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discurso (28), 1997: 61-87 A Filosofia na Trilha do Belo Platao, Plotino e a Autenticidade Estética Felipe Soeiro Chaimovich* Resumo: A estética apresenta-se como uma via peculiar de acesso & realidade na filosofia de Plato, passando para a filosofia de Plotino como a via privilegiada, A relagao entre 0 Belo e 0 método filoséfico revela, em ambos os autores, a presenga das Idéias no mundo em que vive 0 filésofo. Palavras-chave: Platdo — Plotino — estética “Assurés, et méme plutét rassurés de di- poser du remarquable outil des sciences humaines, de Uhistoire de l'art, des critiques et de leurs axiomatiques, nous sommes oublieux du sens qui peut avoir !'étourdissante rencontre de la beauté” (Paul Mathias) A beleza como tema de pensamento pode ser visada sob dois aspectos fundamentalmente distintos. Por um lado, como um objeto ao qual se aplica uma maquinaria conceitual auténoma, que digere de * Estudante de pés-graduagio do Departamento de Filosofia da Universidade de Sao Paulo. 62 Chaimovich, FS., diseurso (28), 1997; 61-87 maneira uniforme qualquer objeto. Nesta medida, o tratamento da beleza nao tem maior especificidade do que o tratamento de outros temas: 0 que importa é a aplicabilidade de sistemas imperiais 4 maior quantidade possivel de regides. De outro lado, ha uma tradigao intelectual que trata a beleza como integrante de um modo de vida, na medida em que entende a propria filosofia como um modo de vida. Assim sendo, a beleza nao pode ser objeto abstrato de um sistema. E sobre essa tiltima perspectiva que pretendo escrever. A elaboragio intelectual do modo de vida implica sair da ascética filosofia técnica e perseguir a autenticidade. Tomar como fio condutor a beleza € um fato que nao pode ser considerado parte de uma estratégia persuasiva; Os pensadores que o fizeram nio tinham outra op¢do, Oscar Wilde, herdeiro dessa tradicao, marcou a necessidade de sua busca em seu testamento estético, escrito na prisdo, o De profundis. “E eu sei que para mim, para quem flores sao parte do desejo, ha ldgrimas esperando na pé- tala de alguma rosa, Sempre foi assim comigo desde minha infancia, Nao ha uma simples cor escondida no célice de uma flor, ou a curva de uma concha, a qual, por alguma simpatia sutil com a alma mesma das coisas, minha natureza nao responda. Como Gaultier, eu sempre fui daqueles para os quais 0 mundo visivel existe” (Wilde 10, p. 207). Tentarei levar a sério 0 desafio langado por dois autores que, se ndo inauguraram a tradigao da busca da autenticidade através da beleza, cer- tamente sao pontos altos desta linhagem: Platao e Plotino. Ler os didlogos platénicos, como sugere Victor Goldschmidt, é um desafio que est para além de qualquer anidlise estrutural engenhosa, Em termos metodoldgicos, abordarei os didlogos dentro do espirito anti- Manualesco proposto por este comentador sistematico de Platao: os did- logos, assim como todo discurso na visio platénica, apenas podem ajudar Chaimovich, F.S., discurso (28), 1997: 61-87 63 a lembrar que a vida filos6fica nao acaba com a descoberta de uma dou- trina, mas se revela no exercicio vivo da busca, “O didlogo quer antes for- mar do que informar. (...) Longe de ser uma exposigao dogmiatica, 0 didlogo é a ilustragdéo viva de um método que procura e que, fre- qiientemente, se procura” (Goldschmidt 3, p. 3). A partir desta perspectiva, a filosofia nado pode ser considerada como uma doutrina cognitiva abstrata, prescindindo de casos concretos, A conceituagdo de uma teoria do conhecimento em Platao esta intrinse- camente ligada a pratica do conhecimento nos casos particulares em que ela se di, Os didlogos sao, portanto, a “transcrigao” de algo que ocorre no tempo e no espago. Assim, os temas plat6nicos estio imbricados em seus modos de apresentagao; apenas abstratamente se pode considerar que dois ou mais didlogos tratam do mesmo tema, uma vez que cada es- crito determina um novo modo de compreensao de sua matéria. Para que meu texto tenha alguma relevancia, é preciso investigar qual o interesse da discusso sobre a beleza nos didélogos em que ela se did, e se 0 modo de buscd-la € peculiar ao platonismo. Nesse sentido, é notével o abando- no da dialética na busca da idéia do belo, ocorrida na passagem do Hipias maior ao Banquete e ao Fedro. A primeira tentativa platénica de compreensio da idéia do belo nao se diferencia da busca por quaisquer outras das idéias, pois se encerra sem atingir seu fim. Trata-se do Hipias maior, cuja pertinéncia aos didlogos ditos aporéticos marea os limites da dialética como pratica concreta. Nos textos aporéticos, os dialogantes mostram sua inaptidao individual em dar © que Goldschmidt chamou de “salto dialético”, Por mais boa vontade que possa ter o pedagogo Sécrates, ha dialogantes incapacitados de pros- Seguir na dialética, pois nao saem do nivel das imagens vocabulares, das COpias lingiifsticas. Ora, se levamos a sério a relagéo dos didlogos com modos de vida, percebemos que ha dialogantes marcadamente ocupados Com valores incompativeis com o desprendimento das imagens e 0 esfor- £9 para a contemplagdo das esséncias, marca dos “saltos dialéticos”. As- Sim, Hipias nao é capaz de se desprender dos simulacros, porque depende deles para manter sua fama de tudo conhecer a respeito da beleza. “E que © obstaculo, incrustado na alma do aluno, reaparece. E, se damos voltas, 64 Chaimovich, FS. iscurso (28), 1997: 61-87 € porque o obstaculo, sempre presente, mantém até o fim a tiltima pala. vra sobre a dialética” (Goldschmidt 3, p. 75) | O Hipias maior encerra-se com a profissio de fé de Sécrates que a obriga a continuar investigando, tendo a conversa com Hipias servido’ apenas para “melhor conhecer a significagdo do provérbio ‘Dificeis sitio, as belas coisas’” (Hipias maior, 304e). Assim, a classificagio do Hipias. maior entre os didlogos que tratam da beleza é enganadora. Pouco se_ avanga na matéria do belo. A especificidade do didlogo, dada pelas caracterfsticas dos dialogantes, é sobretudo o torneio entre o filésofo eo homem preso as cépias, incapacitado de prosseguir na dialética. Nesta medida, a investigacdo sobre a beleza & apenas a ocasiao para mais uma Situagdo de circularidade aporética. Ora, tal como em outros temas de_ didlogos aporéticos, seria de se esperar que nos didlogos de maturidade’ Platdo desse prosseguimento a investigagao da beleza através da dialética “amadurecida”, ou seja, levada a cabo por dialogantes mais aptos filosoficamente. Platao prescinde, contudo, da dialética nos escritos sobre a beleza, indicio primeiro da especificidade desta tematizagao no platonismo. 0. discurso socratico no Banquete e no Fedro é, curiosamente, unidirecional ao se expor o tema do belo (Banquete, 201d-212c; Fedro, 237a-241d ¢ 243e-257b). Em ambas ocasides, Sécrates abandona sua caracteristica atengdo as divisdes da dialética para mostrar-se possufdo pelos deuses - curiosamente, no estado que Platdo tanto tinha ironizado na figura egocéntrica de fon (fon, 533a, 535e-536a, 542a-b). Os discursos so- craticos ocorrem como se seu objeto (o belo) determinasse uma via pro- de busca. Mas, nesse caso, seria preciso admitir que © mundo das Idéias teria um duplo governo: a Idéia do Bem, responsavel pela ilumina gdo de todas as outras idéias ¢ objeto final da dialética, e a Idéia do Belo, | cuja peculiaridade determinaria um outro caminho 4 filosofi Uma outra interpretagdo permite compreender a real amplitude da divergéncia. Trata-se de um duplo aspecto da ascensio filoséfica ao mundo das idéias. Festugiére atenta para esta diferenga de métodos de acesso @ mesma realidade. “A Idéia é duplamente télos. Ser por ex- celéncia, ela € eminentemente o termo do conhecer. Divino mais divino Chaimovich, FS., discurso (28), 1997: 61-87 65 e, portanto, mais belo, ela é 0 mais alto objeto que poderfamos amar” (Festugiére 2, p. 15). O Ser, objeto de toda filosofia, enquanto divina, & belo. O belo nao é objeto por exceléncia da dialética, e sim o do amor. Mas 0 que é 0 amor? Nao irei aqui retragar a j4 conhecida genealogia de Amor-Eros no Banquete. O interessante é notar que Eros ocupa, miticamente, a fungaio determinante de uma via complementar a dialética, cuja natureza escapa ao controle do mestre metédico. Eros é 0 patrono de um lado passional na vida filos6fica. Em primeiro lugar, Eros é um intermedidrio entre deu- ses e homens, tal como exposto no registro mitico. “Tudo o que é demo- niaco é intermedidrio entre o que é mortal e o que é imortal (...) [coma fungao] de fazer conhecer e de transmitir aos deuses o que vem dos ho- mens e aos homens o que vem dos deuses (...) e, por outro lado, sendo intermedidrio entre uns e outros, o que € demonfaco é deles complemen- tar, de modo que 0 Todo fique em ligagdo consigo mesmo. (...) Evidente- mente, esses deménios sio em grande nimero e muito diversos; Eros é um entre eles” (Banquete, 202¢-203a). Eros faz uma intermediagdo especializada: a da Idéia do Belo. As- sim, o homem é objeto de intervengaio demonfaca erotica quando ama, ou, €m outros termos, quando esta sob entusiasmo, tomado por um transpor- te divino — sendo, portanto, passivo. A atividade dialética desempenhada pela alma que busca se recordar das idéias é substituida pela possessdo dos deménios. Ha, portanto, uma mudanga de posicdo daquele que co- nhece dialeticamente para aquele que ama. E nesta medida que a mudan- $a de aspecto entre ambos pode ser entendida, no sendo necessaria uma mudanga de objeto: ambos podem estar buscando a contemplagio das Idéias. De fato, o comentirio de Sécrates sobre seu préprio discurso, a0 falar sob entusiasmo' no Fedro, acus hesitagdio quanto ao seu valor. Cer- tamente nao se trata do método dialético de busca das idéias, cujo elogio Sécrates nao dispensa (Fedro, 265c-266c). E certamente algo que foge ao Controle das divisdes e reunides dialéticas, mas nfo se pode dizer que nao Tevele algo de verdadeiro. “Mas, na verdade, hd duas espécies de delirio: Uma que € o resultado de doengas humanas, outra, aquele de uma ruptura de esséncig divina com o costume e suas regras. (...) Ora, 0 delirio divi- 66 Chaimovich, FS,, diseurso (28), 1997: 61-87 no, nés o dividimos em quatro segdes, dependentes de quatro divindades, atribuindo a inspiragéo divinatéria a Apolo, a inspiragdo mistica a Dionisio, a inspiragio poética, por sua vez, As Musas, a quarta, enfim, a Afrodite e a Eros; declarando também que o delirio (manian] de amor é, de todos, 0 mais bonito, Ent&éo (como aconteceu? nao o sei)”, fazendo da emo¢ao amorosa uma pintura, onde sem divida atingimos alguma verda- de, enquanto, de outro lado, também tinhamos chance de, tal vez, perder- nos numa outra diregdo, tendo assim combinado em palavras uma mescla’ que nao estava totalmente privada de virtude persuasiva, nés compuse- mos de brincadeira, com tanta conveniéncia quanto piedade, uma espécie de hino mitico em honra de Eros, teu mestre, Fedro, assim como meu, i guarda de quem sao confiados os belos rapazes!" (Fedro, 265a-c). Cabe aqui relembrar os dois discursos soc os feitos sob en- tusiasmo no Fedro. Os dois tém contetidos distintos: no primeiro, aconselha-se ao amado entregar-se a um amante que nao esteja apai- xonado (Fedro, 237a-241d), € o segundo fala do amor entre amantes a partir da consideragdo da prépria natureza de Eros (243e-257b). No primeiro discurso, Sécrates deixa-se seduzir pela conveniéncia da persuasiio, compondo com interesse um discurso que convenga os jovens a se entregarem mais facilmente a certo tipo de amantes. Assim, 0 entusiasmo erético cede lugar ao interesse: a agao do sedutor parcial toma © lugar do possuido pela divindade, adotando da possessiio apenas 0 disfarce. Mas entre os dois discursos ocorre um fato que, como sempre se observa nos didlogos, obriga Sécrates A passividade. Trata-se da intervengao de seu deménio préprio, personagem que, no registro mitico, guarda a autenticidade da vida presente. Na demonologia platénica, os demOnios sao seres intermedidrios entre homens e deuses (Bangquete, 202). Entre eles hi os deménios indi- viduais, que sio um sinal do destino que cada alma escolhe para si mes- ma antes de encarnar; a alma, ao escolher sua futura vida encarnada, recebe das guardias do destino, as Parcas, um deménio que velar pelo cumprimento da necessidade (Reptiblica X, 617). Assim é que se diz do dem6nio socratico nao existir ninguém mais préximo que ele (“Ele habi- ta a mesma casa que eu”) (Hipias maior, 304d), Ora, varias vezes esse Chaimovich, FS., diseurso (28), 1997; 61-87 67 dem6nio constrange Sécrates a ndo ceder diante das facilidades ofereci- das pela vida dos que nao sio filésofos — devendo antes prosseguir em sua busca (Apologia, 31 € 40a). Este constrangimento nao é, contudo, moral: nao é por uma valoragio extrinseca da vida filoséfica que age o dem6nio, espécie de consciéncia falante que sopraria dicas sobre o bem e o mal, Trata-se de um constrangimento a autenticidade necessdria que a propria alma de Sécrates escolheu antes de encarnar. E importante lem- brar, ainda no registro mitico, que os deuses nio podem ser responsa- bilizados pelas escolhas dos destinos animicos (Reptiblica, X, 617e). A autenticidade, o cardter de conformidade a si préprio, é, portanto, fruto de escolha da alma e é selado pelas Parcas e guardado pelos deménios individuais. O desenrolar da vida encarnada é, portanto, necessdrio. Ao agir inautenticamente, Sécrates é constrangido a assumir uma posig&o passiva e escutar seu demnio. O demdnio socratico sempre interfere negativamente: ele niio direciona a agdéo, obrigando antes a supressdo das agdes“), Ele marca o momento em que Sécrates deve parar e retornar 4 necessidade prépria de sua vida. Sob esta perspectiva, o movimento entre os dois discursos socraticos no Fedro implica uma dupla passividade. No primeiro discurso, Sécrates nao faz honra a Eros, cuja home- Nagem motivara o didlogo desde o inicio. Pode-se entender que o fracasso discursivo decorreu da resisténcia socratica A entrega divina (entusiasmo), tendo sido mantida a posigao ativa mediante a intengdo de persuadir™. A Primeira passividade impde-se a Sécrates com a intervengao de seu de- MOnio individual. Comega o fildsofo relatando uma aparigdo anterior do deménio, em que, semelhantemente, cometera uma falta para com a divindade. “Ora, ele [deménio] tod. vezes 86 me detém quando ocorre que eu me disponha a agir; e eu acreditei escutar, vindo de 14, uma voz que nao me permitia prosseguir antes de fazer uma expiagdo, como se em Felagaio 4 divindade eu tivesse cometido alguma falta. (...) Em con- Seqiiéncia, eu compreendo claramente a existéncia de uma falta agora, ja que na verdade, meu camarada, a alma é algo de adivinhatério: efetiva- Mente, e hd bastante tempo, algo me incomodou enquanto eu pronunciava Meu discurso” (Fedro, 242c), 68 Chaimovich, FS., diseurso (28), 1997: 61-87 S6crates € constrangido a abandonar sua postura fmpia pela presen- ga de seu demGnio, anunciada por sinais, pressentida e adivinhada. Mas, da passividade que implica apenas a supressio de acio, Sécrates deverg passar 4 segunda passividade, de grau superior, em que Eros 0 possuira, produzindo assim um discurso expiatério, a palinddia. O elogio do deli- rio erético (Fedro, 244a-245b) coincide com o estado delirante (“Como aconteceu? nao sei!”) (Fedro, 265b). Algo semelhante ocorre no discurso socratico do Banquete. Tampouco af hd o emprego da dialética. Ao falar do amor, Sécrates mobiliza 0 personagem de Diotima, sa- cerdotisa que lhe faz revelagoes. Novamente, tudo se passa com os ele- mentos do entusiasmo, ja que Diotima vai revelando coisas a Sécrates, coisas que ja sabia anteriormente (cf. Banquete, 201d). Robledo comenta justamente o cardter nio-dialético desse discurso socratico, Sécrates nio trata do amor, no “principio pelo menos, por argumentagao dialética, sem duvida porque 0 amor tem um fundo de mistério, e quando este se desco- bre nao € por demonstragao, mas por revelagdo imediata. Daf que Socrates decida esta vez comegar com um mito — em lugar de terminar com ele, como em outros didlogos —, mas um mito cujos elementos, um por um, tém estrita correspondéncia com enunciados filos6ficos. Mais ainda, e com © mesmo designio de envolver seu relato em uma atmosfera de mistério e revelacdo, finge Sécrates que tudo o que vai dizer lhe foi dito por um personagem legenddrio e misterioso, uma sacerdotisa e adi- vinha chamada Diotima, origindria de Mantinéia” (Robledo 8, p. 400). Assim como no Fedro, a atividade caracteristica da dialética (divisdes ¢ reunides por semelhanga e diferenga) nao se exerce. Hé um discurso unidirecional. Mas por que os discursos sobre 0 amor implicam essa via paralela a dialética? “Quem de fato segue a via da instrugdo amorosa tera sido levado por seu guia até 14, contemplando os belos objetos na ordem correta de sua gradacao, terd uma siibita visdéo de uma beleza cuja natureza é ma- ravilhosa; beleza em vista justamente da qual se haviam desenvolvido, Sécrates, todos os nossos esforcos anteriores: beleza, primeiramente, cuja existéncia é ete a geragdo como a corrupgio, ao acréscimo como ao decréscimo; que, em segundo lugar, nao é bela sob este ponto Chaimovich, ES., discurso (28), 1997: 61-87 69 de vista e feia sob este outro, nem em um momento é€ no outro nado, nem ndo tao bela em comparagio com isto aqui, feia em comparagao com aquilo 1d, nem tampouco bela em tal lugar, feia em tal outro, enquanto bela para certos homens e feia para certos outros; e ainda tampouco esta beleza se mostrard a ele provista, por exemplo, de uma cara, nem de maos, nem de qualquer outra coisa que seja uma parte do corpo; nem tampouco de algum raciocinio, ou ainda de algum conhecimente (...) Mas ela se mostrard a ele, antes, nela mesma e por ela mesma, eternamente unida a ela mesma na unicidade de sua natureza formal, enquanto os ou- tros belos objetos participam todos da natureza de um tal modo, que, vin- do esses outros objetos a existéncia ou cessando de existir, disso nao resulta na realidade em questdo nenhum acréscimo, nenhuma diminuigao, nem qualquer tipo de alteragdo” (Banguete, 210e-211a). Comegamos a entrar no verdadeiro sentido da estética como modo de vida. A forma imutdvel e eterna do belo é a tinica que dispde de uma “porta direta de acesso” para os homens que vivem a via amorosa. Nela, prescinde-se da agiio dialética (“raciocinios e conhecimentos”), porque dispomos de um acesso peculiar: as coisas belas. Nao se trata de propor a via amorosa como uma via irracional. Ocorre, contudo, que a busca da idéia do Belo é a tinica que se inaugura pelo movimento na diregao de um objeto — e nao de um conceito. Por isso mesmo, ocorre o grande pe- tigo de deixar-se satisfazer com 0 objeto amado, implicando um modo de vida de aprisionamento na cépia e de ignorfncia da verdadeira fonte da beleza. Mas, para quem persevera na filosofia, buscando as idéias € nao suas cépias, o amor pelos belos corpos reserva uma acensao insuspeitada. O paralelismo entre estética e dialética fundamenta-se no diferente modo de revelagiio das idéias ao filésofo (aquele que persevera em sua busca). A beleza é a tinica idéia que deixou no mundo sensfvel suas mar- Cas disponfveis A receptividade passiva, neste que é o mundo dos filéso- fos. Enquanto homens, todos tém a possibilidade de inaugurar a busca da Contemplagao das idéias com seus préprios corpos, mediante objetos de amor dos sentidos. “Em relagio 4 Beleza , [a alma] era resplandecen- te quando se encontrava no meio dos demais sublimes objetos [as idéias]; © agora, que viemos para este mundo, ela [a beleza] foi capturada por nés, 70 ES., discurso (28), 1997; 61-87 brilhante com a mais viva claridade, por meio do sentido que, entre os que possuimos, tem mais claridade. Se, de todas as sensagées que nos produz © corpo, a que se apresenta com mais acuidade é efetivamente q © nés nado vemos, contudo, o Pensamento; pois seriam inimaginaveis amores que nos dariam ela, no caso em que fosse dado 3 vista um claro simulacro do Pensamento, similar aos que temos da Bele- za (...) Mas, de fato, s6 a beleza teve essa prerrogativa, de poder ser o que se manifesta com maior brilho e 0 que mais atrai o amor. Mas quem nao foi iniciado na tenra idade, ou quem foi radicalmente corrompido, a esse falta vivacidade para se transportar daqui debaixo em diregdo a Be- leza mesma no momento em que presencia o espeticulo daquilo que, aqui embaixo, assim chamamos” (Fedro, 250d-e). Agora podemos conjugar 0 registro mitico e 0 registro cognitivo. A passividade erética corresponde 4 receptividade estética da beleza: na acensdo amorosa, recebemos a beleza pelos sentidos (sobretudo a visio) € prosseguimos recebendo o resplendor do Belo através dos estigios intermedidrios de contemplagio das belas coisas), Mas a receptividade — ou a passividade da possessdo erdtica — tem por termo um salto qualitative em que a alma é levada a recordar 0 Belo imutdvel e eterno. Como nota Goldschmidt, a existéncia do salto qualitative como fim da vida amorosa identifica-a a dialética: ambas terminam na contemplagao/ recordacio. Sao, portanto, dois aspectos da mesma vida filoséfica, “A iniciagao perfeita, apés esta progressdo [amorosa] continua é precedida de uma ruptura. O ultimo grau, o amor do Belo, ainda que as etapas anteriores o tenham preparado, parece de fato apartado. A cle nao acede necessariamente quem tiver terminado a iniciagdo precedente [feita apenas de imagens em que a idéia resplandece] (...) Nés reencontramos aqui a doutrina da Carta VII. Pla tinha submetido igualmente a uma divistio os modos de conhecimento. Mas 0 quinto, o Objeto mesmo, tinha ficado a parte, O exercicio dos quatro modos inferiores poderia conduzit 4 iniciagao perfeita: a0 conhecimento do Objeto. Mas todos os “portado- tes de tirso’ nao a aleangavam e aqueles a quem faltava a ‘boa natureza’ nao tiravam vantagem do exercicio” (Goldschmidt 3, p. 233-4). A diferenca entre filésofos e ndo-fildsofos na via amorosa nao €, portanto, Chaimovich, FS.. discurso (28), 1997: 61-87 rT intrinseca ou profissional. Ela depende da habilidade factual adquirida no proprio exercicio estético — que também pode ser corrompido. sta saber se a via amorosa € mais “eficiente” para quem busca em vida a proximidade as idéia se o amor € 0 ponto alto da vida filosdfica. Diotima sustenta tal opinido ao falar com Séerates: “Como, entdo, conceber”, prosseguiu ela, “o estado de um homem que tivesse conseguido ver o belo em si mesmo, em sua integridade, em sua pureza, sem mistura; que, no lugar de um belo sujo pelas carnes, pelas cores humanas (...), fosse ao contrario capaz de perceber, nele mesmo, o belo divino na unicidade de sua natureza formal. (...) Vocé nao vé”, acres- centou ela, “que é somente 14 que ele conseguird, vendo o belo por meio daquilo pelo que ele é visfvel, gerar nado simulacro de virtude, mas uma virtude auténtica, jd que tal contato existe com o real auténtico? Ora, nao pertence a quem gerou, a quem alimentou uma virtude auténtica, tornar- se caro A divindade? ¢ no é a este, mais do que qualquer um no mundo, que pertence ao se tornar imortal?” (Banquere, 21 1d-212a). Sem diivida a via erética oferece um caminho peculiar, diverso do oferecido pela dialética, para a contemplagdo da idéia do Belo em sua unicidade, eternidade e imutabilidade — objetivo do cuidado filoséfico da alma (Feddo, 65c-66a). Peculiar € também a idéia do Belo entre as outras idéias devido a seu resplendor no mundo. Robledo, diante de tais dados, erige a via erética como «pice da filosofia. “O que tudo isto quer dizer em termos filosGficos e pedagégicos (...) € que a educagao estética é a via de acesso insubstituivel 4 educagao propriamente filoséfica. Pela beleza se h de despertar em nés, ordinariamente ao menos, 0 amor das Coisas supra-sensfveis. E a idéia luminosa entre todas, € por sua remi- niscéncia chegamos a reminiscéncia das demais” (Robledo 8, p. 427). Tal Posi¢ao parece-me, contudo, exagerada, Se a erética fosse a condigao de aprendizado da vida filoséfica, didlogos como o Parménides e 0 Sofista (para citar apenas dois) nao se refletiriam no modelo de educagio do Mlésofo no Livro VIII da Reptiblica, Nessa passagem, 0 fildsofo é incita- do A reflexdo através da constatagio das oposigoes, procedimento que o levarg ao exercicio da dialética — e nao da erética. Direi, portanto, que ha dois aspectos da vida filoséfica — vida que implica um cuidado para 72 Chaimovich, FS., discurse (28), 1997; 61-87 que a alma volte para junto de seus semelhantes (as Idéias; cf. Feddo, 70 € ss.); a autenticidade animica dependerd de quanto isto for possfvel na vida enearnada. Mas, se na dialética agimos perseguindo a idéia do Bem, na erética amamos — porque é a idéia do Belo que vem nos chamar. TI A vida filoséfica das Enéadas nao admite a mesma dualidade de aspectos. Plotino erige a erética como paradigma do movimento em dire- go ao Ser — e, ao mesmo tempo, como expresso da autenticidade do homem. A via do belo € 0 Gnico caminho da vida filos6fica, Historicamente, sabe-se do esforgo de Plotino para dar uma organi- zagdo sistematica aos escritos de Plato — aliado a mais uma série de po- sigdes de cardter religioso que proliferavam em sua época. Mas, se no caso de Platdo a compreensao dos didlogos depende de abordé-los como transcrigao de uma pratica, em Plotino este problema ocupa um lugar ex- plicito no fulcro de sua filosofia, como bem mostrou Bréhier. Em primei- ro lugar, os préprios escritos resultam de discussées tematicas levadas a cabo no circulo de Plotino e seus discipulos: sio uma organizagdo “vir tual” de discussdes que de fato existiram®. E, no corpo dos escritos, apa- rece como problema a imbricagio da teoria na vida filoséfica. “Todos os intérpretes concordam em reconhecer em Plotino a coe- xisténcia de duas ordens de questdes: 0 problema religioso, o do destino da alma e 0 modo de restauré-la a seu estado primitivo; e 0 problema fi- los6fico, o da estrutura e da explicagdo racional da realidade. (...) Ora, 0 trago caracterfstico do sistema de Plotino parece-me ser a uniao intima desses dois problemas, uniao tal que o problema de saber qual € subordi- nado ao outro nao mais pode se pér. Descobrir o principio das coisas, meta da investigagao filos6fica, é, ao mesmo tempo, para Plotino, o fim da viagem, ou seja, a realizagdo do destino” (Bréhier 1, p. 23). Encarar assim as Enéadas implica levar a sério os desafios de uma vida filos6fi- Chaimovich, F.S., discurso (28), 1997; 61-87 B ca, isto é, nao tomar enunciados praticos como partes abstratas do siste- ma. Nem tampouco cair para © lado extremadamente misticizante, tal como fez Porfirio ao contar que Plotino atingira em vida quatro vezes o éxtase. A vida filoséfica descrita por Plotino, bom platénico que era, im- plica a tentativa de reconduzir a alma humana em diregao do eterno e imutdvel. E, mantendo as diretrizes platénicas, nado se trata de introduzir na alma algo que ela nao possua. O primeiro aspecto da vida filoséfica é o de adequagdo da alma a ela mesma: todos os passos s40 apenas um es- forgo por reconduzir a alma a sua natureza. Donde o termo usado por Plotino para designar 0 que chamei de vida filoséfica ser “purificagdo” (catharsis). “A purificagao é, portanto, necessdria 4 unio, ela [a Alma] se unird ao Bem ao se virar em sua diregao (...) 6 a contemplagao [teo- ria] e a marca dos objetos inteligiveis; esta contemplagio se dé em ato na alma, como a visdo do olho é produzida pelo objeto visivel. —- Nao € ver- dade que ela possuia esses objetos, mas sem ter deles reminiscéncia? - Sim, ela os possufa, mas eles nao estavam em ato; eles estavam deposita- dos numa regio obscura da alma; para ilumind-los e para saber que ela os tem nela, ela deve receber a impressio de uma luz que a ilumina” (Plotino 6, I, ii, 4). A primeira questio é saber por que os objetos de con- templagdo estado latentes para a visdo da alma humana, Na metafisica plotiniana, a alma € 0 ponto de contato entre duas “esferas”: a inteligivel e a material. A matéria, abandonada a si mesma, é um animal sem vida, que a alma ilumina como descreve Plotino: “O céu, Movido por um movimento eterno, por uma alma que o conduz com inte- lig@ncia, torna-se um animal feliz: ele ndo era antes sendo um corpo iner- te, terra e gua, ou melhor, uma matéria obscura, um nao ser, ‘objeto de Sdio para os deuses’, como diz alguém” (id., ibid., V, i, 2). Ou, no co- Mentario de Trouillard, a matéria é 0 “outro” do inteligfvel: ela € respon- Sdvel por o espirito se perder de si mesmo quando mergulha na matéria e 86 olha em sua diregiio: “poréncia de alteracdo ou a lei de alienagdo” (Trouillard 9, p. 140). _ Ocorre, contudo, que a metafisica plotiniana confere a esfera mate- tial uma irradiacdo inteligivel, que se prolonga desde o centro mesmo da 74 Chaimovich, FS., discurse (28), 1997: 61-87 esfera inteligivel: esta irradiagdo do inteligivel no sens{vel chama-se alma. Resumidamente, a “irradiagdo” do inteligivel obedece a uma hierar. quizagao metafisica cujos graus sio considerados substancias: as trés hipdstases, A primeira hip ¢ € o Um, e a ela corresponde, platonica- mente, ser o Bem. “Ela € 0 primeiro, porque nao ha nada de mais sim- ples; ela € 0 que se basta a si mesmo, pois ela nao é feita de varias coisas, sendo ela dependeria dos elementos dos quais seria formada; ela € 0 que nio é em outro, pois o que é em outro depende sempre de outra coisa” (Plotino 6, II, i, ix, 1). Plotino acrescenta como pressuposto que tudo 0 que € pleno € levado a engendrar —e o mais pleno, o Um, também engen- dra. Mas sua “cria” ndo é materialmente “outra” que o Um. A geragao do Um € 0 préprio Um que otha para si, Ao fazer isso, cinde-se num millti plo, o vidente e o visto, deixa a unicidade ao refletir. A segunda hipdsta- se é a Inteligéncia (Notis), uma expressio do Um como multiplicidade contemplativa. Ora, assim como 0 bem esta para o Um, 0 belo esta para o miultiplo da Inteligéncia — 0 Belo € expressiio do Bem ao engendrar. A Inteligéncia, por sua vez, engendra a terceira hipéstase, a Alma. Esta ultima hipdstase ¢ mediadora da irradiagdo do inteligivel no sensi- vel, guardando uma dupla natureza (como veremos adiante). O impor- tante é notar que as hipdstas © expresses /égicas do Um — e nao desdobramentos espaciais. HA uma co-naturalidade essencial no interior do inteligivel: “E preciso que o ser engendrado seja de alguma maneira semelhante ao Um, que ele conserve os caracteres do Um, que haja entre ele e o Um a semelhanga que ha entre a luz e 0 sol” (id., ibid., V, i, 7). As hipdstases inferiores sio /6goi das hipdstases superiores, implicando um voltar-se sobre si mesmo em vista da contemplagio: esta volta, a refle- xao, implica um desdobramento em vidente e visivel, mas um desdobra- mento intelectual. Assim, a Inteligéncia € o /éges do Um, contemplando-o e€amando-o, embora lhe sendo inferior. A Alma, por sua vez, € 0 ldégos da Inteligéncia, que ama e contempla. Cada qual sé olha para quem o en- gendrou, nao para o engendrado. A contemplagao é, portanto, sempre as- cendente e pressupde a co-naturalidade do légos. Como nota Bréhieh, “deve-se ainda salientar o esforgo que faz Plotino para anular a imagem espacial, inevitavelmente sugerida pela descrigdo de uma separagdo en- Chaimovich, F.S., diseurso (28), 1997; 61-87 15 tre o Um a Inteligéncia: cis af uma separaciio imagindria que nao impe- de em nada 0 contato e a unidio espiritual” (Plotino 6, V, i, 6, nota 1). Podemos imaginar a Alma como o limite entre a esfera inteligivel e aesfera material, um ponto de contato que se introduz no mundo sensi- yel, mesmo sendo de natureza inteligivel. Que conseqtiéncias traz isto para a vida los6fica? O homem é matéria irradiada de /6gos, como tudo 0 mais no mun- do (0 proprio mundo tem uma alma). A pedra de toque da vida filosdfica éa percepgdo"” da presenga do /égos no nao-ser, a matéria. Ao perce- ber-se mergulhada num “outro”, a alma é tomada por desconforto. “Nos- sa alma tem uma parte que esta sempre perto dos inteligiveis, uma outra que esté em relagdo com o sens{vel, uma outra que esta entre ambas; na- tureza tinica de poténcias miultiplas, tanto ela se concentra inteiramente em sua parte mais perfeita c se junta ao melhor dos seres; quanto sua par- te inferior é atrafda e atrai consigo a parte média; pois nao é permitido que a alma seja atrafda por inteiro. Ela experimenta este desconforto por- que ela ndo ficou nessa regido de beleza em que ficou a alma que ndo é Parte de nés mesmos e da qual ndo somos mais uma parte [a Alma como hipéstase]: € esta alma que doa a todo o corpo o que ele pode receber dela; ficando imével, sem necessitar agir, refletir, nem corrigir nada, ela 0 governa [o corpo] e ordena suas partes, simplesmente contemplando o que é antes dela [a Inteligéncia], gragas a sua maravilhosa poténcia. Quanto mais ela se prende 4 contemplagdo, mais ela é bela e potente; ela dao que tem provindo do alto ao que vem depois dela; ela o ilumina por- que ela esté sempre iluminada” (id., ibid., Il, ix, 2-0 grifo é meu). A Vida filosdfica nao é seniio o esforgo por aproximar a alma de seu seme- thante: aesfera do inteligivel. Isto implica um ganho de “luz”, em termos plotinianos: a alma do filésofo volta-se na direcdo da hipéstase que lhe é Superior (a Inteligéncia), conforme o movimento préprio 4 contemplagdo ( hipés ase inferior olha e ama a hipdstase que Ihe é superior e da qual foi gerada). i re um problema classico em Plotino (cuja solugio nao me propere! cia apés tantos estudos a respeito) que concerne a multipli- ade e & unicidade anfmica. Se a Alma é uma hips se, como explicar 716 Chaimovich, FS., discurso (28), 1997: 61-97 a multiplicidade de almas (demoniacas, humanas etc.)? A quarta Enéada aborda esta questo ao longo de varios tratados”, O interessante aqui é notar que as almas relativas aos homens singulares s6 esto divididas na medida em que participam da matéria. Voltar-se em diregao ao inteligfvel, isto €, concentrar-se em sua parte superior, implica uma tentativa de re- cuperar algo da unidade perdida na encarnagao. O primeiro ponto da vida filoséfica €, portanto, sua natureza “recuperadora” da integridade das almas na Alma. “Essa natureza que, dizfamos, é vizinha da esséncia indi- visivel é, ela mesma, uma esséncia; ela vem aos corpos e, por acidente, divide-se nos corpos; mas a divisio nao é em absoluto uma propriedade que ela tinha antes de se dar aos corpos; (...) ora, a natureza simultanea- mente indivisivel € divisfvel a que chamamos alma nao tem a unidade de um continuo cujas partes sio diferentes [caso dos corpos]; ela é indi- visivel porque ela esta inteiramente nas partes e numa parte qualquer do corpo. (...) ela se divide nos corpos porque os corpos, dada a divisdo que lhes € propria, ndo a podem receber indivisamente; sua divisiio é, portan- to, uma afecgao dos corpos, e nfo da alma mesma” (Plotino 6, IV, ii, 1). Assim como em Platdo, a alma encarnada nunca poderd anular sua prisdo na matéria. A vida filoséfica plotiniana nao implica uma negagao do corpo, pois é da natureza da alma ser a irradiagao do inteligivel no sen- sivel'. A vida filos6fica é, portanto, fonte de iluminagao quando de fato alinge a contemplagao. E voltando-se para o inteligivel que melhor cui- damos do corpo, pois a matéria recebe mais luz : “O homem que esta no espirito € o homem por exceléncia [o grau divino do homem]; ele ilumi- na o segundo homem [o grau demonjaco, a parte intermedi J, que por sua vez ilumina o terceiro [a besta, a parte mais baixa]” (id., ibid., VI, vii, 6). Mas como, entao, v ar este cuidado de si, sabendo-se um homem miultiplo (alma dividida em trés partes e mergulhada em matéria) € cuidando de todas as suas partes? Diferentemente de Platio, Plotino vé que o homem, alma divina mergulhada num “outro”, indissoluvelmente ligada a este outro material, ndo pode send@o come¢ar seu caminho em diregao ao divino por seus se- methantes, Ele nado comega pela busca de conceitos, mas pela compreen- Chaimovich, FS., discurso (28), 1997: 61-87 77 sio de seu mundo como irradiagao do inteligivel no sensivel; 0 filésofo comega pela estética. Ao comegar a investigagao sobre o Belo, Plotino deixa entrever que seu escopo ao abordar o tema é inaugurar o giro contemplativo da alma. “Que 6 entdo essa qualidade [a beleza] presente e manifesta nos corpos? E o que é preciso examinar em primeiro lugar: 0 que é essa coisa que ani- mao olhar dos espectadores, cativa-o, atrai-o para si, ¢ faz com que eles se regozijem de ter a contemplagio dela. Se nds a descobrimos, entao ‘fa- zendo dela como um degrau’, sem divida disporemos imediatamente do que ver o resto do que pode ser contemplado” (Plotino 7, I, vi, 1). As coi- sas belas tém a propriedade de atrair o olhar dos espectadores para si e instiga-os a contempld-las. Do mesmo modo, seria desejavel que a alma se sentisse atrafda a contemplar o inteligfvel, voltando-se para ele. Nesse momento, a beleza opera como uma pista de analogia entre o movimento factual do espectador e o movimento desejavel para a alma filos6fica. Mas Plotino agrega que, descoberta a razio para o movimento de fato, terfamos 0 material necessdrio para contemplar 0 que deve ser contem- plado — as coisas belas seriam o degrau para a contemplagao superior. Mas por que as coisas belas seriam o degrau privilegiado — ¢ nao, por exemplo, 0 conceite de justiga, de amizade ou de bem? Ocorre que Plotino esta operando, na via da contemplagdo, com a categoria platénica da semelhanga. S6 0 semelhante reconhece o seme- Ihante — ou seja, é preciso haver algo em comum para haver reco- nhecimento. As hipéstases inferiores podem contemplar as hipdstases superiores devido A comunidade de /dgos. A alma humana, contudo, esta Mergulhada em algo com o que nfo tem a comunidade “Iégica”: esta cer- cada por um mundo de corpos. Ao distrair-se com os corpos, perde-se de si mesma, pois nado pode reconhecer nada semelhante a si neles‘, Para Maugurar o movimento de retorno da atengdo para si € para O inteligfvel, 4 alma, naturalmente distrafda com os corpos a sua volta, deve poder re- Conhecer neles algo que Ihe seja semelhante. Ou seja, ela deve comegar Por poder reconhecer nas coisas materiais uma irradiagao do inteligivel NOs outros sensfveis para interromper sua distragio. Ora, a marca carac- 78 Chaimovich, FS., discurso (28), 1997: 61-87, terfstica da multiplicidade inteligivel, do miuiltiplo da Inteligéncia, é a be. leza. A mesma beleza que a alma enfim reconhece no mundo que acerca, A experiéncia estética é 0 reconhecimento de um mundo estranho como um mundo familiar, “... em razio mesmo do que ela é por natureza, aplicada em dire- ¢Ao ao que é, entre todos os seres, a esséncia mais eminente [pois € sua hipdstase superior], a alma se toma de uma alegria e de um maravilhamento exaltados, uma vez que percebe seres do mesmo género que ela, ou tragos de tal género [através da beleza]; ela os relaciona entio a si e se recorda do que ela é propriamente e qual é seu horizonte, Dito isto, que semelhanga ha entre as belas coisas d’Aqui [esfe- ra sensivel] e as de La [esfera inteligivel]? (....) Dizemos de nossa parte que é em virtude de uma participacdo dos seres corpéreos a idéias, Pois tudo o que é informe pode naturalmente receber uma figura e uma forma, mas, enquanto isto nao tiver parte nem com uma raz4o nem com uma idéia, fica feio e estranho 4 ordem divi- na. E ai esta a absoluta feitira. (,..) Assim, a beleza do corpo deri- va de sua comunhao com uma razio vinda dos deuses fi.e., coma causa inteligivel que irradia no sensfvel — uma comunhdo de l6gos]. (...)a alma pronuncia-se sobre o Belo pondo-se de acordo com a idéia que Ihe é imanente [ela mesma sendo inteligivel] e servindo-se dela para julgar como nos servimos de uma régua para julgar o que € reto” (Plotino 7, I, vi, 2-3). A plasticidade permite a matéria ser “moldada” por idéias. E 0 mol- de que a alma reconhece nas coisas belas — ¢ 0 “outro” transforma-se em “semelhante”, tomando-a de alegria. Plotino inicia a vida filoséfica com coisas e niio com conceitos porque as virtudes inteligiveis mostram-se no mundo como belas coisas (“Toda virtude € uma beleza da alma”) (id. tbid., I, vi, 1). O fulgor do inteligfvel no sensfvel é a beleza: o inteligfvel conformando o sensivel. E é este espanto maravilhado que acorda a alma Chaimovich, FS., discurso (28), 1997: 61-87 79 do “sonho sensivel” para a “realidade inteligivel” (Plotino 6, III, vi, 5), dai como descoberta da posse de um “régua” formal: Jo com as coisas 4 atengdo aos meus semelhantes; entao Hessubto que sido semelhantes porque temos em comum a irradiag&o do inteligivel. Neste momento, aproprio-me do padréo de reconhecimen- to: a coisa bela é minha semelhante porque eu sou belo, eu também sou irradiagdo inteligivel num corpo, A este movimento Plotino chama inte- riorizagdo: “Enquanto uma coisa permanece exterior a nés, somos entao realmente afetados. E que os olhos s6 sao capazes de perceber o que € ‘forma’ (idem 7, V, viil, 2). A constituigdo da interioridade auténtica pressupde a descoberta da “régua’’ inteligivel em nds, Definirei “autenticidade” como o modo de vida da alma em conformidade com sua natureza contemplativa, por opo- sigdo & alma distrafda como um “outro” necessariamente incognoscivel (a matéria)". Note-se que um mesmo corpo pode ser ocasiao de distra- cdo ou ocasiao da autenticidade — quando nele descubro a irradiagao do inteligivel. No tratado “Do belo inteligivel”, Plotino propée a via estética como a responséivel por esta mudanga de modo de vida (da distragao 4 atengdo auténtica), cuja implicagdo € a constituigdo da interioridade filo- séfica. Estética e filosofia tornam-se, assim, indissociaveis. O movimento de interiorizarao implica conceber a alma nao mais enquanto dividida nos corpos - sob o ponto de vista da matéria irradiada. Trata-se de conceber a alma em sua natureza una. Assim, a via da beleza é uma mudanga de ponto de vista: 0 objeto belo e o espectador Separados sdo substituidos por uma imanéncia do belo & alma. E preciso lembrar que a relagaio entre a Alma e 0 Inteligivel (fonte do Belo) é de hatureza “légica” — e nao espacial. Portanto, é s6 ao retornar a esta ima- héncia que o inteligivel pode ser adequadamente conhecido. “(...) aqueles que sdo como que totalmente cereados e empanturrados desse néctar, Porque sua alma tera sido toda irrigada pelo Belo, estes nao podem per- manecer simples espectador es. Pois nao ha mais um ser que vé do exterior © um outro ser que é vist ser que tem a vista abrangente encuba em si mesmo o que vé. (...) De fato tudo 0 que percebemos como espeticulo, 80 Chaimovich, FS., diseurso (28), 1997; 61-87 percebemos fora de nds. Mas € preciso, entao, transporta-lo para si e vé- lo fazer um consigo mesmo, vé-lo ser si mesmo” (Plotino 7, V, viii, 10). O limite da compreensio adequada de si mesmo é a anulagao da in- dividualidade. Ao conceber-me como uma irradiagdo da alma una numa porgio divisivel da matéria, posso “entrar em sintonia” com 0 inteligivel. Mas nao se trata de um poder supra-humano: enquanto homem de fato, nunca poderei me fundir com o inteligivel. O que ocorre € um ganho de mobilidade de aspectos. Posso passar da divisdo espectador-objeto a interiorizagdo e retornar ao mundo, concebendo-o agora adequadamente —e, sobretudo, conhecendo em mim a causa imanente da beleza nos cor- pos. “E que hd nessa conversio a divindade um ganho notavel: comegan- do por ter apenas a sensagdo de néds mesmos, enquanto estamos separados do deus, penetramos no interior de nés mesmos em que se € possuidor do todo"”, abandonamos entao a sensagdo & deriva pelo horror da separa- ao, para tornar-nos, enfim, La-embaixo, um com o divino. Se aspiramos a ver-nos na separacdo, podemos projetar a nés mesmos na exterioridade [retornando A separacio]” (id., ibid., V, viii, 11). O entusiasmo platénico transforma-se na instauragio da percepgao adequada de si ( “synesis kai 5) naisthesis” € “autois synetoi”) como ima- néncia a divindade (ou ao inteligivel). E possfvel ver em Plotino uma reformulagio da passividade caracterfstica da ascese amorosa plat6nica. Mas o que implicava uma possessao divina (entusiasmo) sera transforma- do num misto de atividade e vidade. A passividade plotiniana reve- la-se no abandono do ponto de vista de um “eu” que tenta instaurar seu dominio cognitive do mundo através do pensamento discursive (que cha- marei de “razao discursiva”). Quando a alma “raciocina” (por oposigdo a seu estado de contemplagao), ela deve dispor da linguagem fragmentada (cf. idem 6, I, ii, 3). A linguagem, por sua vez, é adequada para se lidar com a irradiagdo fragmentada da alma na matéria — mas o prego a se pa- gar é a prisdo no nivel da cépia da multiplicidade material, Com isto, Obriga-se a alma a alienagao de sua unidade originéria em beneffcio da multiplicidade dos corpos (cf. Bréhier, “Notice” a Plotino 6, IV, iii). Se a alma volta-se para si mesma, abandonando a multiplicidade e esforgan- do-se por ver-se como Alma una, ela deve se calar (cessar 0 “raciocfnio” | Chaimovich, F.S., discurso (28), 1997; 61-87 81 miltiplo). A passividade plotiniana nio consiste em se deixar possuir — ou em abrir uma passagem privilegiada para a realidade formal, como em Platao. Consiste em escutar-se a si préprio, fazendo siléncio e fechando os olhos para a multiplicidade. Esta multiplicidade inclui o proprio “eu” raciocinante — mais uma das irradiagdes miltiplas da matéria. O pensa- mento discursivo implicaria, portanto, apenas uma nova divisado: “O ser que se pensa se cinde em dois” (Plotino 6, V, iii, 10). E, portanto, com a parte superior da alma que devemos avangar na contemplacao, ultrapas- sando a parte inferior marcada pelo pensamento discursive"), A passividade necessdria & parte superior da alma € descrita por Plotino como siléncio que se libera da ilusio do miltiplo e foge para o inteligivel. Contudo, retornando a categoria légica da semelhanga, nao se trata de entender tal descri¢ao em termos ffsicos (a fuga para um mosteiro € 0 voto de siléncio seriam apenas a multiplicagdo de desdobramentos materiais). Entendido o siléncio sob 0 ponto de vista inteligivel, trata-se de reencontrar o /égos que temos em nés mesmos, nao enquanto este ou aquele “eu”, mas como integrantes da Alma: “O espago inteligivel € a compenetragiio dos seres” (id., ibid., V, ix, 10). Trata-se de calar sobre o miltiplo e escutar a légica, Como diz Trouillard, a “solidao é a simplici- dade [metaffsica, ¢ ndo moral]. Ela volta a ser apenas ela. O que, precisa- do é uma regra de moderagao [moral]. Ser apenas si préprio € 0 mente, na Privilégio do Um (id., ibid., V1, viii, 21). A alma nao se juntard ao Um. Mas ela nao chegara |i sem um despojamento progressivo” (Trouillard 9, p- 133), vidade em relagdo & unidade tem um contraponto ativo: 0 agdo de sair de si. Se em Plat@o had uma descida demoniaca, em Plotino ha uma safda de si para a contemplagao. O éxtase, junto ao silén- cio, permite, finalmente, a determinagio da autonomia da alma, A alma Pode dar a si mesma as leis ao ver-se sob o ponto de vista do inteligivel. Nesse momento, compreende que possui em si o mesmo /6gos que se ir- tadia a partir do Um pelas hipéstases sucessivas. Como a hipdéstase que esta contemplando € a Inteligéncia, 0 /dgos se manifesta 4 alma como o Belo inteligfvel. O éxtase plotiniano nao tem, contudo, o sentido mistico. O sair de si é de fato uma simplificagao (“haplosis”), um movimento de 82 ‘Chaimovich, FS., discurse (28), 1997: 61-87 abandonar a multiplicidade e aproximar-se da simplicidade da alma. Seu objetivo nao é a anulagao definitiva do “eu”, mas o encontro da verdadei- ra autonomia, “O éxtase foi compreendido sobretudo como um estado passageiro. (...) Mas 0 evento estd na tomada da consciéncia, ndo no es- tado em si; este, no que tem de fundamental, nao pode faltar mais a um sujeito do que a uma esfera faltar seu centro gerador” (Trouillard 9, p. 98), O encontro do centro gerador, da autonomia légica, nio implica, portanto, uma negacao fisica do corpo; ao contrario; conquistada a au- tonomia (autarkes), por contraste com a heteronomia da distragio com 08 corpos, ganha-se uma nova perspectiva do corpo proprio ¢ dos outros corpos. Esta nova perspectiva manifesta-se, agora, como um embeleza- mento do mundo visivel devido a contemplagéo adequada do inteligfvel, “Este mundo imita, assim, em todo ponto seu arquétipo. E que ele possui a vida, e alguma coisa da esséncia, uma vez que emana do divino. Ele tem do divino, alias, a eternidade, pois é dele imagem (...) Ora, toda ima- gem que é por natureza dura tanto quanto seu arquétipo” (Plotino 7, V, viii, 12). A autonomia nao , portanto, um estado exclusivamente passivo. Ao contririo de Platao, Plotino, ao erigir a via estética como modo de vi- da filos6fico, conjuga a passividade A atividade num continuo caracte- rizador da manutengio da autonomia. A alma, por natureza sendo ponto de contato do inteligivel e do sensivel, sendo, portanto, demoniaca (cf. idem 6, |, ii, 6), nunca abandona sua posigao intermediaria. Pode conquis- tar, contudo, um modo auténomo de ver o mundo. “O sdbio", como nota Trouillard, “nao chega nunca a separar de fato seu juizo de seus instintos. E € esse cativeiro perseverante que constitui 0 “aqui embaixo’. A negagao tem por objeto a ultrapassagem, a dissociagdo mesma, condigao da lucidez, n&o aniquilagao, © eu continuaré sempre a se distribuir varios planos e talvez ele ndo possa nunca se fixar definitivamente em nenhum (IIL, iv, 3; V, viii, 11; V, vii, 6)” (Trouillard 9, p. 146), A aceitagio do “perspectivismo” insuperdvel caracteriza melhor do que nada a vida filosdfica. A dificuldade de encarar a filosofia como modo de vida esta, assim, em encarar 0 “perspectivismo” como uma am- pliagiio factual dos modos de visio. “O pensamento dianoético, que pare- ce passar através das idéias, pode nos discernir as orientagdes que poderia Chaimovich, FS., discurso (28), 1997: 61-87 83 tomar nossa prépria existéncia, nado nos fara jamais apreender em sua autenticidade a profundidade e a singularidade do vivido extdtico” (Mathias 4, p. 25). As Enéadas nao sio, portanto, nem um discurso do método extatico, nem um sistema abstrato de doutrina. Sao uma pista. O ganho da aceitagao do desafio é a inter-iluminagdo dos planos. Assim, a experiéncia da beleza traz consigo uma espécie de “aprendiza- do” (id., ibid., p. 12): ver o belo é aprender a ver autenticamente o mundo. “Retira de ti tudo de supérfluo, endireita tudo 0 que esta torto, dissipa toda opacidade e trabalha para te tornar limpido, sem cessar de esculpir tua prépria estdtua, até que te ilumine o divino fulgor da virtude (...) se, portanto, vés e reconheces te teres tornado tudo isso, entao te transfor- maste em visdo e deves ter confianga em ti. Fica neste mundo e eleva-te, pois nao precisas de um guia; fixa o olhar vé!” (Plotino 7, I, vi, 9). Abstract: Aesthetics is a peculiar way of access to reality in Plato’s philosophy, becoming the Privileged one in Plotinus philosophy, The relationship between Beauty and philosophical ee shows, in both authors, the presence of the Ideas in the world where the philosopher Ves On, Key-words: Plato ~ Plotinus - aesthet 84 Chaimovich, F.S., diseurso (28), 1997: 61-87 Notas (1) “Eu pensava que irias dizer a palavra verdadeira; com deltrio [manikés]! Em todo caso, é precisamente o que eu buscava, pois nds dissemos [cf. 238e, 241a-b, 246b, 249d], néio é mesmo, que o amor é wm delirio” (Fedro, 265a). (2) Robin nota aqui wma referéncia ao caréter misterioso da adverténcia de- moniaca. Cf. os trechos 241d e ss. ¢ 242b-d. (3) “A mim, um tipo demoniaco me retém (...) esse homem que ndo cessa de me refutar” (Hipias maior, 304c-d). (4) Cf. a exposigdo da impiedade do discurso de Lisias e do primeiro discurso de Sécrates: Fedro, 242d-243a. (3) Em relagao aos estégio estéticas, ver Banquete, 210. (6) Cf. Repitblica, VII, 523-525. Ver legado de Parménides ao jovem Sécrates em Parménides, /29b-c, Diz Goldschmidt: “A origem da reflexao filoséfica é, portanto, uma experiéncia de contradi¢do, Teriamos somente a filasofia para fazer se 0 mundo sensivel — onde estamos destinados a viver ¢ agir — fosse transparente a nossas sensagées, se ele se comportasse sempre da mesma ma- neira e se todos os objetos que 0 compoem consentissem em permanecer o que parecem e em nunca nos espantar” (Goldschmidt 3, p. 19). (7) Estes tépicos foram tratados par E. Bréhier na edigao de seu curso sobre Plotino, La philosophie de Plotin (Bréhier 1). (8) “Pode-se, assim, melhor compreender o cardater das Enéadas. Elas sao apenas a redagao das diseussdes vivas da escola. Plotino escreve sobre os te- nas que se apresentam, e seus livros dao freqiientemente a impressa@o de uma estenografia. Eles ndo sao em absoluto feitos visando uma propaganda religi- esa popular, mas para o pequeno circulo de iniciados para 0 qual foram con- cebidas” (id., ibid., p. 15). (9) Para uma critica @ externalidade do plotinismo desta concepgao mistici- zante do éxtase, ver Trouillard 9, p. 98. Chaimovich, ES., discurso (28). 1997: 61-87 85 (10) A alma humana “ocupa um lugar intermedidrio; ela tem wna porgéo di- yina, mas, colocada na extremidade dos s inteligiveis e nos confins da na- jureza sensivel, ela the dd [a natureza sensivel] alguma coisa de si mesma” (Plotino 6, IV, viii, 7). (11) Plotina usa os termos “synesis kai synaisthesis” (ef. id., ibid., 4 8, 77), que guardam a duplicidade de deierminarem uma apreensdo cognitiva e sen- sivel, duplicidade que pretendo manter ao falar em via “estética” da contem- plagdo (teoria). (12) A respeito da extensao da questo, ver a “Notice” de Bréhier ao tratado “Dificuldades relativa @ alma I”, id., ibid., IV, iii (13) Trouillard tem uma bela formulagdo da questdo: “A animalidade surgiu, portanto, de uma exigéncia interna da esséncia, nao para se completar, mas para simbolizar-se. A alma e 0 corpo ndo sao entre si nem como substancias heterogéneas, nem como fungdes metaftsicas complementares, mas como pers- pectivas complementares sendo cada uma total em seu género. Eles ndo se unem por cardter incompleto, mas, ao contrdrio, por sua integralidade, em primetro lugar muito diferente” (Trouillard 9, p. 16). (14) “A matéria”, diz Trouillard, “é negagao ativa do espirito no ser corporal enaquele que pensa segundo o corpo. Hd tensdo entre a vida e o espirito (p. ex., entre o egocentrismo bioldgico e a universalidade intelectual). Essa opo- sigdo ndo é mais apenas dissondncia, ela se transforma em conflito agudo quando wma poténcia da aima espiritual se pée a servigo da vida e se faz regrar por ela” (id., ibid., p. 140) (15) “E porque o ser é desejdvel, pois ele é idéntico ao Belo; e se a Belo é objeto de amor. é porque ele é 0 ser. Uma vez que sua natureza é, portanto, una, que necessidade ha de procurar qual é causa do outro? Meso 0 mais quimérico das seres deve ser remetida a um semblante de beleza, nao tanto Para parecer belo, quanto para simplesmente sev. E, alids, ele sé é na medida €m que participa do Belo ideal: methor ele o capta, mais é perfeito, pois a beleza the é cada vez mais intima” (Plotino 7, V, viii, 9). (19) A distragao nao é um estado pessoal, é uma ameaga existencial a alma. d € nos precipitdssemos em dominar tais simulacros como se fossem seres ver- ‘Adeiros, ocorreria o que conta essa fabula, se bem me lembro, de um homem 86 Chaimovich, FS., discurso (28), 1997: 61-87 que quis agarrar sua bela imagem refletida pela dgua e que nela caine desa- pareceu nas profundezas da corrente; da mesma maneira, quem se apaixona pelas belezas corporais, ¢ nao renuncia a elas, se abismard, nao em corpo, mas em alma, nas profundezas escuras e funestas para a inteligéneia, conde- nando-se a viver as cegas num Hades e a relacionar-se com sombras tanto nesse abismo quanto em nosso proprio mundo” (Plotino 7, I, vi, 8). (17) “Ou seja", nota Mathia que em si mesmo se possui ao mesmo tempo a idéia de st mesmo e as idéias de todas as coisas. A pura identidade de si con- sige engloba assim a esfera ‘transcendente’ dos inteligiveis, pois se é enquan- to Si i.e, enquanto Alma una] um inteligivel” (Mathias 4, p. 96, nota 4). (18) Pelo que nota Bréhier, 0 conhecimento de si ndo é nenhum caso, como em Descartes, uma reflexdo de si; no nivel do conhecimento em que estamos, o conhecimento de si estd inevitavelmente mesclado ao das coisas exteriores (Nota a Plotino 6, V, iii, 3). Referéncias Bibliograficas |. BREHIER, E. La philosophie de Plotin. Paris, Boivin, 1928, 2. FESTUGIERE, A. Contemplation et vie contemplative selon Platon. Paris, Vrin, 1950, 3. GOLDSCHMIDT, V. Les dialogues de Platon. Paris, P.U.F., 1947. 4. MATHIAS, P. “Les voies du silence”, In: Du beau, Paris, Presses Pocket, 1991. 5. PLATAO. Cuvres complétes. Tradugio e notas de L. Robin. Paris, Gallimard, 1984. Chaimovich, F.S., discurso (28), 1997: 61-87 87 6. PLOTINO, Ennéades, Tradugao e notas de E. Bréhier. Paris, Belles Lettres, Vol. I, 1924; Vol. Il, 1924; Vol. III, 1925; Vol. IV, 1927; Vol. V, 1931. “Du beau” e “Du beau intelligible”, Ennéades. In: Du beau. Tradugao e notas por P. Mathias. Paris, Presses Pocket, 1991. 8. ROBLEDO, A. Platén — Los seis grandes temas de su filosofia. Méxi- co, Fondo de Cultura Econémica, 1986, 9, TROUILLARD, J. La purification plotinienne. Paris, PU.F., 1955. 10. WILDE, O. De profundis: epistola in carcere et vinculis. Penguin Books, 1987.

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