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LORIE Em Evipencia Audiéncia de Custédia e a Imediata Apresentagao do Preso ao Juiz: Rumo a Evolugao Civilizat6ria do Processo Penal Aury Lopes Jr. Dowtor em Direito Processual Penal, Professor do Programa de P6s-Gradtuagao — Mestrado e Doutorado ~ em Ciéncias Criminais da PUCRS; Advogado. Cato Paiva Defensor Piiblico Federal, Expecialista em Ciéncias Criminais; Editor do site ww.oprocesso.com. RESUMO: O contexto da prisio, no Brasil, € tio preacupante que sequer se registrou uma mudanga efetiva na pritica judicial apds 0 advento da Lei n° 12.403/2011, responsavel por colocar, no plano legislativo, a prisio como a tltina ratio das medidas cautelares. O art. 310 do CPP alterado pelo diploma normativo citado, disp6e que o juiz, a0 receber o autor de prisio em flagrante, deverd, fundamentadamente, (i) rclaxar a pristo, (ii) converté-la em preventiva, quando presentes os requisitos do art, 312 e se revelarem inadequadas ou insuficientes as demais medidas cautelares nao constritivas de liberdade, ou (iii) conceder liberdade proviséria. E o que verificamos na prética? Simples: que a légica ju- dicial permanece vinculada ao protagonismo da prisio, que a homologacio do flagrante, longe de ser a excecio, figura como regra no sistema processual penal brasileiro. Prova disso € que néo houve a tio esperada redugio do niimero de presos cautelares apds a reforma de 2011 PALAVRAS-CHAVE: Prisio. Processo Penal. Audiéncia de Custédia. Dircitos Humanos. SUMARIO: 1 A Prisio no (Con) Texto Legislativo ¢ Judicial Brasileiro. 2 Pro- ccosso Penal ¢ Dircitos Humanos. 3 Audiéncia de Custédia: Previsio Normativa, ‘Vantagens, Definicio de suas Caracteristicas, Insuficiéncia do Regramento Juri~ dico Interno, Implementacio no Brasil ¢ Breves Consideragdes sobre o PLS n® 554/201 1; 3.1 Previsio Normativa; 3.2 Vantagens; 3.3 Definigao de suas Carac- teoristicas; 3.4 InsuficiGncia do Regramento Juridico Interno; 3.5 Implementacio no Brasil; 3.6 Breves Consideracées sobre o PLS n° 554/2011, 4 Conclusio. 1 A Prisao no (Con)Texto Legislativo e Judicial Brasileiro No teatro penal brasileiro, a prisio desponta, indiscutivelmente, como a protagonista, a atriz principal, que estreia um mondlogo sem fim. Nao divide 6 Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal N° 60 - Jun-Jul/2014 - Em Evinéncia o palco; no maximo, permite que algumas cautelares diversas dela fagam uma figuragdo, um jogo de cena, e isso apenas para manter tudo como sempre esteve... Dados da tiltima contabilidade do CNJ, de junho de 2014: 711.463 presos, a terceira maior populagao carceréria do mundo'. Se, por um lado, Foucault tem raz4o quando admite que “conhecem-se todos os inconvenientes da prisao, e sabe-se que é perigosa, quando nao indtil. E, entretanto, nao ‘vemos’ o que por em seu lugar. Ela é a detestavel solugio, de que nao se pode abrir mao”, por outro, é preocupante o diagnéstico feito por Ferrajoli de que a prisio “tem se convertido no sinal mais evidente da crise da jurisdicionalidade, da tendéncia de administrativizacio do processo penal e, sobretudo, da sua degeneragdo num mecanismo diretamente punitivo”’. Perdemos o pudor. Chegamos, conforme anota Carnelutti, a um cfr culo vicioso, “jé que € necessdrio julgar para castigar, mas também castigar para julgar”*. Entre mortos e feridos, vamos nos assumindo como 0 pais que transita — artificialmente — entre rebelides e mutirdes, numa autofagia que faz, entdo, que o sistema se alimente de si mesmo. Eis-nos, portanto, adverte Vera Regina P. de Andrade, “(...) na periferia da modernidade, contando as vitimas do campo de (des) concentragio difuso ¢ perpétuo em que nos tornamos; campo que, apesar de emitir sintomas mérbidos do préprio carrasco (policiais que matam, prisSes que matam, dendincias que matam, sentengas que matam direta ou indiretamente), aprendeu a trivializar a vida ¢ a morte, ambas descartiveis sob a produgio em série do ‘capitalismo de barbaric’, a0 amparo diuturno do irresponsfvel espeticulo midiatico, da omissio do Estado e das insti- tuigdes de controle.”> O (con)texto da prisio, no Brasil, é io preocupante que sequer se registrou uma mudanga efetiva na pratica judicial apds o advento da Lei n° 12.403/2011, (dita) responsavel por colocar, no plano legislativo, a prisio como a ultima ratio das medidas cautelares. O art. 310 do CPP, alterado pelo diploma normativo citado, dispde que o juiz, ao receber o autor de prisao em flagrante, deverd, fundamentadamente, (i) relaxar a prisdo, (ii) converté- Disponivel em: . FOUCAULT, Michel. Vigiare punir. 39. ed. Petropolis: Vozes. 2011. p. 218. FERRAJOLI, Luigi. Derecho y nizén: teoria del garantismo penal. Traduccién de Perfecto Andrés Ibsficz, Alfonso Ruiz Miguel, Juan Carlos Boyén Mahino, Juan Terradillos Bosoea ¢ Rocio Cantarero Bondrés. Madrid: Trotta, 2001. p. 770. 4 CARNELUTTI, Francesco. Cuestiones sobre el proeso peal. Traduccién de Santiago Sentis Melendo, Buenos Aires: Libreria ol Foro, 1994. p. 36. 5 ANDRADE, Ver Revan, 2012. p. Regina P. de. Peas mas da criminolegia: 0 controle penal para além da (des)lusto. Rio de Janciro: Em Evioéncia — Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal N°60-Jun-Jul/2014 7 la em preventiva, quando presentes os requisitos do art. 312 € se revelarem inadequadas ou insuficientes as demais medidas cautclares no constritivas de liberdade, ou (iii) conceder liberdade proviséria. E 0 que verificamos na pratica? Simples: que a légica judicial permanece vinculada ao protagonismo da priséo, que a homologagao do flagrante, longe de ser a excegao, figura como regra no sistema processual penal brasileiro. Prova disso é que nao houve a tio esperada redugao do namero de presos cautelares apés a reforma de 2011 A preocupagio se agrava quando, além da banalizagao da prisio cautelar, ainda assistimos a uma reduco da potencialidade do principal instrumento apto a questioné-la, qual seja 0 habeas corpus, que de “remédio constitucional” passou, recentemente, a causar uma alergia nos tribunais superiores, nota- damente ap6s a jurisprudéncia defensiva de nao se admitir 0 seu uso quando substitutivo de espécies recursais cujo procedimento vagaroso ¢ burocratico se distancia da urgéncia que reclama o pleito de liberdade. Ou seja, como se ja nao bastasse prender em excesso, ainda se retira da defesa a sua melhor tatica de participar do jogo processual®. Se 0 cenario nfo favorece 0 otimismo, que se confundiria, talvez, com certa ingenuidade, néo podemos, jamais, nos desincumbir da necessidade de — sempre = resistir. Zaffaroni nos lembra de que “o estado de polfcia nao est4 morto num estado de direito real, senao encapsulado em seu interior, ¢ na medida em que este se debilita, o perfura e pode fazé-lo estalar”’. O expe- diente do qual nos propomos a tratar adiante, a audiéncia de custédia, cumpre, dentre outras, essa finalidade: a de conter o Estado de Policia, de limitar o poder punitivo. 2 Processo Penal e Direitos Humanos O processo penal certamente é 0 ramo do Direito que mais sofre (ou melhor, que mais se beneficia) da normativa dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos, nao sendo exagero se falar, atualmente, que para se al- cangar um devido processo, esse deve ser nao apenas legal ¢ constitucional, mas 6 Sobre processo penal teoria dos jogos, ef ROSA, Alexandre Morais da, Guia compact do proces penal conforma teria dios ogo. 2.4, Rio de Janciro: Lumen Juris, 2014 p. 157: A parti da tcoria dos jogos, as medidas cautclares podem se configurar como mecanismos de pressio cooperativa clou titicas de anguilamente (simbélico ¢ rea, dadas as condigdes em que sio executadas). A mais violenta € a prisio cautelar. A prisio do indiciado/acusado é modalidade de guerra com titica de aniquilagio, uma ver que os movimientos da defesa estar vinculados 3 soleura” 7 ZAFFARONI, Eugenio Rasil, Buruaura bésica del derecho penal, Buenos Aires: Ediar, 2009. p. 30-31. No mesmo sentido, Karam; “Embora mantidas as estruturas formais do Estado de Dicto, vai se reforgando o Estado policial sobrevivente ‘em seu interior, nao sendo instituidos espagos de suspensio de dircitos fundamentais e de suas garantias, vai sendo afistada sua universalidade, acabando por fazer com que, no campo do controle social exereide através do sistema penal, a diferenga entre democracias ¢ Estados totalititios se tome sempre mais tenuc” (KARAM, Maria Lcia. O dircito & ddefesa ¢ a paridade de armas, In: PRADO, Geraldo; MALAN, Diogo [Ong |. Proceso penal e democraca: estudos em homenagem aos 20 anos da Constituigio da Repéblica de 1988, Rio de Jancito: Lumen Juris, 2009, p. 398-399) 8 Revista Magister de Direito Penal Processual Penal N° 60 - Jun-Jul/2014 - Ew Evinéncta também convencional. Nesse sentido, Nereu Giacomolli tem absoluta razio quando afirma que “Uma leitura convencional e constitucional do processo penal, a partir da constitucionalizagio dos direitos humanos, € um dos pilares a susten- tar o processo penal humanitirio. A partir daf, faz-se mister uma nova metodologia hermenéutica (também analitica e linguistica), valorativa, comprometida de forma ético-politica, dos sujeitos do processo ¢ voltada ao plano internacional de protecio dos direitos humanos. Por isso, h4 que se falar em processo penal constitucional, convencional e humanititio, ou seja, o do devido processo.”* Parece-nos possivel identificar, na superagao deste enclausuramento normative, que somente tem olhar para o ordenamento juridico interno, o surgimento, talvez, de uma nova politica criminal, orientadaa reduzir os danos provocados pelo poder punitivo a partir do didlogo (inclusivo) dos direitos humanos. E imprescindfvel que exista uma mudanga cultural, nao s6 para que a Constituigdo efetivamente “constitua-a-ag4o”, mas também para que se ordinarize o controle judicial de convencionalidade. Esse controle pode se dar pela via difusa ou concentrada, merecendo especial atengao a via difusa, pois exigivel de qualquer juiz ou tribunal. No RE 466.343/SP e no HC 87.585/TO, o STF firmou posicao (por maioria aperta- da, registre-se) de que a CADH tem valor “supralegal”, ou seja, esta situado acima das leis ordindrias, mas abaixo da Constituigdo. Valerio Mazzuoli’ (e 0 Ministro Celso de Mello no STF) faz uma verdadeira tese para sustentar que todos os Tratados Internacionais de Direitos Humanos ratificados pelo Brasil tém indole e nivel constitucional (por forga do art. 5°, § 2°, da CF). Inobstante a divergéncia, ambas as posigSes coincidem em um ponto crucial: a CADH é um paradigma de controle da produgio e aplicagio normativa doméstica. Incumbe aos jufzes ¢ tribunais hoje, ao aplicar o CPP, mais do que buscar a conformidade constitucional, observar também a convencionalidade da lei aplicada, ou seja, se ela est4 em conformidade com a Convengio Ame- ricana de Direitos Humanos. A Constituigdo nao € mais o tnico referencial de controle das leis ordindrias. O tema é da maior relevancia pratica e te6rica, até porque eventual violagio da CADH justifica a interposigao do recurso extraordinério para o STE. 8 —GIACOMOLLI, Nereu José. O devide process penal: abordagem conforme a Constituicio Federal e o Pacto de Si0 José da Costa Rica. Sie Paulo: Atlas, 2014. p. 12. 9 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira, © console jurisdicional da convencionclidade das lis. 3. ed. rev., atual, ¢ ampl. Si0 Paulo: RT, 2013. Em Evipéncia — Revista Magister de Direito Penal ¢ Processual Penal N° 60 ~ Jun-Jul/2014 9 No que tange 4 audiéncia de custédia, o controle da convencionalidade éda maior relevancia, na medida em que 0 artigo 7°, 5, da CADH determina: “Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, 3 presenga de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer fungdes jundiciais ¢ tem o direito de ser julgada em prazo razodvel ou de ser posta em liberdade, sem prejutzo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juizo.” Diante disso, é inafastavel o controle de convencionalidade, para que © sistema juridico interno se adeque ¢ cumpra com a garantia nos limites definido na CADH, como veremos a continuacio. 3 Audiéncia de Custédia: Previsao Normativa, Vantagens, Definigao de suas Caracteristicas, Insuficiéncia do Regramento Juridico Interno, Implementagao no Brasil e Breves Consideragées sobre o PLS n° 554/2011 3.1 Previsdo Normativa Como visto, dispGe 0 artigo 7°, 5, da Convengao Americana de Direitos Humanos (também denominada de Pacto de Sio José da Costa Rica), que “toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, 4 presenga de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer fung6es judiciais (..)”. No mesmo sentido, assegura 0 artigo 9°, 3, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Politicos, que “qualquer pessoa presa ou encerrada em virtude de infracao penal devera ser conduzida, sem demora, & presenga do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer fung6es judiciais (...)”". O Brasil aderiu 4 Convengao Americana em 1992, tendo-a promulgada, aqui, pelo Decreto n° 678, em 6 de novembro daquele ano. Igualmente, nosso pais, apés ter aderido aos termos do Pacto Internacional dos Direitos Civis ¢ Politicos (PIDCP) naquele mesmo ano, 0 promulgou pelo Decreto n° 592. Passados, entio, mais de 20 anos da incorporagéo ao ordenamento juridico interno dos citados diplomas internacionais de direitos humanos, que gozam de carater supralegal, por que a relutancia em cumpri-los? 10 Além de contar com previsio normativa nos sistemas global ¢ interamericano de dircitos humanos, a audiéncia de custédia também esti assegurada na Convengio Europcia dos Dircitos do Homem, eujo artigo 5°, 3, dispée que “qualquer pessoa presa ou detida nas condigées previstas no parigrafo 1, alineac), do presente artigo deve ser apresentada imediatamente a um juiz ou outro magistrado habilitado pela lei para excrcer fungbes judiciais(..)". 10 Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal N° 60 - Jun-Jul/2014 - Em Evibéncia 3.2 Vantagens Adenominada audiéncia de custédia consiste, basicamente, no direito de todo cidadao preso ser conduzido, sem demora, 4 presenga de um juiz, para que, nesta ocasiio, (i) se faga cessar eventuais atos de maus tratos ou de tortura e, também, (ii) para que se promova um espago democratico de discussao acerca da legalidade e da necessidade da prisio. O expediente, anota Carlos Weis, “aumenta o poder € a responsabilidade dos jufzes, promotores ¢ defensores de exigir que os demais elos do sistema de justiga criminal passem a trabalhar em padrées de legalidade ¢ eficiéncia”"', A mudanga cultural é necesséria para atender as exigéncias dos artigos 7°, 5, e 8°, 1, da Conveng’o Americana de Dircitos Humanos, mas também para atender, por via reflexa, a garantia do direito de ser julgado em um prazo razoavel (art. 5°, LXXVIII, da CF), a garantia da defesa pessoal ¢ técnica (art. 5°, LV, da CF) e também do préprio contraditério recentemente inserido no Ambito das medidas cautelares pessoais pelo art. 282, § 3°, do CPP. Em relagio aessa tltima garantia —contraditério -, € de extrema utilidade no momento em que 0 juiz, tendo contato direto com o detido, poder decidir qual a medida cautelar diversa mais adequada (art. 319) para atender a necessidade processual. Sao inGmeras as vantagens da implementagio da audiéncia de custédia no Brasil, a comegar pela mais basica: ajustar 0 processo penal brasileiro aos ‘Trata- dos Internacionais de Direitos Humanos'?. Confia-se, também, a audiéncia de custédia a importante missao de reduzir o encarceramento em massa no pais, porquanto, através dela, se promove um encontro do juiz com o preso, superando- se, desta forma, a “fronteira do papel” estabelecida no art. 306, § 1°, do CPP que se satisfaz com o mero envio do auto de prisao em flagrante para o magistrado. Em diversos precedentes, a Corte Interamericana de Direitos Humanos tem ressaltado que o controle judicial imediato assegurado pela audiéncia de custédia consiste num meio id6neo para evitar prises arbitrarias ¢ ilegais, j4 que no Estado de Direito corresponde ao julgador “garantir os direitos do detido, autorizar a adogao de medidas cautelares ou de coergio quando seja estritamente necessario, e procurar, em geral, que se trate o cidadao da maneira coerente com a presungao de inocéncia”™. Jé decidiu a Corte IDH, também, que 11 WEIS, Carlos, Trazendo a realidade para o mundo do dircito. laformativo Rede Justiga Criminal, edigio 5. ano 03/2013. Disponivel em: . 12. Sobre esse ponto: CHOUKR, Fauzi Hassan. PL. 554/2011 a necessiria (¢ lenta) adaptagio do processo penal brasileito a Convengio Americana de Dircitos do Homem, Boletin 1BCCrim, n, 254, jan. 2014. 13. Corte IDH, Caso Acosta Caldersn Vs Equador. Sentenga de 24.06.05. No mesmo sentido. cf: também Cao Bayarr Vs. Argentina. Sentenga de 30.10.08; Case Bulacio Vs. Argentine. Sentenga de 18.09.03; Caso Cabrera Garcia e Montiel Flores Vs. México. Sentenga de 26.11.2010; Caso Chapare Alvarez e Lapo liguez Vs. Equador. Sernenga de 21.11.07; Caso Fleury e outros Vs, Hat. Sentenga de 23.11.2011; Caso Garca Aso Ramirez Rojas Vs, Peri. Sentenga de 25.11.05. Em Evivéncta ~ Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal N° 60~ Jun-Jul/2014__ oe a audiéncia de cust6dia é — igualmente - essencial “para a protegio do direito 4 liberdade pessoal ¢ para outorgar protegio a outros direitos, como a vida ea integridade fisica”™, advertindo estar em jogo, ainda, “tanto a liberdade fisica dos individuos como a seguranga pessoal, num contexto em que a auséncia de garantias pode resultar na subvergao da regra de direito e na privagao aos detidos das formas minimas de protegio legal”. 3.3 Definigdo de suas Caracteristicas Ao menos duas expresses constantes na redagao dos Tratados Interna- cionais de Direitos Humanos que asseguram a audiéncia de cust6dia despertam alguma margem para interpretagao. Referimo-nos, primeiro € rapidamente, a expressio “juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer fungdes judiciais”, encontrada na CADH, no PIDCP ¢ também na CEDH. A esse respeito, importa dizer que a Corte IDH interpreta aquela expressao em conjunto com a nogéo de juiz ou Tribunal prevista no artigo 8°, 1, da CADH, que estabelece que “toda pessoa terd o direito de ser ouvida, com as devidas garantias ¢ dentro de um prazo razoavel, por um juiz ou Tribunal competente, independente ¢ imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuracdo de qualquer acusag4o penal formulada contra ela, ou na determinacio de seus direitos ¢ obrigacées de cardter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza”. Dessa forma, a Corte IDH ja recusou considerar como “juiz ou outra autoridade por lei a exercer fungdes judicias” (a) a jurisdic¢ao militar", (b) © agente fiscal do Ministério Pablico” e (c) o fiscal naval’. Facil perceber, portanto, a partir da jurisprudéncia da Corte IDH, que juiz ou autoridade habilitada a exercer fungio judicial somente pode ser o funcionério puiblico incumbido da jurisdi¢io, que, na grande maioria dos paises (a exemplo do Brasil), € 0 magistrado”. A segunda expressao a que nos referimos, agora, é “sem demora”, en- contrada tanto na CADH quanto no PIDCP. No sistema regional europeu, 14 Conte IDH. Caso Pilamara Iribame Vs. Chile, Sentenga de 22.11.08. 15. Corte IDH. Caso de Los “Nios de a Calle” (Vilagrén Moraes ¢ outros) Vs. Guatemala, Sentenga de 19.11.99. 16 Corte IDH. Caso Cantora! Benavides Vs. Peri. Sentenga de 18.08.00. 17 Cone IDH. Caso Acosu Calderén V5, Equador. Sentenga de 24.06.05. 18 Corte 1DH. Caso Palamara Iribarte Vs, Chile. Sentenga de 22.11.05. 19. Registra-se, aqui. uma curiosidade: cm pleitos individunis ajuizados na Justica Federal de Manau/AM, nos quais se requereu a efetivagio do direito 4 audiéncia de custédia, um dos motives que tem enscjado o indeferimento é 0 de que 0 defensor piiblico (assim como a autoridade policial - delegado) cxerceria, no Brasil, “fungio judicial”. De tio descabido, 0 atgumento sequer merece consideragées, Tivesse 0 defensor (ou 0 advogdo) “fungio judicial”, podcria cle proprio. entio, cessar a ilegalidade/desnecessidade da prisio, colocando o cidadao em liberdade? Em Evivéncta ~ Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal N° 60 ~ Jun-Jul/2014 3B 3.5 Implementagao no Brasil Outro argumento recorrente para nao se viabilizar, na prdtica, 0 direi- to A audiéncia de custédia é 0 de que tal expediente requer uma alteracio/ inovagio legislativa, ndo sendo franqueado ao Poder Judicidrio substituir o legislador para a implementag4o daquele direito no Brasil. Esse argumento, no entanto, é claramente equivocado, seja porque as normas de Tratados de Direitos Humanos sao de eficdcia plena e imediata, seja porque, igualmente, como leciona Mazzuoli, “Nao somente por disposigdes legislativas podem os direitos previstos na Convengio Americana restar protegidos, senao também por medidas ‘de outra natureza’. Tal significa que o propésito da Convengio é a protegao da pessoa, no importando se por lei ou por outra medida estatal qualquer (vg,, um ato do Poder Executivo ou do Judicifrio, etc.). Os Estados tém o dever de tomar todas as medidas necessérias a fim de evitar que um direito nio seja eficazmente protegido.”” Assim, é de se ter por improcedente tal argumento, possuindo a CADH. densidad (e potencialidade) normativa o bastante para influir na pratica judicial do ordenamento juridico interno, afastando-nos, com essa orientagio, do positivismo nacionalista que predominou do século XIX até meados do século XX, quando se exigia que os direitos previstos em tratados internacionais (também) fossem prescritos em normas internas para serem pleiteados em face do Estado ou de particulares?” 3.6 Breves Consideragdes sobre o PLS n° 554/2011 Embora os Tratados Internacionais de Direitos Humanos que asseguram o direito 4 audiéncia de custédia nao necessitem, conforme visto no tépico anterior, de implemento normativo interno algum, nao se pode olvidar que a edigao de lei exerce um papel fundamental na promogao do dircito, princi- palmente no caso da audiéncia de custédia, cuja previséo normativa naqueles tratados deixa em aberto (cf. 0 topico 3.3) a definigao de algumas caracteristicas do instituto. Justamente por isso, alias, que vemos como uma medida abso- lutamente salutar 0 Projeto de Lei do Senado n° 554/2011, de autoria do Senador Antonio Carlos Valadores, com o seguinte teor: 26 GOMES, Luiz Flavio; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Comentiris d Convengio Americana sobre Direitos Human: Pacto de San José da Costa Rica. 4. ed. rev, atual.campl. Sio Paulo: RT, 2013. p. 33 27 CE RAMOS, André de Carvalho. Curso de dirtos humanot. Sao Paulo: Saraiva, 2014. p. 83: “© risco aos dircitos hhumanos gerado pela adocio do positivismo nacionalista€ vsivel, no caso de as normas locas (inclusive as cons titucionais) no protegerem eu reconinecerem determinado direito ou categoria de direitos humanos. O exemplo narista mostra a insuficiéncia da fundamentagio positvista nacionalista dos dircitos humanos”. 14 Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal N° 60 - Jun-Jul/2014 - Ew Evivéncia “Art, 306, (...) § 1° No prazo maximo de vinte ¢ quatro horas depois da prisio, o preso deverd ser conduzido’ presenca dojuiz competente, ocasiio em que deverd ser apresentado o auto de prisio em flagrante acompanhado de todas as oitivas colhidas e, caso 0 autuado nio informe o nome de seu advogado, cépia integral para a Defensoria Publica.” Referido PLS veioa receber, depois, quando em tramite na Comissio de Direitos Humanos e Participacao Legislativa (CDH), uma emenda substitutiva apresentada pelo Senador Joao Capiberibe, a qual devidamente aprovada — por unanimidade — naquela Comissio, alterou 0 projeto origindrio, conferindo- lhe a seguinte redagio: “Art, 306. (...) § 1° No prazo maximo de vinte e quatro horas apés a priséo em flagrante, © preso sera conduzido & presenca do juiz para ser ouvido, com vistas as medidas previstas no art. 310 e para que se verifique se estio sendo respei- tados seus direitos fundamentais, devendo a autoridade judicial tomar as medidas cabiveis para preserva-los e para apurar eventual violagio. § 2° A oitiva a que se refere 0 § 1° nao poderd ser utilizada como meio de prova contra o depoente e versard, exclusivamente, sobre a legalidade e necessidade da prisio; a prevengio da ocorréncia de tortura ou de maus- tratos; € os direitos assegurados ao preso e ao acusado. § 3° A apresentagéo do preso em juizo dever4 ser acompanhada do auto de prisdo em flagrante e da nota de culpa que Ihe foi entregue, mediante recibo, assinada pela autoridade policial, com 0 motivo da prisio, o nome do condutor e os nomes das testemunhas, § 4° A oitiva do preso em juizo sempre se daré na presenga de seu advo- gado, ou, se nio 0 tiver ou nio o indicar, na de Defensor Pablico, ena do membro do Ministério Pablico, que poderao inquirir o preso sobre os temas previstos no § 2°, bem como se manifestar previamente 4 decisio judicial de que trata o art. 310 deste Cédigo.” Perceba-se que o referido PLS, na redacao que lhe foi dada pelo subs- titutivo do Senador Joao Capiberibe, contém uma normativa praticamente completa sobre a audiéncia de custédia, sequer abrindo margem para inter- pretages sobre a autoridade a quem o preso deve ser conduzido (0 juiz) ou a respeito do prazo em que tal medida deve ser viabilizada (em até 24 horas da prisao), além de cercar a realizagao da audiéncia de custédia das garantias 15 do contraditério e da ampla defesa, quando prevé a imprescindibilidade da defesa técnica no ato. O PLS n° 554/2011 passou e foi aprovado pela Comisso de Assun- tos Econémicos (CAE) em 26.11.2013, chegando, depois, na Comissio de Constituicgdo, Justiga ¢ Cidadania (CCJ), onde foi distribufdo para o Senador Humberto Costa (Relator) ¢ recebeu, em 25.06.2014, uma emenda substitutiva de autoria do Senador Francisco Dornelles, que se limita, basicamente, a alterar a versdo original do PLS para nele estabelecer que a audiéncia de cus- tédia também poderd ser feita mediante o sistema de videoconferéncia. Eis a redacao desse substitutiv« “Art, 306. (..) § 1° No prazo maximo de vinte ¢ quatro horas depois da prisao, o preso deverd ser conduzido & presenga do juiz competente, pessoalmente ou pelo sistema de videoconferéncia, ocasiio em que dever4 ser apresentado o auto de prisio em flagrante acompanhado de todas as oitivas colhidas e, caso 0 autuado nio informe o nome de seu advogado, c6pia integral para a Defensoria Piiblica.” O Senador Francisco Dornelles apresenta como justificativa principal para essa alteragio o fato de que “a diminuigao da circulagao de presos pelas ruas da cidade e nas dependéncias do Poder Judiciario representa uma vit6ria das autoridades responsaveis pela seguranga pablica”, ¢ conclui afirmando que “o deslocamento de presos coloca em risco a seguranga publica, a seguranga institucional e, inclusive, a seguranga do preso”. O maior inconveninente desse substitutivo € que ele mata o carater antropolégico, humanitirio até, da audiéncia de custédia. O contato pessoal do preso com 0 juiz € um ato da maior importancia para ambos, especialmente para quem est sofrendo a mais grave das manifestagdes de poder do Esta- do. Nao se desconhece que vivemos numa sociedade em que a velocidade, inegavelmente, é um valor. O ritmo social cada vez mais acelerado impde uma nova dindmica na vida de todos nés. Que dizer entao da velocidade da informagao? Agora passada cm tempo real, via internet, scpultando 0 espago temporal entre 0 fato ea noticia. O fato, ocorrido no outro lado do mundo, pode ser presenciado virtualmente em tempo real. A aceleragio do tempo nos leva préximo ao instantaneo, com profundas consequéncias na questio tempo/velocidade. Também encurta ou mesmo elimina distancias. Por isso, Virilio® — tedrico da Dromologia (do grego dromos = velocidade) - afirma 28 Sobre 0 tema: VIRILIO, Paul. A inécia polar. Lisboa: Dom Quixote, 1993, 16 Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal N° 60 - Jun-Jul/2014 - Em Evipéncia que “a velocidade é a alavanca do mundo moderno”. Nesse cenfrio, surge © interrogatério online ou videoconferéncia, que, além de agregar velocidade e imagem, reduz custo e permite um (ainda) maior afastamento dos atores envolvidos no ritual judiciario, especialmente do juiz. Mas, sem diivida, os principais argumentos sao de natureza econdmica € de “assepsia”. Aredugio de custos € fruto de uma prevaléncia da ideologia economicista, na qual o Estado vai se afastando de suas fungées a ponto de sequer o juiz estar na audiéncia. Sob o pretexto dos altos custos € riscos (como se nao vivéssemos numa sociedade de risco...) gerados pelo deslocamento de presos “perigosos”, © que esto fazendo é retirar a garantia da jurisdicao, a garantia de ter um juiz, contribuindo ainda mais para que eles assumam uma postura burocratica e de assepsia da jurisdigio. Matam o carter antropolégico do préprio ritual judiciério, assegurando que o juiz sequer olhe para o réu, sequer sinta 0 cheiro daquele que esté prendendo. E elementar que a distancia da virtualidade contribui para uma absurda desumanizacio do proceso penal. E inegivel que os niveis de indiferenga (e até crueldade) em relacao ao outro aumentam muito quando existe uma distancia fisica (virtualidade) entre os atores do ritual judiciario. E muito mais facil produzir sofrimento sem qualquer culpa quando estamos numa dimensio virtual (até porque, se é virtual, no é real...) Acrescentando-se a distdncia e a “assepsia” geradas pela virtualidade, cor- remos 0 risco de ver a indiferenga e a insensibilidade do julgador elevadas a niveis insuportaveis. Estaremos potencializando o refiigio na generalidade da fungao eo completo afastamento do eu, impedindo 0 avango € evolugao que se deseja coma mudanga legislativa. A Convengao Americana de Direitos Humanos assegura, em seu artigo 7°, 5, que toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, 4 presenca de um juiz. Por mais esforco que se faga, existe um limite semantico que nao permite uma interpretacio tal que equipare “presenga” com “auséncia”... Odireito de defesa e do contraditério (incluindo o direito a audiéncia) sao direitos fundamentais, cujo nivel de observancia reflete o avango de um povo. Isso se mede nao pelo arsenal tecnolégico utilizado, mas, sim, pelo nivel de respeito a0 valor da dignidade humana. E 0 nivel de civilidade alcangado exige que o processo penal seja um instrumento legitimante do poder, dotado de garantias minimas, necessirio para chegar-se a pena. Nessa linha, € um equivoco suprimir-se 0 di- reito de ser ouvido por um juiz, substituindo-o por um monitor de computador. Novamente iremos mudar para que tudo continue como sempre esteve... 4 Conclusao Finalizamos esse ensaio registrando a importante atuag’o da Defensoria Puiblica da Uniao em prol da implementagio da audiéncia de custédia no Bra- Em Evinéncia ~ Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal N° 60 ~ Jun-Jul/2014 UW sil, tendo a instituigdo j4 obtido precedentes favoraveis na Justiga Federal de Cascavel/PR” ¢ na Segunda Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2* Regiao™, merecendo destaque, ainda, a agdo civil publica ajuizada pela DPU/Manaus jé noticiada no Conjur"!. Que os precedentes se multipliquem, que 0 Judiciério perca — de vez — 0 receio de se encontrar com 0 jurisdicionado preso e, principalmente, que a audiéncia de custédia seja enfim implementada no Brasil, com a aprovagao do PLS n° 554/2011 (sem a faculdade da realizagio por videoconferéncia) ¢ também com a mudanga de mentalidade judicial rumo a humanizacio do processo penal. Além da importancia de alinharmos 0 sistema jurfdico interno 4 Con- vengio Americana de Direitos Humanos, é crucial uma mudanga de cultura, um resgate do caréter humanitario e antropolégico do processo penal e da propria jurisdigao. TITLE: Custody hearing and immediate introduction of an arrestee to a judge: towards the civilizing evolution of criminal procedure ABSTRACT. The context of prison, in Brazil, is so disturbing that there was even an effective change in judicial practice after Law 12.403/2011, which made prison, in terms of law, as the last resort of the provisional remedies. Article 310 of the Code of Criminal Procedure, as amended by the aforementioned logislative instrument, provides that a judge, upon recciving the actor of detention in flagrante delicto, should justifiably (i) release the arrestee, (i) convert it into preventive detention when the requirements of Article 312 are met and the other non-frecdom-restrictive provisional remedies are inappropriate, oF ii) to release the defendant pending trial. But what really happens? Simple: the judicial logic remains linked to the leadership of prison, where the approval of flagrante delicto, far from being the exception, isa rule in the Brazilian criminal procedural system. The evidence is that the long-awaited reduction in provisional arrestces did not happen after the reform of 2011. KEYWORDS: Prison. Criminal Procedure. Custody Hearing, Human Rights 29 CF. Justiga determina que preso deve ser levado sem demora a presenga de juiz. DefensoriaPiilica da Unido. Disponivel em: . 30 CE Audiéncia de custédia contribui para revogagio de prisio preventiva. Defensoria Pilblica da Unido. Disponivel em: . 31 CE DPU ajuiza agio cobrando implantagio da audiéncia de custédia no Brasil. Consultr Juriico. Disponivel em: . A integra da ACP foi disponibilizada no bleg do juiz Marcelo Semer: .

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