o mesmo, não é? Redesenhando maiores jornais do país; das principais
serviço dela, mas que perturbam a vida Colômbia que foi ombudsman do jornal novas governanças, novas formas de empresas de telecomunicações; dos
dela. Dor é dor e ela se diz: - pôxa vida, “El Tiempo”, que costurou essa experi- governar os processos. maiores bancos privados; das maiores
se eu tivesse a capacidade de contratar ência de Bogotá. Vamos ver que é ba- empresas de energia – Petrobras, Ele-
essa mulher, ela compraria remédios sicamente uma iniciativa da sociedade Eu vou fazer aqui uma proposta muito trobrás, Furnas e Nuclebras, Light, Ele-
e ficaria com a capacidade de aliviar a civil no sentido de monitorar continu- rápida, para deixar a provocação, que tropaulo; 90% da produção nacional
sua dor. O que existe de mais nobre do amente indicadores de qualidade de é a seguinte: nós estávamos diante de de petróleo, 100% da produção nacio-
que poder aliviar a dor? Pergunta para vida e de cobrar dos poderes públicos um desafio de pensar o futuro do Rio nal de energia nuclear...
a platéia: com quem vocês ficam? Com - e de quem de direito - providências no de Janeiro e, aí, um dos atores que es-
qual dos três? Dino, Bichano ou Roge- sentido de ser eficiente, eficaz na pro- tava discutindo com a gente, um sujei- Bom, dá pra encarar a tal da globaliza-
ne? A pobreza, a infelicidade ou a dor? dução daquelas iniciativas. Isso tem se to que é presidente de uma empresa ção assim, num território como esse?
O que é mais importante combater? multiplicado aqui. Em São Paulo existe que distribui energia elétrica - a Light Eu acho que dá. Eu não vejo por que
Levanta a mão quem fica com o Dino? um movimento fantástico hoje em dia - o José Luiz Alquéres, virou e falou: ter medo de encarar a globalização no
Tem aí, razoável. Quem fica com Bicha- que é o “Ação São Paulo”; no Rio tem “Você quer pensar o futuro do Rio de mundo. Para fazer o quê? Primeiro, eu
no? Menos. Quem fica com Rogene? o “Rio como Vamos?” e há outros que Janeiro? Você não pode pensar o futu- acho que dá pra encarar o século XXI
Pelo menos acho que mais da metade estão acontecendo por aí. ro do Rio de Janeiro completamente com esse território, para ser capital
não fica com o Dino, né? Agora a per- desconectado do futuro de São Paulo. mundial da energia e da sustentabili-
gunta: e se eu tivesse parado de contar Bom, vou resumir, então, os princi- Em alguma medida, no século XXI, Rio dade. Não é conversa para boi dormir,
essa história aqui? Se eu tivesse fala- pais desafios que eu estou colocando de Janeiro e São Paulo têm que pensar não é discurso ufanista. Eu quero sa-
do só que ela escolheu o Dino porque aqui: reinventar as metrópoles, abra- conjuntamente”. ber que outro lugar no mundo tem as
o Dino é mais pobre? Vocês todos acei- çar novos paradigmas e alargar bases fontes de energia que nós temos nesse
tariam essa desculpa, não aceitariam? informacionais. E eu queria falar um Então vamos lá: criamos, ele e eu, pedaço de chão, dos biocombustíveis
Não é um ótimo pretexto? Agora vocês pouquinho do que isso tem como im- a MBras” - depois eu explico porque ao petróleo, passando pela energia nu-
que, quando eu fiz a pergunta, votaram plicações, basicamente, eu não vou ter MBras. clear, pela hidrelétrica, pela eólica. Os
no Bichano ou na Rogene, vocês perce- tempo de desenvolver demais, mas são centros de pesquisas que nós temos, os
bem que se eu tivesse parado aqui, nes- novas formas de pensar e de produzir No mapa da MBras no Brasil podemos players que nós temos, como bancos
sa informação, vocês teriam feito uma o “público”. Estamos diante do desafio ver uma megalópole brasileira. São de fomento, como grandes empresas
escolha que agora vocês consideram in- de falar do fim do monopólio. Nós te- 232 municípios que ficam entre Cam- e coisas desse tipo. E não venha me
justa? Porque agora vocês sabem que mos que encarar a questão do fim do pos e Campinas, passando por Juiz de dizer que, qualquer que seja o mundo
tem uma pessoa que sofre, que tem monopólio estatal. Nós temos ainda Fora, em Minas Gerais. São 0,97% do que vai se desenhar amanhã, energia
uma pessoa que é infeliz, não é? uma cabeça que é muito centrada no território nacional, 23% da população e sustentabilidade não sejam coisas
protagonismo do Estado Nacional, que brasileira, 35% do PIB. A MBras está importantes. Nós temos a Floresta da
Eu estou dizendo o seguinte: para vo- é uma herança do nosso back up cres- em três estados, com taxa de orga- Tijuca, nós temos a Mata Atlântica,
cês fazerem escolhas que possam ser cimentista, não é? Nós temos hoje que nização de 96%, uma densidade de- nos temos a Itatiaia. Em sustentabili-
consideradas justas é preciso que vo- encarar o fato de que desenvolvimento mográfica altíssima, de mais de 500 dade nós também somos porretas! Te-
cês tenham acesso a uma base infor- passa pela multiplicidade de protago- habitantes por km². Tem como prin- mos belezas e temos ainda a marca da
macional ampla. Quanto mais ampla a nismos. São diferentes níveis de gover- cipais ativos sociais e culturais: uma “Rio 92”. Outra coisa que eu acho que
base informacional, maior a capacida- no, da sociedade civil organizada ao alta presença de médicos; uma taxa é importantíssima é resgatarmos uma
de de vocês mesmos fazerem escolhas setor privado. É preciso cultivar a con- de analfabetismo baixa; 303 estabe- idéia de vanguarda. Nós abdicamos da
que considerem justas ou se a base in- vergência dos esforços entre esses ato- lecimentos de ensino superior; 670 idéia de vanguarda, nós nos apeque-
formacional for restrita, vocês podem res, quer dizer, romper as barreiras cor- mil universitários; 25 mil PHDs; 515 namos. As nossas metrópoles ficaram
ser levados a fazer escolhas injustas porativas, isolacionistas, que em todos bibliotecas públicas; 270 museus; 291 para trás, mas as nossas metrópoles,
e, aí, tem milhões de repercussões em os níveis, na sociedade civil, no poder cinemas; quase 400 teatros. Outros até 1980, é que puxavam esse país
termos do que isso significa: em ter- público, na iniciativa privada, compro- ativos: 1.200 km de litoral; quase 50 para frente, não só economicamente
mos de comunicação, em termos de metem os resultados dessas iniciati- parques naturais, dos quais cinco são e culturalmente. Apequenar as nossas
imprensa. Como eu não vou ter tempo vas que existem por aí. A gente tem nacionais; 24% dos aeroportos e meta- metrópoles é nos apequenarmos dian-
de desenvolver isso agora, eu só estou que sair da lógica do projeto, como diz de dos passageiros aéreos brasileiros; te do mundo. Nós precisamos resgatar
levantando a bola. A questão é: quem a Marta Porto, para passarmos para ló- nove portos - os maiores; 90% dos tu- uma idéia de modernismo, não sei se
produz, sistematiza e dissemina essas gicas de processos e, para isso, é pre- ristas estrangeiros; mais de quatro mil modernismo ou pós-modernismo - cha-
informações? É o governo? Vamos dei- ciso redesenhar, através de uma série hotéis; 37 mil restaurantes; quase 100 mem do jeito que quiserem -, mas que
xar isso na mão do governo? Temos de parcerias público-privadas, os terri- shopping centers; quase seis mil agên- seja ousada, que tenha capacidade de
experiências que estão começando a tórios. Isso vale para o local, um local cias bancárias; indústria aeronáutica, inovar, que tenha capacidade de pro-
pipocar por aí, nas nossas cidades. Eu que rompe as fronteiras geográficas, indústria automobilística, indústria por, que tenha capacidade de andar e
estava falando agora de manhã um burocráticas, administrativas, como o espacial; uma agência espacial; 100% de olhar para frente e de propor coisas

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novas. Nós estamos muito acanhados.
Eu acho que isso daí tem vocação para
ser metropolitano, e digo mais, mega-
lopolitano.

Finalmente eu acho que - para provocar


mesmo - um lugar como esse na minha
cabeça está desenhado, ou deveria ser
desenhado, para ser um portal dos ser-
viços e dos conceitos brasileiros para
o mundo. Se a gente não quiser ficar
só exportando frango, se a gente não
quiser ficar exportando só minério de
ferro; se a gente quiser exportar idéia,
se a gente quiser exportar música, se a
gente quiser exportar cinema, se a gen-
te quiser exportar estilo de vida, a gen-
te tem que se posicionar de uma outra
forma. Aí eu acho que essa questão de
radicalizar, essa coisa megalopolitana
é uma coisa interessante. Uma coisa
como essa não nasce em Brasília, não
nasce nos partidos políticos. Se a gen- André Urani
te for imaginar que isso nasce de um
pacto convencional, os nossos bisnetos Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade - IETS
não vão ver isso acontecer. Isso nasce
de uma mobilização da sociedade ci- André Urani é pesquisador do Instituto de Estudos do Trabalho e
vil, do setor privado e da academia. E, Sociedade (IETS), professor adjunto do Instituto de Economia da
aí, os poderes públicos têm que partici- Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE-UFRJ) e conselheiro
par de uma coisa dessas, mas de uma das organizações não-governamentais Transparência Brasil, Rio
forma minoritária. Isso nasce de baixo Como Vamos, COMUNITAS e CINDES.
pra cima, não é?
Nascido em Torino (Itália) em 11/2/1960 e naturalizado bra-
Bom, eu termino falando de uma frase sileiro, é economista com graduação e mestrado na Pontifícia
que eu aprendi no Ceará, que diz o se- Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e doutorado no
guinte “Eu acredito nessas coisas, mas DELTA (Paris).
para tudo na vida é preciso ter ciência,
consciência e paciência” e, finalmente, Foi pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
com uma frase que hoje seguramente (IPEA), de 1992 a 1996, presidente da Associação Brasileira de
está na moda, porque afinal de contas Estudos do Trabalho (ABET), 1996 e 1997, Secretário Munici-
nós estamos no day after de um dia pal do Trabalho do Rio de Janeiro (1997 a 2000), comentarista
histórico que é “Yes, we can”. E, final- da TV Futura (2002 a 2006) e da Rádio CBN (2006 a 2008),
mente, uma propaganda, porque se eu membro do Conselho de Administração da Brasil Telecom
não fizer ninguém faz, não está à venda (2005-2006), consultor de entidades nacionais (Ministério do
ali fora, mas, se vocês procurarem na Trabalho, BNDES, SEBRAE, Banco do Nordeste) e internacionais
internet, um livro que eu lancei recen- (PNUD, Banco Mundial, FMI, BID, CEPAL, OIT, UNCTAD), bem
temente que fala dessas coisas que se como de empresas privadas (Banco Real, Light, TIM e Natura,
chama “Trilhas para o Rio”. Obrigado. entre outras) e de organizações não governamentais (Fundação
Roberto Marinho, RITS, Viva Rio, entre outras).

Já organizou vários livros e publicou artigos em livros e revis-


tas nacionais e internacionais sobre temas como desigualdade,
pobreza, mercado de trabalho e desenvolvimento local. É autor
do livro: “Trilhas para o Rio – do reconhecimento da queda à
reinvenção do futuro”, publicado em 2008 pela Editora Cam-
pus-Elsevier.

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PALESTRA
Bom-dia a todos. Em primeiro lugar,
agradeço imensamente pelo convite,
mas tenho que dizer que eu tenho um
vínculo emocional enorme com a DUO.

POR A gente se conheceu por quase casua-


lidade, eu morava fora e vim dar uma
palestra. Conheci a Marcela e, daí, a

ANA
gente começou a discutir um pouco
a questão da economia da cultura e
fui convidada a dar aula nos cursos
a distância da DUO, em economia da

CARLA cultura, já há uns três anos pelo me-


nos. Venho acompanhando o trabalho
maravilhoso que a Marcela, a Lena e o

FONSECA Luiz estão fazendo, com uma satisfa-


ção gigantesca. Onde eu posso, eu falo
da DUO. Onde eu não posso, eu tam-
bém falo da DUO. Então é sempre uma
grande satisfação ver que, efetivamen-
te, a gente tem aquela possibilidade de
transformar um floco de neve em uma
grande avalanche. Acho que essa ava-
lanche positivíssima que vocês estão
fazendo e que vocês todos estão cor-
roborando e estão construindo juntos
é mais do que bem-vinda. Este é um
momento extremamente oportuno.

Eu tenho aqui é uma grande encren-


ca, que é manter o entusiasmo que
o André acabou transmitindo, fora
o conteúdo riquíssimo e instigante.
Mas tenho uma vantagem: ele roubou
a metade da minha fala. Então, ago-
ra eu só vou me concentrar na outra
metade da fala, que talvez seja mais
próxima ao dia-a-dia de vocês. Eu fico
obviamente fascinada quando encon-
tro um economista do gabarito do An-
dré que, de fato, consegue traduzir o
economês para o nosso dia-a-dia. Isso
é economia. Economia não exige um
vocabulário hermético ao cotidiano.
Isso é economia, economia da nossa
vida. Então, eu fico muito contente por
ter colegas dessa envergadura abrindo
espaço para chegarmos a uma ques-
tão que mexe com fluxos também.

Fluxo é uma palavra muito próxima a


todo paradigma econômico e eu gosta-
ria de discutir isso do ponto de vista eco-
nômico aplicado à cultura. Costumamos
pensar nos finais dos processos: no per-
centual do PIB, no número de empregos
gerados, e nem sempre olhamos toda
a historinha por trás dessa construção,
desses números todos e os fluxos que se
estabelecem. Há pelo menos cinco flu-

1º Seminário Internacional de Gestão Cultural • 55


xos que deveriam estar na pauta de ges- de com os privados e a sociedade ci- Dando um grande salto histórico, che- começam a ser uma voz dissonante,
tores culturais - quer sejam públicos ou vil. Nossa abordagem nesta discussão gamos ao Renascimento, quando as mas com muita pertinência, aos deba-
privados - e de nós todos que acabamos passa a ser muito mais complementar artes eram um símbolo do poderio das tes econômicos que eram desenvolvi-
nos engajando nas discussões que têm e não antagônica, porque os interesses classes dominantes. Em especial as dos. Uma delas é de John Ruskin, que
uma maior composição de variáveis nes- e objetivos de cada um desses agentes artes visuais, música, representações, tem esse livrinho pequenininho que eu
se grande modelo multidimensional, en- devem passar a convergir. porque a população era essencial- recomendo fervorosamente, “A Eco-
volvendo cultura, economia, educação, mente literata. As artes, em especial, nomia e Política da Arte”, que traz al-
turismo, sociedade e suas interações, Pensando no fluxo histórico, eu queria le- começam a se frisar, portanto, como gumas das aulas que ele proferia nas
seus enredamentos. var vocês ao longo de uma viagem, bre- veículos transmissores de mensagens faculdades de economia da Inglaterra.
ve, com grandes pinceladas históricas, muito fortes, obras arquitetônicas, E, no meio desse cenário todo, a gente
O primeiro fluxo é o histórico. Costu- para a gente retomar essas recorrências obras visuais e daí pra frente. E nesse está falando aqui de meados do sécu-
mamos considerar grandes momentos que ocorrem entre cultura e economia mundo essencialmente visual a gente lo XIX, ele dizia: “Para homens cerca-
da história como se eles fossem ne- pelo menos nos últimos dois mil anos. já começa a perceber algumas reações dos pelas circunstâncias deprimentes
cessariamente momentos de ruptura E, aí, eu pego uma citação do Gaius à pressão do mercado. Para toda ação e monótonas da vida manufatureira
e não necessariamente como constru- Mecenas que deu, como vocês sabem, há uma reação, como diz a Física, e inglesa, simplesmente não é possível
ção. Para que a gente entenda esses origem ao mecenato. Este é o trecho de aqui ocorrem algumas. Uma delas, que o design.” E o design, aqui, muito cla-
momentos de grandes manifestações, uma correspondência que ele travava eu gostaria de pincelar rapidamente, é ramente, é inovação, é criatividade.
e que acabam sendo emblemáticos na com quem seria, por assim dizer, seu da Accademia di San Luca, em Roma. “Podem ter certeza disso. O operário
nossa história, é importantíssimo en- curador: “Levantei os 20.400 cestércios Foi fundada em 1593, ainda hoje ativa, moderno é inteligente e engenhoso ao
tendermos o que ocorre entre eles. (a moeda da época) para as estátuas embora claramente não com a mesma mais elevado grau, mas de modo geral
de mármore megárico, conforme você participação, e deu origem ao que se- falta-lhe inteiramente o poder do de-
O segundo tipo de fluxo é o de pesso- me aconselhou. Já me apaixonei pelas ria o embrião de um primeiro sindicato sign”. Ou seja, ele tem tudo para criar,
as. Não só os turistas, mas também as figuras de Hermes em mármore com ca- dos artistas. Vale lembrar que aquela mas ele não cria, ele não inova, por
pessoas que se locomovem de uma beça de bronze que você me descreveu. imagem romântica que nós temos dos quê? Continua Ruskin: “O design não é
cidade a outra. Conforme o André Portanto, envie-me essas obras e tudo grandes mestres não se concretiza. fruto da fantasia ociosa, é o resultado
abordou muito bem, são pessoas que mais que você achar que combine com Porque basta analisar a biografia deles estudado da observação cumulativa e
buscam um outro estilo de vida, outras minha casa, com o meu entusiasmo e para perceber que eles se deslocavam do hábito aprazível. Sem observação
oportunidades e afins e que acabam com seu próprio gosto. Quanto mais e continuamente atrás das encomendas e experiência não há design”. Como a
ou não adotando aquele novo espaço quanto mais rápido melhor, especial- e havia um desbalanço enorme entre gente pode querer que as pessoas te-
como seu espaço emocional. Existem mente as que você pretende enviar para quem detinha o poder da compra da nham margem para fazer alguma coi-
as divisões geográficas, mas cada um o ginásio e para o meu claustro privado”. obra, da encomenda, e quem efetiva- sa diferente, se elas acabam sofrendo
de nós também tem seus mapas men- Pelo menos duas questões aí acabam mente a produzia. Por conta disso, a dessa lobotomia criativa constante e
tais, aqueles pedaços da cidade que eu sendo recorrentes. A primeira delas: esse Accademia estabeleceu que todas as não são expostas efetivamente ao que
identifico e ponho no mapa geográfico. olhar de fora, essa validação do curador, obras que viessem encomendadas a há de criativo? Como nós temos tantos
Não consigo imaginar onde fica aque- da empresa, da sociedade. A roupa que artistas habitando em Roma ou na cir- talentos disponíveis e não os aprovei-
le bairro porque eu nunca lá estive. Há estou vestindo, será que é a roupa ade- cunvizinhança deveriam ser interme- tamos dentro daquilo que gostaríamos
também os perímetros emocionais: eu quada? A música que estou ouvindo, diadas pela Accademia. E, com isso, de fazer e que eles gostariam de fazer
até sei onde fica aquele bairro, mas será que é a música que esperam que claramente eles tentavam elevar um também? Essa discussão, de novo, é
ele não tem nada a ver comigo; eu até eu ouça? Quem está dando esse aval? pouco não só o preço do que era ne- também contemporânea. Ela é recor-
sei onde fica essa cidade, eu moro nes- É uma questão que permeia as nossas gociado, mas, também, a auto-estima, rente ao longo da história e fortemente
sa cidade, mas ela não tem nada a ver relações sociais há, pelo menos, dois mil o reconhecimento moral dos próprios visível hoje.
comigo. Como é que a gente lida com anos. A outra questão que me parece criadores. Essa foi uma experiência
essas questões do geográfico, do men- fundamental, porque também é uma breve, como vocês podem imaginar. A Saltemos mais algumas décadas. No
tal e do emocional? questão não resolvida até agora, e o Bra- força que veio por cima disso foi mui- início do século XX, surge algo novo
sil não é exceção, é a discussão entre pú- to maior, como reação, mas a tentati- na geopolítica mundial. É o advento
O terceiro é o fluxo de bens e serviços blico e privado. O meu claustro privado, va marcou época. Só pra vocês terem do poderio dos Estados Unidos, nesse
culturais, aí, sim, a gente tem uma sé- mas também o ginásio, que é um espaço uma idéia, a Accademia atua até hoje jogo de poder de símbolos de status e
rie de regulações esquizofrênicas. As público. Onde termina um, onde começa em Roma, embora não com o protago- de poderio econômico que se estabele-
lutas entre os nacionais e os interna- o outro? E como a gente consegue fazer nismo dessa época. cia entre a Europa e os Estados Unidos.
cionais, como eles não casam. São flu- uma continuidade com uma governança Chegamos a 1946 com um exemplo
xos que, espero, sejam cada vez mais clara? Então este é meu espaço, aqui eu Fazendo mais um grande pulo, chega- flagrante a vocês dessa sinergia entre
convergentes, entre os interesses pú- mando. Mas naquele outro espaço, eu mos à Revolução Industrial. E a ima- poder econômico e mensagens simbó-
blicos, e os vários públicos - como o An- posso até ter uma atribuição como ci- gem que nos vem à mente é de pré- licas, que é o acordo de Bloom-Byrnes.
dré mencionou há pouco também -, as dadão, como governante, como pessoa dios de tijolinhos com grandes rolos Como vocês podem imaginar, a Fran-
várias esferas, a municipal, a estadual, ativa, mas não mando naquele pedaço, de fumaça, mulheres e crianças traba- ça, no fim da II Guerra Mundial, finda
a nacional e a internacional. Precisa- eu contribuo para aquele pedaço. Essa é lhando 18 horas por dia, esperança de em 1945, era um país completamente
mos, também, em uma mesma esfe- uma discussão que deveríamos encarar vida de 25 anos e daí pra frente. Em deteriorado em termos patrimoniais,
ra pública ou de governo, gerar fluxo no Brasil com muito mais profundidade meio a essa imagem bastante negra financeiros e emocionais, tendo atra-
entre as várias pastas públicas, além do que temos feito. alguns talentos renomados da época vessado tantos anos de forte conflito

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bélico. Ao longo da Segunda Guerra, a cipação enorme na economia. Então, dessa região. Uma empresa britânica brasileira. Não só o biquíni brasileiro,
França tinha se endividado para com o aquilo que não é de fato palpável, as registrou o nome Kikoy, como vocês a moda praia, mas a moda Brasil. A
Estados Unidos porque precisava conti- idéias, os pensamentos, as inovações, podem ver no site da empresa, www.ki- moda é claramente muito ancorada
nuar ativa no conflito e comprar o que os conteúdos simbólicos, os valores, koy.com. Isso claramente causou uma na nossa identidade cultural, nas nos-
não estava sendo produzido interna- as imagens, as marcas, por um lado, grande celeuma no registros de nomes sas várias identidades culturais. O que
mente. Finda a guerra, Mister Byrnes, parecem estar muito próximos do nos- e marcas registradas, direitos de pro- é interessante nessa discussão, que
representando os Estados Unidos, che- so presente e das nossas discussões priedade intelectual de um modo geral. acaba sendo bastante recente no Bra-
gou ao seu colega francês, Monsieur econômicas e empresariais, inclusive. Porque, caso efetivamente a empresa sil, é essa conciliação do valor intangí-
Bloom, e cobrou a dívida. Bem, diante conseguisse direito exclusivo sobre o vel da cultura com o que a gente cos-
da situação absolutamente combalida No quadro que apresenta uma relação nome Kikoy, aquelas populações que tuma considerar como regras claras
das contas francesas, era complica- das marcas mais valiosas do mundo, centenariamente vinham produzindo o de valoração de uma marca, de um
do pagar uma dívida, sendo um país para o ano de 2008, feita pela empre- Kikoy, ao comercializá-lo deveriam pa- negócio. Ainda é um trabalho muito in-
que ainda iniciava um processo de re- sa Interbrands, especialista no tema, gar direitos para a empresa britânica cipiente, enquanto a gente vê que há
construção. Os Estados Unidos fizeram vemos, em ordem decrescente: Coca- que, provavelmente, não sabe o que é pelo menos 60 anos (vide acordo de
uma proposta tida como absolutamen- Cola, IBM, Microsoft, GE, Nokia, Toyo- a tradição do Kikoy, mas o comercia- Bloom-Byrnes) essa discussão existe
te irrecusável à França, dizendo: eu lhe ta, Intel, McDonald’s, Disney - e aqui eu liza. Assim como foi feito com a ten- no mundo. Ou seja, precisamos entrar
concedo anistia de parte da dívida, paro na Disney - Disney em nono lugar tativa de registro do nome cupuaçu e rapidinho nesse trem, porque ele está
mais um novo empréstimo bancário a em 2007, em nono lugar em 2008, na de vários outros da biodiversidade e da cada vez mais acelerado.
juros interessantes e uma ajuda finan- lista das marcas mais valiosas do mun- gastronomia brasileiras, por empresas
ceira pagável ao longo de 35 anos, sob do! Vejamos um pouco do que está por de fora. Então a gente tem uma infini- Um outro exemplo, prático, é o restau-
uma única condição: você, França, de- trás da Disney. Vocês podem ter ouvido dade de “cupuaçus culturais” mundo rante D.O.M., em São Paulo. Caríssi-
verá franquear todas as salas de cine- falar de uma tal de Mickey Mouse Act afora. O Kikoy é um exemplo claro. Em mo, interessantíssimo, badaladíssimo,
ma do seu país, durante três semanas que, na verdade, foi um apelido que se abril deste ano, depois de dois anos o único restaurante brasileiro na lista
por mês, para os filmes que eu decidir deu a uma medida legal tomada nos de controvérsia internacional, o direito dos 50 melhores restaurantes do guia
que poderão ser passados ali. Quando Estados Unidos. Em 1928, o Mickey não foi concedido. San Pellegrino, tem como cardápio
a gente pára e fala: - nossa, mas que Mouse foi criado, vem ao mundo e uma mescla de receitas internacionais
coisa, como é que eles conseguiram conquista corações. Na época, o tem- Agora, já que estamos falando de va- com ingredientes brasileiros. Eu tenho
trocar tanto dinheiro por salas de cine- po de proteção de criações era de 56 lores intangíveis, agregados, da cultu- para mim que esse, de fato, acaba sen-
ma? -, vemos claramente que a situa- anos, após os quais caíam em domí- ra, como conseguimos mensurá-lo? A do um dos grandes alavancadores de
ção era muito mais complexa e enre- nio público. Por meio de prorrogações São Paulo Fashion Week, em 10 anos, sucesso desse negócio que é o D.O.M.
dada de variáveis. sucessivas desse prazo, claramente tornou-se a quinta semana de moda Feitos os devidos reconhecimentos ao
por intermédio da empresa que esta- mais badalada, conhecida e economi- talento de Alex Atala e equipe, fettucci-
A primeira delas, para vocês terem va interessada, que era a corporação camente interessante do mundo, atrás ne de pupunha com manteiga de coral
uma idéia: estima-se que hoje mais de Disney, esse prazo foi estendido até 70 de Paris, Londres, Nova York e Milão e camarão é algo que não dá pra co-
80% das salas de cinema do mundo anos. Em 1998, Mickey Mouse deve- e com um conceito totalmente distin- mer em Roma, não é? Risoto de grãos
estejam nas mãos dos conglomerados. ria ter caído em domínio público. Que to. Para vocês terem uma idéia, nas e castanhas brasileiras também em
Uma questão importante também é a maravilha! Todo mundo agora pode co- outras semanas de moda do mundo, Taiwan a gente não encontra; robalo
gente começar a fazer o paralelismo locar o Mickey Mouse em livros, pode os estilistas pagam para participar. com tucupi e tapioca, muito menos.
entre o que tem o valor e o que tem fazer o Mickey Mouse aparecer em Na São Paulo Fashion Week eles têm Então, acho que a gente precisa come-
o preço, e o que, efetivamente, estava filmes, pode fazer referências várias serviços sem custo. E quem banca a çar a dar um pouco mais de preço ao
sendo negociado com a abertura das ao Mickey Mouse, sem ter de pagar SPFW são patrocinadores. Por quê? que tem valor também, não é? Não só
salas de cinema. A bilheteria? Os sub- direitos à Disney. O que aconteceu? Porque eles não queriam dar a supre- curtir as coisas como se elas fossem
produtos que são vendidos ali? Não, Foi proposto esse novo ato - que foi macia à participação de ninguém. Eles separadas, o bolso da alma. Como é
claramente estava sendo negociado o apelidado, portanto, de Mickey Mouse queriam balancear um pouco, dando que a gente consegue unir a mente,
que vai dentro dos filmes. Um estilo de Act - estendendo a proteção do Mickey margem à participação também dos o coração e o bolso e não ser inocen-
vida “aspiracional”: eu quero a geladei- Mouse para 95 anos. Quem nasceu novos talentos, que costumam não ter te útil nessa história? Fazendo uma
ra do filme da fulana, eu quero o carro com 56 anos de proteção agora já tem condições para pagar pelas semanas simplificação enorme de uma grande
do filme do beltrano, quando tirar fé- 95, o que levou o Mickey Mouse a es- de moda. Então é um outro modelo de complexidade, é a isso que se propõe
rias eu vou para lá, eu quero ser ele, tar coberto, em termos de direitos, até negócios, é uma plataforma de servi- a economia da cultura. Daí o interesse
eu quero esse estilo de vida. Isso, cla- 2023. Então, de novo, nada é por aca- ços completamente distinta. Pois bem, do tema, eu acredito, para quem mexe
ramente, é o que estava em negocia- so. O que a gente precisa é entender a a SPFW fez um levantamento junto ao com gestão cultural, favorecendo esse
ção e que, de certo modo, conseguiu historinha por trás da grande história. nosso Banco Central e descobriu que entendimento das várias dimensões
cumprir a sua função no seu momen- um quilo de algodão exportado pelo da cultura.
to e acabou se perpetuando ao longo Vejamos uma contrapartida disso, Brasil gera um dólar; um quilo de con-
das décadas seguintes, como a gente com a história do Kikoy, esse pareô, fecção, camiseta, calça jeans simples, Estamos falando de duas dimensões
acompanha claramente. E, aí, a gente vestimenta tradicional na costa africa- enfim, de confecção básica, gera 20 paralelas: a dimensão dos valores e a
chega a uma questão interessante, que na, em especial no Quênia. Algo como dólares; e um quilo de moda gera de dimensão dos preços. E como essas
é perceber como esse valor agregado se fosse a nossa caipirinha é o que o 70 a 80 dólares! Ora, a moda brasi- duas dimensões acabam conversan-
ao intangível acaba tendo uma parti- Kikoy representa para a indumentária leira, via de regra, espelha a cultura do, quais pontes se estabelecem entre

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elas? Quando a gente fala de oferta que eu gosto, pelo qual eu me pauto na A gente entende o papel de transfor- blusa, um DVD... Mas dificilmente um
ou produção ou, antes disso, criação, discussão de cultura, é o de expansão mação da leitura, como capacidade de livro. Afinal, queremos dar algo baca-
também está falando de educação e de liberdade de escolhas, do Prêmio reflexão, de síntese, de análise, de críti- na... Há um problema no modo como
de treinamento, do ponto de vista de Nobel de Economia, o indiano Amartya ca, além, claramente, do conteúdo que encaramos a leitura que corre o risco
capacitação cultural. Como os nossos Sem. Quando a gente fala de liberdade está sendo transmitido, como informa- de ser um preconceito social com re-
talentos, hoje, estão sendo capacita- de escolhas e transpõe esse conceito ção pura. E para a gente fazer esse link lação à leitura e a todo o seu potencial
dos ou não e que reconhecimento a ao cultural, que eu acho que seria uma entre público, privado e sociedade ci- de transformação.
gente dá aos talentos que já existem, outra categoria que eventualmente vil, é preciso também pensar como as
para retomar a história que vimos na o Sem gostasse de adotar, será que empresas, como as corporações estão Chegamos assim à questão da distri-
revolução industrial, com a citação de a gente está falando de desenvolvi- entendendo esses problemas que, até buição dos equipamentos culturais.
Ruskin? Quando a gente fala de mer- mento mesmo? De que liberdades de então, eram considerados problemas Eu não vou tomar a liberdade de falar
cado, difusão, circulação, será que escolhas a gente está falando num sociais. Como os problemas sociais do tema que a Cris Lins, do IBGE, com
está falando de fato de uma democra- contexto desses? Como complicação também são problemas culturais e certeza vai decifrar para vocês. Mas
cia de difusão num mundo que tem extra, há dois pilares de sustentação: problemas econômicos. talvez vocês já tenham visto a Pes-
mais de 80% das salas de cinema nas a identidade e a diversidade. Como é quisa de Informações Básicas Muni-
mãos dos conglomerados, em especial que a gente lida com esses pilares de Um levantamento que ocorreu como cipais – MUNIC/2006, publicada pelo
de Hollywood? Onde mais de 70% do identidade e diversidade cultural? parte dessa mesma pesquisa, de IBGE, que mostra, dentre várias outras
comércio mundial de música está nas 2007, em que se perguntava a empre- coisas interessantes, a concentração
mãos de quatro empresas? E quando Para vocês terem uma visualização sários dos Estados Unidos quais eram de equipamentos culturais no Brasil.
a gente fala de demanda, de consumo, do que o André tão bem explicou há as qualificações mais importantes que Vemos que, é claro, há algumas dis-
de fruição cultural, de participação, pouco, o mapa de distribuição do co- eles buscavam em mão-de-obra e as tinções regionais. Mas não são as dis-
será que também está considerando eficiente de Gini, de 2005, expressa o deficiências que eles encontravam, fo- tinções como a gente costuma pensar,
com a devida atenção o hábito e o in- grau de desigualdade de renda. De um ram apontadas: compreensão escrita, achando que os estados do Sudeste,
teresse? Como as pessoas participam extremo ao outro, entre os países com língua inglesa, escrever em inglês, ma- em especial Rio e São Paulo, formam
hoje culturalmente? A gente sempre maior igualdade de distribuição de ren- temática, conhecimentos de línguas uma realidade completamente distin-
fala do público, o público de teatro, da e os de maior desigualdade, onde estrangeiras, nessa ordem de impor- ta da do resto do Brasil. Há biblioteca
cadê o “não-público”? Por que o “não- nós estamos? Onde essa desigualdade tância. Infelizmente isso não é um pro- pública em quase 90% dos municípios
público” não vira público? O que esse efetivamente é extrema. Entre um ex- blema exclusivo deles, também é um brasileiros – ou seja, há mais de 500
“não-público” quer que não está sendo tremo e outro há vários tons e matizes. problema nosso. municípios brasileiros que não sabem
oferecido? Ou será que não é nem o E quando a gente começa a perceber o que é uma biblioteca pública. Mu-
que não está sendo oferecido, mas ele a força das indústrias culturais para Outra pesquisa aborda a pergunta: seus não batem aí os 20%, e o cine-
não vai porque o teatro fica longe de ditar um modo de vida e padrões de “Ler é algo que lhe dá prazer?”. A gen- ma, que é o lanterninha da história,
casa ou porque não tem transporte pú- consumo – quero o corte de cabelo da te tinha aí por faixa etária uma respos- existe em cerca de 8% dos municípios
blico ou porque ele sai do teatro e está atriz do filme, quero a blusa que esta- ta de, veja bem, quase metade. Então brasileiros. O Brasil tem 5.564 municí-
tarde demais e tem medo de ser assal- va na novela de ontem, etc., quando a a gente tem 60% dos nossos jovens pios, o que significa que mais de 5.000
tado no meio da rua? O que faz com gente entra nesse fluxo de se deixar dizendo: sim, ler é algo que me dá municípios brasileiros não têm sala de
que as pessoas de fato não tenham a levar pelo que os outros querem que prazer. Portanto, para 40%, ler não é cinema. Vários tiveram o bendito cine-
tão propalada democracia de acesso? a gente consuma culturalmente, esse algo que dá prazer. Então por que vou ma da praça. Mas, hoje, por todos os
modelo, esse estilo de vida passa a ser ler? Ler é chato, eu não quero ler. Essa problemas que a gente tem de distri-
A gente tem que pensar nessas equa- visto como próprio, não copiado. E o resposta sinaliza um problema maior. buição, de desbalanço de forças de
ções todas de uma forma muito con- trabalho de propagação desse modelo Excluindo as livrarias, bibliotecas e ou- mercado, esse mercado acaba não
catenada, porque o que ocorre hoje no vem sendo muito urdido há décadas, tros espaços nos quais a gente possa sendo tão espontâneo e não tanto de
Brasil é funil às avessas. Há uma enor- em especial pelos Estados Unidos. ler, o acervo que eu tenho em casa, os trocas, mas muito mais de imposição
me produção cultural, mas um garga- livros que eu tenho no meu quarto, na do que eu quero que você consuma,
lo enorme de distribuição e acaba-se Um estudo chamado “Ler ou não Ler” estante da sala e afins, a gente perce- concretizando-se inclusive na distribui-
tendo uma demanda que, por falta de (To Read or Not to Read), que foi de- be que 1% da população brasileira tem ção do nosso querer cultural.
hábito ou interesse, é ainda menor. Só senvolvido pelo National Endowment 22% dos livros; 7% tem 58% dos livros,
que essa demanda deveria estar su- for the Art, dos Estados Unidos, em até que metade da população tem pra- Esse quadro é grave, mas eu acho que
prindo a onda seguinte de produção. 2007, apresenta os gastos domicilia- ticamente todos os livros presentes o quadro mais grave ainda é o que ex-
Entramos em um ciclo vicioso, em que res per capita dos estadunidenses com nas casas brasileiras. O mais triste é plicita a existência de política munici-
a produção se condensa, a distribuição livros. De 34 dólares, em 85, ele aca- que, segundo a pesquisa, 14% da po- pal de cultura. A pergunta era: “O seu
não ocorre e, portanto, as pessoas não bou caindo para talvez 27 dólares na pulação alfabetizada não tem nenhum município tem política municipal de
têm acesso, não conhecem, não de- passagem de 2004 para 2005, por aí. livro em casa, nenhum livro dado, ne- cultura?” E o gestor público encarre-
mandam e, aí, a produção acaba fican- É claro que parte disso é atribuível ao nhum livro comprado. Nenhum livro em gado da pasta cultural e, na ausência
do combalida no próximo ciclo. consumo de livro digital, mas eu não casa! Há, além de todos os problemas dele, quem de direito apontado pelo
calculo que seja o grande fator da de- de dificuldade de acesso, preço, etc., prefeito, disse que não em 42,1% dos
Isso tudo é muito interessante, mas te- gringolada dessa curva. E, de novo, as uma desvalorização social do livro. Por municípios. Então, como a gente pode
mos que fazer um gancho com a ques- questões não são isoladas, não é? exemplo, é aniversário do melhor ami- pleitear capacitação, distribuição, cine-
tão do desenvolvimento. O conceito de go, o que surge como presente? Uma ma, mais verba para a cultura? Quan-

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do houver mais verba para a cultura, tos de Cultura um programa bárbaro, taurantes e afins; um teatro em obras, melhoria de infra-estrutura. Na primei-
onde será aplicada essa verba? Como mas só os pontos de cultura não serão ainda na véspera da primeira edição. ra edição, as meninas viraram guardas
eu aplico a verba que eu tenho hoje? suficientes. Como é que a gente traz o As meninas, enfim duas visionárias ma- de trânsito, enfim, tudo. Aliás, Fortale-
Não estou dizendo que eu seja contra a que já está aí, como é que a gente traz ravilhosas, a Raquel Gadelha e a Maru za virou subúrbio de Guaramiranga.
idéia de a gente receber mais dinheiro, a lan house a bordo dessa discussão? E Mamede, perceberam, porém, que ha- Pois, quando termina o festival em
mas, antes de receber mais dinheiro, daí, como, de novo, para toda ação tem via na cidade o imaginário de outras Guaramiranga, eles vão para Fortaleza
é preciso saber por que é importante uma reação, a gente tem várias iniciati- épocas - Raquel de Queiroz fala de Gua- e fazem apresentações de quinta - se-
ter mais dinheiro. Para fazer o quê? E vas como essa dizendo assim: descar- ramiranga -, as famílias abastadas de guindo a quarta-feira de cinzas - a do-
o que está sendo feito com o dinheiro regue nossa música na Internet, fique à Fortaleza, quando o calor era inclemen- mingo, o que garante maior visibilida-
de hoje? E daí a questão vai para as vá- vontade. Se você achar que compensa, te, refugiavam-se em Guaramiranga e, de de público para os patrocinadores
rias regiões, de novo. A gente tem cla- paga o que achar que vale. De novo, a por conta disso, havia no imaginário e para a mídia. Um estudo de impacto
ramente algumas distinções entre as tentativa da conciliação entre valor e coletivo os ecos dos saraus, tertúlias e econômico feito pela organização do
regiões, mas nenhuma delas tem um preço. Outra reação digna de nota é a afins. Ainda hoje, quando eles plantam, festival dá conta de que a arrecadação
quadro especialmente feliz no que diz do Creative Commons e do belíssimo colhem, enfim nas manifestações mais que ocorre nesse período equivale a
respeito ao trato da questão cultural - trabalho feito no Brasil pela equipe do anímicas da comunidade dos guara- dez meses de arrecadação tributária
gestão cultural como a gente a enten- Ronaldo Lemos, na FGV do Rio. minanguenses, eles representam, can- no município. Além disso, o festival
de e não “a festa do caqui no ano que tam, dançam. Enfim, tem, tinha algo abriu novas perspectivas, especial-
vem”. Talvez, também, porque a gen- Outra questão é que não adianta in- ecoando e algo latente, algo que não mente para o jovem, em termos profis-
te tenha uma discussão enorme, sem vestir em tecnologia, se as pessoas se concretizava em termos turísticos e sionais e de realização pessoal, gerou
fim, e que toma um espaço mental e não estiverem capacitadas a lidar afins. E o que aconteceu então? Ten- novo fôlego de visibilidade do Ceará e
um nível de energia, desproporcional a com essa tecnologia. Néstor García tando resolver isso, era preciso analisar daí pra frente. Acho importante frisar
meu ver, que é a das leis de incentivo à Canclini, no livro “Latinoamericanos uma equação complicada, incluindo a que 70% da programação é gratuita,
cultura. Claramente, são instrumentos à procura de um lugar neste século”, falta de conhecimento do interior do há muita programação didática e pa-
interessantes para corrigir algumas diz: “A educação formal precisa das Ceará e a ditadura do carnaval, quan- ralela ao festival, ampla visibilidade à
disfunções de mercado, mas não são telas de televisão e computador para do não havia muito espaço para ritmos produção local e à sua economia - tudo
política municipal de cultura. E a gente vincular-se à vida cotidiana dos es- fora do eixo axé-pagode-samba. Com é comprado ali, em se podendo tudo é
discute 15 vezes mais a Lei Rouanet, tudantes e habilitá-los para o futuro. isso, as pessoas eram fadadas a ouvir comprado ali, até a água. E promove-
do que discute o porquê de mais de Porém, nem o controle remoto e nem esses ritmos musicais, sem muitas al- se o encontro dos jovens talentos com
40% dos municípios não terem política o mouse organizam a diversidade cul- ternativas. Para os que gostavam, uma os talentos nacionais e internacionais
municipal de cultura. Acho que há algo tural ou desenvolvem opções de vida maravilha. Para os que não gostavam, que vão para o festival - internacionais,
errado nessa prioridade de discussões. inteligentes”. Ou seja, como a gente se um terror. inclusive, do naipe de Scott Henderson,
E a gente precisa mudar. relaciona com a tecnologia? Como eu Jean-Jacques Milteau.
consigo ter a capacitação de raciocínio O Festival de Jazz e Blues então, organi-
Algumas mudanças são visíveis, há uns que rege as novas tecnologias? É uma zado no período do carnaval em Guara- Hoje o festival recebe 15 mil pessoas
trabalhos absolutamente singulares. Eu outra lógica, de fato. miranga, acabou transformando a co- em média para o festival. Há toda uma
sou fascinada por alguns dos trabalhos munidade. Porque não foi organizado mobilização da região, inclusive com
que a gente encontra Brasil adentro. Um Dentre os exemplos mais singelos e em Guaramiranga. Ele foi organizado atividades paralelas, para que isso não
deles é o dos “índios online”. Quando, mais transformadores que eu conheço, para Guaramiranga. A comunidade se seja um problema para Guaramiranga,
na minha vida, eu imaginaria que tribos um deles é o Festival de Jazz e Blues de apoderou desse projeto, que na verda- mas que seja uma solução para a re-
indígenas utilizariam Internet para fazer Guaramiranga. Segundo o IBGE, Guara- de é um programa de transformação, gião. Há também outros festivais ao
indiosonline.org.br, cuja home page ob- miranga tem 4.307 habitantes e fica a é um processo que hoje tem 10 anos longo do ano, como o festival de teatro
viamente se chama Oca? E aí eles têm 100 km de Fortaleza. É uma cidadezi- e mantém atividades constantes ao e o do queijo e vinho.
um espaço para troca de informações, nha pequenina que tinha uma situação longo do ano, inclusive de capacitação
para discutir os seus âmbitos vários de muito singular em 2000 - e aqui já con- de novos talentos, de formação de tu- Eu queria agora fazer um contraponto
questões culturais, sociais, econômi- tando o final da história, - com uma eco- ristas para as trilhas ecológicas. Já que entre a singela Guaramiranga e Bil-
cas, etc. Então, já que a gente não tem nomia local estagnada, um enclave de é uma reserva natural, como é que a bao. A região de Bilbao, a região do
uma circulação física dos conteúdos Mata Atlântica, em região de serra. Faz gente mantém a turma suficientemen- país basco espanhol, tinha uma série
culturais, como é que a gente trabalha frio em Guaramiranga, levem casaco te ocupada durante o dia para não ser de problemas, em especial com a der-
as tecnologias para eventualmente ten- quando forem pra lá. E que tinha isso: aquele turista que vai tomar pileque, rocada da economia industrial, que
tar fazer com que haja uma mínima vál- ausência de infra-estrutura, não podia dorme a noite inteira depois do show, afetou dois pilares de sua riqueza: o
vula de escape para essa concentração ter indústrias, não podia investir nos se- acorda às 3h da tarde e cadê o próximo porto (porque serviços não precisam
tão absolutamente estarrecedora que a tores conhecidos como tradicionais na show? Como é que a gente consegue de containers) e mineração (idem).
gente tem da circulação cultural? E esta região por ser uma reserva ecológica e conciliar duas enormes diversidades Quando se falava em Bilbao, o que vi-
é uma noticia que saiu no “Estadão”, no cujo turismo não era de destaque, em que coexistem no Brasil: a diversidade nha à mente era uma região comba-
Estado de São Paulo, em março deste especial de fora do estado. Segundo cultural e a biodiversidade? lida, em parte esvaziada e violenta, o
ano: que lan house é o principal aces- os dados da Via de Comunicação, que que era agravado pela associação ao
so de Internet do país. Como é que a concebeu e realiza o festival, havia em Então eles trabalham as duas dentro ETA. Foi feito um projeto de regenera-
gente usa a lan house para isso que a 2000 apenas 308 leitos, desde o turis- dessa equação de Guaramiranga e os ção da estrutura econômica do país
gente está discutindo? Eu acho os Pon- mo solidário, até o hotelzinho; dois res- resultados falam por si mesmos, com basco, ou seja, que tinha como símbo-

62 • Pensando a gestão cultural a partir dos desafios do desenvolvimento brasileiro 1º Seminário Internacional de Gestão Cultural • 63
lo e chamariz internacional a constru- em um encontro em Londres do qual começa a pensar: bom, Guggenheim beça dos gestores culturais, quando a
ção do museu Guggenheim, que, por- ajudo a fazer a curadoria, o Creative dificilmente terá algo - talvez até tenha, gente entende cultura de forma mais
tanto, era apenas a bandeira de um Clusters Conference, esse programa mas dificilmente terá - essencialmente ampla e transversal. Temos 4% de parti-
programa muito maior: um programa investirá 29 bilhões de dólares. Abu da região. O museu marítimo eu acre- cipação nas Américas, que representa-
com oito eixos estratégicos enormes, Dhabi é o maior distrito dos Emirados dito que seja essencialmente da re- vam 17% do fluxo mundial de turistas,
incluindo metrô e aeroporto e outras Árabes, fortemente, maciçamente, gião. O Museu Nacional, com certeza, ou seja, 0,68%. Não chegamos a 1%.
questões de infra-estrutura. Essa es- ancorado no petróleo. Mas o que será da região; o Centro de Artes e Espetá- Com tudo o que a gente tem, não pas-
tratégia foi desenvolvida em parceria daqui a 20, 40 anos? Corre o risco de culos, um misto. Então a gente come- sa disso. E aí chegamos ao “Relatório
entre o público e o privado, muito an- enfrentar um problema duplo: o pro- ça a ver que, inclusive em termos de de Competitividade em Viagem e Turis-
corado na especificidade da situação blema do fim do petróleo e o problema apresentações e de acervos, deve ser mo”, editado anualmente pelo Fórum
econômica e da situação social de Bil- da criação de energias alternativas que algo que mistura as culturas, que é um Econômico Mundial, relevando todas as
bao, e esse é um cuidado que a gente não vão, necessariamente, fazer com dos grandes objetivos, a rigor. E o Lou- críticas que faço ao relatório, aos crité-
tem que tomar. Há alguns anos, quan- que o petróleo seja, no futuro, o que vre também ganha, não só em termos rios utilizados, mas, enfim, é um instru-
do ocorreu a discussão sobre a cons- ele é hoje. E o país se vê, primeiro, com financeiros, mas ao ganhar espaço ex- mento que circula mundialmente. Ele
trução de um Guggenheim no Rio de essa complicação econômica e seus positivo para um acervo gigantesco, aponta o Brasil em 49º lugar na com-
Janeiro, será que havia uma estraté- efeitos claramente sociais no futuro e, que fica em boa parte na reserva téc- petitividade de turismo e viagem - esse
gia por trás? Qual seria o papel desse depois, com uma outra complicação... nica; e na exposição da cultura france- dado é de 2008. Mas o que puxa essa
museu? Ser um chamariz internacio- e aí não está no projeto, mas é uma hi- sa, que inclusive terá peças de outros média para cima ou para baixo, segun-
nal para uma cidade que já chama a pótese que traço: a falta de contato en- museus da França expostos em Abu do esse relatório? De ruim há um mon-
atenção do turista de fora? Deveria ser tre as culturas oriental e ocidental e os Dhabi, sempre guardadas porque não te de coisas que a gente conhece tão
mais um museu (enquanto muitos dos preconceitos que imperam em ambas há espaço para expor. O Louvre, enfim, bem: burocracia, insegurança, baixa
atuais têm dificuldades orçamentá- as partes. É preciso começar a pensar o que está ganhando com essa histó- qualidade dos portos, das estradas, da
rias) ou efetivamente ele seria um íco- como esse diálogo vai se estabelecer e, ria? 520 milhões de dólares pelo uso infra-estrutura... E continuará havendo
ne de atração de pessoas que, depois, atraindo os ocidentais para esse país, do nome durante 30 anos; 32 milhões porque os investimentos não são feitos
vão travar contato inclusive com o que também é uma forma, primeiramente, de dólares como doação para recupe- hoje como deveriam ser feitos nessas
é a cidade, que vençam essa barreira de fazê-los ver o que é esse país e o que ração de uma ala do museu que esta- questões todas, para que o amanhã
e que gerem não só recursos econô- é sua cultura; mas, também, de fazer va com sérios problemas; 747 milhões seja diferente. O que a gente tem de po-
micos de turismo, mas, também, que com que as pessoas locais comecem a de dólares pelo empréstimo das obras sitivo dentro dessa equação? O terceiro
dêem uma nova vitalidade ao conheci- lidar com as diferenças culturais. Por- ao longo de 10 anos, além de organi- lugar em recursos naturais e o décimo
mento e a um diálogo entre a cultura que agora eu vou ver gente andando de zações de exposições por 15 anos e segundo lugar em recursos culturais.
internacional e a cultura local? short e regata na rua... O investimento consultoria de gestão por 20 anos. Por- Como é que a gente frisa o que a gente
em turismo ancorado em cultura faz que nem Abu Dhabi é ingênuo de dizer: tem de bacana, conhecendo o que te-
O relatório anual de impacto econômi- com que as pessoas travem contato “Oba! Me dá um nome e agora vou fa- mos de bom e de ruim, sob a ótica dos
co do Guggenheim de Bilbao traz vários com a cultura local, mas, muitas vezes, zer o que eu quero”, nem o Louvre dará outros, já que são esses outros que que-
números. Se alguém quiser acesso a atraídas por um modismo arquitetônico seu nome e dirá: fique à vontade. Se- remos atrair?
eles, basta escrever para o Museu. Uma dos grandes ícones e, aí, sim, padroni- gundo os cálculos do país árabe, eles
das críticas feitas ao museu é que ele zados etc. Aqui eles utilizaram um outro esperam receber um milhão e 400 mil Bom, como o André já mostrou para
não reflete a cultura espanhola, muito macete, que foi um dos grandes esto- turistas por ano, tendo uma população vocês, temos um problema que pro-
menos a basca. A meu ver essa discus- pins da polêmica: a franquia do nome de um milhão e 600 mil pessoas. Eles mete se agravar ao longo das próxi-
são é irrelevante, porque o objetivo do Louvre, o primeiro museu Louvre fora esperam um país por ano! Isso deve mas décadas, que é o do crescimento
museu não é esse, mas sim ajudar a da França. gerar, pelos cálculos deles, um impac- populacional. Eu somo a ele uma outra
reposicionar Bilbao no mundo, atrain- to econômico de 1,7 bilhão de dólares, equação, que é a da migração das pe-
do pessoas que depois vão travar con- O distrito cultural de Abu Dhabi, na ante um investimento de 1,3 bilhão quenas cidades. Entre 1950 e 2000,
tato com o que é a cultura local, por verdade, vai levar um investimento de de dólares, gerando 2.600 empregos. elas sempre representaram cerca de
meio do Casco Viejo (a parte antiga da 27 bilhões de dólares até 2012, ou Mais do que isso, chegando ao final o 90% dos municípios brasileiros, ape-
cidade), Palácio do Congresso e Músi- seja, amanhã. Porque fazer isso tudo petróleo, eles vão ter alguma outra coi- sar do desmembramento constante
ca, do Museu Marítimo de Bilbao, esse em 2012, num prazo de cinco anos, sa para fazer sobreviver a economia na de municípios no país. Já a população
espaço que traz a essência do que é é uma coisa impensável para os nos- visão deles. Isso é estratégia de longo dessas cidades, que em 1950 era de
Bilbao. Bilbao nasceu em função do sos padrões. Prevê-se a construção de prazo e contextualizada na economia, quase 63% do total nacional, em 2000
porto, então agora a gente visita o Mu- 29 hotéis, três marinas, dois campos na sociedade e na cultura. representava pouco mais de 36% - e
seu Marítimo e entende o que é Bilbao de golfe e 19 km de orla marítima, continua caindo. O que acontece quan-
e por que chegou à complicação que ou seja, a contemporanização do que do as pessoas saem das pequenas ci-
chegou, na década de 1980. ocorreu na Holanda. O distrito cultural Eu queria só apresentar para vocês al- dades e vão para as médias e grandes?
em si terá cinco equipamentos cultu- guns números com relação ao fluxo O André já bem mencionou o que ocor-
Pegamos um outro projeto polêmico: rais: centro de artes e espetáculo; mu- internacional de turistas, para termos re nas metrópoles. Com a migração, as
o do distrito cultural de Abu Dhabi, que seu marítimo; museu nacional; museu uma idéia de como também estamos pequenas cidades ficam com os ônus
para alguns será uma ilha da fantasia. de arte contemporânea, que é um ou- perdendo espaço nisso e o que a gente dos custos sociais dos idosos e crian-
Pelos números que me foram dados tro Guggenheim; e um museu de artes pode fazer a respeito, algo que, clara- ças, sem ter um nível proporcional de
por um dos coordenadores do projeto, clássicas, que é um Louvre. E a gente mente, tem que estar presente na ca- trabalhadores ativos que contribuam

64 • Pensando a gestão cultural a partir dos desafios do desenvolvimento brasileiro 1º Seminário Internacional de Gestão Cultural • 65
para a arrecadação. Mais do que isso, Longa” é um livro que já foi muito co- baseia-se em fluxos. Mas, sendo fluxo,
também temos um risco sob a ótica mentado e em grandes linhas defende flui, esvai-se, escapa. Então, as oportu-
da diversidade cultural. Nas grandes que, no mundo digital, as vendas de nidades devem ser aproveitadas quan-
cidades, a gente tem a efervescência vários pequenininhos são viabilizadas do surgem.
do encontro de pensamentos, de for- e, somadas, podem superar as ven-
mações de nacionalidades, de visões das de um grande título ou obra. Já o Para terminar, eu queria fazer uma
de mundo, que é real e legítima. Nas novo livro do Thomas Friedmam, que profética citação do saudoso Celso
pequenas cidades, somadas, está o foi lançado há algumas semanas nos Furtado, no seu livro “Cultura e De-
berço das tradições e manifestações Estados Unidos, revisita o anterior, “O senvolvimento em Época de Crise”:
folclóricas. Ora, se a pessoa sai da sua Mundo é Plano”, e surge com o título “Todos os povos lutam para ter acesso
pequena cidade e vai para uma cidade “O Mundo é Quente, Plano e Lotado”, ao patrimônio cultural comum da hu-
na qual ela não consegue praticar isso, no qual defende que, além de plano manidade, o qual se enriquece perma-
suas manifestações, suas expressões, (ou de oportunidades mais equanime- nentemente. Resta saber quais serão
o seu artesanato, por falta de escolha - mente espalhadas pelo mundo, graças os povos que continuarão a contribuir
de novo a história do desenvolvimento às novas tecnologias e à globalização), para esse enriquecimento e quais se-
de Amartya Sem – e não por escolha, o mundo está cada vez mais quente, rão aqueles que serão relegados ao
a diversidade cultural do país fica cada por conta do aquecimento global, e papel passivo de simples consumido-
vez menor. Ou seja, perdemos dos dois cada vez mais lotado. E essa combina- res de bens culturais adquiridos nos
lados, na ponta das grandes cidades e ção é problemática, porque os países mercados. Ter ou não direito à criativi-
na ponta das pequenas cidades. nos quais a população cresce a um dade, eis a questão”. Obrigada.
ritmo acelerado (como, aliás, é o caso
Como é que a gente oferece às pessoas do Brasil) são aqueles nos quais o mo-
as condições para que fiquem nas suas delo de consumo é consumista. Então
cidades, se elas assim o quiserem, e a gente tem um problema maior. Eu
sobrevivam da sua produção, inclusi- sempre acho que uma crise oferece
ve cultural? Dando-lhes as condições, uma oportunidade grande demais de
inclusive econômicas, para que essa mudar um modelo, para que nos de-
produção cultural pague suas contas, mos ao luxo de jogá-la fora. Temos que
além de lhes dar satisfação pessoal. rever alguns paradigmas. Certamente,
o modelo mental que nos trouxe à cri-
Por fim, gostaria de trazer dados do se não será o modelo mental que nos
balanço de pagamentos que levantei tirará dela. E, em meio a esses pensa-
para serviços audiovisuais, do ano de mentos, abri o jornal do dia 31/10, no
1953 ao de 2007. Teríamos duas li- qual a notícia era: “Crise vai reduzir or-
nhas (de receitas e de despesas), mas çamento da cultura em 2009”.
na verdade, só vemos uma (de despe-
sas). E o que se nota é que a linha de Ora, diante de tudo o que vimos, de
despesas explode, na última década, como cultura pode ser uma estratégia
em ritmo exponencial, terminando o promissora de desenvolvimento para o
ano com cerca de 450 milhões de dó- nosso país, de seu potencial para gerar
lares de déficit. divisas, gerar empregos e oferecer às
pessoas a possibilidade de ganhar di-
A boa notícia é que, agora, dentro des- nheiro com talentos que hoje são pou-
sa linha de convergências que o André co reconhecidos economicamente, re-
também estava pincelando e que foi duzir o orçamento da cultura soa como
colocada ontem, o setor empresarial um grande desperdício. ANA CARLA FONSECA
começa a perceber que - como diz o
Pablo Capilé, do Espaço Cubo –, hoje Então, como mensagens básicas para Sócia-Fundadora da Garimpo de Soluções – economia, cultura
em dia, até para ser egoísta a gente este seminário de gestão cultural, & desenvolvimento.
tem que pensar no outro. Algumas em- acho que a gente precisa sair do linear,
presas começam a perceber que seu onde há extremos, e pensar de modo Administradora Pública pela FGV; Economista, Mestre em Admi-
envolvimento com cultura ultrapassa circular, onde tudo é complementar. O nistração e Doutoranda em Urbanismo pela USP, consultora em
os limites do mecenato, da filantropia, público e o privado, o local e o global, a economia criativa para a ONU, curadora dos congressos “Cre-
da responsabilidade social corporativa, economia e a cultura. “Eu só ganho se
ative Clusters” (Reino Unido) e “Creative Cities Summit” (Esta-
do próprio marketing cultural e chega você ganhar” deixa de ser um discurso
dos Unidos), autora de Marketing Cultural e Financiamento da
efetivamente à estratégia do próprio utópico, sai das páginas da teoria do
negócio. Trouxe aqui alguns títulos de caos, do budismo, do Yin e do Yang, Cultura e Economia da Cultura e Desenvolvimento Sustentável
best-sellers corporativos, que dão ele- para ser um modelo prático. O mun- (Prêmio Jabuti 2007), professora de pós-graduação da FGV, da
mentos para esse debate. “A Cauda do gira e muito rápido e, como vimos, UCAM e dos cursos de gestão e economia da cultura da DUO.

66 • Pensando a gestão cultural a partir dos desafios do desenvolvimento brasileiro 1º Seminário Internacional de Gestão Cultural • 67
MESA: MUNDO EM PALESTRA
É um prazer muito grande estar hoje à
mesa com Isaura Botelho e com Marta
Porto, e com nosso professor modera-
dor, Alexandre Barbalho. Gostaria de

MOVIMENTO: POR fazer um percurso por alguns assuntos,


alguns temas sobre as políticas cultu-
rais no último ano do Ministério de Cul-

POLÍTICA CULTURAL, GÉRMAN


tura da Colômbia. Nós temos feito uma
análise do corpus das políticas culturais
nacionais e também nós temos traba-
lhado sobre algumas políticas culturais

INTERCÂMBIOS E REY emergentes, como, por exemplo: uma


política referida às relações entre no-
vas tecnologias e culturas, uma política
referente aos empreendimentos cultu-

COOPERAÇÃO rais, mas, também, um projeto de polí-


ticas relacionadas com as línguas ame-
ricanas nativas, com a revitalização das

INTERNACIONAL
línguas americanas nativas na Colôm-
bia. Na Colômbia falam-se 64 línguas
americanas nativas, duas línguas afro,
a língua Creoles, de San Andrés e Provi-
dencia - das ilhas no mar do Caribe e do

Mediador: Alexandre
entorno negro de Palenque, na Cartage-
na - e fala-se uma língua Rom, sendo
que há uma população de aproximada-

Barbalho - Universidade
mente 15 mil ciganos que falam essa
língua. As línguas, por sua vez, têm sido
consideradas pela Constituição colom-

Estadual do Ceará
biana política, de 1691, como línguas
oficiais colombianas, juntamente com o
espanhol, apesar de que algumas des-

UECE (CE/Brasil)
sas línguas são faladas por poucas pes-
soas e algumas delas estão realmente
em processo de desaparecimento.

Penso que é possível falarmos de três


momentos da arquitetura institucional
da cultura na América Latina. O primei-
ro momento é a segunda metade do
século XIX, em que aconteceram em di-
ferentes países da América Latina sur-
gimentos, emergências de instituições
culturais e setoriais, por exemplo, as co-
Dia 6 de novembro missões em relação à formação de mu-
seus e bibliotecas nacionais, etc. Mas
talvez seja na primeira metade do sécu-
lo XX que a cultura configura-se como
uma dimensão central da construção
da nação, da modernidade e da partici-
pação popular, dos movimentos nacio-
nalistas, populistas, liberais, que têm
uma grande importância na configura-
ção de uma parte da institucionalidade
cultural, mas também por outra parte:
a definição de foco do que seriam, mais
tarde, as políticas públicas de cultura.
Na Colômbia, por exemplo, a chamada
República Liberal foi um dos momentos
mais lúcidos de desenvolvimento de ins-
tituições culturais e, sobretudo, de uma

1º Seminário Internacional de Gestão Cultural • 69


compreensão da cultura que a vincula- propõe ao Estado, às organizações so- É claro que nós temos uma ruptura en- de um leque muito grande de políticas.
va, não só agora com as expressões da ciais para que possam definir políticas tre as compreensões tidas no final do As políticas setoriais são aquelas que
cultura culta, mas com as expressões que possam responder ao dinamismo, século passado com as compreensões estão sendo desenvolvidas e geridas
da cultura popular. E o terceiro momen- às tensões e aos conflitos culturais que que hoje começam a se discutir. Talvez em áreas específicas da cultura e que
to poderia ser a partir da segunda me- vive a sociedade. Um terceiro ponto que o interessante na definição de Yúdice respondem a campos culturais específi-
tade do século XX, quando nós temos está presente na definição de Canclini seja o fato de que a política é represen- cos, que podem ser patrimônio, museus
o reforço da institucionalidade cultural. é que as políticas são políticas para a tada em guias para as ações – essa e cinemas etc. Aqueles que a gente en-
Há uma figuração mais moderna das ação, são corpus conceitual, é claro, definição, esse vínculo entre políticas, contra por aí, que fazem parte do cor-
instituições culturais, um planejamento mas são fundamentalmente grandes planos, programações e ação concre- pus de políticas culturais que a Colôm-
dos campos da cultura - pois são pou- guias de orientação da ação. ta. Ação sem política e uma conjuntura bia tem definido. A Colômbia tem uma
cos que nós temos hoje dentro da pai- política sem ações são abstrações. Nós política de cinema que para o país tem
sagem institucional cultural na América A definição de Teixeira Coelho, por temos que procurar as conexões entre sido uma das políticas mais bem-suce-
Latina -, e começam a se fortalecer as exemplo, de 2000, vai apontar ou sa- elas. O que é comum em todas as defi- didas dos últimos anos em termos do
interações da cultura com outras áreas lientar o assunto das estruturas cultu- nições de política é, primeiro, o fato de aumento da produção e da criação de
da gestão pública, com a saúde, com a rais por um lado e, num segundo pon- que sejam grandes orientações, guias infra-estrutura cinematográfica; em ter-
educação, com a competitividade eco- to, ele insiste de novo, como faz Garcia de ação; o segundo traço comum é o mos de uma qualificação de redes da
nômica, etc. Por outra parte localizam- Canclini, no aspecto articulado, con- fato de que sejam conciliadas entre o cadeia de valor do cinema; e também
se agora as instituições culturais e as sensuado das políticas. Ele salienta a Estado, as organizações da sociedade, em termos da possibilidade de colocar
políticas culturais nos cenários globais. necessidade de ação, de necessidades as empresas privadas, os grupos comu- o cinema colombiano em cenários re-
Boa parte, ou pelo menos uma parte culturais para ter um ponto diferente nitários, os movimentos de resistência gionais e em cenários internacionais.
importante das políticas culturais hoje que é ter a mobilização das políticas cultural etc.; o terceiro é que sejam Depois eu vou concluir tentando apon-
no mundo não são traçadas dentro dos fundamentalmente que estão orienta- cada vez mais processos de participa- tar alguns elementos que fazem com
estados nacionais, mas são planejadas das para o desenvolvimento de repre- ção cidadã, de configuração de cidada- que uma política seja melhor sucedida
nos grupos corporativos ou nas organi- sentações simbólicas: representações nias e de participação de sociedade. A do que outras.
zações de comércio. Algumas das po- simbólicas na música, na visualização, construção de políticas culturais é um
sições mais importantes tomadas na nas tecnoexpressões, nos movimentos exercício de formação de pedagogia Nesse momento, apesar de que a Co-
América Latina nos últimos anos têm étnicos etc. A terceira, não estou tra- cidadã, nas liberdades civis, na com- lômbia tem um desenvolvimento da po-
sido decididas fundamentalmente no zendo muitas, apesar de haver muitas preensão dos direitos, na relação entre lítica cultural, patrimonial, muito amplo,
entorno da organização mundial de definições que têm sido produzidas o direito da cultura e os outros direitos ao mesmo tempo com definições em
comércio e no entorno da organização nos últimos anos, mas essa aqui de humanos. O quarto aspecto é que as patrimônio arqueológico ou subaquáti-
mundial de propriedade intelectual. Ana Maria Otiaguati também destaca políticas culturais respondem a fluxos, co, não havia uma política de patrimô-
a concentração. Primeiro introduz ex- como a Ana Carla falava ontem, respon- nio intangível, com relação a festas, car-
Bem, eu gostaria de propor a vocês al- plicitamente o assunto das indústrias dem a dinâmicas, a movimentos, a de- navais, à cozinha, por exemplo. E agora
gumas definições de políticas culturais culturais, das organizações turísticas, mandas específicas da sociedade, que a Colômbia está construindo uma polí-
que poderiam servir como um marco dos museus, das associações de ar- são expressas em diferentes e diversos tica nesse sentido. Alguns anos atrás,
em geral para as intervenções, mais tistas e, finalmente, Otiaguati afirma centros - lugares de produções dessas no convênio Andrés Bello, nós fizemos
tarde, da Marta e da Isaura. Em primei- que as políticas estão na perspectiva demandas - que procuram conciliação. uma pesquisa para configurar o mode-
ro lugar, a definição de Néstor Garcia de produzir as transformações que ela lo de análise cultural, econômica e so-
Canclini, de 1987, na qual ele faz uma define como transformações estéticas, E eu utilizo, na verdade, o conceito de cial de festas populares e de carnaval.
série de ênfases que vão constituir o organizacionais, políticas, econômi- modernidade alternativa, pegando o O objetivo era não só olhar para elas do
corpus das figuras das políticas cultu- cas e sociais. Não são somente trans- conceito de um teórico colombiano que ponto de vista da coesão social, da in-
rais. O primeiro ponto, talvez, que nós formações culturais como, também, mora nos Estados Unidos, chamado Ar- terculturalidade, do diálogo de culturas
tenhamos que falar é que as políticas transformações sociais ou transforma- thur Escobar, que fala, na verdade, não que provoca as representações simbó-
culturais são entendidas como proces- ções estéticas. de políticas culturais, mas de moderni- licas geradas na festa, mas também
sos de conciliação nos quais intervêm dades alternativas que surgem de bai- como um elemento muito importante
os estados e também as organizações Bem, sempre existe uma definição da xo pra cima - que não é sempre o fluxo de dinamismo econômico nas comuni-
da sociedade civil, as empresas priva- UNESCO - que é uma definição feita re- normal da história – e, finalmente, essa dades. Nós temos, então, uma política
das, os movimentos socioculturais. Não lativamente cedo, um pouco inicial, mas política que tenta contribuir para o de- ou umas políticas setoriais, e em gran-
são políticas entendidas somente na mais ou menos obedece aos mesmos senvolvimento das representações sim- de parte a diversidade latino-americana
sua definição e construção por parte elementos que as outras. E, finalmente, bólicas, para o desenvolvimento cultu- tem estado marcada por uma arquite-
do Estado, mas que são entendidas na a de Miller e Yúdice, que colocam ên- ral com fins de transformações sociais, tura setorial. E um dos meus questiona-
articulação, no diálogo, na conversa en- fase no assunto das políticas como su- culturais, econômicas etc. mentos é que a setorialidade da cultu-
tre diferentes atores da sociedade. Um portes institucionais, salientam a ques- ra está implodindo e que, portanto, os
segundo ponto é o conceito de satisfa- tão da criatividade como sendo um dos O segundo ponto que gostaria de apre- ministérios, os conselhos nacionais da
ção de necessidades culturais. Talvez grandes centros das políticas culturais. sentar para vocês é a diversidade das arte, os institutos de cultura estão fican-
não falemos hoje tanto de satisfação, e As políticas culturais são políticas de políticas, quando a gente fala de polí- do um pouco por fora, para trás, diante
satisfação de necessidades que obede- criação, são políticas da criatividade, ticas, fala de políticas globais, por um dos dinamismos culturais que agora
ceriam a certo conceito de desenvolvi- não são simplesmente isso, mas são lado, de políticas nacionais, de políticas não obedecem mais às taxonomias, ao
mento que foi superado, mas talvez a também isso. E, ainda, a criatividade territoriais e de políticas de proximida- quadro das classificações temáticas da
gente fale mais de demandas, de requi- como estilos coletivos de vida, como de, como foi falado na palestra de Al- cultura. Eu acho que há uma grande fal-
sitos, de dinamismos que a sociedade formas expressivas, sociais ou cidadãs. fons Martinell, no primeiro dia, ou seja, ta de sintonia entre a diversidade cultu-

70 • Mundo em movimento:política cultural, intercâmbios e cooperação internacional 1º Seminário Internacional de Gestão Cultural • 71
ral e o que está acontecendo na cultura. memória, eu acho que nunca vi em ne- são conservacionista da memória de vi- Número cinco: nós temos o fortaleci-
Seria um pouco a idéia de Michel Fou- nhum ministério lá no meu país um de- são tradicional patrimonial e colocando mento, uma necessidade de fortalecer
cault, quando Michel Foucault fala que partamento de memórias. Mas passa a memória onde foi colocada depois de processos de conciliação para o fun-
há três epistemias: a da semelhança, realmente pelas indústrias, pelas novas séculos, que é a memória, na verdade, cionamento das políticas. Isso a gente
a do quadro e a da história. Dom Qui- tecnologias, pelo patrimônio, e isso gera uma projeção de horizontes do futuro. sabe, teoricamente, que é necessário
xote, por exemplo, quando ele fala dos uma série de problemas funcionais. Os Mas como combinar as memórias das esse consenso. Mas o que é muito di-
livros de cavalaria, que é aquele corte fantasmas são realmente levados por- áreas patrimoniais dos ministérios, da fícil é que, no plano de construção da
entre a epistemia da semelhança e a que eles geram problemas funcionais, arquitetura ministerial e cultural com política, na real política cultural, o efeito
do quadro, mas os nossos ministérios sobretudo quando os ministérios atuam as áreas dessa memória difusa de flu- seja um diálogo entre estados e movi-
de cultura e a nossa arquitetura cultu- a partir do centro com as regiões. Porque xos que passam pelas novas tecnolo- mentos sociais, empresas privadas etc.
ral estão formados ao redor do quadro, podem se reiterar funções, ficar uma gias e pelas relações simbólicas? Bom,
ou seja, de uma taxonomia em que nós como se fossem várias funções, vários as culturais, territoriais são aquelas que O número seis: eu creio que estão se
temos patrimônio, nós temos artes, nós focos no mesmo ministério, por exem- respondem a realidades, requisitos e repensando os vínculos entre políticas,
temos divulgação cultural, nós temos plo. O assunto da memória, do ponto processos de territórios específicos. planos, programação e ações. Isso é
estímulos, etc. Temos uma repartição de vista do patrimonial ou da questão Aqui, na verdade, há uma questão de o fio-terra. A terra das políticas é mui-
simbólica da cultura que eu acho que da performance artística, é diferente da regiões culturais. Não são regiões admi- to complexa, entre as políticas e esse
está realmente implodindo. A minha memória das culturas digitais e diferente nistrativas, não são regiões geográficas, fio-terra acontecem muitas coisas no
palestra é isso, implodindo fantasmas, também em certos focos mais estabele- mas regiões culturais. Mas na América nosso contexto cultural. Por exemplo,
então, por enquanto, já respondi a essa cidos do patrimonial. E, também, há o Latina tem sido quase impossível para o que acontece entre as definições de
idéia da implosão, não é? Está implo- assunto da formação ou da organização o Estado, para o establishment político uma política de estímulo e, depois, a
dindo realmente, está implodindo por- da diversidade, da criação. A criação é o pensar em territórios culturais. concessão de bolsas de estágios, de
que as próprias classificações estão grande fantasma, é o grande fantasma estímulos? Qual é a evolução que tem
sendo quebradas, ou seja, porque as realmente, porque nós temos uma cria- O que está acontecendo com as políti- esse tipo de estímulo?
compreensões da arte que deram lugar ção que passa pelo patrimonial. Há cria- cas culturais hoje? Eu gostaria de co-
às divisões de arte nos ministérios ago- ções que passam pelo digital, mas qual locar alguns elementos para o debate: Número sete: é necessária a formulação
ra não mais são os caminhos através é o dialogo estabelecido entre a criação primeiramente, a implosão do quadro e de indicadores, critérios e protocolos de
dos quais percorrem as práticas artísti- digital e a criação patrimonial? da taxonomia classificatória da cultura procedimentos para o acompanhamento
cas ou estéticas. Se eu tivesse tempo, eu explicaria como que adota a arquitetura cultural. O que das políticas culturais, um acompanha-
o meu laboratório é um laboratório mul- eu questiono é que existe uma assinto- mento participativo do que está aconte-
Agora vamos falar dos fantasmas. O timídia que tem o último em software, o nia profunda entre essas arquiteturas cendo com as políticas, do cumprimento
segundo ponto são as políticas trans- último em hardware, mas não interessa, culturais, agora não só do estado, mas das políticas, dos efeitos intencionais e
versais, são as políticas inexistentes nos não é uma sala de computador, é uma também de fundações culturais, de não-intencionais da política.
quadros ministeriais, ou seja, inexisten- idéia criativa. Lá criam-se quatro coisas empresas culturais e dos dinamismos e
tes nas arquiteturas estabelecidas da cul- fundamentalmente. Quem entrar para transformações da cultura. Número oito: eu acho que cada vez mais
tura. Esses são os fantasmas que ficam o laboratório cria quatro coisas: escrita, são necessárias instâncias de percep-
vagando pelos ministérios, que ficam aí sonoridade, visualidades e técnicas em O segundo assunto é o da articulação ção de campos e de atores emergentes.
vagando pelas práticas culturais, pela expressões. É isso o que a gente faz no entre as políticas culturais, ou seja, esse Eu acho que isso é muito fundamental.
gestão cultural, que são fundamentais, laboratório. O meu laboratório foi funda- aqui é um grande problema interno, não O assunto das taxonomias é que as ta-
mas que não têm visibilidade. Essa é do com aquela invocação de “Frankens- só a articulação das políticas culturais xonomias às vezes não permitem visua-
uma das características dos fantasmas. tein”, é claro, pois a gente tinha que in- com outras políticas, mas o diálogo das lizar esses territórios que fogem um pou-
É claro que eles só ficam visíveis em al- vocar um fantasma. “Edward Mãos de políticas culturais entre elas. O terceiro co do quadro, e esses atores que agora
guns momentos, não é? E são aquelas Tesoura”, do Tim Burton, e aquele filme ponto é a interação das políticas cultu- não compõem os registros tradicionais
grandes definições culturais para a ação “A Mosca”, de David Cronenberg, são os rais com outras políticas da gestão pú- das taxonomias tradicionais.
que percorrem todas as diferentes áreas santos padroeiros do meu laboratório blica, os diálogos com a saúde ou com o
dos ministérios, das arquiteturas institu- que fica numa universidade jesuíta. O meio ambiente ou com os planejadores Número nove: é o assunto todo da ge-
cionais da cultura e das diversas políti- primeiro grupo que eu convidei para o do desenvolvimento ou com as idéias ração e do uso dos recursos econômi-
cas setoriais que compõem os campos meu laboratório de criação multimídia de competitividade que ainda não são cos, humanos e tecnológicos, e a refor-
para os quais confluem as políticas di- era formado por três comunidades in- fortes. Começam a ser fortes agora. O mulação das relações entre Estado e
rigidas, a partir de diferentes instâncias dígenas da Serra Nevada de Santa Mar- questionamento da Ana Carla abre pers- mercado. Eu acho que boa parte das
da sociedade e dos ministérios. Na Co- ta, os Koguibas e Arhuacos. Os Kogui, pectiva para que exista essa interação, políticas, hoje, está no meio de tensões
lômbia há pelo menos sete fantasmas. por exemplo, na sua cosmologia, falam essa conversa entre a cultura e a eco- entre o assunto de mercados culturais
É um país fantasmagórico, fantasmá- uma frase que até agora não consegui nomia, por exemplo. O quarto ponto é a e de serviços públicos culturais, entre
tico até do ponto de vista psicanalítico. entender por muitos anos e que me toca superação de outras assintonias, outras mercados e Estado.
Borges falou muito lindamente sobre a muito. Eles falam: “Na origem do mun- assimetrias entre a gestão central da
Colômbia uma coisa que eu acho que do era o nada, só existia pensamento e política e a gestão regional e local da po- Número dez: tem a ver com e para onde
é a melhor definição da Colômbia. Ele memória”. Pensamento e memória, ou lítica, aquilo que Alfons Martinell falava fluem as políticas. As políticas devem
disse: “Colômbia é um ato de fé”. Então, seja, era o nada e o nada era feito de das políticas da proximidade. Existe uma fluir e fluem por muitos lugares. E um
se é um assunto de crença, para os que pensamento, mas também era feito de distância entre a política central do Esta- desses lugares são os sistemas nacionais
não acreditam não existe esse país cha- memória. Com isso os Arhuacos, esse do em termos culturais e as políticas da ou municipais de cultura, ou seja, certa
mado Colômbia. Mas esses fantasmas povo indígena, já estão na cosmologia, proximidade cultural. estrutura de participação e de gestão
são os fantasmas da memória, não há rompendo, quebrando com aquela vi- cultural, mas isso também tem que ser

72 • Mundo em movimento:política cultural, intercâmbios e cooperação internacional 1º Seminário Internacional de Gestão Cultural • 73
questionado. Nós temos estruturas muito seja, que exista certa unificação dos sem conflitos de intenções dos atores.
rígidas. O conceito de estrutura não serve, propósitos em meio ao debate sobre as Na política patrimonial, por exemplo,
na verdade, não obedece a uma forma de diferenças. E sempre existem debates são discutidos temas entre as comuni-
conhecimento que agora não procede. E e diferenças sobre o propósito das polí- dades indígenas e entre patrimonialis-
não procede para o conhecimento e não ticas culturais, mas que sempre exista tas urbanos etc., ou seja, entre muitos
procede para a cultura. Esse é um pon- o mínimo de compartilhamento social. outros atores. A ação cultural não se
to que vale a pena ser discutido. E outro Em terceiro lugar, que existam alguns vê pontualmente nas políticas bem-
detalhe é o tema da necessidade de re- procedimentos coerentes com a políti- sucedidas, mas sim como processos.
ferências críticas sobre as políticas cultu- ca que sejam reconhecidos, que sejam E as continuidades são difíceis, vocês
rais. Quais são os referentes críticos, por legitimados e que sejam universais. sabem, na gestão dos estados. É funda-
exemplo, que não estão nos ministérios, Por exemplo, nós trabalhamos em uma mental o estímulo à criação e, também,
mas estão na sociedade? De todas as política de conciliação que é a política às possibilidades criativas como ele-
formas que nós encontramos na América que administra mais dinheiro dentro do mentos fundamentais e garantias das
Latina, uma dessas formas são os conse- ministério da cultura da Colômbia e que políticas. Também são fundamentais
lhos culturais. representa a verba de recursos públicos a geração de públicos e a geração de
para instituições culturais. Mas quais processos da própria ação social da po-
Muito bem, se a mim me perguntas- são os critérios legitimados, quais são lítica. As melhores políticas são aquelas
sem, no caso da Colômbia, por que fo- os procedimentos que geram igualdade que foram apropriadas socialmente pe-
ram bem-sucedidas algumas políticas de condições para grandes instituições las pessoas.
culturais e outras não foram bem-suce- culturais e também para pequenas ins-
didas? Por exemplo: por que a Colôm- tituições culturais? As políticas culturais têm uma ampla
bia, durante os últimos dez anos, antes tarefa como políticas organizadoras
de 2004, produzia três filmes por ano? Na Colômbia existia uma espécie de das incertezas. Eu não sei exatamente
É uma produção mínima? Mas nós es- “manda-tudo” nas culturas, de chefes se organizadoras das incertezas como
távamos quase em 5º lugar na América que estavam dentro dos museus ou termo de expressão ou como expressão
Latina. Eu fui jurado em um prêmio de dentro das organizações, ou seja, exis- das incertezas e dos conflitos simbóli-
cinema no qual nós demos prêmio para tia uma espécie de mandarinato da cos, e como mobilizadoras dos novos
o primeiro filme que tinha sido feito em cultura e esse mandarinato fazia com sentidos sociais. Em boa parte as polí-
Santo Domingo na história, e isso não que isso tivesse peso político e que as ticas gerem alguns sentidos produzidos
faz muito tempo. A Colômbia tinha uma decisões dos museus e festivais de tea- pela sociedade e as políticas culturais
média de produção de três ou quatro fil- tro fossem feitas a dedo. Isso teve que seriam uma espécie de lugar onde se
mes por ano e está fechando este ano ser rompido. Mas romper com esse sis- reformulam os vínculos entre a cultura,
com mais ou menos 20, 22 filmes, os tema geraria um grande problema polí- a sociedade e a política. Uma política
quais começam a colocar a Colômbia tico, porque na verdade existiam grupos que se chama participação dos cida-
em um lugar interessante em termos políticos que estavam protegidos nes- dãos, uma política que se chama demo-
de produção latino-americana. A Co- ses locais e os presidentes das câma- cracia participativa, uma política que se
lômbia teve uma política, por exem- ras de cultura, por exemplo, tinham que chama gestão a partir de baixo, uma
plo, de patrimônio muito interessante enfrentar esse mandarinato. Então, nós política que se chama simetria, uma
e uma concepção patrimonial sobre o tivemos que impor algumas regras do política também que se chama cone-
tema da apropriação social do patrimô- jogo que permitissem certa igualdade xão da cultura com a vida das pessoas.
nio também interessante. A Colômbia de condições com alguns critérios espe- Muito obrigado.
teve um sistema de cultura que, de al- cíficos, com alguns procedimentos pú-
guma maneira, assinala alguns modos blicos a que as pessoas pudessem ter
de participação e alguns procedimentos acesso - por exemplo, a solicitação do
da participação social da cultura muito dinheiro público para a cultura.
interessantes. GERMÁN REY
A quarta questão é o tema da infra-
E o que faz com que uma política fun- estrutura necessária, a construção de
cione e traga isso para discussão? Eu infra-estrutura cultural e de infra-estru- Filiação Institucional: Convênio Andrés Bello, Colômbia.
acredito que o que funciona é um cor- turas culturais em desenvolvimento. A
pus regulamentar claro, ou seja, algu- quinta questão seria o fortalecimento Assessor em Políticas Culturais da Ministra de Cultura da Colôm-
mas regras do jogo têm que ser muito das conexões entre políticas, planos bia. É consultor do Projeto de Cultura e Desenvolvimento do Con-
claras. Por exemplo, no caso do cinema e programação cultural. A sexta seria vênio Andrés Bello e da AECID e diretor do Laboratório MATRIX
as regras estavam concentradas na Lei essa formulação de indicadores de cri- de Criação Multimedial. Professor na Universidade Javeriana. En-
do Cinema. A Colômbia tem uma lei de térios e protocolos que já existem e as tre seus livros recentes estão: “Las tramas de la cultura” (2008),
cinema, tem uma estrutura de funciona- instâncias de percepção. “La fuga del mundo. Escritos sobre periodismo” (Random House
mento de cinema, tem o reconhecimen- Mondadori, 2007), e “Industrias culturales, creatividad y desar-
to dos atores do cinema, etc. Em segun- Sobre o envolvimento dos atores cultu-
rollo” (em edição pela AECID). Acaba de apresentar o relatório “A
do lugar, fazer funcionar uma política rais nessas políticas, não pode haver
de maneira bem feita exige que exista políticas sem atores, sem crescimento outra cara da liberdade. A responsabilidade social empresarial
uma vontade compartilhada social, ou dos atores e não pode haver políticas nos meios de comunicação da América Latina” (FNPI, AVINA, Uni-
versidade Javeriana e Fundação Carolina, 2008).

74 • Mundo em movimento:política cultural, intercâmbios e cooperação internacional 1º Seminário Internacional de Gestão Cultural • 75
PALESTRA
Bom-dia a todos. Eu queria agradecer
o convite da DUO, que é uma organiza-
ção que eu admiro muito e que conhe-

POR
ço já há bastante tempo. Gostaria de
registrar que é difícil a gente se colocar
depois dessa encantadora palestra do
Germán Rey. Mas, ao mesmo tempo,

ISAURA é extremamente pertinente que uma


mesa como esta comece assim, por-
que nossa mesa tem um nome abso-

BOTELHO lutamente desafiador. Eu cheguei a


mandar um e-mail para o pessoal da
organização para perguntar sobre o
quê exatamente queriam que eu abor-
dasse “nesse mundo em movimento”.
Germán tratou exatamente as ques-
tões das políticas culturais e eu tento
fazer uma articulação entre as políticas
culturais e o intercâmbio. Teremos pro-
vavelmente um belíssimo encerramen-
to com a Marta, que sempre nos traz
muitas coisas interessantes. Então, na
verdade, me pareceu proveitoso trazer
algumas questões para nossa reflexão
na medida em que o relacionamento
cultural dos países ibero-americanos
vem sendo debatido há anos e não ve-
mos muitos avanços nessa direção.

Propus-me aqui a tratar de alguns de-


safios para as políticas culturais con-
siderando a necessidade de se pensar
a articulação e a integração no espaço
cultural ibero-americano, vendo a con-
tinuidade dessas políticas como um
marco fundamental. Pareceu-me inte-
ressante trazer algumas questões para
nossa reflexão. Se o advento do MERCO-
SUL deu corpo formal a esses desejos,
também nos trouxe certa dose de frus-
tração, pois, a essa altura, já era de se
esperar que tivéssemos relações mais
consolidadas com nossos vizinhos.

Refiro-me a um sentimento de frustra-


ção porque o Tratado de Assunção, as-
sinado em 26 de março de 1991, não
apenas incluía a dimensão cultural,
como afirmava que o mercado comum
a ser formado não deveria limitar-se ao
comércio de bens; dizia também que a
cooperação nas esferas da economia
e da cultura deveria estar a serviço da
democracia, da liberdade e da moder-
nização produtiva. As relações entre o
MERCOSUL e a cultura continuaram a

1º Seminário Internacional de Gestão Cultural • 77


ser consideradas, sob diferentes aspec- de resistência cultural. Isso acrescen- (em maior ou menor grau, conforme o no. Por isso, essa não me parece ser
tos, em outros eventos que se segui- ta desafios à nossa inserção naquilo país), incorporando também as imigra- a nossa melhor opção quando temos
ram. Esse quadro nos remete ao indis- que poderíamos chamar de espaço ções européias e asiáticas ao longo do como foco principal o estabelecimen-
cutível peso retórico da cultura para os cultural ibero-americano (já que latino século XX. Apesar das semelhanças, to de políticas que nos permitam um
políticos e dirigentes, que, geralmente, americano terminou por significar, in- nosso desconhecimento mútuo é mui- maior conhecimento mútuo e a cons-
não se esquecem de mencioná-la em devidamente, quase exclusivamente a to grande. Nossos intercâmbios ainda trução de um espaço de circulação de
discursos e acordos, sem que isso se América hispânica). são pontuais e rarefeitos, na medida bens, obras e saberes.
traduza em ações efetivas. da pouca importância que se atribui às
Nossas particularidades, longe de ser políticas culturais em nossos países. Políticas culturais de integração não
Muito se falou que a verdadeira “meto- um grande problema, apenas colo- existem no vazio: elas dependem de
dologia da integração” deveria ser de cam um pouco mais de tempero nes- Sinal de ventos mais favoráveis é a boas políticas nacionais de apoio à cria-
natureza cultural. Assim, o ponto de se acordo que é, em si mesmo, um percepção de que, mais recentemen- ção e circulação de bens culturais: par-
partida adequado não deveria ser eco- desafio cultural. Ele exige a superação te, a cultura está mais presente em tir de programas concretos, conectados
nômico ou político: a “dimensão cultu- de velhas desconfianças e de precon- nossa agenda governamental. Faltam- com processos amadurecidos endoge-
ral” do processo integrativo deveria ser ceitos (em alguns casos, rivalidades) nos ainda marcos teóricos e formas namente. O estabelecimento de políti-
a base sobre a qual se apoiariam as entre países vizinhos. Sua dimensão de organização cultural mais adequa- cas requer a criação de espaços insti-
demais dimensões, levando em consi- propriamente cultural não se restringe, dos ao enfrentamento de empecilhos tucionais de diversos tipos e instâncias,
deração as especificidades dos diver- portanto, apenas à intensificação e à conjunturais (burocracia, mudanças funcionando em acordo, permitindo a
sos processos culturais da região. De diversificação do intercâmbio de bens na gestão, pouca vontade política, por construção de alianças e estratégias
maneira integrada e interdependente, e obras. Ela exige uma aproximação de exemplo), que, aliados a novos méto- coordenadas, em estreito diálogo com
os países que a compõem buscariam fato, que nos permita um desenvolvi- dos de gestão e a muita criatividade, os poderes públicos de cada um dos
um caminho voltado à superação do mento compartilhado, dando consis- permitam ultrapassar as barreiras que parceiros. Depende também do desen-
subdesenvolvimento. tência à integração. vêm dificultando o estabelecimento de volvimento de um terreno de intimidade
uma real política de circulação cultural intelectual e cultural, lembrando que é
Poderíamos dizer que o MERCOSUL é Temos de considerar, aqui, dois aspec- no espaço ibero-americano. central que os países vizinhos estejam
resultado da restauração da democra- tos do ponto de vista de nossas identi- convencidos de que este é um projeto
cia nas nações que o compõem, esti- dades, que se colocam como desafio Muitas das discussões sobre nossos a ser construído em conjunto e não a
mulando um processo, novo até então, na construção de um arcabouço para problemas comuns como pobreza, de- partir de iniciativas isoladas.
de busca de parcerias e reforços regio- essa integração. Por um lado, temos senvolvimento e os novos desafios que
nais, tanto no plano cultural como po- um passado que nos forneceu tradi- nos são impostos pela globalização Lembro-me de uma frase do Prof. An-
lítico e econômico. Do ponto de vista ções comuns, matrizes culturais e reli- econômica tratam fundamentalmente tonio Candido de Mello e Souza que
cultural, que nos interessa aqui, é o giosas, que constituem um importante da cultura em sua dimensão antropo- mencionava o fato de que muito se fala
fato de haver ainda uma variedade de patrimônio cultural compartilhado. Por lógica. É claro que a globalização, por de nosso desconhecimento sobre os
aspectos a discutir, que implicam a pro- outro, temos um olhar voltado para o exemplo, passa como um trator sobre demais países do continente, mas que
ximidade ou distância face aos nossos futuro, na busca de projetos comuns nossas realidades e especificidades quase nunca se ressalta o deles sobre
vizinhos. Temos, nós, brasileiros, duas de desenvolvimento, da afinidade po- culturais e geram justíssimas críticas nós, que é imenso. Afinal, não estamos
particularidades nada desprezíveis: a lítica e da convicção de que o imaginá- e análises não muito otimistas. No en- tão alheios ao contexto hispânico, pois
língua e a enormidade de nosso país. rio que está sendo produzido nas artes, tanto, localizar o debate fundamental- temos, há mais de trinta anos, a dis-
Do ponto de vista geográfico, somos no cinema, na literatura, e aquele que mente na dimensão antropológica da ciplina – prazerosamente obrigatória
voltados para o Atlântico e, com exce- será produzido em parte viabilizado cultura nos traz limites similares aos – de literatura hispano-americana em
ção de Argentina, Uruguai e Paraguai, por políticas públicas dos diversos paí- que enfrentamos quando considera- nossas faculdades de Letras. Soma-se
nossas fronteiras com os demais paí- ses do bloco terão participação funda- mos a formulação de políticas cultu- a isso, ainda, nossa relativa intimidade
ses estão distantes dos centros mais mental nesse processo de construção rais em nível nacional, o que tem sido com o idioma irmão para a qual o atra-
dinâmicos do país. Com Venezuela, Bo- conjunta do futuro. tema de várias intervenções que fiz an- so de nossa indústria editorial de anos
lívia, Peru, Colômbia e Equador, temos teriormente. A dimensão antropológica atrás colaborou, obrigando várias gera-
a Amazônia em comum e como fron- Do ponto de vista das tradições, apesar da cultura diz respeito ao leque de sig- ções de universitários a fazerem suas
teira. Se de um lado isso representa da diferença lingüística – e aqui nem nificações produzidas pelo ser humano leituras acadêmicas em espanhol.
uma grande unidade cultural regional menciono as línguas indígenas especí- em seu cotidiano e passa pela aborda-
que atravessa espaços nacionais, por ficas de cada país – talvez tenhamos gem de questões sociais, econômicas Apesar dessas proximidades, o inter-
outro é uma região distante daquelas na Ibero-América mais semelhanças e culturais. Qualquer alteração nesse câmbio cultural não avança, pelo menos
onde circulam os bens e as trocas cul- que diferenças. Temos em comum, terreno é complexa, envolve muitos fa- da maneira que gostaríamos. Sabemos
turais administradas pelos governos além da matriz latina de línguas irmãs, tores, pois estamos tratando, inclusive, que há os dois fatores combinados, o
nacionais. As cidades, desde suas ori- uma diversidade cultural e uma mesti- da qualidade de vida. São processos prático (econômico, político, material)
gens, são os centros de troca, enquan- çagem. Assim, nossa formação e nos- lentos, pois requerem mudanças es- e o institucional (políticas públicas de
to que vastos territórios, como o da sas representações coletivas mesclam truturais, no âmbito de cada país, de- Estado). Terei de me ater a esse últi-
Amazônia são vistos como portadores a origem européia, indígena e africana pendentes de políticas gerais de gover- mo plano, pois o que envolve o mundo

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econômico, político tem complexidades tantíssimo de diálogo entre artistas e tem como objetivo promover, nas esco- 1960, há esta utopia de uma união
que não cabem no escopo desta minha de difusão de uma produção reconhe- las do ensino médio, uma consciência dos países da América Latina – na pro-
intervenção, além de me parecer serem cida mundialmente. favorável à integração regional, esti- dução, na distribuição e na exibição –,
os campos nos quais a relação entre os mular e fortalecer os vínculos entre os algo que a esquerda sempre alimen-
países tem sido mais bem-sucedida. Da mesma maneira, a assinatura da estudantes de Argentina, Brasil, Chile, tou em função do ideário político dos
Instrução Normativa RFB nº 809, de 14 Uruguai, Paraguai e Bolívia, ampliando cinemas novos e do fato de, a partir do
Os poucos programas oficiais que gera- de janeiro de 2008, que regula o Selo seus conhecimentos e o respeito à di- final dos anos 1970, o Festival de Cine-
ram circuitos regionais de intercâmbio MERCOSUL Cultural, instrumento adu- versidade cultural. ma de Cuba ter feito disto uma pauta
cultural não parecem ter sido capazes aneiro que irá facilitar a circulação de constante quando reuniu os cineastas
de estabelecer vínculos de natureza obras de arte, instrumentos musicais e No entanto, não vejo como separar e produtores em seminários paralelos
institucional que garantam a continui- espetáculos entre os países do MERCO- as iniciativas feitas no âmbito educa- à mostra de filmes. De qualquer modo,
dade necessária para que se ultrapas- SUL, concretiza um objetivo que estava cional daquelas realizadas no campo o importante é que esses temas estão
sem as gestões públicas conjunturais. nos primórdios do acordo. Com esse da cultura. Isso perpetua uma divisão na pauta das agências e no contato
Aqui também merece uma particular novo instrumento (reconhecido como meramente administrativa e extrema- com os países vizinhos, havendo plena
atenção o papel da formação de redes fundamental há muito tempo), os ser- mente prejudicial entre setores interde- ciência desse histórico de frustrações
que, apoiadas por instrumentos públi- viços e bens culturais têm trânsito livre pendentes. Parte expressiva das ações conforme podemos ver na declaração
cos de regulação e estímulo, possam nas alfândegas dos países do MERCO- de integração que deveriam compor de Manoel Rangel, presidente da Anci-
se desenvolver a partir de projetos pon- SUL. Envolvidos na regulamentação e uma política cultural para a região ne, ao falar da mudança de mentalida-
tuais, menos ambiciosos, conspirando consecução dos objetivos dessa Instru- passa pelas instituições de educação de dos produtores e de outros agentes
a favor de seu sucesso, na medida em ção Normativa estão a Receita Federal, em seus mais diversos níveis: do ensi- econômicos: “A co-produção interna-
que se apóiem em condições e possi- o Ministério da Fazenda, o Ministério da no fundamental ao universitário. Tudo cional ficou por um longo tempo em
bilidades concretas. Essa é uma forma Cultura, as Aduanas e os Parlamentos o que vem sendo mencionado até aqui segundo plano. Tanto que nós sobre-
efetiva de institucionalizar nossas rela- de todos os países do bloco. compõe um todo, cada ação reforçan- vivemos por largo tempo com acordos
ções com os demais países. do as demais. inexeqüíveis, completamente desatu-
Em minhas consultas passei também alizados das práticas internacionais.
Parece-me claro que temos uma tare- por interessantes projetos como o das No caso do audiovisual, que me parece Então, vem havendo um ciclo de atu-
fa imensa pela frente, tanto em nível “Escolas de Fronteira”, do MERCOSUL ter uma política que tenta ser conse- alizações desses acordos, exatamente
interno quanto externo, se quisermos Educacional (!), já implementado pelo qüente em nível nacional, muita coisa porque passamos a fazer uso deles.
de fato constituir este espaço cultural Brasil e pela Argentina, e que será am- acontece, embora ainda nada sistemá- Não adianta ter acordo de co-produção
comum, o espaço cultural ibero-ame- pliado, inicialmente, para o Paraguai e tico que resultasse de uma política. Há se eles não forem utilizados, se não há
ricano. Nesse sentido, a existência de o Uruguai. Atualmente, o projeto fun- casos de co-produção como o filme de produtores que necessitem deles”.
um acordo como o MERCOSUL é algo ciona em cinco escolas brasileiras e Walter Salles, “Diários de Motocicleta”,
que facilitaria a tarefa, não fora o fato em cinco argentinas, atendendo alunos mas a idéia de um mercado comum está Parece estar claro, para esses agentes
de que a cultura ainda é vista como de 1ª e 2ª séries do ensino fundamen- longe de ser uma realidade. No Brasil, do poder público (leia-se Secretaria do
algo supérfluo. Entre Estados Partes tal. Além das aulas, os estudantes são por exemplo, a chance de vermos filmes Audiovisual e Ancine), que é a consis-
(Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e incentivados a conhecer a cultura do latino-americanos se reduz a alguns su- tência das políticas internas que dá
Venezuela) e Estados Associados (Bo- país vizinho por meio de livros, feiras cessos argentinos ou mexicanos, o que condição para os acordos externos: “É
lívia, Chile, Peru, Colômbia e Equador) e exposições de trabalhos, atividades não significa que o projeto de Mercado o mercado interno que nos fortalece e
temos uma população de cerca de estas que atendem também os alunos Comum de Cinema tenha saído do pa- dá condição para ocuparmos melhores
365.555.352 habitantes. Os acordos das demais séries do ensino funda- pel. Sua primeira versão está no livro de posições no mercado internacional.
econômicos são os que têm suprema- mental. Um dos aspectos mais interes- Roberto Farias, “O Mercado Comum de Quando demonstramos a vitalidade do
cia e nossa angústia continua sendo o santes do projeto é o fato de que pro- Cinema Latino-Americano”, organizado mercado interno, crescem as possibili-
fato, já mencionado, de que o viés cul- fessores argentinos atuam nas escolas e publicado quando ele era o Diretor Ge- dades de negócios para terceiros, cres-
tural do acordo é secundário. do Brasil e vice-versa. Dessa forma, ral da EMBRAFILME. Foi em 1976 ou 77. ce o interesse para que eles venham
os envolvidos vivenciam o aprendiza- Não era uma tese, era um estudo com para o nosso país”.
Para preparar minha intervenção neste do das duas línguas, interagindo com fundo pragmático, pois ele era o diretor
Simpósio, fui buscar informações mais base no reconhecimento das caracte- da empresa estatal. Quando o Secretário Dada a sua diversidade, o mundo do
atualizadas sobre nossos intercâmbios rísticas próprias e no respeito mútuo. do Audiovisual, Sílvio Da-Rin, ou o presi- audiovisual comporta muitos acordos
com os países vizinhos e saber em que Outro projeto, também do MERCOSUL dente da Ancine, Manoel Rangel, falam voltados para questões particulares e
estágio estava o MERCOSUL Cultural. Educacional e da Organização dos Esta- do mercado e também da co-produção talvez seja nestas iniciativas pontuais
Fiquei agradavelmente surpreendida dos Americanos – OEI –, é o que envol- latino-americana como prioridade, es- que estejam os avanços concretos.
por ver o quanto avançamos nos últi- ve as secretarias da Educação de todo tão retomando intenções antigas, nunca Nesse sentido, vemos uma pauta ativa
mos anos em setores antes totalmente o país em torno de um concurso histó- postas em prática. de ações compartilhadas como a reali-
a descoberto, como é o caso das artes rico-literário, Caminhos do MERCOSUL Afinal, em contraposição ao domínio do zação do II Encontro de Produtores do
visuais, por exemplo, que tem na Bie- 2008, com o tema “Lagos, Salares e mercado e da cultura cinematográfica MERCOSUL (em setembro de 2008),
nal do MERCOSUL um espaço impor- Culturas na Rota do Sol”. O concurso pelos Estados Unidos, desde os anos reunindo produtores da Argentina, Bra-

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sil, Chile, Paraguai, Uruguai, Venezue- concerne ao audiovisual, mas cujos de dados com critérios compartilhados
la, Bolívia, Colômbia, Equador e Peru. resultados terão, com certeza, imenso permitirão avanços nas constituições
O 13º encontro da Reunião Especiali- significado para os países envolvidos. de contas satélites de cultura nos di-
zada de Autoridades Cinematográficas Falo do sistema de estatísticas cul- versos países e análises consistentes
e Audiovisuais do MERCOSUL - RECAM, turais (demanda antiga no bloco do em economia e sociologia da cultura.
realizado no dia 29 de setembro, no Rio MERCOSUL) e a construção de contas Os estudos comparativos e os projetos
de Janeiro, logo após o II Encontro de satélites de cultura. Isso significa a mais ambiciosos que possam resultar
Produtores do MERCOSUL (a RECAM criação de um sistema de informação daí serão, para além dos governos,
foi criada em dezembro de 2003 pelo contínuo, confiável e comparável, que uma maneira de dar conseqüência a
Grupo do Mercado Comum - órgão exe- permita a análise e a avaliação eco- projetos comuns de desenvolvimento
cutivo do MERCOSUL - com o objetivo nômica das atividades e práticas cul- e intercâmbio. Muito obrigada.
de criar um instrumento institucional turais, e a tomada de decisões públi-
para avançar no processo de integra- cas e privadas. Esse é um exemplo de
ção das indústrias cinematográficas redes que vão se formando mais pelo
e audiovisuais da região. É um órgão interesse dos técnicos das instituições
consultivo, formado pelas autoridades envolvidas, do que por uma formaliza-
máximas nacionais na matéria). ção de um acordo entre países.

Temos ainda a criação do Programa A partir do convênio assinado entre


MERCOSUL Audiovisual, de €$1,5 mi- o IBGE e o Ministério da Cultura, em
lhão, acordo que será firmado entre 2004, coroando um trabalho que veio
União Européia e Mercado Comum do se desenvolvendo ao longo de 2003,
Sul, ainda em 2008, e apoiará a inte- resultaram publicações de extrema
gração contínua dos setores audiovisu- importância para a área cultural: o
ais dos países do bloco latino-ameri- Sistema de Informações Culturais
cano. Também o projeto Animasul, no 2003/2005 e um bloco (2005) e, pos-
qual o Ministério da Cultura propõe a teriormente, um suplemento de cultu-
sistematização de ações de capacita- ra (2006) na Pesquisa de Informações
ção, co-produção, distribuição interna- Básicas Municipais. Esse convênio
cional e difusão na televisão pública de prevê a construção da Conta Satélite
séries de animação, com o lançamen- de Cultura. A partir daí, o IBGE, ali-
to de um edital nos moldes do DOCTV. mentado pelo interesse de sua equipe
de cultura e com o estímulo do MinC,
Para as cinematecas, prevê-se o pro- vem participando de vários encontros
jeto de intercâmbio de conhecimento internacionais para a discussão de
em ações de documentação, catalo- metodologias e para o intercâmbio de
gação, restauração, digitalização, di- informação e conhecimento. O último
fusão e interface entre sistemas, com deles, organizado pelo IBGE e patroci-
a participação de técnicos dos países nado pelo MinC, teve lugar no Rio de
do MERCOSUL em oficinas na Cinema- Janeiro em outubro passado, contan-
teca Brasileira, em São Paulo, que, há do com a participação da França (por
tempos, é liderança na formação de sua tradição em estatísticas culturais),
pessoal e transmissão de técnicas de da Argentina, do Chile e da Colômbia,
catalogação e restauro para outras ci- este último uma liderança no desenvol- ISAURA BOTELHO
nematecas latino-americanas, como a vimento de uma metodologia de cons-
da Colômbia, por exemplo. trução de contas satélites, patrocinado Fundação Biblioteca Nacional e Centro Brasileiro de Análise
Creio que os casos citados até aqui pelo Convênio Andrés Bello. e Planejamento - CEBRAP.
ilustram a minha tese de que políticas
bem articuladas internamente podem Esse seria, para mim, um exemplo de Isaura Botelho é doutora em Ação Cultural pela Universi-
resultar em impactos mais efetivos ações que, embora com recursos limi- dade de São Paulo - USP, tendo feito um pós-doutorado na
na constituição de um espaço cultural tados e baseadas fundamentalmente França. É autora de livros, artigos e ensaios sobre política
ibero-americano. no interesse pela troca de conhecimen- cultural. Coordenou a pesquisa sobre “O Uso do tempo li-
to, trazem em seu bojo a construção vre e as práticas culturais na Região Metropolitana de São
Para terminar minha intervenção, gos- de um terreno comum de diálogo con- Paulo” no Centro de Estudos da Metrópole, em São Paulo,
taria de mencionar mais um exemplo, creto. O desenvolvimento de progra- organismo ligado ao Centro Brasileiro de Análise e Planeja-
bem menos visível do que aquele que mas comuns de pesquisa, a produção mento - CEBRAP.

82 • Mundo em movimento:política cultural, intercâmbios e cooperação internacional 1º Seminário Internacional de Gestão Cultural • 83
PALESTRA
Eu vou começar pedindo desculpas
pela minha voz, que infelizmente logo
hoje não está boa, e vou fazer na ver-

POR
dade uma fala mais solta. A fala do
Germán e a fala da Isaura têm uma
carga conceitual importante para esta
mesa sobre a qual nós precisamos re-

MARTA fletir, é a função deste seminário. Eu


primeiramente queria agradecer à
DUO, à Agência Espanhola de Coopera-

PORTO ção, a todas as pessoas que puderam


proporcionar essa discussão. Eu tenho
voltado a Belo Horizonte com bastante
freqüência e tenho tido a oportunidade
de participar de discussões em fóruns
completamente diferentes e com uma
qualidade de debate muito grande. Eu
acho isso fruto de um processo que se
iniciou já há umas duas décadas, tal-
vez especialmente na última década
em que BH vem se constituindo um
centro de pensamento importante nas
mais diversas áreas da gestão pública.
Pensar, debater, refletir, para além dos
espaços tradicionais de especialistas,
tem sido uma marca da cidade. Mas a
extensão dessas oportunidades é fun-
damental para que as pessoas se en-
contrem, rediscutam, se reinventem,
eu acho que essa é a principal função
da cultura. O que eu vou falar aqui hoje
está um pouco num eixo entre a filo-
sofia e a política de cultura. O que eu
quero trazer para vocês são algumas
preocupações que eu venho tendo ao
longo dos últimos anos com relação
não ao desenho das políticas culturais
stricto sensu, mas às motivações das
políticas culturais. Eu acho que esse
é um ponto importante, especialmen-
te quando a gente pensa a questão
da cooperação. O que é pensar coo-
peração, o que é cooperar? Cooperar
é uma palavra que implica a idéia do
encontro, ou seja, a idéia de que é pos-
sível encontrar o outro e fazer dessa
possibilidade algo novo; então a idéia
da cooperação traz em si a idéia da ex-
periência, uma idéia que eu acho que
tem sido muito derrotada na cultura
nos últimos anos. A idéia da experiên-
cia é a idéia de que você entra de um
jeito e sai de outro, essa possibilidade
que a cultura traz para a vida cotidiana
das pessoas é uma possibilidade que a
gente nunca pode esquecer. Por quê?

1º Seminário Internacional de Gestão Cultural • 85


Porque há raras políticas capazes de tras e novas linguagens, com a minha Outro ponto relevante para pensar as sar que o sentido da cooperação se dá
promover encontros nos quais você capacidade de compreender e dialogar políticas de cooperação cultural: como nesse contato, nesse primeiro appro-
amplia a subjetividade das pessoas, melhor com o mundo? Em que medida responder a um mundo que amplia ach, nessa idéia de aproximação... Eu
seu repertório crítico e simbólico, não trazer novos atores para a cena públi- os seus conflitos a partir da cultura? acho que é falar sobre a irrealidade,
só a partir do que a realidade lhe pro- ca cultural é uma resposta para as po- Como pensar, como diz Jesus Martin né? Nós estamos num mundo em mo-
põe, mas das suas fantasias, de seus líticas de proximidade? Talvez seja um Barbeiro, numa possibilidade de rein- vimento, sim, esses movimentos pro-
sonhos e desejos. princípio, mas eu venho afirmando que ventar os nossos espaços simbólicos duzem segregações em grande parte.
não é uma resposta. Por quê? Porque para que essas experiências produ- Os processos migratórios, as condi-
A idéia da cultura como invenção, a muitas das produções que hoje são vi- zam alguma coisa que não seja con- ções dos refugiados, as condições de
idéia da cultura como transgressão síveis, que fazem parte dos meios de fronto, conflito, guerra ou reafirmação mobilidade entre e dentro das próprias
do status quo, a idéia da cultura como comunicação, que estão hoje sendo li- de identidades que são fundamentais, cidades são um tema fundamental. No
uma possibilidade de experenciar das como experiências que produzem mas que não correspondem muitas ve- entanto, as nossas ferramentas, hoje,
algo novo é uma utopia que tem de o diferente em territórios, trazem assi- zes a essa possibilidade de você ver no para pensar esse contingente de pes-
ser resgatada. Aliás, um dos grandes metrias importantes para esses terri- outro alguém que não é uma ameaça, soas, o contingente, por exemplo, de
pensadores sobre cooperação ibero- tórios também. Onde estão os jovens alguém que é uma ponte, uma via de jovens brasileiros que, ao atravessar
americana, Eduardo Delgado, escre- evangélicos, onde estão os jovens que diálogo, alguém que acrescenta na sua de uma favela para outra, são mortos
veu, já no final da vida dele, um tex- cumprem pena em conflito com a lei? vida, na nossa sociedade, nas comuni- porque são entendidos como pesso-
tinho do qual eu retirei um trecho na Milhões de jovens... Milhões de jovens dades algo que pode nos transformar. as que são de facções diferentes, são
revista Pensar Iberoamérica, em que no Brasil que estão hoje segregados, Não é possível, do meu ponto de vista, frágeis. E imaginar que traduzir essa
ele fala o seguinte: “A diversidade ibe- excluídos, que não são produtores de pensar uma política cultural que hoje complexidade em apoios específicos
ro-americana só ganha força quando Hip Hop, que não são produtores de te- não esteja refletindo essas grandes de projetos, de oficinas, programas de
expressa a sua pluralidade em termos atro, que não são produtores de nada questões, que não pense, por exem- auto-estima - que eu nunca sei exata-
cosmopolitas. Tarefa difícil, mas pos- porque não tiveram acesso a um con- plo, a partir de campos de refugiados. mente o que é isso - pode ampliar a
sível. O espaço ibero-americano não é junto de políticas, inclusive à política Que tipo de cooperação a gente está nossa capacidade de cooperar juntos
um legado do passado e nem existe de cultura. Qual é a resposta que te- produzindo? A cooperação das leis de ou pode conseguir fazer com que a
de maneira concreta. A sua afirmação mos a oferecer para esse enorme con- migração européias atuais, nas quais gente reinvente as nossas utopias é no
surge de uma vontade coletiva e de tingente alijado dos processos cultu- você tem um tipo de indivíduo, que é mínimo ingênuo.
uma utopia conjunta. Para construí-lo rais porque não estão organizados em o indivíduo previsível para entrar numa
é necessário olhar o futuro e entrar- grupos e iniciativas culturais? Ou seja: alfândega, para passar por um funcio- Nós, como gestores, criadores, preci-
mos no século 21 com a força da nos- do lado de fora das políticas de apoio nário de uma aduana, de um aeropor- samos nos desafiar a pensar que es-
sa criatividade e a ousadia das nos- e dos editais públicos? Há uma incapa- to, que tem que ter cartão de crédito, tamos diante de um desafio ético e
sas aspirações”. Aqui nós temos três cidade nossa, como produtores, como que tem que ter pelo menos US$1.000 que à cultura cabe imaginar formas de
palavras-chave: primeiro é preciso ter gestores, de pensar que uma política no bolso, que tem que ter um hotel, um reinventar essas mentalidades. Como
inspiração, não existe possibilidade de cultura não é feita só de visibilida- tipo de sujeito visto como alguém que a partir da cultura a gente redesenha
de você pensar uma política cultural des, de apoios. Ela é feita de uma mo- não seja uma ameaça. as nossas políticas para permitir que
em que as pessoas não se inspirem, tivação e de uma utopia, e essa utopia a idéia da experiência seja mais im-
não expandam as suas possibilidades é a possibilidade de construirmos um Será que as políticas que produzem portante que a idéia da reafirmação
de criar, de repensar a si mesmas, ethos comum de sociedade, de fazer uma utopia são capazes de pensar de pequenas identidades? É evidente
de reinventar as suas identidades se da experiência estética uma possibili- esse tipo de instrumento? Será que os que a experiência só pode ser feita a
esse for o caso. Essa ampliação das dade de elaboração de uma ética. Ou nossos pactos de cooperação conse- partir de identidades, mas pensar que
liberdades simbólicas é o principal pelo menos de ampliar os diálogos e guem de alguma forma entender que sua motivação, sua aspiração é o en-
papel das políticas de cultura na con- os encontros, de permitir que a expe- a cultura tem esse desafio, de desar- contro, é a possibilidade de fazer com
temporaneidade. E o que nós temos riência cultural de qualidade transfor- ticular essa mentalidade da ameaça que as pessoas se olhem de formas
feito para promover essa finalidade? me pessoas que não necessariamente ao diferente? Uma coisa é cooperação diferentes, é fazer com que um meni-
estão imbuídas de serem criadoras de cultural outra são intercâmbios de pro- no que não tenha a menor intenção de
Vocês imaginem, por exemplo, em uma cultura. O que se vê e o que se catalo- jetos entre coisas conhecidas, não é? produzir arte e cultura seja sensibiliza-
cidade como o Rio de Janeiro, que é a ga, e o que se pesquisa muito hoje é a Agora, você tem grupos de estudantes do por esse contingente de produções,
cidade em que eu moro, a importância possibilidade de você pensar esses en- brasileiros que ficam 72h presos numa de experimentações é fundamental. E
das produções culturais que têm sido contros a partir da produção artística sala dentro do aeroporto de Barajas, aí eu diria: é preciso aumentar as nos-
feitas nas periferias e nas favelas, que cultural. Então a impressão que se dá em Madrid, sem condições de dizer sas ferramentas, os nossos programas
são um dado novo efetivo para as po- é que, ao aumentar os atores, ao au- que eles estão ali, apesar de não te- voltados para o experimentalismo.
líticas de cultura. Porém, existe uma mentar as possibilidades de visibilida- rem grana, de não terem dinheiro para Eu acho que a gente está silenciando
questão que é preponderante nesse de, você está ampliando essas possibi- um intercâmbio científico, e que vão muito, hoje a gente promove culturas
ponto: em que medida a visibilidade lidades de encontro e isso é um ponto ficar provavelmente numa casa univer- em que o foco é mudar magicamente
promove o acesso à cultura, o encon- que merece análise, pois pode ser um sitária e não num hotel três estrelas, e indicadores sociais ou promover divi-
tro com o que eu desconheço, com ou- princípio, mas não responde ao todo. que não têm cartão de crédito. E pen- dendos econômicos. Isso são conseqü-

86 • Mundo em movimento:política cultural, intercâmbios e cooperação internacional 1º Seminário Internacional de Gestão Cultural • 87
ências naturais de boas políticas cultu- digma aqui que não deve ser mexido. pode ser pobre, você pode ser rico, diria que a cultura só existe se a gen-
rais. No entanto, a política de cultura Esse não é o compromisso da cultura, você pode ser negro, você pode ser te consegue manter a esperança no
em si é a grande possibilidade de as do meu ponto de vista. Então acho branco, não importa. Sempre existem futuro, e esse futuro é um futuro que
pessoas sentirem que elas têm algo a que a gente tem que repensar a forma os vencedores, sempre existem aque- a gente precisa reinventar, talvez com
mais além do econômico e do social. como a gente produz os nossos proje- las pessoas que se organizam melhor, utopias novas, repensando muitas coi-
As políticas de caráter social partem tos, os conceitos que a gente manipu- que têm mais talento do que as outras, sas e acreditando especialmente que,
de um princípio, no qual a gente preci- la, a maneira como a gente se motiva e as políticas de cultura não podem por cima de tudo, existe um fator hu-
sa prestar muita atenção, que é a idéia para esse fazer junto. achar que, ao ampliar essas represen- manístico, humanitário, filosófico, que
da vulnerabilidade do sujeito diante da tações de quem tem mais talento, es- tem que resistir, e essa resistência é
sociedade em que ele vive. E aí vou resgatar do parágrafo do Eduar- tão produzindo algo novo para uma so- uma tarefa nossa. Obrigada.
do Delgado a grande possibilidade de a ciedade que continua com as mesmas
A cultura parte da potência. A coopera- cultura fazer diferença num mundo em assimetrias, que continua com o man-
ção é uma experiência de poder, é uma movimento, num mundo em conflitos: é to de pessoas invisíveis, que continua
experiência de deslocamento de pode- ser capaz de reconstruir uma utopia de de costas para os direitos humanos.
res, na qual eu parto de um processo que, apesar disso, é possível em algum Então a política de cultura bate pal-
meu no encontro com outro e alguma lugar, em vários lugares, em vários mo- mas para a visibilidade, mas se você
coisa nova se produz. Talvez a gente mentos a gente estar junto. É a gente tem um menino que é de um grupo de
precise repensar a partir de uma am- encontrar uma maneira de estabelecer Hip Hop e que em casa ele promove
bição de construir um ethos comum. conexões, proximidades, não só a partir qualquer nível de violência doméstica,
A idéia de cooperação é uma dimen- da nossa diversidade e não só a partir alguma coisa está errada, não é? Se
são meio genérico-universal da cultu- das nossas diferenças, mas aquilo que você tem grupos que têm mais oportu-
ra, é uma crença que as pessoas têm nos liga como uma geração que, num nidades de gerar emprego no mercado
de que é possível construir um ethos determinado momento histórico, numa cultural, nas indústrias culturais, que
comum, um ethos que evidentemente determinada geração, faz parte desse produzem cinema, que produzem tea-
engloba diferenças e diversidades e movimento e consegue encontrar ma- tro, que aparecem na Rede Globo e em
outras tantas coisas. Porém, o fundo neiras e formas de se conectar. Numa outras tantas televisões, maravilha.
disso é uma crença de que é possível sociedade em formação a idéia da co- Mas quem são essas pessoas? Será
fazer as coisas juntos, que é possível nexão é fundamental, mas se conectar que a gente conseguiu produzir uma
estar junto e é essa grandeza que eu sem uma ética que coloque o desafio experiência capaz de fazer com que
acho que não é possível perder. humanitário à frente das diferenças cul- elas se revelem pessoas melhores, re-
turais é fazer pouca coisa. Eu trouxe um velem que elas têm mais condições de
Para imaginar como podemos coope- texto no qual eu detalho isso de uma se encontrar com o diferente?
rar, é preciso que a sociedade brasilei- forma mais clara, mas eu queria hoje
ra repense as maneiras pelas quais ela realmente fazer uma chamada em tor- Em muitos e muitos grupos que eu
está formulando, produzindo, investin- no desses conceitos. acompanho no Rio de Janeiro eu vejo
do nesse conjunto de propósitos que é um enorme preconceito. Quantos garo-
a política de cultura. Eu acho que a pri- Eu tenho falado no Rio de Janeiro para tos que fazem parte de igrejas evangé-
meira questão é conceitual, acho que a grupos e a pergunta que muitas vezes licas, quantos garotos que fazem parte
gente devia dizer não para o viés social me fazem e me fizeram na semana das igrejas católicas, quantos meninos
sempre. Eu tenho algumas dezenas de passada, quando reuni grupos de Hip que não estão naquilo que a gente
artigos, ensaios, nos quais eu trabalho Hop no Rio com grupos de São Paulo, considera o bacana, o cult, o legal? Eu
isso de uma forma mais teórica, mas é a seguinte: a gente tem gerado opor- acho que a responsabilidade da cultu-
aqui eu acho que a gente teve uma tunidades culturais para vários grupos ra é com o todo, é com esse conjunto
boa carga de teorias e eu queria dizer novos, porém, muitas vezes, o que se de pessoas que em algum momento
isso pra vocês: o social está matando percebe é que as pessoas não mudam da vida delas têm que se encontrar
a cultura, o social é o lado obscuro da na sua essência, e se percebe também com a experiência cultural.
cultura. Com a cultura caminhando que, ao ascender, ao tornar a sua expe-
sem pensar em ajuste social, a cultura riência mais visível, não há nenhuma Então, eu queria fechar a minha fala - MARTA PORTO
que olha a sociedade e se permite di- mudança, nenhum eixo de mudança realmente a minha voz não está agüen- XBrasil – Rio de Janeiro (RJ)
zer que a sociedade não está boa, essa nessa possibilidade de encontrar de tando mais - pensando nisso, talvez a
sociedade não está andando bem, uma forma mais franca e aberta com gente tenha que fazer nesse momen- Jornalista, ensaísta e editora. É diretora de Conteúdo e Es-
essa sociedade precisa ser repensada, o outro. Pelo contrário, não é? Quer to com que nosso pêndulo comece a tratégia da XBrasil e consultora internacional em políticas
não é a sociedade da inclusão social. A dizer, você vai formando uma políti- pensar o conjunto de pessoas que não culturais. Foi Diretora de Planejamento e Coordenação Cul-
sociedade da inclusão social é a socie- ca de reafirmação de novos talentos estão encontrando, nesse momento tural da SMC/BH na gestão de Patrus Ananias (1993-1996)
dade que diz ok, está tudo ótimo, mas numa sociedade que já tem o que eu histórico que a gente está vivendo, ne- e Coordenadora Regional da UNESCO no Estado do Rio de
eu vou incluir mais alguns nesse para- chamo de lógica dos vencedores. Você nhuma possibilidade de vida digna. Eu Janeiro (1999-2002).

88 • Mundo em movimento:política cultural, intercâmbios e cooperação internacional 1º Seminário Internacional de Gestão Cultural • 89
MESA: MERCADO DE PALESTRA
Bom-dia a todos vocês. Em primeiro
lugar, eu gostaria de agradecer aos or-
ganizadores, à DUO e também à equi-

TRABALHO EM POR
pe da DUO, à Maria Helena, por esse
convite que muito me honra. É um
privilégio poder estar em um país tão
interessante para os mexicanos como

MUTAÇÃO: GESTÃO JOSÉ é o Brasil. Há 50 anos, o ritmo da bos-


sa nova nos inundou e nos preencheu
com novas cores e novos sabores na

CULTURAL E ANTONIO música popular e, em 1970, todo o


México torceu pelo Brasil para celebrar
o campeonato mundial de futebol. En-

FORMAÇÃO MAC
tão, o Brasil é um país muito interes-
sante e muito agradável e é um privi-
légio, para mim, poder estar aqui com
vocês participando deste evento que

PROFISSIONAL GREGOR reúne os gestores culturais de vários


lugares deste país.

Efetivamente, a gestão cultural é um

Mediadora: Lia Calabre


campo emergente, há até pouco tempo
não se falava em processos de forma-
ção de promotores culturais e existiam

Fundação Casa de Rui já promotores culturais. Eu vou falar


para vocês sobre o meu país: milhares
de produtores culturais em todos os lu-
Barbosa - RJ/Brasil gares organizando festivais, organizan-
do a produção de revistas, de música
popular, porque, de uns 15 anos para
cá, começa-se a falar da necessidade
da formação de promotores culturais.
Nós, no México, fazemos uma diferen-
ciação: o promotor cultural é aquele
que está trabalhando de fato na pro-
moção da cultura; e o gestor cultural é
aquela pessoa que está em processo
de profissionalização, ou seja, o pro-
motor cultural normalmente não vive
Dia 7 de novembro apenas de ser promotor cultural, o ges-
tor cultural já vê isso como uma forma
de vida profissional.

Eu vou dividir a minha exposição em


duas partes: algumas reflexões sobre
porque agora é importante profissiona-
lizar os gestores culturais; e a segunda
parte, na qual eu vou apresentar para
vocês a experiência que nós vivemos
entre 2001 e 2007, quando nós cria-
mos um sistema nacional de capacita-
ção e de profissionalização de promo-
tores e de gestores culturais.

Então, em primeiro lugar, algumas re-


flexões. Por que, agora, é importante

1º Seminário Internacional de Gestão Cultural • 91


essa reflexão? Em primeiro lugar, pela zados são os que são filhos de pessoas acreditamos que a cultura começa a em todos os âmbitos, ou seja, no âm-
crescente complexidade que está ad- ainda casadas. Existe uma surpresa, mostrar o seu enorme potencial trans- bito familiar já dizíamos como é ne-
quirindo a vida cultural dos povos em então! A estrutura familiar agora é setorial para impulsionar certos tipos cessário ter agora a flexibilidade de
um contexto de globalização. As mi- o papai, a mamãe e os filhos, o novo de desenvolvimento, ou seja, começa entender as novas formas de estrutura
grações estão gerando novas formas marido da mamãe, a nova esposa do a se entender que não pode existir um e isso também acontece no nível do
e novas expressões de cultura e novos papai, os filhos do marido da mamãe desenvolvimento auto-sustentável, au- bairro, da comunidade rural, no nível
conflitos culturais que têm que ser e os filhos da esposa do papai e, de re- togestor que dê verdadeiro sentido a da comunidade universitária, no nível
compreendidos porque, finalmente, pente, bom, são os irmãos paralelos. um povo se esse desenvolvimento não da comunidade artística, enfim, o con-
nesses processos de imigração não so- Aí, então, agora o prefixo “ex” explica parte da cultura. Não porque tudo seja ceito de comunidade cada vez nos es-
mente estão em jogo a vida econômi- tudo: a minha ex-esposa, o meu ex-fi- cultura, não porque a cultura tenha de capole mais, ou seja, é cada vez mais
ca e todas as mudanças que isso impli- lho, o ex do meu ex que não sou eu, ou resolver todas as coisas, mas é certo difícil entender esse conceito e, é claro,
ca. As mudanças de geografia, ou seja, seja, tudo isso afeta as identidades. A que a cultura permite orientar e dar é mais difícil de construí-lo. Por quê?
chegar até regiões desconhecidas, forma de viver o núcleo familiar é dife- sentido a um tipo de desenvolvimento Porque o conceito de comunidade é
viajar em processos inclusive como rente, se adquire uma nova forma de no qual já não necessariamente nós agora uma necessidade imperiosa
os mexicanos que cruzam a fronteira entender as relações. Antes, o conceito tenhamos que copiar modelos de de- de muitas pessoas. Porque há que se
para os EUA. Arriscam aí suas próprias ‘madrasta’ era de bruxa, e agora a ma- senvolvimento. profissionalizar os gestores para criar
vidas e também colocam em jogo toda drasta, a esposa do meu pai, ou seja, vínculos, pontes e redes. O gestor é um
a sua cultura e todo o arsenal de ele- pode ser até uma melhor companhei- Por que nós temos que profissionalizar construtor de pontes com metodologia
mentos que permite que esses fluxos ra. Em muitos casos, outras relações os promotores culturais? Porque já não sustentada na práxis, práxis entendida
se movimentem. Podemos dizer que que ofereciam então novas formas de se pode fazer a gestão a partir do tradi- na maneira freiriana como um proces-
o México, sendo um país ainda pobre, exclusão também apareceram. cional paternalismo autoritário elitista. so de reflexão, ação sobre o mundo
é um país com uma riqueza cultural Paulo Freire, o maravilhoso pedagogo para transformá-lo, para refletir sobre
extraordinária. Existem 62 povos indí- Nós estamos enfrentando novas formas brasileiro, no seu livro “A pedagogia do o que nós vamos fazer e agir.
genas, com 62 idiomas, e esses povos de exclusão nas quais já não se trata de oprimido”, faz uma análise do que ele
encontraram um contexto de pobreza ser indígena, se você é indígena ou se chama de educação bancária, e a con- E nesse sentido me parece também
econômica, um núcleo fundamental você é negro ou se você é alguma coi- traposta a ela que é a educação liber- muito importante entender a cultura,
no qual se entrincheiraram para resis- sa. Agora tem a ver, por exemplo, com tadora. Em muitos sentidos o processo ou seja, existem mil definições de cul-
tir e esse núcleo é a sua cultura. A par- as novas formas de emergência de no- de gestão cultural é um processo edu- tura, mas eu gosto de uma que a define
tir da sua cultura, os povos indígenas vas identidades: os gays, os ambienta- cativo, é um processo comunicativo. como uma atmosfera de relações, uma
continuam sendo indígenas e, a partir listas, as organizações indígenas, com atmosfera de certos tipos de relações
da sua cultura, da sua festa, das suas independência do ser indígena, ou Eu digo que não sei se isso acontece e, nessa atmosfera de relações, as me-
religiões, do seu idioma, eles podem seja, novas formas emergem de repre- aqui, mas no México é muito comum todologias desejáveis para promoção
migrar para outros países. Nós vamos sentação e novas formas também de que existam promotores muito enga- da cultura estariam sustentadas fun-
encontrar nos Estados Unidos povos violência. Ontem se disse sobre a vio- jados com muito boa fé, com muita damentalmente pelo diálogo: diálogo,
indígenas como o povo Mixe, que vive lência na Colômbia, no México, não sei capacidade de serviço, mas que são como a etimologia diz: logos - palavra,
como Mixe e vivencia sua comida e sua se vocês leram isso. Nos últimos cinco incapazes de gerar processos partici- estudo, conhecimento; dia - através de;
religião como se ainda estivesse na anos, a violência alcançou dimensões pativos porque, no fundo, trabalhando dia - a palavra que transforma, a pala-
sua terra natal, que é Oaxaca, ou seja, que nunca antes nós havíamos ima- para as comunidades, eles desconfiam vra que atravessa. Diálogo é a palavra
nos processos de imigração, a cultura ginado no México. Eu estava viajando das comunidades. Então eles fazem que atravessa, que comove, a palavra
continua sendo uma importantíssima para o Brasil e vi pela internet o aciden- tudo, ou seja, eles conseguem uma que modifica. A palavra precisa do
bússola que orienta e dá sentido de te aéreo no qual o ministro do interior exposição, eles conseguem fazer uma sorriso perfeito, diria Silvio Rodrigues,
continuidade para esses povos. viajava junto com o delegado antidro- exposição no local que eles escolhem ou seja, o diálogo entre criadores e o
gas e o avião caiu dentro da cidade do naquela comunidade, eles conseguem público, entre criadores de diferentes
Eu acredito que novas estruturas fami- México na região de maior trânsito. o coquetel, eles são os que distribuem gêneros, de diferentes raças, correntes
liares sejam um fenômeno que tam- Eram 19h e provavelmente tenha sido os convites, eles é que aparecem nas e idades, o diálogo entre cidadãos.
bém está tocando o assunto das iden- um atentado. Então as pessoas vivem fotos, ou seja, eles fazem tudo porque
tidades ou perpassando o assunto das a vida, cada vez mais isoladas, porque no fundo realmente eles desconfiam A gestão cultural é capaz de construir
identidades. E eu não julgo se isso é também existe uma situação na qual da capacidade da comunidade para uma comunidade, comunidades que
positivo ou negativo, mas é uma rea- existe tanta violência que os espaços assumir a gestão como uma forma de ampliem sua capacidade de decisão e,
lidade que as estruturas familiares es- públicos cada vez são menos acessí- desenvolvimento próprio. ao mesmo tempo, é capaz de construir
tão diferentes. Antes a tradicional era veis, as crianças já não podem sair a cidadania, o diálogo entre comuni-
o papai, a mamãe e os filhos. Quando para os parques para brincar porque é Nesse esquema vertical, o promotor dades, portanto, entre criadores, públi-
eu era criança na escola, o filho de um perigoso. Então existem processos de decide, programa, opera e avalia, por cos e instituições. É certo que a crise
divorciado era estigmatizado. Ah! Seus desarticulação e de individualismo que uma crescente necessidade de cons- econômica sempre considera menos
pais estão divorciados! Era um escân- estão criando novos desafios para o de- truir a comunidade. E quando falamos importante a cultura, mas não é que
dalo. E agora os que estão estigmati- senvolvimento cultural. Mas também de construir a comunidade, falamos falta dinheiro, faltam projetos, proje-

92 • Mercado de trabalho em mutação: gestão cultural e formação profissional 1º Seminário Internacional de Gestão Cultural • 93
tos de qualidade, projetos de impacto. o promotor sempre tem que trabalhar zar, ou seja, não somente nós nos limi- tes, eficientes e participativos. Quanto
E, nesse sentido, eu acho que um dos com uma comunidade e não para a távamos a profissionalizar os gestores, às estratégias de operação, foi muito
grandes desafios da gestão cultural é comunidade. E nessa relação promo- mas também existiam promotores que interessante. Nós éramos governo fe-
a geração de processos interculturais. tor/comunidade o projeto cumpre um queriam só algum tipo de atualização deral no México e o que nós fizemos
A interculturalidade vem sendo, me papel fundamental. Um gestor que não ou um curso mais curto, mais especí- foi mais do que criar um programa e
parece, um dos grandes desafios para tem projeto me parece que estará tra- fico, e também tinham essa oportuni- mandar esse programa para o interior
construir e gerar desenvolvimento a balhando, como se fazia anteriormen- dade. A reflexão crítica e o intercâmbio do país, nós convocamos os responsá-
partir da cultura. te, com atividades sustentadas mais de experiências de gestão foram for- veis de cultura dos estados do interior
na intuição, atividades dispersas, não mando uma rede e vocês vão ver mais do país e, juntos, nós construímos as
Como nós entendemos a intercultura- conexas. E, finalmente, me parece que adiante os dados. bases fundamentais do sistema de tal
lidade? Nós entendemos como esse o projeto é uma síntese, uma síntese modo que isso não pareceu simples-
processo - e vocês se lembrarão da na qual se encontram ou se objetivam Ao largo de sete anos nós formamos mente uma transferência do centro
matéria de lógica, a teoria dos conjun- as propostas do que se vai fazer e para quase 21.000 promotores culturais para fora, mas sim uma construção
tos, de como conjunto A e o conjunto B que se vai fazer. Então, é um acordo em todo o país e se fez uma rede de que partiu também do interior com a
se juntam, e, nessa área que compar- que gestor, promotor e comunidade promotores muito importante de modo federação. Isso permitiu um alto grau
tilham, que se chama área de interse- fazem e esse acordo fica sintetizado que tivessem acesso a opções infor- de apropriação pelos estados desse
ção, nós temos elementos comuns de e fica reunido em um processo para o mativas, pertinentes, atualizadas e de sistema. E isso foi uma coisa muito
A e elementos comuns de B. O que não desenvolvimento cultural. qualidade para repensar, consolidar e importante que nós chamamos de ins-
pode conseguir a teoria do conjunto e sustentar a sua prática profissional em tância organizadora, ou seja, nós nos
que a cultura, sim, pode conseguir é E agora, sim, rapidamente, eu vou uma práxis mais eficiente, comprome- referimos com essa expressão à orga-
que de um processo dialógico entre A compartilhar com vocês essa experiên- tida com o desenvolvimento cultural. nização desse diploma ou seminário
e B se gere C, ou seja, a cultura como cia que teve lugar entre 2001 e 2007. Nesse sentido também nós víamos ou mestrado. Poderia ser o governo
possibilidade de criação e de invenção Em dezembro de 2007, eu deixei a di- como o promotor cultural se sentia local, poderia ser a universidade, uma
de novos processos e expressões. A in- reção desse sistema que apresentarei muito isolado na sua comunidade, era ONG, etc.
terculturalidade pressupõe processos para vocês, então, eu falarei sobre es- sozinho, lutava sozinho sempre em
de diálogo em condições excelentes ses quase oito anos do meu trabalho. condições bastante precárias, sempre Então, se consideraram ações siste-
porque, se A subordina a B, nós não A missão que eu tinha com o sistema lutando contra a maré. E, de repente, a máticas para avaliar os projetos cultu-
estamos falando de interculturalidade. nacional de capacitação era capacitar, possibilidade de encontrar-se com ou- rais, ou seja, todos os promotores que
E profissionalizar para construir novas atualizar e contribuir na profissionaliza- tras pessoas mais e com outros muito queriam certificar os seus diplomados
utopias, para retirar essa idéia que te- ção de promotores e gestores culturais mais como ele em um encontro nacio- tinham que elaborar um projeto, e es-
mos de que aqui existe só um discurso, das instituições públicas e privadas, nal no qual chegavam 700 promotores ses projetos foram avaliados e foram
o discurso do individualismo, do consu- educativas e culturais de organizações culturais, ou seja, isso gerava uma sen- apresentados e colocados em um ban-
mismo e o culto ao corpo como única não governamentais, comunitárias e sação de pertencimento a uma comu- co de projetos da internet para que
forma de existência, e entender, como grupos independentes, com o fim de nidade de promotores que gerou pro- toda a rede de promotores soubesse
diria Ceratti, que a vida sem utopia elevar o nível e a qualidade dos proje- cessos muito interessantes. que tipos de projetos estavam sendo
não é mais do que o ensaio da morte. tos e serviços culturais que oferecem considerados naquele momento. Nós
Se nós deixamos de acreditar, se dei- à população. Então, nesse sentido, O objetivo era desenvolver processos conseguimos com a secretaria da edu-
xamos de pensar que através daquilo a proposta era bastante ampla e nós sistemáticos de capacitação e forma- cação que se certificassem todos os
que fazemos e daquilo que somos nós entendíamos, por um lado, que as ins- ção integral de nível nacional através estudos que nós gerávamos ali. Isso foi
podemos ser melhores como pessoas, tituições públicas, privadas e as ONGs de diplomados seminários, estudos muito importante porque muitos pro-
como coletividade, eu acredito, então, cada vez tinham maior interesse em profissionais, publicações e encontros motores culturais já levavam cinco, 10,
que a gestão cultural poderia ficar re- formar promotores culturais, inclusive com o propósito de proporcionar aos 20 anos trabalhando e nunca tinham
duzida a atividades de índole adminis- algumas que nem sequer tinham pro- promotores e gestores culturais ele- tido um papel que os reconhecesse ou
trativa para gerir recursos e apoiar pro- motores culturais começaram a enten- mentos significativos para a adminis- que reconhecesse a sua capacidade
jetos que não teriam impacto. der a importância desse tipo de projeto tração - e aqui se trata de toda a nossa profissional, a sua competência para
para suas diferentes instâncias. formação acadêmica que incluía uma trabalhar na área. Então isso significou
Então eu acho que, em grande medida, parte do currículo que eram marcos muito para que os promotores dignifi-
a possibilidade de construir a utopia conceituais; a outra, modelos metodo- cassem e revalorizassem a sua própria
que é gerada pela cultura é realmen- A visão - ou seja, até onde nós quería- lógicos. Aos marcos conceituais nor- condição profissional.
te um potencial de trabalho extraor- mos chegar como sistema, como nós malmente nós dedicávamos 30% do Nós tínhamos três subsistemas funda-
dinário e, finalmente, para concluir nos imaginávamos - era de que os pro- conteúdo; aos marcos metodológicos, mentais. O primeiro - o de capacitação
esta primeira parte - a segunda parte motores e gestores culturais do México 50% do conteúdo; e às ferramentas modular - era um subsistema no qual
eu farei de modo mais objetivo -, eu encontrassem no sistema nacional de técnicas e práticas de campo, 20% os diplomados eram armados por mó-
questiono uma tríade. Eu reflito sobre capacitação um espaço de oportunida- mais ou menos, com uma diversidade dulos de tal modo que o promotor pode-
uma tríade indivisível: o promotor sem de para sua profissionalização. Para de enfoques que favorecesse a reali- ria escolher o módulo de um diploma,
a comunidade não faz sentido algum, aqueles que quiseram se profissionali- zação de projetos culturais pertinen- outro módulo de outro diploma, etc. e

94 • Mercado de trabalho em mutação: gestão cultural e formação profissional 1º Seminário Internacional de Gestão Cultural • 95
ele armava o seu processo curricular capacitação. Em muitas universidades qualificamos, a média de avaliação comunidade e disse: olha, vocês po-
de acordo com seus interesses sempre 500 horas é um mestrado. Por exem- dos professores foi de 9.3, ou seja, um dem me falar da história da sua comu-
quando nessa armação houvesse um plo, em uma das licenciaturas nós con- alto nível de excelência acadêmica. Es- nidade? Responderam: Bom, sim, eu
equilíbrio entre 30% de matérias con- seguimos fazer com que a licenciatura ses quatro círculos integravam a rede falo com você, mas quem sabe tudo
ceituais, 50% metodológicas e 20% não fosse realizada em quatro anos, nacional de promotores culturais, e, isso é Don Juan. Eu fui até outra comu-
de técnicas ou práticas de campo, ou mas em dois anos. O requisito era que no último trecho, foi feita uma avalia- nidade e perguntei: Ah, você pode me
seja, no modular existia muita flexibi- tivessem dez anos de prática profis- ção de uma amostra representativa de falar sobre o aspecto da terra? A res-
lidade. Inclusive promotores viajavam sional, de experiência profissional, e projetos e nós tivemos esse resultado: posta: Ah, sim, claro, mas quem sabe
para outros lugares do país para ter au- que fossem egressos do nível dois, ou 48% eram projetos excelentes, 16% realmente sobre isso é Don Juan. E nas
las no módulo particularmente interes- seja, 10 anos de prática e 500 horas eram projetos muito bons, 12% bons festas todo mundo comentava de Don
sante para eles. O subsistema de for- de formação, de educação não formal. apenas e 24% deficientes. Juan, falava de Don Juan. Eu imagina-
mação contínua é mais tradicional: um Por que isso de educação não formal? va o Don Juan como um homem de
diplomado que começa tal dia termina A universidade reconhecia isso como A UNESCO esteve interessada, a partir idade avançada, cabelo branco, barba
tal dia num curso com sessões quinze- dois anos, ou seja, a metade do curso de um encontro em 2005, no qual o Al- comprida, um homem cheio de paz e
nais. O subsistema de capacitação a universitário. Eram três licenciaturas e bino esteve presente, em Guadalajara, tranqüilidade.
distância é um subsistema que poderia três mestrados, um total de 651 even- um encontro internacional de promo-
ser modular ou poderia ser contínuo e tos de capacitação. tores culturais no qual estiveram mais Então fui procurá-lo e, depois de muitos
todo o resultado foi muito importante de mil promotores. A UNESCO colocou dias eu o vi, eu me encontrei com ele.
como vocês verão depois nos núme- Os promotores capacitados por ano, os olhos sobre nosso sistema e se viu a Pois me disseram que em tal comuni-
ros. Uma área de crédito e certificação como vocês podem ver, foram sendo possibilidade de que a UNESCO fizesse dade, em tal dia, vão reunir o conselho
nos permitiu certificar os participantes em números ascendentes ano após a sua avaliação. A conclusão do seu re- de anciãos e Don Juan será o presiden-
com documentos de validade oficial. ano e nós alcançamos a capacitação latório é de que o sistema nacional de te do conselho. Então eu fui me encon-
Nós tínhamos um programa estraté- de 21.789 promotores culturais. Des- capacitação no México constituía uma trar com Don Juan e eu cheguei justa-
gico de formação profissional, ou seja, ses promotores, 41.4% se encontram boa prática. O texto da avaliação diz o mente antes de terminar a reunião de
junto com as universidades públicas e na faixa etária entre 26 e 45 anos seguinte: para as agências das Nações anciãos. Quando eles saíram, eu pen-
privadas nós criamos três licenciaturas - isso é muito interessante -; 83,2% Unidas, em geral, e para a UNESCO, sei: bom, com certeza vou conseguir
e três mestrados. Atualmente eles con- têm menos de dez anos de trabalho em particular, uma boa prática é en- identificar o Don Juan assim que eu o
tinuam em funcionamento. A idéia era no setor cultural, ou seja, são pessoas tendida como uma experiência de pla- enxergar. Era realmente uma obses-
ou a reflexão foi: nós não vamos con- jovens que começam a se interessar nejamento, execução, implementação são eu encontrar o Don Juan, porque
seguir processos de profissionalização pelo campo da gestão cultural; 53,5% e avaliação de uma política pública ele ia me falar de toda a história da re-
até as suas últimas conseqüências se têm nível de estudos de licenciatura no dirigida à melhoria das condições de ligião, da história da cultura da região.
nós não conseguirmos que as univer- setor formal; e 53,9% são mulheres. vida de ambos os setores populacio- E, quando o auditório ficou esvaziado,
sidades assumam a responsabilidade Desses 21.789 promotores, 13.176 nais de um país e cujo desenvolvimen- só havia um jovem de uns vinte anos
de criar esse novo campo profissional. concluíram seu plano de formação e, to se caracterize pelo caráter inovador varrendo o chão. E eu falei: onde está
E, nesse sentido, ou seja, dessas três destes, 9.683 receberam o certificado no país e na região, e por evidentes Don Juan? Ele respondeu: Quem você
licenciaturas e desses três mestrados, oficial. Na estratégia da coordenação conquistas tanto em termos de pro- está procurando? Don Juan, eu disse.
apenas uma licenciatura não obteve no centro em que nós trabalhávamos cesso como também de resultados e Ele perguntou: Qual Don Juan? Minha
o resultado que nós esperávamos. As no governo federal, o segundo círculo impactos. Sem dúvida, tal como se evi- resposta: Aquele que é o presidente
outras cinco experiências foram muito concêntrico eram os coordenadores dencia ao longo desse relatório, o de- do conselho de idosos. Ele falou: sou
bem-sucedidas. de instâncias organizadoras, ou seja, senvolvimento do sistema nacional de eu (vinte e um anos de idade). Eu fa-
cada estado, em cada universidade ou capacitação se inscreve dentro das ex- lei: desculpe, mas eu estou procurando
Rapidamente vou apresentar para você ONG, nomeava um coordenador que é periências que podem ser qualificadas pelo Don Juan, o presidente do conse-
os resultados. Bem, nós tivemos 99 te- aquele que convocava os promotores como boas práticas da gestão pública lho de idosos. Sou eu - ele disse. Eu fa-
lecursos que eram teleconferências, da sua região ou do seu estado com no México. E, para fechar o meu dis- lei: Juan - não falava Don Juan pra ele
123 cursos, 148 módulos, ou seja, o qual nós fazíamos o desenho curri- curso, quando eles me perguntaram: -, será que você pode me falar sobre a
esses módulos, além dos módulos de cular. Porque a grade curricular era somente dos setores culturais são os história e a religião? E aí ele começou
um curso de diplomado. Nós tínhamos feita de acordo com os interesses de profissionais que têm a licenciatura, o a falar e, dez minutos depois, eu disse:
gente que falava: Ah! Eu não quero ter cada região ou de cada setor com os mestrado? Eu disse a eles que o prin- - Olha, Don Juan, você poderia me falar
todo o diplomado, ou seja, eu quero só quais trabalhávamos. Então, o seguin- cipal professor que eu tinha tido e que da cultura? Aí voltei a usar o Don com
um módulo desse diplomado. Então te círculo são os instrutores, ou seja, me modificou a vida quando eu era ele. É realmente impressionante o que
havia essa possibilidade, e também os professores. Nós chegamos a tra- muito jovem foi um indígena que vivia esse garoto sabia. Eu falei tchau para
125 seminários; diplomados de nível balhar com quase 300 instrutores que na região de Guerreiro, a zona sul, na ele e fiquei muito emocionado.
1, que eram cursos de 200 horas; di- foram avaliados curso por curso e foi região sul do México.
plomados de nível 2, que eram cursos muito interessante porque a média Posteriormente, falando com uma pes-
de 300 horas. Ou seja, o egresso do de qualificação que eles obtiveram de Quando eu fiz um trabalho de campo soa de uma comunidade, eu perguntei
diplomado nível 2 tinha 500 horas de zero a dez, que é como normalmente como antropólogo, eu cheguei a uma para eles como esse Don Juan, sendo

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PALESTRA
tão novo, como ele consegue estar no Bom-dia a todos e a todas. Eu que-
conselho, presidindo o conselho de ria primeiro agradecer à organização
idosos? Para você, o que é um idoso? do encontro e, em especial, a Lena

POR
Pra mim é uma pessoa de idade. Não, Cunha, pelo convite para compartilhar
são os velhos, isso é velho. Agora, os esta mesa com os amigos Mac Gregor,
idosos são os que sabem mais, são os José Márcio e Lia Calabre. É sempre
mais sábios. Aí a pergunta que eu fiz bom estar em uma mesa com amigos.
foi: e como vocês sabem quais são os
mais sábios? E a resposta realmente
me marcou para sempre. Ele disse:
ANTÔNIO Estamos tratando aqui de um tema
fundamental: a relação entre cultu-
ra e educação. Precisamos trabalhar
é muito fácil, os homens mais sábios
são os que mais servem ao seu povo.
E tomara que o espírito de Don Juan
ALBINO melhor essa relação, porque no Brasil
e em outros países ela foi muito dila-
cerada. Parece que educação não tem

CANELAS
acompanhe vocês na sua gestão cul- nada a ver com a cultura. Parece que
tural. Muito obrigado. as escolas e a educação formal estão
totalmente alheias à cultura. Enquan-
to essa relação não for recomposta

RUBIM em um patamar bastante razoável, a


situação da cultura estará sempre fra-
gilizada, pois a cultura depende muito
dessa conexão. E a educação, por ób-
vio, depende muito desse enlace para
que ela seja realmente aquilo que deve
ser: transmissão de cultura.

Prefiro utilizar na exposição o termo


organização da cultura e não aqueles
mais corriqueiros no Brasil, como ges-
tão ou produção culturais. Espero que
depois vocês entendam a razão. Ima-
gino que organização da cultura é uma
noção mais abrangente que gestão ou
mesmo produção cultural. Obviamen-
te, essa idéia de organização da cultu-
ra tem inspiração em um dos maiores
pensadores do século passado: Anto-
JOSÉ ANTONIO MAC GREGOR nio Gramsci. Esse termo é interessan-
te, porque muitas vezes se imagina
Diretor de Planejamento da Secretaria de Cultura do Go- que a cultura é algo totalmente espon-
verno da Cidade do México. tâneo, que é algo que simplesmente
brota. Sabemos que não é bem assim.
Graduado em Antropologia Social e mestre em Desen- Cultura exige criatividade, trabalho e
volvimento Rural pela Universidade Autônoma Metropoli- organização. Dito isso, gostaria de co-
tana. Em 1985 recebeu o Prêmio Nacional de Antropolo- meçar falando do sistema cultural.
gia Social “Fray Bernardino de Sahagún” outorgado pelo
Instituto Nacional de Antropologia e História; produtor Normalmente pensamos a cultura
cultural desde 1974, trabalhou no CONACULTA durante muito a partir de um determinado
18 anos. Em sua trajetória, destacou-se como Diretor momento da cultura, que é a criação,
de Área na Direção Geral de Culturas Populares e como a inovação e a invenção. Esse é o mo-
Diretor de Capacitação Cultural, onde criou o Sistema mento mágico da cultura. A cultura só
Nacional de Capacitação e Profissionalização de Produ- existe se as pessoas, as mais distintas,
tores e Gestores Culturais; foi professor convidado em di- têm capacidade de criar: criatividade
versas universidades do país, proferiu conferências e re- para colocar no mundo novos valores,
alizou oficinas em mais de 12 países ibero-americanos. obras, práticas culturais. Esse momen-
Atualmente é o Diretor de Planejamento da Secretaria to é, sem dúvida, fundamental para a
de Cultura da Cidade do México. cultura. Mas não existe cultura se pen-

98 • Mercado de trabalho em mutação: gestão cultural e formação profissional 1º Seminário Internacional de Gestão Cultural • 99
samos apenas no momento da cria- Temos um outro momento: a conser- várias pessoas da mesa. A Lia Calabre é a mesma coisa formar um gestor ou
ção, por mais importante que ele seja. vação e preservação. Toda cultura ne- tocou nesse assunto logo no início, com um produtor cultural. É claro que a for-
Para que exista cultura é preciso todo cessita de um conjunto de instituições, múltiplas nomeações de diferentes pa- mação deles tem afinidades, mas exis-
um sistema cultural, com patamares que a humanidade inventou exatamen- íses e com muitas singularidades. Se tem peculiaridades, que não podem ser
diferenciados e flexíveis. Ele deve com- te para preservar e restaurar a cultura. formos analisar como é que o campo desconsideradas. Para entender isso
portar um conjunto de momentos. Vou Não existe vida cultural sem que todos cultural se organiza em cada país, va- será necessário pensar na singularida-
enumerar alguns desses momentos. esses passos estejam contemplados. mos ver que existem muitas diferenças de da organização da cultura no Brasil.
Isso dá uma complexidade ao sistema na sua conformação. Mas a atividade As análises comparativas são signifi-
Quem são as pessoas que socialmen- cultural. Mas falta ainda algo, que é exa- de organização da cultura está voltada, cativas para a elucidação das singu-
te são reconhecidas como pertinentes tamente o que chamo de organização independente do nome que ela tenha laridades, mas não dá para comparar
a cada um dos diversos momentos do da cultura. O que esse campo envolve? em cada país, para assegurar condições com países muito desiguais, a França
sistema cultural? Começo pela criação. Administração, gestão, financiamento, e recursos institucionais, materiais, hu- e os Estados Unidos, por exemplo. Pre-
Nesse caso são os intelectuais, os artis- legislação: um leque de atividades sem manos, legais e financeiros para que a cisamos comparar com países mais
tas e os cientistas, são os criadores das as quais a cultura não existe, porque a cultura possa se desenvolver. A organi- assemelhados, por exemplo, o México,
culturas populares, das culturas tradicio- cultura não é apenas algo espontâneo. zação da cultura pode se dar em um pla- que é um país que tem uma tradição
nais, quer dizer, um conjunto de pessoas Ela não brota, sem mais. Ela depende no macro-social ou micro-social. Quero centralizadora, apesar das experiências
que se dedicam a criar, inventar e inovar. de um conjunto de condições e circuns- propor que nós pensemos em três tipos relatadas por Mac Gregor com experi-
Uma segunda etapa, muito importante, tâncias. Isso é que permite que a cul- de profissionais, independente de sua mentos descentralizadores.
é o momento da divulgação, da difusão tura realmente possa se desenvolver nomeação específica.
e da transmissão da cultura. Esse mo- e se consolidar na sociedade. É sobre O México historicamente tem uma tra-
mento em boa medida é realizado pelos esse momento organizacional que va- Inicialmente, temos um profissional dição muito presente de políticas cul-
professores. Desde o professor primário mos conversar aqui. Mas não podia que dá conta de um plano macro-social: turais. O estado nacional tem um peso
até o universitário. Além deles, no mun- falar dessa atividade organizativa sem a formulação de políticas. Políticas cul- muito forte nisso. Como se comporta o
do contemporâneo, também os profis- delinear uma visão geral, sem afirmar turais, na verdade, são modos sociais caso brasileiro em relação ao México?
sionais da comunicação participam da que a cultura precisa sempre de todos de estruturação do campo cultural. Em relação às políticas culturais eu te-
transmissão da cultura. Um terceiro pa- esses movimentos. Nós vamos discutir, Em um primeiro nível da organização nho dito que nós temos três tradições
tamar diz respeito a circulação, coopera- portanto, um patamar específico que da cultura temos esse pessoal ligado muito tristes: primeiro, a ausência de
ção, intercâmbio e troca. A circulação é não está isolado dos outros. Mas vou exatamente às políticas culturais. Um políticas culturais. Nós só vamos ter
fundamental para que a cultura exista. destacá-lo para efeito de análise. segundo patamar é o da gestão cultu- políticas culturais de forma mais subs-
Nós temos também pessoas que lidam, ral. Estamos pensando na administra- tantiva a partir dos anos 1930, com a
por exemplo, com a mediação cultural, Que profissionais ou que pessoas estão ção de instituições, sejam públicas ou experiência de Mário de Andrade, em
diplomatas ligados à área cultural, etc. envolvidas na organização da cultura? privadas, e também na gestão de pro- São Paulo, e a do Gustavo Capanema,
Um quarto instante é o relativo à análise, Administradores, gestores, pessoas jetos de maior durabilidade, de médio no plano federal. Temos uma tradição
crítica, ao estudo, à investigação, à pes- que lidam com financiamento, com le- e longo prazo. No terceiro patamar, forte no campo do autoritarismo. Bas-
quisa e à reflexão sobre a cultura. Conve- gislação, produção cultural, isto é: for- situam-se os organizadores da cultura ta lembrar que o período no qual nós
nhamos que, para que se pense em uma muladores, promotores, animadores, que trabalham com atividades even- tivemos políticas culturais mais pre-
cultura rica e viva, essa etapa é essen- produtores, gestores, programadores tuais, a organização deste seminário, sentes foi exatamente no governo de
cial. Quer dizer, não basta que existam etc. As denominações variam de país por exemplo. Ele envolveu pessoas na Vargas, que aconteceu em boa medi-
bens culturais, é preciso que eles sejam para país, pois, como uma área não sua construção. O seminário não caiu da durante a ditadura do Estado Novo.
criticados, discutidos, debatidos. Esse é consolidada, ela não tem nomeações do céu, ele teve uma organização com Depois temos a ditadura cívico-militar
outro instante significativo da vida cultu- consolidadas. O Mac Gregor disse que pessoas dedicadas a isso. Organizaram de 1964, que tomou muitas iniciativas
ral. Estão associados a ele: pesquisado- no México são gestores e promotores. de tal maneira que podemos estar con- no campo cultural. Além da censura,
res, críticos e estudiosos da cultura. Um No Brasil nós não poderemos esquecer fortavelmente discutindo sem nos pre- da repressão, dos assassinatos, houve
outro patamar é a fruição e o consumo. os chamados produtores culturais. Em ocupar com todas as questões infra-es- uma série de intervenções no campo
Ele é um dado muito singular, pois não outros países aparecem animadores truturais que são necessárias para um das políticas culturais. Mas não foram
exige nenhum tipo de profissional. Muito culturais. Não há uma nomenclatura seminário acontecer. apenas as ditaduras que consolidaram
pelo contrário, ele, por excelência, deve internacional que dê conta desse mo- a tradição de autoritarismo. Muitas
tentar ser universal. Quanto mais pesso- mento da organização da cultura. Qual Temos determinado tipo de organizador das nossas políticas culturais, mesmo
as forem capazes de fruir a cultura, mais é a razão dessa indefinição internacio- que está ligado a coisas mais eventuais realizadas em momentos democráti-
vigorosa ela será. Enquanto nos outros nal? O campo é novo. e que no Brasil nós chamamos de pro- cos, foram autoritárias. O IPHAN, por
casos o vigor da cultura depende da exis- dutores culturais. É claro que cada um exemplo, criado em 1937, até os anos
tência de profissionais, nesse caso acon- Em todas as esferas recentes apare- desses patamares vai ter exigências de 1970 primou por tombar somente mo-
tece exatamente o contrário. Quanto cem as singularidades de cada país. formações distintas. Não é a mesma numentos da classe dominante, da cul-
mais universal for o consumo da cultura, Portanto, esse é um campo social, coisa formar o produtor cultural ou for- tura branca ocidental, em geral, igre-
mais ela tende a ser vigorosa. institucional e academicamente não mar uma pessoa qualificada para pen- jas católicas de estilo barroco. Vocês
organizado, como já foi observado por sar e formular políticas culturais. Nem hão de convir que uma instituição que

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faz isso tem uma concepção de cultura Então, o estado nacional teve um peso de incentivo tomaram o lugar do finan- ciamento e, no interior das políticas
elitista e autoritária que despreza todo grande na organização da cultura. No ciamento. Em determinado momento de financiamento, estejam submeti-
o conjunto de outras formas culturais entanto, ele não apresentava nenhu- não havia praticamente outra forma das leis de incentivo, nessa ordem. É
que existem na sociedade brasileira. ma preocupação com formação de no país de financiamento a não ser preciso refazer tudo isso.
Espero que o governo Lula dê uma gui- pessoas nessa área. O estado criava as leis de incentivo. Ou seja, o estado
nada em relação a essa tradição. instituições no campo da cultura e, praticamente se omite. Só para vocês No caso específico da organização da
no entanto, não tinha nenhum cuida- terem uma idéia, acho que em 1998, cultura é necessário recriar sua com-
Por fim, cabe lembrar que temos ainda do com quem eram os gestores das enquanto as leis de incentivo mexiam plexidade. Devem ser formadas pes-
uma tradição de grande instabilidade instituições; se eles tinham formação com algo em torno de 300 e tantos soas para as políticas culturais, para a
nas políticas culturais. Um exemplo ou não. Muitas vezes, por sorte, tive- milhões de reais, o Fundo Nacional de gestão e para a produção culturais. Te-
sintomático: entre a inauguração do Mi- mos excelentes gestores, mas isso Cultura manejava com algo em torno mos que buscar e garantir que a forma-
nistério da Cultura no Brasil em 1985 era totalmente aleatório, dependia de de 12 milhões de reais. Então acabou ção seja diversa. Não podemos conti-
e o final do governo Itamar Franco, em circunstâncias históricas e de casuali- o financiamento público direto para a nuar só formando produtores. Eles são
1994, nós tivemos em nove anos dez dades. Não tivemos uma tradição de cultura e ficou só a lei de incentivo. importantes para o sistema funcionar,
responsáveis pela cultura no Brasil. Eu formar pessoas que formulassem po- mas nós temos que ter gestores, nós
não digo dez Ministros da Cultura por- líticas culturais ou que fossem gesto- Mas as leis de incentivo não ocupa- temos que ter pessoas que tenham
que no governo Collor o Ministério foi res culturais. A situação muda a partir ram só o lugar das políticas de finan- a capacidade de formular bem políti-
fechado. O governo Collor durou dois da criação das leis de incentivo. O que ciamento, o que é já uma distorção cas culturais. Nós temos que redefinir
anos e teve dois Secretários de Cultura, acontece é muito pouco discutido: nós imensa. Há um problema ainda maior. o campo da organização da cultura e
o Ipojuca Pontes e depois Sérgio Paulo passamos desse estado central que Elas tomaram o lugar das políticas da formação da cultura, o que não é
Rouanet. No total, em nove anos nós ti- tinha iniciativas culturais, que financia- culturais. Lembrem-se de que no go- coisa pequena. Acho muito bom ter
vemos dez responsáveis pela cultura no va cultura, para um outro estado que verno FHC/Francisco Wefort tivemos nesta mesa a presença do Mac Gregor,
plano nacional implantando um minis- cada vez foi delegando suas interven- uma cartilha chamada: “Cultura, um que fala da experiência mexicana de
tério novo. É brincadeira? Instabilidade ções, inclusive o financiamento para o bom negócio”. Pensem na distorção formação em gestão cultural. Eu tive
maior do que essa não pode existir. mercado, ainda que, por absurdo, este que aconteceu no Brasil. Estou mui- uma conversa, um tempo atrás, com
financiamento seja feito com dinheiro to à vontade, pois não sou, em prin- o Juca Ferreira, quando ele ainda não
Indo adiante: as políticas culturais no público. Esse conjunto de leis de incen- cípio, contra leis de incentivo. Eu sou era ministro, quando ele era secretário
Brasil nunca focaram com atenção o tivo teve um impacto sobre a organiza- contra que a lei de incentivo se torne executivo. Eu disse exatamente a ele
tema da formação no campo cultural. ção da cultura no Brasil que ainda não a política de financiamento e que se que era preciso que fosse criado um
Se vocês observarem nas políticas cul- foi estudado devidamente. torne a política cultural. Temos aí um sistema nacional de formação e quali-
turais que foram desenvolvidas da dé- abuso total e nós não podemos con- ficação em cultura. Isso é fundamental
cada de 1930 até bem recentemente, A partir dessa revirada começa a pre- viver com isso. Se a revisão das leis para o Brasil. Esse governo podia nos
os programas que apontam para a for- dominar no Brasil aquilo que vamos de incentivo não for feita no Brasil, dar, além do que já nos deu no cam-
mação, qualificação e capacitação de chamar de produtores culturais. As pri- nós estamos muito mal. Porque essa po da cultura, essa política. Penso que
pessoas são secundários, quando não meiras leis de incentivo não previam distorção mudou muito toda a confi- devemos pressionar o governo nesse
simplesmente ausentes. Isso nunca foi isso, mas a reforma da Lei Rouanet guração da relação entre estado e sentindo. Nós podemos e devemos.
colocado como prioridade. Nós tive- passa a prever os intermediários cultu- cultura no Brasil. A partir dessas mu- Se esse governo aprovar um sistema
mos no Brasil um Estado que centra- rais que, na verdade, é um outro nome danças foi consolidada no plano da nacional de formação e qualificação
lizava as políticas culturais e o finan- para falar de produtores culturais. Co- organização da cultura uma visão na em cultura, nós vamos dar um pas-
ciamento da cultura. Pelo menos até meçamos a ter, a partir de então, uma qual não se investia na formação de so gigantesco no Brasil. Esse sistema
o início da Lei Sarney quem financiava dominância no campo da organização pessoas ligadas às políticas culturais, nacional pode ter como fonte de ins-
a cultura no país em termos nacionais da cultura dos produtores culturais. não se investia na formação de ges- piração a proposta do México. Quan-
era o Estado brasileiro. As políticas Isto é uma singularidade brasileira. Se tores culturais. Em lugar disso, cada do conversei com o Juca, disse: nós
culturais eram desenvolvidas, quase a gente for conversar com os nossos vez mais se investiu na formação de podemos criar um sistema, com base
exclusivamente, pelo estado nacio- colegas argentinos, mexicanos, colom- produtores. Em 1996, a UFBA e a UFF em um mapeamento no Brasil de to-
nal, porque os estados regionais e os bianos, ninguém vai entender porque criaram os dois primeiros cursos de das essas instituições que trabalham
municípios só se tornaram atores im- essa presença forte dos produtores graduação em Produção Cultural no formando pessoas no campo da cultu-
portantes das políticas culturais mais culturais. Ela é uma peculiaridade na- Brasil. Na época ninguém falava em ra. Feito esse mapeamento, de forma
recentemente. No caso dos estados cional que tem a ver com o peso que formação de gestores. Falava-se na sistemática, com uma pesquisa bem
regionais, isso aconteceu mais ou me- as leis de incentivo adquiriram e que formação de produtores, que era uma qualificada, depois caberia definir os
nos com a redemocratização no país. têm no país. O que é uma lei de incen- nova profissão que estava emergindo. potenciais parceiros. Anotadas quais
Os municípios só tiveram papel mais tivo? É uma lei criada para incentivar A questão que coloco para vocês é a são as instituições que fazem cursos
relevante em termos de políticas cul- a iniciativa privada a investir na cul- seguinte: é preciso que a gente rede- sérios, elas deveriam ser convidadas
turais ainda mais recentemente com a tura. Uma lei de incentivo deveria ser fina as políticas culturais no Brasil, para discutir a constituição do sistema
Constituição de 1988. uma parte de uma política maior de inclusive criando políticas públicas de nacional de formação e qualificação
financiamento da cultura. Mas as leis cultura que incluam políticas de finan- em cultura. É fundamental chamar e

102 • Mercado de trabalho em mutação: gestão cultural e formação profissional 1º Seminário Internacional de Gestão Cultural • 103
discutir com todas as instituições qua-
lificadas. Primeiro, para não reproduzir
algo imposto pelo governo nacional.
Não há nenhuma lógica em que o mi-
nistério imponha um sistema de cima
para baixo. Há muita gente fazendo
isso. Os Pontos de Cultura são um dos
melhores programas do ministério. O
que é genial nos Pontos de Cultura?
Ele não inventa. Você detecta quem faz
cultura e apóia.

Considerando essa perspectiva do


programa Pontos de Cultura, não
teria sentido que na área de forma-
ção o governo federal fosse inventar
tudo. Mas você não pode convidar
todo mundo. Deveriam ser detecta-
das as instituições mais capacitadas
e se discutiria com tais instituições
a construção do sistema. Cada uma
dessas instituições participaria no
setor de sua competência. Seria um
sistema de parceria, um sistema com-
partilhado que poderia ser feito com
todo esse conjunto de instituições e
ter impactos imediatos. Essa é outra
vantagem. Se fosse iniciar do zero, se-
ria uma coisa, mas deve-se começar
e articular o que já existe. Inclusive se
discutiria com esses parceiros: quais
as áreas nas quais não há formação
em organização da cultura? O que po-
demos potencializar? O que falta em
tal região? O que se pode fazer con-
juntamente? Vocês estão vendo que o
campo de possibilidades é muito inte-
ressante.

Só quero concluir com uma observa-


ção: nós, que militamos nesse campo
da formação, da gestão cultural, da
produção cultural, das políticas cultu-
rais, não podemos pensar esse campo
sem pensar que ele tem que ser ali- ANTÔNIO ALBINO CANELAS RUBIM
mentado pelas utopias. Penso que a
cultura, por excelência, é o campo das Professor Titular da Universidade Federal da Bahia - UFBA. Do-
utopias. É a partir da cultura que nós cente do Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cul-
podemos pensar e podemos refletir so- tura e Sociedade e do Curso de Graduação em Produção em
bre a sociedade. É a partir do campo Cultura e Comunicação. Coordenador do Centro de Estudos
cultural que nós podemos e devemos Multidisciplinares em Cultura (CULT). Pesquisador I - A do CNPq.
formular as nossas mais belas e me- Presidente do Conselho Estadual de Cultura da Bahia. Autor de
lhores utopias. pesquisas, artigos e livros sobre políticas culturais no Brasil e na
Ibero-América; cultura e política e mídia e política. Ex-diretor da
Faculdade de Comunicação da UFBA e da Associação Nacional
de Programas de Pós-Graduação em Comunicação - COMPÓS.

104 • Mercado de trabalho em mutação: gestão cultural e formação profissional 1º Seminário Internacional de Gestão Cultural • 105
PALESTRA
Bom-dia a todos. Gostaria de come-
çar agradecendo e cumprimentando
a Marcela, a Lena e toda a equipe da

POR
DUO pela iniciativa deste Seminário
que acho sempre muito importante e
necessário. Queria também agrade-
cer pelo convite de estar aqui e dizer

JOSÉ do prazer em participar de uma mesa


com pessoas tão queridas como a Lia
e o Albino, meus amigos, e o Mac Gre-

MÁRCIO gor, que acabei de conhecer. É sempre


bom encontrá-los, pois, mais do que
amigos, são pessoas que eu respeito

BARROS
muito e estimo pelo compromisso e
pela contribuição que sempre trazem
para a questão da cultura aqui no
Brasil. Queria também cumprimentar
todos vocês: alunos, ex-alunos, compa-
nheiros de trabalho, pessoas daqui de
Belo Horizonte e de outras cidades.

Ser o último é sempre difícil porque


eu fico estimulado a debater ou a se-
guir pelas pegadas, pelas sugestões
que os meus antecessores, de forma
tão lúcida, e ao mesmo tempo tão pro-
vocativa, seguiram com a discussão
aqui proposta. Mas eu fiz um roteiro
e vou segui-lo. Esse roteiro também
foi difícil de definir porque eu titubeei
se eu deveria forçar a dose como um
gestor de processos, de formação de
gestores, que é uma das coisas que eu
faço, ou se eu deveria forçar a dose na
condição de professor desses proces-
sos de formação. Pode parecer que é
a mesma coisa, mas não é. A ênfase,
às vezes, é um pouco diferente, e, en-
tão, como eu não resolvi isso na minha
cabeça, eu vou gastar uns cinco minu-
tinhos falando do que eu ando fazendo
na área da formação de gestores, para
que vocês entendam, e depois como
professor, porque eu estou levantan-
do aqui algumas questões de ordem
conceitual, teórica, sobre a questão da
gestão cultural.

Atualmente eu trabalho em um grande


projeto chamado “Pensar e agir com a
cultura”, de onde três coisas se desdo-
bram. Sobre uma delas a Lia Calabre
falou, o “Observatório da Diversidade
Cultural”, um trabalho mais recente
que tem um desafio de reconhecer a
importância da diversidade, como nós

1º Seminário Internacional de Gestão Cultural • 107


nos preparamos para trabalhar com a prático. Tem sido essa experiência que a que compõem essa articulação que eu conhecermos a sua importância, é que
diversidade, como nós podemos evi- gente tem vivido sempre indo para as estou propondo aqui. A primeira delas ditou a emergência de uma deman-
tar uma certa tendência, no meu en- cidades reconhecidamente culturais e é a nossa tão querida e às vezes fami- da de profissionalização na área da
tendimento, recorrente, o de a gente aquelas cidades a que ninguém quer gerada idéia de competência. Eu acho cultura. Na minha compreensão isso
sempre pensar cada um na sua diver- ir. Os nossos critérios são assim: olhar que isso é importante definir e decidir - precisa ser criticamente refletido por-
sidade ou a maneira como, às vezes, a para o mapa, ver as necessidades, os me sinto muito estimulado a isso pelas que tal situação ajudou a propagar os
gente reduz a questão da diversidade interesses, as possibilidades e equilibrar falas que me precederam aqui. chamados cursos Wallita - esse termo
a um mosaico das diferenças; ou como o lugar onde todo mundo gosta de ir e é um termo geracional, né? O pesso-
é que nós podemos refletir e mudar aquele lugar a que ninguém gosta de ir, Nós temos que fazer escolhas, então, al mais novo não sabe a origem des-
uma realidade de um país com tantas porque é longe, pressupõe-se que não o termo competência não é um ter- se termo, cursos Wallita. Quando os
diferenças culturais como o México, tem nada, não tem gestor, não tem nem mo consensual e ele não diz respeito eletrodomésticos foram lançados tudo
mas com menor diversidade e muito órgão de gestão municipal. Então nesse a uma universalidade de estágio de era muito difícil de ser manipulado,
pouca pluralidade cultural. Hoje, se eu a gente gosta de ir também. Um desses formação. Se a gente for à etimologia um liquidificador, uma máquina de la-
pudesse e tivesse que reduzir a uma exemplos, muito respeitosamente, é que da palavra - e eu gosto muito e gostei var roupas, então as empresas davam
equação aquilo que nos mobiliza no agora nós vamos a Paracatu. Não é que muito dos dois que me precederam cursos nas lojas, nos magazines para
“Observatório da Diversidade Cultural” ninguém goste de Paracatu, mas é que também ao trazer o uso da força que que as donas de casa aprendessem
e no projeto com o Instituto Artevisão, Paracatu é perto de Brasília, então a a palavra tem -, competência pode nos e ficou esse termo: Cursinho Wallita.
aqui de Belo Horizonte, eu diria que é gente olha para Paracatu como se fosse remeter a duas coisas muito diferen- É bom explicar para as gerações que
essa equação: por que tanta diferença assim coisa de Brasília, né? Pois bem, tes, radicalmente diferentes, porque a não têm necessidade disso, que conti-
produz menos diversidade e tão pouca no ano que vem nós estaremos lá em competência diz respeito tanto à pro- nuam não lendo os manuais dos apa-
pluralidade cultural? O que há aí nessa Paracatu. Vamos conhecer Paracatu. porção, à simetria, ou seja, à maneira relhos, mas que já são de uma cultura
relação que nós precisamos trabalhar como nós construímos uma relação de mais tecnológica.
com afinco? Bem, então desse leque de coisas com simetria que possibilita um equilíbrio,
que eu ando trabalhando nos últimos mas também competência do mesmo Mas, enfim, o Albino tocou numa
Além disso, trabalho com cursos de pós- anos e que resultaram em algumas latim, competere, quer dizer competir, questão séria que é essa demanda,
graduação. Na área de gestão cultural publicações, livros e tal é que eu pre- concorrer, buscar a mesma coisa que o essa emergência de um movimento
coordenei, e ainda coordeno, alguns parei uma fala para a qual eu vou pedir outro, atacar, hostilizar, ou seja, a raiz de profissionalização que esteve e
cursos em outros Estados. Atualmente, a vocês paciência, do ponto de vista de é a mesma, competência de compete- está ainda muito dominado por uma
eu coordeno um em Cuiabá. Além disso, uma fala ancorada nessa experiência. re. A raiz da palavra competência nos lógica que nós já criticamos que é
tenho coordenado um curso de “Arte, Mas eu usei a liberdade de pensar alto leva a esses dois significados. A minha esse modelo de financiamento de
Cultura e Educação”, que tem sido uma aqui com vocês, de trazer algumas pergunta é: com qual sentido prefe- boa parte da cultura neste país. Isso
experiência muito interessante, na Es- reflexões sobre essa equação que eu rimos trabalhar na área da cultura? é perigoso, e é isso que faz com que
cola Guignard, atualmente em parceria montei aqui: competências transver- Com qual sentido nós vamos pensar a você tenha muitos cursinhos Wallita
com a Universidade Federal de Juiz de sais e gestão da cultura, sobre improvi- formação de gestores culturais? O que sobre como preencher o formulário
Fora, porque é um curso que tem nos fei- so, bricolagem e transformações. Pois nós buscamos? Equilíbrios, invariân- de lei de incentivo. Isso faz com que
to entrar em contato e oportunizar o en- bem, então vamos lá. cias, eixos, correspondências, ou nós muitos achem que elaborar um pro-
contro e a troca entre pessoas que a vida buscamos na formação dos gestores jeto cultural é preencher um formu-
não nos faz encontrar: arte-educadores, O título da minha intervenção faz uma culturais prepará-los para a competi- lário de um edital de lei de incentivo.
artistas, educadores sociais, produtores proposição de articulação de termos ção e para a concorrência no campo O que eu estou querendo propor para
e gestores culturais. Esse curso tem um que não se articulam naturalmente, só da cultura? vocês, para a nossa reflexão, é que é
pé nos projetos públicos, tanto governa- se a gente quiser, ou seja, eu estou re- preciso saber para qual fim político-
mentais quanto não-governamentais, e lacionando a competência com trans- No meu entendimento isso não é uma institucional nós queremos formar
isso tem trazido algo muito interessante versalidade e estabelecendo uma rela- questão que se esgota na semântica, gestores culturais. Para um merca-
e um aprendizado muito grande e muito ção desses dois termos com a questão mas trata-se de uma questão políti- do no qual todos competem e estão
rico. E, por fim, cursos de capacitação da gestão cultural. Insisto que isso é ca, institucional, prioritária para que estabelecendo relações de rivalida-
menores, de 190, 200 horas, com os uma construção, não é um caminho a gente possa defini-la. Albino acabou de na disputa da mesma coisa, para
quais também a gente tem circulado natural, uma coisa não leva necessa- de falar de uma situação paradoxal. O ver quem consegue chegar primeiro.
pelo estado de Minas Gerais e tem sido riamente à outra e eu vou procurar estímulo ou a demanda da formação Quem consegue um alinhamento dos
muito bacana. Nos últimos oito anos, es- mostrar isso a vocês. Além dessa arti- de gestores e produtores culturais no seus valores, dos seus projetos, com
ses cursos contemplaram quase 2.000 culação, eu também usei alguns subs- Brasil teve um crescimento que acom- os valores e os projetos dos seus fi-
pessoas de várias cidades. tantivos com o propósito de adjetivar a panhou o crescimento da importância nanciadores? Então é uma espécie de
articulação que eu estou discutindo, ou das leis de incentivo à cultura como corrida, para ver quem chega primei-
Ao trabalhar com essa perspectiva, uma seja, a questão dos improvisos, das bri- mecanismos quase únicos de financia- ro e com mais luzes à frente? Ou nós
questão central é a reflexão sobre como colagens e das transformações. Então, mento à cultura. Ou seja, o modelo de estamos preocupados com as antigas
é que nós podemos articular três níveis, para desmontar essa equação, obvia- financiamento da cultura sobre o qual e novas formas de geração de rique-
o teórico, o metodológico e o laboratorial mente, eu preciso explicitar os termos todos nós temos críticas, apesar de re- zas e trocas através da cultura? Eu

108 • Mercado de trabalho em mutação: gestão cultural e formação profissional 1º Seminário Internacional de Gestão Cultural • 109
me refiro a “antigas e novas” porque do, muito menos com qualquer proces- versais dizem respeito, então, ao trân- Transversalidade, na área da gestão
é preciso também reconhecer que no so de transmissão de informação, mas sito entre saberes, aos cortes que nós cultural, no meu entendimento, refere-
campo da cultura tudo é muito novo, sim de processos, inclusive de educa- estabelecemos e às articulações de se a uma ruptura epistemológica com
mas tudo tem a mesma anterioridade ção, e que tudo isso nos leve ao exercí- áreas e campos de conhecimento que a perspectiva disciplinar que trata a
e permanência. cio efetivo da pluralidade no interior e restavam separados e incomunicáveis realidade através de um conjunto de
entre as diversas sociedades. e resultam de novas atitudes tanto na dados estáveis. É mais que uma ten-
Eu antecipo que, na minha perspecti- dimensão da produção cultural quanto tativa, através de mútua cooperação,
va, e nesses cursos e trabalhos com os É com essa pretensão, que alguns po- da comunicação e do aprendizado que boa vontade e simpatias, de construir
quais eu me relaciono e me envolvo, dem achar delirante, que eu acordo to- a experiência cultural nos oportuniza e referenciais conceituais e metodológi-
eu não concordo em assumir uma po- dos os dias e vou trabalhar e dar aula. nos demanda. A transversalidade não cos que vão além do consenso. Traba-
sição relativista e, às vezes, mineira, Então podemos com essas perspecti- se localiza num outro pólo, ela atraves- lhar com a perspectiva da transversa-
de responder: temos que nos preparar vas substituir o risco da rubrica jurídica sa todas essas dimensões. Por isso fa- lidade é não cairmos nesse canto da
para isso, mas também para aquilo. do termo competência, porque aí com- lar de competências transversais para sereia do consenso. Transversalidade,
Assim fica tudo muito fácil e prefiro petência se transforma em atribuição a gestão cultural significa enfrentar a portanto, é uma opção política tanto
pensar que está na hora de fazer esco- e poder. Ser competente é ter poder e questão de que a transversalidade nos quanto epistemológica, e, portanto, é
lhas. Ou então já temos a crise de não reconhecimento para fazer as coisas demanda uma capacidade de transi- uma experiência cultural de um regi-
saber mais o que é a esquerda, temos e podemos aprender metaforicamen- tar entre diferentes campos de saber me de conhecimento e ação marcado
a crise de achar que não temos mais te com a rubrica da hidrografia sobre e sem nenhum vestígio de hierarquia. simultaneamente pela abertura, pela
fronteiras. Se tivermos também agora a competência. Por incrível que pare- Portanto, transversalidade nos convida horizontalidade, pela dinamicidade.
a crise de não fazermos escolhas, en- ça, no campo da hidrografia, o termo a uma experiência de horizontalidade, Isso implica o quê? Implica o reco-
tão fica difícil. Eu quero fazer escolha e competência dos rios não é a sua velo- o que é, antropologicamente falando, nhecimento de que transversalidade
tenho feito escolhas dos projetos com cidade e nem a força das suas águas. o que a cultura deve nos fazer e que, às não é uma técnica de entrelaçamento
os quais eu tenho me envolvido. Eu A competência de um rio é sua capa- vezes, a dimensão política da cultura de conteúdos, que ações transversais
acredito que é muito diferente formar cidade de fluidez e deslocamento. Um nos impede de viver. não são uma técnica de tecelagem
gestores culturais para tratar a cultura rio é tão mais competente para quem de idéias nem muito menos uma téc-
como negócio e formar gestores cultu- dele vive quanto mais ele conduz na Articular competências com transver- nica de culinária e de boas intenções.
rais para entender e agir sobre e atra- fluidez dos seus movimentos e não na salidades significa, penso eu, construir Transversalidade é o resultado de uma
vés do negócio da cultura. Eu acho que velocidade e na força das suas águas. um novo modelo cultural de conheci- máxima aproximação entre modelos
faz muita diferença. Na primeira pers- Então, metaforicamente, eu estou que- mento e ação que opera simultanea- de representação e ação do e sobre o
pectiva, corremos o risco de reduzir a rendo dizer que a competência que eu mente duas rupturas. Com o regime mundo que se contaminam produzin-
formação para o mercado da cultura; acredito ser necessária é nessa linha. de uma subjetividade disciplinada e do configurações de conhecimentos e
na segunda, abrimos a possibilidade da razão que a modernidade empre- práticas híbridas, mas também cola-
de prepará-los para o trabalho com a Em segundo lugar, eu trabalhei com endeu e que Foucault denominou na borativas, renováveis e sustentáveis.
cultura que conforma uma socioeco- o termo da transversalidade e me in- sociedade disciplinar, e, por mais que
nomia da cultura. É para esse segundo teressa muito que a gente problema- nós olhemos para isso com um certo A terceira e última questão: se essas
ponto que eu acredito que o nosso in- tize se hoje falar de transversalidade romantismo histórico, é assim que duas idéias de competência e trans-
vestimento deve se dirigir. Eu não es- é uma retórica contemporânea ou, de nós nos dividimos dentro da universi- versalidade fazem sentido, então eu
tou aqui brincando com palavras nem fato, falar de transversalidade é falar dade, fora da universidade: criticamos me arrisco a terminar colocando algu-
propondo fáceis oposições, eu estou de um outro paradigma que nos ajuda o modelo que a modernidade nos co- mas proposições para a nossa reflexão
aqui propondo que façamos escolhas. a resolver e enfrentar essas questões locou. Festejamos Foucault, mas con- na formação dos gestores culturais. A
que o Mac Gregor e o Albino já nos tinuamos sendo uma sociedade disci- primeira delas: o gestor cultural não é
A minha eu já antecipo: penso a forma- anteciparam de forma tão brilhante plinar, mas também com a ruptura e um operador de lógicas lineares e aris-
ção de gestores culturais na dimensão aqui. O prefixo “trans” quer dizer supe- a superação dos limites a que a idéia totélicas voltadas ao disciplinamento
das competências para a consolidação ração, isso já nos ajuda, já nos convida da interdisciplinaridade nos convida. da selvageria e da barbárie da cultura
da cultura como um ponto central de a uma complexidade de reflexão sobre Interdisciplinaridade é um meio passo e dos seus sujeitos. Não é, não é isso.
projetos de desenvolvimento humano a questão da transversalidade na for- ainda porque ela é uma tentativa de Não pode ser isso, não podemos reco-
ancorados em processos de economia mação das competências do gestor estabelecer comunicabilidade e reco- lonizar em nome da gestão cultural,
solidária, de educação inclusiva e de cultural. Transversalidade, portanto, nexão entre ligações que foram des- sair em ações de recolonização dos
modelos de sociedades plurais. É com é a possibilidade de uma simetria, de feitas ou perdidas com o movimento rincões do país substituindo os sabe-
essa pretensão que eu penso a impor- um equilíbrio, mas de uma natureza da especialização. Mas é ainda algo res nativos e as lógicas próprias por
tância da formação de competências muito nova e peculiar porque são uma frágil no meu entendimento, é só meio essa missão civilizatória em nome da
para os gestores culturais, nesse foco simetria e um equilíbrio construídos caminho, é apenas um primeiro passo linearidade e da ciência aristotélica,
da questão da cultura como epicentro pelo cruzamento e pelo atravessamen- de ruptura com o regime disciplinar da não é? No meu entendimento, gestor
de um modelo de desenvolvimento hu- to das coisas. E aí que mora o novo modernidade. cultural é um mediador entre a dimen-
mano que trabalha não com qualquer e o difícil desafiador dessa idéia da são subjetiva e sensível da cultura e
economia e nem com qualquer merca- transversalidade. Competências trans- os seus desdobramentos e interfaces

110 • Mercado de trabalho em mutação: gestão cultural e formação profissional 1º Seminário Internacional de Gestão Cultural • 111
com os outros campos da experiência grandes habilidades do ponto de vista
humana. Em segundo lugar: o gestor de análise conceitual, metodológica e
cultural da e na atualidade, antes de também tática.
ser um especialista em conhecimen-
tos e práticas exclusivas e excludentes, Eu vou só citar porque quando eu co-
é uma espécie de roteador de infor- meço a falar sobre Edgar Morin, Ma-
mações alternativas e possibilidades turama, eu levo dois dias. A circulari-
dinâmicas de construção de cenários dade, que não é um princípio baseado
prováveis, mas também de cenários em modismos, é uma forma de olhar
utópicos. Acho que um dos papéis do e pensar o mundo e a gestão da cul-
gestor cultural hoje é isso que o apare- tura. A idéia da interconectividade nos
lhinho roteador faz: distribuir. Por quê? ajuda a decidir onde temos que inves-
Porque tem gente que ainda acha que tir, atuar, fazer nossas escolhas, quer
o gestor cultural é um especialista, é o dizer, os pontos máximos de conexão
portador de uma excepcionalidade. Eu que podem realizar transformações
estou aqui propondo que a gente pense mais definitivas, a idéia da autopro-
o gestor como o roteador, alguém que dução, a idéia de que nós e os nossos
distribui, capaz de provocar e realizar o objetos da cultura nos misturamos e
processo de distribuição. Terceiro: uma nos constituímos. Portanto, é impossí-
gestão cultural atenta e coerente com vel ser gestor da cultura quem faz da
a questão da diversidade cultural deve sua visão da cultura só a sua própria
reconhecer, para além da presença cultura, não é? A idéia da dialética...
de diferentes padrões e configurações O mundo comunista entrou em crise,
dos campos culturais, o desafio de mas nós jogamos fora os fundamentos
articular lógicas em modelos de insti- que deram vida a uma experiência his-
tucionalização e legitimação que são tórica que acabou, mas o materialismo
singulares. da dialética continua sendo muito inte-
ressante: a dialética, a visão holística,
Isso me parece muito importante por- a perspectiva dinâmica e a perspectiva
que como é que nós vamos superar o da intersubjetividade. Somos gestores
demagógico reconhecimento das dife- de cultura e não gestores de qualquer
renças como curiosidades excêntricas? negócio. Então é isso, desculpem o ex-
Como é que nós vamos afastar o risco cesso. Obrigado.
de empreender missões civilizatórias
de imposição de lógicas gerenciais
travestidas de editais inclusivos para
os nativos? Quando é que efetivamen-
te faremos esse passo, além de ficar
só explicando aos nativos da cultura
como é que eles devem preencher os
nossos formulários? E quando é que
nós vamos efetivamente reconhecer
que a maneira como organizamos os
nossos processos de informação e de-
cisão e financiamento da cultura com-
portam lógicas, perspectivas de poder,
perspectivas conceituais sobre a cultu-
ra?
JOSÉ MÁRCIO BARROS
Do gestor cultural hoje se espera mais
do que a capacidade de transformar Pontifícia Universidade Católica - PUC Minas
fraquezas em fortalezas, ameaças em
oportunidades, o inesperado em pre- Mestre em Antropologia pela UNICAMP, Doutor em Comunica-
visível. O gestor cultural de hoje é um ção e Cultura pela UFRJ. Professor do Programa de Pós-Gradu-
profissional da complexidade da cul- ação em Comunicação da PUC Minas e Coordenador do Obser-
tura, né? E isso significa habilidades, vatório da Diversidade Cultural.

112 • Mercado de trabalho em mutação: gestão cultural e formação profissional 1º Seminário Internacional de Gestão Cultural • 113
Você já viu essa pessoa?
Quer dizer que já houve um encontro.
Então, vamos aproveitar e formar
uma rede!

Vitor Ortiz
PRINCÍPIO DE
RECONHECIMENTO
E DE PROTEÇÃO
DOS DIREITOS CULTURAIS
Os direitos culturais devem ser entendidos como direi-
tos de caráter fundamental, segundo os princípios de
universalidade, indivisibilidade e interdependência. Seu
exercício desenvolve-se no âmbito do caráter integral
dos direitos humanos, de forma tal que esse mesmo
exercício permite e facilita, a todos os indivíduos e gru-
pos, a realização de suas capacidades criativas, assim
como o acesso, a participação e a fruição da cultura.
Esses direitos são a base da plena cidadania e tornam
os indivíduos, no conjunto social, os protagonistas dos
afazeres no campo da cultura.

Carta Cultural Ibero-americana – Princípios


Montevideo(Uruguay) - Novembro 2006
ENCONTROS
TEMÁTICOS

Como metodologia para a realização do 1º Seminário Internacional de Gestão Cul-


tural, propusemos um formato diferenciado de trabalho que consistiu, primeira-
mente, na discussão com especialistas durante as palestras dirigidas a um públi-
Uma proposta co mais amplo a partir de três temas centrais: Gestão Contemporânea da Cultura;
Economia da Cultura e Desenvolvimento Social e Urbano; e Política Cultural, Inte-

metodológica
gração e Cooperação Internacional. Em seguida, esses temas foram desdobrados
em nove subtemas discutidos nos grupos temáticos, coordenados por especialis-
tas e abertos a um grupo mais restrito de 30 pessoas em cada sala.

A finalidade de tal dinâmica era aprofundar o debate em torno dos temas coloca-
dos como norteadores para a discussão, criando, ao mesmo tempo, um ambiente
formativo e de trabalho colaborativo que pudesse suscitar reflexões, manter o
debate aberto e, ao final, produzir este material de referência para o setor cultural
e áreas transversais.

Para alcançarmos esse resultado estruturamos como princípio metodológico no


desenvolvimento dos trabalhos a seguinte dinâmica: os coordenadores de cada
encontro temático apresentavam o formato do trabalho ao longo das próximas
quatro horas e seguia com uma rápida apresentação de reconhecimento dos par-
ticipantes (nome, formação e vínculo institucional).

O início dos debates seguia com a apresentação do tema por parte dos coordena-
dores que abriam para o diálogo com todos os participantes, colocando questões
e provocando manifestações e contribuições para o grupo. A idéia foi estabelecer
uma conversa livre para construir, em conjunto, um conteúdo que apresentasse as
principais conclusões sobre o tema específico de cada encontro. Para tanto, toda
a discussão foi registrada por um relator e, também, gravada para não correr o
risco de perdermos importantes abordagens e pontos suscitados.

Ao realizar encontros como este 1º Seminário, a DUO tem por objetivo colocar em
pauta a discussão não apenas de temas teóricos - que devem ser aprofundados
– sobre a diversidade do campo da gestão cultural, mas, também, propor formas
e princípios metodológicos diferenciados como parte do processo formativo. Abre-
se, assim, mais um espaço para incentivar a troca de experiências e o exercício co-
laborativo de aprendizagem a partir de diálogos abertos e construtivos. Queremos
deixar claro que os coordenadores dos Grupos Temáticos tiveram a liberdade de
adaptar a metodologia proposta inicialmente, o que justifica o resultado diferen-
ciado nas conclusões dos trabalhos aqui publicados.

Acreditamos que, ao investir na capacitação e na troca de informações qualifi-


cadas, podemos colaborar para ampliar a capacidade de escolha por caminhos
mais conscientes e consistentes, com ações de intervenções propositivas, refle-
xões profundas e visões críticas sobre o nosso papel na sociedade em que vive-
mos e atuamos profissionalmente.

1º Seminário Internacional de Gestão Cultural • 125


PENSANDO A JUVENTUDE,
MERCADO
Coordenadores
Cristina Lins – Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística - IBGE (RJ)

GESTÃO CULTURAL A E CONSUMO


CULTURAL:
Frederico Barbosa – Instituto de Pes-
quisa Econômica Aplicada - IPEA (DF)

PARTIR DOS ENTENDENDO


Relatora
Ana Flávia Macedo(MG)
OS NOVOS
DESAFIOS DO PÚBLICOS
Participantes
Ana Luiza de Melo Albuquerque, Ana
Maria da Silva(MG), Bárbara Gui-

DESENVOLVIMENTO marães Arányi(MG), Claudio Soares


Leão(MG), Daniela Abreu Matos, Da-
niela de Souza(MG), Danielle Ponce

BRASILEIRO:
de Leon Antunes(MG), Davi Costa
Queiroga Barros(MG), Diná Marques
Pereira Araújo(MG), Elder Miranda de
Castro(MG), Gabriela Araujo Batista

ECONOMIA, MERCADO (MG),Gisele Sousa Castro Magalhães


(MG), Guilardo Veloso de Andrade Fi-
lho (MG), Jane Maria de Medeiros(MG),

E FOMENTO Juno Alexandre Vieira Carneiro(MG),


Marilene Antônieta de Oliveira(MG),
Maristela Oliveira Fonseca(MG), Mar-
tha Sandra Dias Toffolo(MG), Nelson
Rodrigues Pombo Junior(MG), Paula
Ziviani(MG), Rachel Cesarino de Mo-
raes Navarro(SP), Sibelle Cornélio
Diniz(MG), Vera Lucia Claudino Ramos
Flores(MG), Violeta Vaz Penna(MG).

Síntese
Cristina Lins apresentou dados de al-

Dia 5 de novembro gumas das pesquisas realizadas pelo


IBGE acerca de temáticas relativas à
cultura, a partir de parceria firmada
com o Ministério da Cultura. A pesqui-
sadora ressaltou que o IBGE não classi-
ficou especificamente jovens, conside-
rando a população acima de 10 anos
de idade.

A primeira pesquisa apresentada foi


sobre o “Acesso à internet e posse de
telefone móvel celular para uso pesso-
al”, realizada em 2005. A pesquisa so-
bre o uso da internet no Brasil mostrou
que este veículo reproduz os impactos
econômicos e culturais que vêm sen-
do observados em outros países, nos
mais diferentes segmentos sociais e
espaços geográficos. Outra pesquisa
apresentada foi a Pesquisa de Orça-

1º Seminário Internacional de Gestão Cultural • 127


mentos Familiares - POF 2002-2003,
que visa a mensurar as estruturas de
segmentos sociais devem ser conside-
radas na formulação de políticas públi-
DESENVOLVIMENTO Coordenadores
Ana Carla Fonseca Reis - Garimpo de
consumo, dos gastos e dos rendimen-
tos das famílias brasileiras, traçando
cas de cultura; DE CIDADES Soluções - economia, cultura & desen-
- Há necessidade de criar políticas de volvimento (SP)
um perfil das suas condições de vida André Urani - Instituto de Estudos do
a partir da análise dos orçamentos do- acesso aos equipamentos culturais
existentes e de criar outros demanda- Trabalho e Sociedade - IETS (RJ)
mésticos e fornecendo um panorama
bastante amplo da composição dos dos pela comunidade;
gastos das famílias em cultura. Por - Investir na formação de educadores
Relatora
fim, a pesquisadora apresentou dados “sensibilizados” e capacitados para as Patrícia Faria (MG)
sobre uma pesquisa que o IBGE vem abordagens das artes, da cultura e da
desenvolvendo sobre o uso do tempo juventude; Participantes
livre, considerando que a participação Ana Maria Nogueira Rezende(MG),
cultural inclui práticas culturais que - Usar a escola para criação, produção Arthur Gomes Moreira(MG), Berenice
podem envolver consumo e atividades e fruição de conteúdos culturais; de Albuquerque Tavares(ES), Celmar
que são empreendidas dentro da co- Ataídes Júnior(MG), Cesar Piva(MG),
- Ampliar para o ensino médio o ensino
munidade. Edison Vilela de Freitas, Fernando José
de artes, já incluído na legislação para
o ensino fundamental; de Almeida, Heitor Borges Lins(SC),
A exposição de Frederico Barbosa teve Ícaro Eustáquio da Silva(MG), Ivan
como base referencial um texto desen- - Garantir e qualificar o ensino de artes; dos Santos Cândido, Ivan Leporate
volvido a partir do Mapeamento da Ju- Barroso(MG), Jacyara Edwiges Rosa
ventude – uma iniciativa da Secretaria - Aproximar as instituições de educa-
de Araújo(MG), Jaime Luiz Rodrigues
Nacional da Juventude e da Conferên- ção formal com as práticas e saberes
Júnior(MG), Janaína Magalhães(RS),
cia da Juventude. Esse mapeamento tradicionais;
João Aidar Filho(MG), João Roberto
mostrou que há um consenso - em - Articular e desenvolver ações e po- S. Silva(MG), Josenira Monteiro de
termos de política pública para a cul- líticas culturais em diálogo com a ju- Souza(MG), Leida Cantanhêde(RS),
tura - que considera como “juventude” ventude; Luis Gustavo dos Santos Passos(MG),
a faixa etária que vai dos 15 anos 29 Mirella Tartaglia Alves(MG), Paloma
anos de idade. - Ampliar e criar novas formas de fo- Elaine Santos Goulart(MG), Paula
Várias questões importantes foram mento, inclusive critérios de avaliação Borges Lins(SC), Regina Magda Ro-
abordadas em sua apresentação: o de projetos que possam abranger a drigues de Melo(MG), Regina Vieira
legitimismo (visão normativa das prá- diversidade das demandas da juven- de Faria Ferreira(MG), Rogério Mu-
ticas culturais) e o pluralismo (indica tude; nhoz Costa(MG), Rosalves dos Santos
pluralidade de práticas), como visões - Possibilitar o acesso da juventude à Sudário(MG), Simone Zárate(SP).
que devem ser complementares; a formação artística;
complexidade das redes de sociabi-
lidade; a necessidade de repensar os - Desenvolver pesquisas sobre as práti- Síntese
cas culturais; O coordenador André Urani, antes de
equipamentos culturais diante da di-
dar início ao trabalho dos grupos, pon-
versidade sociocultural; e o papel da - Estimular a criação de banco de in- derou que a presença de diferentes ato-
escola nesse processo. formações sobre práticas e iniciativas res gera novos pensamentos. Ressal-
voltadas para a juventude. tou, ainda, que era necessário pensar
Palavras-síntese em função do que se pode aproveitar
Redes, participação cultural, diversida- do que já existe para podermos avan-
de, juventude, escola. çar, andar para a frente. “As pessoas
devem achar seu lugar no processo de
desenvolvimento”.
Conclusões
- A expansão do mercado cultural está Cada um dos grupos escolheu uma
relacionada à expansão de uma base cidade – real ou imaginária – como
informacional justa da sociedade que referência e as respostas dadas permi-
leve em conta a diversidade da de- tiram ao grupo refletir sobre quais são
as questões mais importantes rela-
manda;
cionadas ao desenvolvimento urbano,
- As diversas práticas culturais, das econômico, social e à sua relação com
diversas “juventudes”, dos diferentes o universo da cultura.
A palavra da vez é: processo.

128 • Encontros temáticos: uma proposta metodológica 1º Seminário Internacional de Gestão Cultural • 129
Palavras-síntese
Desenvolvimento local, tecnologia,
para resolver os problemas urbanos. É
um componente fundamental para o
GESTÃO NA Coordenadores
José Márcio Barros – Pontifícia Uni-
empreendedorismo, cultura, identida- processo de formação da cidade; DIVERSIDADE versidade Católica – PUC Minas (MG).
de, futuro. - É preciso construir um futuro desejável, Marcelo Santos – Gerência de Arte
planejar com muita antecedência: trinta e Cultura da Fundação AcelorMittal
Conclusões anos para frente, construir novas gover- Brasil (MG).
- O desenvolvimento de cidades é pau- nanças e buscar um futuro desejável.
tado pelo planejamento urbano. Há Relatora
sempre uma vocação latente. É neces- Célia Corso - Venezuela
sário planejamento;
- São muitas identidades convivendo. É Participantes
preciso ter a vocação ancorada na sua Ana Luiza Capel Moreno(MG),
identidade; Andersen Viana(MG), Andreia Costa
(MG), Cássia Saldanha Gomes(MG),
- Existe uma dificuldade em valorizar o
Eloá Ribeiro de Oliveira(RJ), Elzelina
que temos de bom, a nossa identidade;
Doris dos Santos(MG), Eugenio Pas-
- É preciso pensar o desenvolvimento cele Lacerda(SC), Henilton Parente
das cidades como um todo. Não inte- de Menezes(CE), Ivone da Silva Ra-
ressa a área. O desafio é pensar a ci- mos Maya(RJ), Kátia Maria Malloy
dade como um caleidoscópio; Mota(MG), Kelly Alcilene Cardozo
(MG), Lais Terçariol Vitral(MG), Lucie-
- A importância das universidades para ne da Silva Nogueira(MG), Maria de
as redes e para os diagnósticos: plane- Betânia Teixeira Campos(MG), Maria
jamento urbano; Zienhe Caramêz de Castro(PA), Marli
- O diagnóstico deve ser acompanhado Elias Veisac(MG), Nísio Antonio Teixei-
de ações compartilhadas; ra Ferreira(MG), Patrícia Lamego de
Carvalho(MG), Patricia Lamounier(MG),
- Sustentabilidade econômica, capital so- Rafael Matrone Munduruca(MG), Ro-
cial e políticas são meios, são caminhos; bson Ricardo Machado(MG), Romê-
nio Cesar Leite Coelho(MG), Rosa H.
- O desenvolvimento é fim e meta nor- Rasuck(ES), Sabrina Campos Costa
teadora, que motiva e direciona; (PA), Soraya Santoro Queiroz(MG),
- Os principais problemas apontados re- Stanley Levi Nazareno Fernandes(MG),
lacionam-se à descontinuidade das polí- Welington Luiz de Carvalho.
ticas públicas no Brasil, à falta de diálo-
go entre as esferas e entre as pastas;
Síntese
- Diversão não é só entretenimento, é Não se pode reduzir a gestão à gerên-
também prazer, é sentir-se bem em al- cia de cultura. A atual conjuntura de
gum lugar; crise econômica mundial representa
um ponto de partida para repensar os
- A parceria público/privada tem que modelos de gestão existentes. É um
ser construída. É preciso criar uma li- erro pensar que a diversidade cultural
nha de geração de negócios, indepen- se esgota nela própria, pois erra uma
dente de lei de incentivo. A cultura sociedade que transforma a diversida-
deve ser vista como investimento e de cultural num elogio às diferenças.
não como despesa; Dentro da proposta de um possível mo-
- É importante ter vontade política, delo gerencial universal para a área,
mas o apoio da iniciativa privada é fun- deve-se considerar o gerenciamento de
damental; grupos que não atendem ao consumo
de massas, grupos culturais que não
- Pode ser que a vocação da cidade não “dão lucros”. Existem, no Brasil, outros
seja necessariamente cultural, mas é processos de produção, processos co-
difícil sobreviver se não tiver a questão laborativos nos quais é praticamente
cultural;
- A pauta da cultura não é superfície impossível diferenciar o início e o fim

130 • Encontros temáticos: uma proposta metodológica 1º Seminário Internacional de Gestão Cultural • 131
da cadeia produtiva e isso faz com que normatização e exigências específicas;
seja difícil pensar em um modelo úni-
co ou universal. - Criar modelos abertos de Gestão
Cultural que propiciem a interlocução
No Brasil há políticas de editais e gran- entre os setores (primeiro, segundo e
des empresas usam o patrocínio in- terceiro), para que sejam respeitadas
centivado. Deve-se aprender a avaliar as suas particularidades;
essas experiências ao mesmo tempo - Realizar encontros que promovam a
em que é preciso recolher e avaliar as discussão entre os diversos gestores e
práticas de investimento cultural dire- as entidades governamentais;
to já existentes em alguns estados.
- Reafirmar a necessidade de contínuo
A questão da sustentabilidade da cul- investimento na formação de gestores
tura é uma questão de tempo. É como culturais;
a questão ambiental: preservar para
- Promover a diversificação das fontes
garantir o lucro do futuro. Por isso, de-
de financiamento;
vemos pensar em múltiplos modelos
baseados em parâmetros comuns. É - Lançar mão dos indicadores culturais
preciso desconstruir para construir e já existentes para sermos capazes de
começar a pensar numa economia traduzir informação em ações;
solidária como eixo transversal, que
perpasse todos os setores, pois a ca- - Desenvolver programas de educação
deia econômica da cultura é comple- patrimonial que contribuam para a
xa: agrega fruição estética, mas exige ampliação de uma nova visão do pa-
planejamento e pesquisa. trimônio cultural brasileiro em sua di-
versidade de manifestações, tangíveis
e intangíveis, materiais e imateriais,
Palavras-síntese como fonte primária de conhecimento
Crise mundial, processos colaborati- e aprendizado;
vos, investimento cultural, consumo,
pesquisa, gestão cultural. - Manter a atenção na militância cultu-
ral. Integrar os militantes em rede. In-
formar, divulgar e orientar militantes,
Conclusões artistas e o público em geral sobre as-
- Promover o Georreferenciamento
suntos relacionados à cultura.
para criar e/ou financiar grupos de
pesquisa em ferramentas culturais;

- Contribuir para a implantação de um


sistema de indicadores culturais, cujo
diagnóstico seja ao mesmo tempo
qualitativo e quantitativo;
- Criar sistemas de informação que
possam dialogar com outros sistemas
que já existem em países vizinhos;
- Criar um organograma nacional colo-
cando os modelos de gestores;
- Construir um mapa da diversidade
cultural que sirva como observatório
da diversidade (um mapa passível de
atualização de maneira a registrar as
mudanças);
- Dialogar com as instituições governa-
mentais para criar um equilíbrio entre

132 • Encontros temáticos: uma proposta metodológica


MUNDO EM POLÍTICA
CULTURAL
Coordenadores
Isaura Botelho – Fundação Biblioteca
Nacional e Centro Brasileiro de Análise

MOVIMENTO:
e Planejamento – CEBRAP (SP)
COMPARADA Alexandre Barbalho – Universidade
Estadual do Ceará – UECE (CE)

POLÍTICA CULTURAL, Relatora


Célia Corso - Venezuela

INTERCÂMBIOS E Participantes
André Luis da Fonseca(SP), Cesaria

COOPERAÇÃO Alice Macedo(MG), Danielle Ponce


de Leon Antunes(MG), Eliana Moraes
Araújo(SP), Eva Bañuelos Trigo, Fer-

INTERNACIONAL
nando Paixão Duarte(MG), Francisco
José Gómez Duran(DF), Gisele Men-
donça do Nascimento, Gisele Sousa
Castro Magalhães(MG), Jaime Luiz
Rodrigues Júnior(MG), Jakeline Lins
G. de Albuquerque(MG), João Roberto
S. Silva(MG), Maria Carolina Campos
Oliveira(MG), Maria Elizabeth de Aze-
vedo Meyer Camargo(MG), Maria Fla-
via Gadoni Costa(DF), Marize Figueira
de Souza(RJ), Marli Elias Veisac(MG),
Nísio Teixeira(MG), Paula Ziviani(MG),
Rachel Cesarino Moraes Navarro(SP),
Dia 6 de novembro Raquel Costa Chaves(MG), Renata
de Oliveira Ramos(MG), Romulo José
Avelar Fonseca(MG), Tatyana Laryssa
Rubim Silva(MG), Vanilza Jacundino
Rodrigues(MG).

Síntese
O debate foi realizado em torno de três
grandes modelos de política cultural:
o modelo I ou ‘modelo francês’, que
se caracteriza por sua natureza cen-
tralizadora; o modelo II ou modelo
‘descentralizado’, comum nos países
anglo-saxões como Inglaterra e USA,
cuja legislação de incentivo e de bene-
ficio fiscal não é específica e a maior
fonte de financiamento é indireta; e o
modelo III, ou modelo de descentrali-
zação administrativa, que se vê repre-
sentado em países como Alemanha e
Itália: cujo poder decisório pertence às
regiões. Existe, em geral, uma política
externa, legislação específica e enor-
me participação do mecenato privado
em torno do patrimônio.

1º Seminário Internacional de Gestão Cultural • 135


Apesar de ser possível diferenciar es-
ses três grandes modelos, deve-se es-
COMUNICAÇÃO, Coordenadores
Daniela Abreu Matos – Centro de
clarecer que todos eles estão ligados
a tradições históricas e culturais. Não
CULTURA E Referência Integral de Adolescentes –
CRIA (BA)
existem formas puras, trata-se apenas SOCIEDADE Marta Porto – XBrasil (RJ)
de características predominantes e to-
dos esses modelos têm em comum os
problemas orçamentários e a utiliza- Relatora
ção de políticas de incentivo fiscal. Ana Flávia Macedo (MG)

Palavras-síntese Participantes
Política cultural, processo histórico, co- Adalberto Andrade Mateus(MG),
municação, novos modelos para proje- Alberto Luiz Hermanny Filho(MG), Ali-
tos culturais. ne Tatagiba Bessa Gonçalves, Aman-
da Aparecida Silva(MG), Ana Luiza de
Melo Albuquerque, Bárbara Guima-
Conclusões rães Aranyi(MG), Berenice de Albu-
- Produzir trabalhos de legislação com-
querque Tavares(ES), Bianca Torres
parada;
dos Santos(MG), Cecilia Bhering Maga-
- Criar cursos e concursos para gesto- lhães Pinto(MG), Cristina Ribeiro(MG),
res culturais; Dalmo de Oliveira Souza e Silva(SP),
Eleonora Joris(RS), Eloá Ribeiro de
- Propor e incentivar fóruns de comuni- Oliveira(RJ), Elzelina Dóris dos Santos
cação entre os diversos gestores e ins- (MG), Fernanda Toffoli Versolato(SP),
tituições; e fóruns entre as secretarias Isabela Haueisen Pechir(MG), Jacya-
estaduais e municipais; ra Edwiges Rosa de Araújo(MG), Jane
- Modificar as formas de avaliação dos pro- Maria de Medeiros(MG), Jeferson Fer-
jetos culturais (avaliar pela qualidade); reira de Jesus(MG), Josenira Monte-
teiro de Souza(MG), Julia Duarte de
- Promover a diversificação nas formas Souza(ES), Letícia Duarte(MG), Lucie-
de captação de recursos; ne da Silva Nogueira(MG), Magna Va-
ladares de Sales Gonçalves, Nelson
- Estimular a renúncia fiscal de pes-
Rodrigues Pombo Junior(MG), Pedro
soa física;
Alves Madeira Filho(MG), Regina Vieira
- Propor e/ou criar novos modelos de de Faria Ferreira(MG), Robson Ricardo
prestação de contas; Machado(MG), Rogério Luiz Vanucci
de Moraes(MG), Rosa H. Rasuck(ES),
- Promover e/ou retomar o conceito de Silvia Rejane Lopes Silva(MG), Soraya
incubadoras culturais no Brasil. Santoro Queiroz(MG), Wallace Puosso
de Castro(SP), Wanderley Soares da
Cruz(MG).

Síntese
Utilizando como referência o texto “A
conveniência da Cultura”, de George
Yúdice, Daniela Matos abriu a reunião
com uma exposição na qual abordou
o tema em debate a partir de três ver-
tentes: desenvolvimento cultural, eco-
nomia cultural e cidadania cultural.
Discutiu-se a idéia da cultura como
recurso de desenvolvimento econômi-
co e sociopolítico, analisando em que
medida o investimento em cultura es-
timula padrões de desenvolvimento,

136 • Encontros temáticos: uma proposta metodológica 1º Seminário Internacional de Gestão Cultural • 137
considerando que ela está na interse-
ção das agendas econômica e social.
- Considerar a escola com espaço híbri-
do (educação e cultura) com o objetivo
COOPERAÇÃO Coordenadores
Daniel González – Culturacomunica-
No debate que se seguiu, as principais
de potencializar esses espaços; CULTURAL ción - Argentina
Vitor Ortiz – Instituto Hominus de De-
questões colocadas pelas coordena- - Questionar a força e o poder da gran-
de mídia; ENTRE OS PAÍSES senvolvimento Sociocultural (RS)
doras e analisadas por todo o grupo
foram: a formação de público a partir - Re-inventar utopias que nos aproxi- ÍBERO-AMERICANOS
das mídias disponíveis e em que medi- Relatora
da a mídia deveria ser explorada para
mem do outro, do compartilhamento;
E A DISCUSSÃO Patrícia Faria (MG)
a divulgação de conteúdos educativos - Promover o intercâmbio de políticas
e culturais, considerando que hoje culturais, educacionais e de turismo; DA AGENDA 21 Participantes
os meios de comunicação formais (a Andersen Viana(MG), Cristiane Martins
- Criar estratégia de contra-agenda-
grande mídia) não contribuem para a Teixeira(MG), Deusa Assis (MG), Édison
mento da mídia, a partir dos movimen-
reflexão sobre a produção cultural; a Vilela de Freitas(MG), Giovane Pereira
tos sociais e culturais;
necessidade de um projeto político- Sampaio(MA), Janaína Magalhães(RS),
pedagógico para embasar políticas de - Trabalhar a Comunicação como es- Juno Alexandre Vieira Carneiro(MG),
cultura, considerando o tripé ‘educa- tratégia de intervenção e não apenas Leida Cantanhêde(RS), Maria Hele-
ção/comunicação/cultura’; a neces- como instrumento de divulgação; na de Alencar Pires, Marina de Sousa
sidade de parcerias público-privadas Bandeira(MG), Martha Sandra Dias
para resolver o acesso universal; a - Usar a Comunicação como meio para
aproximar as pessoas. Toffolo(MG), Paz Pérez Catalã(DF), Ra-
importância de formar novas redes fael Matrone Munduruca(MG), Rapha-
sociais, educativas e de cooperação; o ela Simões Pedroso(MG), Regina Mag-
direito de escolha. da Rodrigues de Melo(MG), Rita de
Cassia Brito Cupertino(MG), Roberto
Entre as contribuições de suas interven- Carlos Teixeira(MG), Sabrina Campos
ções ao debate, Marta Porto abordou: Costa (PA), Simone Zárate(SP), Stanley
a questão da injustiça nos processos Levi Nazareno Fernandes(MG), Suzana
de escolha; os repertórios que impli- Markus(MG), Tatiana Vieira Assump-
cam novas exclusões; a importância ção Richard(RJ), Vera Lúcia Claudino
da formação de novas redes sociais; a Ramos Flores(MG), Washington Benig-
formação de público na escola e as di- no de Freitas(SP), Welington Luiz de
mensões da produção simbólica. Carvalho.

Palavras-síntese Síntese
Indicadores culturais, cadeia produti- Considerando que a Ibero-América
va, comunicação, mídia, transforma- não é somente um conjunto de países,
ções subjetivas, escolhas justas, diá- mas um conjunto que possui um subs-
logo, redes, educação, comunicação e trato cultural comum, com identidades
cultura. culturais compartilhadas, o diálogo ini-
cial - realizado entre os coordenadores
Conclusões - tratou principalmente de como se
- Ter como preocupação permanente: estabelece, hoje, a cooperação cultu-
criar meios alternativos de divulgação ral no espaço ibero-americano e quais
de conteúdos culturais; são e como atuam os organismos mul-
tilaterais que trabalham a cooperação
- Considerar a necessidade de ampliar cultural na articulação de interesses
repertórios, especialmente os experi- entre os países.
mentais;
- Reconhecer a importância da expe- A Ibero-América tem um imenso ca-
riência coletiva (catarse), a partir da pital cultural. Possui um ativo cultural
arte, para despertar/estimular os indi- importante, tem tradição de diálogo e
víduos; de confrontação. Porém, não tem ain-
da o costume e a tradição de trocas
- Formar hábitos culturais;
horizontais.

138 • Encontros temáticos: uma proposta metodológica 1º Seminário Internacional de Gestão Cultural • 139
A cultura é parte indissociável do de- zio prático. O que fazer? Como atuar?
senvolvimento. Mas é preciso uma de- Onde está o caminho? Quais são as
finição sobre o modelo de sociedade regras? Cadê o fazer? De onde come-
de desenvolvimento que todos quere- çar? A Bienal do Mercosul já é uma
mos e qual o papel da cooperação cul- prática. Como ela aconteceu? Como
tural e do desenvolvimento local nesse fazer um evento deste porte. Como foi
processo. esse redemoinho de ações para que
isso se concretizasse?
Por ter sido constituída como um com-
promisso, resultante de uma articula- - Na teoria o conceito de cooperação
ção representativa mundial e assinada está bem aceito, mas na prática é dife-
por 350 cidades no Fórum Universal rente. Ainda é muito pouca a oferta de
das Culturas, em Barcelona, a Agenda formação em gestão cultural. Isso difi-
21 da Cultura foi um tema importante culta colocar a Agenda 21 em prática.
no debate realizado por este Grupo. - É preciso ampliar o leque de oportu-
nidades de formação senão “é querer
Palavras-síntese fazer mais com pessoas que não estão
Cooperação cultural, desenvolvimento preparadas para fazer mais”.
local, identidade cultural, democracia,
- A Cooperação Cultural é um campo
Agenda 21 da Cultura.
de trabalho muito amplo e pouco co-
nhecido. Os organismos, institutos etc.
Conclusões precisam prestar atenção na coopera-
ção para construir propostas que a for-
Sobre a Agenda 21 da Cultura: taleçam. Existe um déficit nesse sen-
tido. A questão é mergulhar no tema
- A Agenda é uma plataforma de refe- para compreender melhor o processo.
rência das cidades para trabalhar mais
efetivamente o desenvolvimento cultu-
ral local;
- Existe um consenso de que os gover-
nos precisam ter uma atuação mais
forte nesta área e que a formação de
políticas públicas para a cultura preci-
sa de participação local;

- Cada cidade possui suas políticas pú-


blicas, seus processos e patrimônios.
O documento é apenas uma parte do
processo. A outra cabe aos participan-
tes locais;
- A agenda 21 da cultura passou a ter
uma atuação internacional neste mo-
mento. Realiza-se anualmente o en-
contro internacional e são promovidos
encontros com outras redes.
- É necessário ter argumentação e for-
mação para colocar a agenda 21 em
prática.

Conclusões gerais

- Ainda existem muitas dúvidas sobre


as bases teóricas, a sensação do va-

140 • Encontros temáticos: uma proposta metodológica


MERCADO DE PROFISSIONALIZAÇÃO,
FORMAÇÃO,
Coordenadores
José Antônio Mac Gregor – Secreta-
ria de Cultura do Governo da Cidade do

TRABALHO EM
México - México
PERFIL, Maria Helena Cunha – DUO informa-
ção e Cultura | DUO Editorial (MG)
HABILIDADES E
MUTAÇÃO: GESTÃO SABERES Relatora
Célia Corso - Venezuela

CULTURAL E Participantes
Ana Luisa Santos(MG), Bárbara Guima-

FORMAÇÃO rães Arányi(MG), Cirlene Martins de Al-


meida, Cristina Ribeiro(MG), Dalmo de
Oliveira Souza e Silva(SP), Deusa Assis

PROFISSIONAL
(MG), Domingos Máximo Pereira(MG),
Edilson Rodrigues de Araújo(MG), Fer-
nanda de Melo Carvalho(MG), Fernan-
da Toffoli Versolato(SP), Gisele Sousa
Castro Magalhães(MG), Heitor Borges
Lins(SC), Ilca Suzana Lopes Vilela(PE),
Jacyara Edwiges Rosa de Araújo(MG),
Kátia de Marco, Letícia Acácio Rodri-
gues e Silva(MG), Luiza Firmato, Ma-
ria Aparecida de Andrade Resende
(MG), Maria Flávia Gadoni Costa(DF),
Maria Lúcia Cunha de Carvalho, Maria
Dia 7 de novembro Zienhe Caramêz de Castro(PA), Marli
Elias Veisac(MG), Mirian Dolores Bal-
do Dazzi(RS), Paloma Elaine Santos
Goulart(MG), Paula Borges Lins(SC),
Rosana Magalhães(MG), Sérgio Henri-
que Carvalho Vilaça(SP), Silvia Rejane
Lopes Silva(MG), Wanderley Soares da
Cruz(MG).

Síntese
Segundo o mapa conceitual apresen-
tado, o Gestor Cultural, dentro de uma
dimensão sociopolítica, é um interpre-
tador de realidades complexas (impe-
lido a contextualizar) que desenha e
administra diplomacias transversais
e transnacionais; identifica bases pa-
trimoniais internacionais (pesquisa
e avalia); promove uma ação cultural
em cooperação (manejo de grupos) e
trabalha em rede para comunicar-se e
fazer gestão da informação.

O gestor deve ter visão empresarial, po-


rém, desde o ponto de vista da econo-
mia social. Deve ter competência para
trabalhar a territorialidade, para ler e

1º Seminário Internacional de Gestão Cultural • 143


interpretar a realidade e, finalmente, vel internacional e um código de ética - Criar e/ou propiciar encontros de for-
para gerar conhecimento. O gestor descentralizador e verdadeiramente mativos (Sistema Nacional de Cultura
deve ser um profissional apaixonado e democratizado. e Fóruns já existentes);
comprometido com seus afazeres.
- Realizar formação acadêmica e prá-
Palavras-síntese tica;
Em relação às capacidades que de- Realidade, rede, gestão da informação,
vem permear a formação de um ges- formação, cooperação institucional, - Criar um Fundo para a formação es-
tor cultural, foram debatidos alguns profissionalização, reconhecimento. pecífica de gestores que trabalham as
aspectos, além daqueles já levantados questões indígenas;
pelos coordenadores: o gestor deve
diferenciar-se do produtor; o gestor Conclusões - Estabelecer níveis de graduação téc-
tem ou deve ter a capacidade para ler - Formar profissionais capazes de de- nico e acadêmico, considerando as
senvolver o pensamento abstrato, siste- questões relativas à segmentação;
e interpretar contextos; o gestor deve
mático e estratégico;
dialogar com a tecnologia, transformar
- Formar profissionais em um eixo nor-
os dados, além de ampliar audiência, - Formar profissionais que consigam
teador com valores éticos que facilitem
formar gostos para a fruição da arte manejar as tensões que surgem da in-
teração; os processos de democratização e des-
e conectar a oferta com seu consumo
centralização.
habitual; o próprio gestor deve patroci- - Formar profissionais capazes de geren-
nar e consumir a cultura que está aju- ciar e inovar com critérios de incerteza; Profissionalização e Reconhecimento:
dando a construir.
- Formar profissionais que saibam tra- - Organizar a área da Gestão Cultural;
balhar em equipe;
É também função do gestor gerar con- - Buscar o reconhecimento dos profis-
dições para que aqueles que criaram - Formar profissionais capazes de ma- sionais que trabalham na Gestão Cul-
suas próprias dinâmicas culturais pos- nejar a tríade: Gestor – Comunidade – tural;
sam inserir-se e, ao mesmo tempo, Projeto. A comunidade exige alguém - Formular um código de ética;
permitir a incorporação e a leitura des- que gerencie a cultura. A relação comu-
sas outras formas de cultura. nidade – gestor necessita de um víncu- - Identificar impactos e resultados
lo: o Projeto (ou carta de navegação, (para isso é necessária a capacidade
As políticas públicas não podem redu- segundo Mac Gregor). O projeto estraté- de sistematização do gestor);
zir-se somente a leis de incentivo. É ne- gico é indispensável.
cessário começar a pensar em termos - Considerar que a profissionalização
de uma economia da cultura para ga- - É preciso escrever, documentar e sis- implica reconhecimento e vice-versa.
rantir que a cultura seja reconhecida tematizar a gestão cultural. O projeto
como investimento e não como des- sintetiza valores, aspirações, sonhos,
pesa: investimento em nossos valores, desejos, aspirações e prioridades. O
em nossa criatividade, na imagem de gestor cultural deve afinar o processo
nosso país internamente e no exterior de sistematização para conseguir legi-
e na geração de emprego, renda e in- timar o projeto em si.
clusão socioeconômica.
Análise da Identidade:
Em relação à formação profissional,
esta deve estar segmentada nos níveis - Diferenciar as nomenclaturas (gestor,
produtor, etc.);
técnico, estratégico e operacional. As
universidades devem fazer um traba- - Entender o gestor como agente forma-
lho integrado com as instituições que dor de público;
trabalham com cultura para promover
- Desenvolver nos profissionais da área
uma profissionalização diferenciada. A
o pensamento abstrato.
regulamentação deve ser segmentada
(em respeito aos profissionais que já Profissionalização acadêmica:
trabalham no mercado). A educação
a distância pode, sim, ser uma opção - Estabelecer uma grade mínima curri-
cular nos cursos de formação de gesto-
para as pessoas que atuam na área res;
cultural e estão longe dos lugares onde
há cursos profissionalizantes. Perme- - Promover durante a formação do pro-
ando todas essas possibilidades, deve- fissional a discussão e o respeito às re-
rá existir um estatuto norteador em ní- gionalidades;

144 • Encontros temáticos: uma proposta metodológica 1º Seminário Internacional de Gestão Cultural • 145
CULTURA DA Coordenadores Síntese
Marcela Bertelli deu início aos traba-
Palavras-síntese
Diagnóstico, planejamento estratégi-
Lia Calabre - Fundação Casa de Rui
GESTÃO: Barbosa (RJ) lhos com a apresentação das coorde- co, gestão participativa, novos mode-
Marcela de Queiroz Bertelli - Duo nadoras e destacando a pertinência los, ferramentas de avaliação, infor-
PLANEJAMENTO E e Informação e Cultura | Duo Editorial de estarem ali, na coordenação, duas mação.
gestoras públicas e uma gestora atu-
FERRAMENTAS (MG)
Mônica Starling - Fundação João ante na iniciativa privada para tratar Conclusões
DE TRABALHO Pinheiro (MG) do tema e de suas particularidades re-
lativas aos setores público e privado.
- Trabalhar o Planejamento como pro-
cesso formativo, coletivo, participativo;
Relatora Ao iniciar sua fala, Lia Calabre apre- - Formar profissionais aptos a lidar
Ana Flávia Macedo (MG) sentou as seguintes questões para re- com metodologias/técnicas/dinâmi-
flexão e debate: cas de planejamento estratégico para
Participantes - Que modelos de gestão desejamos?
a cultura;
Ana Luísa Bosco Freire(MG), André
- Organizar informações relevantes à
Luis da Fonseca(SP), Berenice de Al- - Quais as funções reais do planeja- formulação de indicadores consideran-
buquerque Tavares(ES), Cássia Salda- mento? do, especialmente, aqueles de avalia-
nha Gomes(MG), Danielle Ponce de
- O que são ferramentas de gestão? ção qualitativa;
Leon Antunes(MG), Eleonora Joris(RS),
Eloá Ribeiro de Oliveira(RJ), Fernanda - Realizar o mapeamento de profissio-
Teixeira Gomes(MG), Francisco José Focou suas considerações no setor nais que lidam com ferramentas de
Gómez Duran(DF), Ivan dos Santos público, ressaltando o planejamento gestão, com a constituição de grupos
Cândido, João Paulo Couto Santos neste setor como uma imposição ins- de estudo, que possam criar e replicar
(BA), João Roberto S. Silva(MG), José titucional, na maioria das vezes sem metodologias;
Márcio Barros(MG), Leonardo Valle e qualquer diálogo com a ação, com a
Costa Beltrão(MG), Marina Abelha de atividade fim. Ressaltou que diagnós- - Sistematizar processos e experiên-
Fuccio Barbosa(MG), Mônica Tavares ticos e pesquisas são ainda muito pou- cias (memórias);
Pereira Lima(MG), Paula Ziviani(MG), co utilizados como ferramentas fun-
- Estabelecer parcerias com universida-
Paz Pérez Catalã(DF), Romulo Avelar damentais de planejamento. Segundo
des para elaboração de metodologias
Fonseca(MG), Rosa Rasuck(ES), So- ela, é necessário construir modelos
de pesquisas aplicadas à cultura que
raya Santoro Queiroz(MG), Tatyana participativos de planejamento e ges-
possam ser replicadas;
Laryssa Rubim Silva(MG), Vera Lucia tão e trabalhar na constituição de ins-
C. Ramos Flores(MG), Viviany Barreto tâncias de participação como fóruns e - Incrementar disciplinas transversais à
Nogueira(RJ). conselhos. cultura em cursos das diversas áreas;

Mônica Starling corroborou as ques- - Utilizar a internet como meio de cir-


tões levantadas por Lia e ressaltou a culação de informação e como lugar
quase inexistência de ferramentas de de circulação de ferramentas de ava-
avaliação de projetos, programas e liação.
políticas culturais. Considerou, ainda,
a necessidade de investimento na for-
mulação de indicadores para a área
e a importância da utilização de pes-
quisas e diagnósticos como forma de
conhecer as realidades nas quais se
pretende intervir com ações culturais.

Marcela Bertelli concluiu citando que


os grandes desafios para o setor, neste
momento, seriam a quebra dos mo-
delos tradicionais de planejamento, o
monitoramento e avaliação de proje-
tos, os programas e políticas culturais.

146 • Encontros temáticos: uma proposta metodológica 1º Seminário Internacional de Gestão Cultural • 147
EDUCAÇÃO, Coordenadores Síntese
Os principais temas trabalhados pelo
levar em conta essas diferenças. Como
disse Alfons Martinell, é preciso forta-
Ángel Eduardo Moreno Marin – Con-
CULTURA E vênio Andrés Bello - Colômbia grupo, com a intervenção precisa dos lecer, no âmbito da educação, a cultura
política que aproxima esses temas”.
Antônio Albino Canelas Rubim – coordenadores, foram: a relação entre
NOVAS MÍDIAS Universidade Federal da Bahia –UFBA a educação e a cultura (a cisão entre
(BA) razão e sensibilidade); o poder da co- Palavras-síntese
municação e a relação do gestor cul- Educação e cultura, comunicação, no-
tural com as novas mídias; a neces- vas mídias, política cultural, formação,
Relatora sidade de organizar o campo cultural trabalho em rede, culturas regionais,
Patrícia Faria (MG) para entender, aprender e trabalhar tecnologia, razão e sensibilidade.
por uma nova e estreita relação entre
Participantes educação e cultura.
Conclusões
Ana Elisa Ribeiro(MG), Ana Maria
- Promover uma mobilização nacional
Nogueira Rezende(MG), Andersen Nas palavras dos coordenadores: para regulamentar uma lei que já foi
Viana(MG), Artur Henrique de Leos
aprovada e que tem sido deixada para
e Silva, Cesaria Alice Macedo(MG), Albino Rubim: trás: a Lei da Regionalização da Pro-
Clarissa Melo Araújo, Claudio Soares “Como superar esse descolamento en- gramação (30% de programação re-
Leão(MG), Eva Bañuelos Trigo, Gabrie- tre educação e cultura? É preciso en- gional na emissoras de TV);
la Araújo Batista(MG), Jane Maria de tender que existe um conjunto diverso
Medeiros(MG), Jeferson Ferreira de de conhecimento. Não vamos cobrar - Promover a comunicação popular
Jesus(MG), Karla Bilharinho Guerra da ciência o que é da arte, do conhe- uma vez que os governos só fazem ma-
(MG), Letícia Duarte(MG), Luciene da cimento comum. As novas mídias não rketing das suas políticas públicas;
Silva Nogueira(MG), Marcelo Henri- podem ser tomadas apenas na sua
que Costa(MG), Maria Aleluia de Alen- dimensão instrumental. Elas são mui- - Considerar a recomendação de que
car Pires, Maria Elizabeth de Azevedo to mais do que isso. Estão associadas vídeos de educação, programas de in-
Meyer Camargo(MG), Maria Luiza Dias ao momento novo em que vivemos, formação educativos, sejam passados
Viana(MG), Nelson Rodrigues Pombo ao período contemporâneo. Uma das nos equipamentos públicos de acesso
Junior(MG), Regina Magda Rodrigues características deste período é a socia- da população, por exemplo, salas de
de Melo(MG), Rosália Estelita Diogo bilidade que conecta o local com o glo- espera de hospitais, salas da Receita
(MG), Rosalves dos Santos Sudário, bal, espaços geográficos com espaços Federal, equipamentos de atendimen-
Sibelle Cornélio Diniz(MG), Violeta Vaz virtuais, convivência com vivências à to público das prefeituras etc;
Penna(MG). distância. Mídias não são meros instru-
- Criar uma rede de organizadores cul-
mentos. Elas modificam nossa forma
turais para troca de conhecimentos,
de estar no mundo e geram novas for-
experiências e informação, já que a
mas culturais. São formas de compor-
divulgação das atividades culturais é
tamento e, portanto, de cultura”.
cada vez mais feita pela internet;
Ángel Marin: - Criar processos formativos para traba-
“Esses três temas: educação, cultura e lhar em conjunto. Um game como pla-
novas mídias são muito complexos e, taforma de colaboração, por exemplo;
tanto no Brasil como na Colômbia, há
um divórcio entre educação e cultura, - Criar o ‘horário cultural gratuito’ – TV,
principalmente no âmbito público. É rádio, celular, internet – um espaço re-
preciso atentar para os princípios da servado para a cultura. Nos moldes do
democracia, da participação cidadã e Redcult – inserções de 5 min;
fortalecer os direitos culturais. Não há
o exercício consciente dos direitos cul- - Pensar em estratégias para que a infor-
turais.Existem algumas experiências mação chegue aos agentes culturais;
que tratam de juntar esses três temas:
- A banda larga deve ser uma “obses-
educação, cultura e novas mídias.
são” para os gestores culturais;
Porém, não são os gestores culturais
- Criar nas escolas espaços de convivên-
que estão fazendo esse processo. Os
cia para a prática da arte;
gestores culturais não são uma massa
homegênea. São distintos os conheci- - Trabalhar para que os Estados criem e
mentos e o espaço da educação deve ampliem seus Fundos de Cultura;

148 • Encontros temáticos: uma proposta metodológica 1º Seminário Internacional de Gestão Cultural • 149
- Criar um Sistema Nacional de Forma-
ção de Gestores Culturais para estrei-
tar a relação entre Educação e Cultura.
ANAIS DO
As políticas sociais não dão conta dis-
so, nem as leis de incentivo. Tem que 1º SEMINÁRIO
ser através de uma política cultural;
- A formação não vem sem a informa-
ção. Um dos itens no Plano Nacional de
Cultura é: “Comunicação é Cultura”. Os
Estados devem discutir, acompanhar e
incluir o que está sendo discutido em
nível nacional. Devemos nos juntar a
uma roda que já está rodando. A partir
da discussão da TV digital, por exem-
plo. A cultura deve ser geradora de
conteúdo, que precisa ser produzido. É
preciso reivindicar esse lugar.

Edição
DUO Editorial

Coordenação Editorial
Élida Murta
Marcela de Queiroz Bertelli
Maria Helena Cunha

Transcrição
Cássia Torres

Revisão
Élida Murta
Rachel Murta

Produção Editorial
Ariel Lucas Silva

Fotografia
Tiago Lima

Design Gráfico
Daniel Patrick

150 • Encontros temáticos: uma proposta metodológica 1º Seminário Internacional de Gestão Cultural • 151
Essa publicação foi composta na fonte Franklin Gothic e suas
variações. A impressão foi executada pela Rede Editora Gráfica,
em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, com tiragem de 1000
exemplares, impressos em papel Polen Soft 80g,
capa em Supremo 300g, para DUO Informação e Cultura, em
novembro de 2009.
Realização Patrocínio Parceria Apoio Institucional Apoio

Apoio Cultural

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