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ARTIGO ARTICLE
Desabastecimento de medicamentos:
determinantes, conseqüências e gerenciamento

Drug shortage: determinants, consequences and management

Adriano Max Moreira Reis 1


Edson Perini 2

Abstract The present study analyzes drug short- Resumo O artigo analisa o desabastecimento de
age as a problem reaching beyond the logistic as- medicamentos como um problema que transcen-
pect of the health field and discusses its conse- de o aspecto logístico da área de saúde, discutin-
quences with respect to quality, safety and cost of do suas implicações para a qualidade, segurança
health care delivery. The pharmaceutical supply e custo da assistência. A cadeia de abastecimento
chain and the factors that determine the distri- farmacêutico e os fatores que interferem na ca-
bution and availability of drugs are discussed. The pilaridade da distribuição e na disponibilidade
contribution of the Pharmacy and Therapeutics do medicamento são discutidos. Ressalta a con-
Committee in preventing and managing drug tribuição da comissão de farmácia e terapêutica
shortage in health institutions is stressed and para a prevenção e gerenciamento do desabaste-
measures for drug shortage management are sug- cimento de medicamentos nos estabelecimentos
gested. Finally it is emphasized that drugs should de saúde. Sugestões de medidas para gestão do
be considered health products rather than con- desabastecimento de medicamentos são apresen-
sumer goods and as such be given a different treat- tadas. Enfatiza-se a necessidade do medicamen-
ment by the supply chain. to ser considerado pelos componentes da cadeia
Key words Logistics, Pharmaceutical market, logística um produto de saúde, com tratamento
Supply chain, Drug shortages diferenciado dos bens de consumo comuns.
Palavras-chave Logística, Mercado farmacêu-
tico, Cadeia de abastecimento, Desabastecimen-
1
Agência Nacional de
Vigilância Sanitária, Núcleo
to de medicamentos
de Gestão do Sistema
Nacional de Notificação e
Investigação em Vigilância
Sanitária, Gerência de
Farmacovigilância. SEPN
515, Bloco B, Edifício
Ômega, 2º andar/sala 2,
Asa Norte. 70770-502
Brasília DF.
amreis@farmacia.ufmg.br.
2
Departamento de Farmácia
Social, Faculdade de
Farmácia da Universidade
Federal de Minas Gerais.
604
Reis, A. M. M. & Perini, E.

Introdução Cadeia de abastecimento


do setor farmacêutico no Brasil
Nos últimos anos, e com freqüência significati-
va, os hospitais e demais serviços de saúde estão A cadeia de abastecimento do setor farmacêutico
enfrentando problemas com o desabastecimen- é complexa, envolvendo laboratórios nacionais e
to de medicamentos. A baixa disponibilidade ou transnacionais, fornecedores de insumos farma-
mesmo a não oferta de medicamentos nos mer- cêuticos (fármacos, excipientes, material de em-
cados nacional e internacional se configura um balagem e acondicionamento), distribuidores,
problema de grande dimensão para os gestores farmácias (de rede e independentes) e o mercado
de farmácia devido ao impacto sobre o planeja- institucional. O segmento institucional abrange
mento financeiro e, principalmente, na qualida- os hospitais públicos e privados, clínicas, secre-
de e segurança da assistência1, 2. tarias municipais e estaduais de saúde e o Minis-
As causas da falta de um determinado medi- tério da Saúde3,4. Essa complexidade é represen-
camento no mercado farmacêutico são diversifi- tada no esquema apresentado na Figura 1.
cadas. Participam delas, diretamente, todos os O grande número de especialidades farma-
elementos da cadeia logística farmacêutica e, in- cêuticas no mercado e os problemas relativos à
diretamente, as instituições responsáveis pelo segurança e qualidade das mesmas contribuem
controle alfandegário, fiscal ou sanitário para aumentar a complexidade da cadeia, exigin-
Neste artigo, são analisados os determinan- do uma sintonia fina das decisões dos gestores
tes do desabastecimento de medicamentos, suas com os setores atacadista, varejista e fabricante
conseqüências para o processo de assistência e de produtos farmacêuticos. Para garantir eficiên-
estratégias de gestão para enfrentar o problema. cia e eficácia das operações, é importante uma

Fornecedores de insumos Unidades de produção no Fornecedores de


nacionais e importados exterior de laboratórios medicamentos importados
T transnacionais
Fabricante laboratório público T T
Fabricantes privados
T
nacionais e transnacionais
Centrais de abastecimento
T

farmacêutico do Sistema Único T


T

de Saúde Nível Federal Distribuidores


T

T
T T

T
Centrais de abastecimento
Centro de
farmacêutico do Sistema
distribuição das
Único de Saúde Nível Estadual
redes de farmácias
T

T particulares
T

Centrais de abastecimento
farmacêutico do Sistema Único T
de Saúde Nível Municipal
T

T T T T T T
T

Postos, centros Hospitais públicos e Hospitais e Farmácias Farmácia de rede


de saúde e serviços de saúde de serviços de saúde independentes
Policlínicas níveis complexos privados

T T T T T

Pacientes e consumidores finais

Figura 1. Cadeia de abastecimento farmacêutico (Adaptado de Machile e Amaral Júnior3).


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visão integrada da cadeia de abastecimento en- duzido ou um único fornecedor para os diversos
volvendo todos os responsáveis pela logística3, 4. fabricantes3. No caso do Brasil, que não produz
O medicamento, como produto para saúde, a maioria dos fármacos em escala industrial, a
deve ser submetido às ações de regulação sanitá- dependência do mercado internacional o coloca
ria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária em uma situação especialmente frágil. A ausên-
(ANVISA), nas unidades de produção e nas alfân- cia de vancomicina injetável no segundo semes-
degas. Enquanto bem de consumo, está sujeito tre de 2003 teve como uma das causas os proble-
ao controle fiscal e inadequações ou infrações às mas internacionais com a sua produção, e ilus-
medidas de controle sanitário ou fiscal que po- tra bem essa situação.
dem interromper o fluxo de seu fornecimento. . Interrupção de fabricação - a falta de me-
Movimentos reivindicatórios e outros fatores rela- dicamentos pode ocorrer quando o fabricante
cionados ao processo de trabalho dos órgãos de exclusivo ou com maior domínio do mercado
fiscalização também interferem na disponibilida- interrompe a produção para, por exemplo, ade-
de de medicamentos no mercado farmacêutico. quar-se às boas normas de fabricação preconi-
O caráter transnacional e a concentração das zadas pela ANVISA. A interdição de um proces-
indústrias farmacêuticas em determinadas regi- so de fabricação pela ANVISA tem sempre como
ões, associados à dimensão continental do Bra- objetivo proteger o cidadão e evitar a utilização
sil, são fatores que dificultam as operações de de medicamentos potencialmente inseguros. En-
distribuição para os centros consumidores, com- tretanto, é importante que seja discutida uma
prometendo a agilidade da cadeia3,4. ação planejada e integrada entre a ANVISA e os
Os fatores externos acima destacados interfe- fabricantes para que a interdição não se torne
rem no abastecimento de medicamentos para to- um problema de saúde de grande dimensão com
dos os segmentos responsáveis pelo acesso da a ausência do medicamento. Cabe a agência sa-
população aos mesmos, sejam eles públicos ou nitária planejar e monitorar essas ações de ade-
privados, sejam farmácias isoladas, redes ou insti- quação para que se processem em um menor
tucionais. No caso específico destas últimas, é es- tempo possível5-7.
sencial que se incorpore cada vez mais os moder- . Recolhimento de medicamentos - o ter-
nos conceitos de logística de materiais para evitar mo técnico mais freqüentemente utilizado e in-
o desabastecimento de medicamentos devido a ternacionalmente conhecido para designar reco-
fatores internos, tais como planejamento inade- lhimento de produtos é recall. Ele pode ser vo-
quado ou emprego de ferramentas gerenciais ine- luntário, por decisão do próprio fabricante, como
ficientes. No segmento das farmácias comunitá- recentemente ocorrido com o rofecoxib, ou por
rias, principalmente nas grandes redes, os avan- determinação da ANVISA. Geralmente envolve o
ços em relação à logística já são significativos3, 4. recolhimento de lotes específicos devido a pro-
Dessa forma, a compreensão da dinâmica da blemas de estabilidade, rotulagem ou outras ina-
cadeia de abastecimento farmacêutico e dos fatores dequações aos códigos farmacêuticos. O impac-
que influenciam sua capilaridade é importante para to geralmente é pequeno, tomando dimensões
entender o desabastecimento de medicamentos. maiores em caso de fabricantes exclusivos. Em
uma investigação realizada no período de março
a dezembro de 2002, identificou- se 85 recolhi-
Determinantes do desabastecimento mentos internacionais envolvendo um total de
de medicamentos 96 medicamentos. Foi necessário a ANVISA de-
sencadear duas ações de recolhimento no Brasil,
O processo de desabastecimento de medica- envolvendo nove medicamentos, o que corres-
mentos é multifatorial. Estão envolvidos os di- pondeu a 9,4 % do total de medicamentos envol-
versos segmentos da cadeia logística e entre eles vidos nos recolhimentos internacionais identifi-
se destacam: cados. Os desvios de qualidade corresponderam
. Insumos farmacêuticos - a irregularidade a 93% do total de medicamentos, as falsificações,
no fornecimento de insumos farmacêuticos, prin- 3%, e outros problemas, 4% desse total. A moni-
cipalmente matéria-prima, assim como o forneci- torização internacional de recolhimentos de me-
mento de produtos de qualidade fora dos pa- dicamentos é uma importante estratégia de ação
drões aceitáveis, contribui para o desabastecimen- da ANVISA e reflete uma preocupação com os
to na medida em que tende a provocar interrup- problemas mundiais que podem atingir o país8.
ções no processo produtivo. A magnitude do . Alteração na linha de produção - os fabri-
problema é maior quando existe um número re- cantes, por decisão própria, podem temporaria-
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Reis, A. M. M. & Perini, E.

mente ou permanentemente reduzir o nível de . Mudanças no mercado - o lançamento de


produção em virtude de definições econômico- genéricos ou similares pode levar a uma redução
financeiras. Outra prática freqüente é a interrup- na produção do medicamento referência e ao
ção da produção quando a cota anual é atingida. comprometimento da oferta, embora não im-
Caso a decisão do fabricante implique em risco plique em um desabastecimento integral5.
de desabastecimento que comprometa o proces- . Aumento inesperado da demanda - algu-
so assistencial, é recomendável que o órgão sani- mas vezes, o aumento inesperado da utilização de
tário intervenha estimulando outros laboratóri- medicamentos excede a capacidade produtiva dos
os a produzir o medicamento6. laboratórios. Essa elevação do consumo pode ser
. Medicamentos de distribuição restrita - a conseqüência da descoberta de novas indicações
restrição da distribuição de determinados medi- do fármaco, surtos de doenças e outros fatores.
camentos pode ser uma estratégia para se coibir Nos últimos anos, no Brasil, a elevação dos casos
o uso indevido ou para regular o mercado, evi- de dengue provocou alterações na disponibilida-
tando um desabastecimento de proporções mai- de de paracetamol no meio farmacêutico.
ores. Nesses casos, interrupções de fornecimen- . Situações especiais que comprometem a
to pelo fabricante ou atraso de entrega podem produção - tragédias naturais como enchentes,
ocorrer se o retorno financeiro é pouco significa- tempestades e outros podem atingir a área física
tivo. Um exemplo desse problema é o caso do das indústrias e interferir na capacidade de produ-
misoprostol, análogo de prostaglandina, com ção do setor. Essas tragédias podem também se
uso restrito em maternidades para maturação associar ao aumento do consumo de determina-
de colo uterino por ter sido indevidamente utili- dos medicamentos, como discutido no item ante-
zado no Brasil para provocar aborto. Hoje sua rior. Diante de guerras e ou outros conflitos so-
distribuição se faz exclusivamente para hospi- ciais, e atualmente diante da ameaça do bioterro-
tais, após credenciamento da unidade de saúde rismo, o comprometimento da disponibilidade
para sua aquisição. Outra estratégia restritiva de medicamentos se mantém como uma amea-
adotada pela indústria farmacêutica para mini- ça5, 6. Os países em desenvolvimento, em um cená-
mizar os efeitos da indisponibilidade no merca- rio de globalização e dependência de importação
do farmacêutico é a implantação de mecanismos de insumos farmacêuticos, estão mais susceptí-
especiais para comercialização de medicamentos veis a desabastecimentos na eventualidade dessas
cuja produção apresenta irregularidades. Como situações. Tais riscos nos remetem às preocupa-
exemplo, podemos citar a tioguanina, cujo labo- ções do governo militar brasileiro quando da for-
ratório fabricante impôs no Brasil e nos Estados mação da Central de Medicamentos (CEME),
Unidos restrições para venda, definindo critérios com uma filosofia de segurança nacional.
para sua liberação que envolvem relatórios com
informações sobre o diagnóstico e condições clí-
nicas dos pacientes. Para que essas ações se tor- Impacto do desabastecimento
nem efetivas, e como sinal de responsabilidade na assistência
social das empresas, é de suma importância que
o processo seja transparente e com amplo escla- O resultado imediato e de maior visibilidade do
recimento junto aos profissionais e estabeleci- desabastecimento é o cancelamento ou adiamen-
mentos de saúde. Infelizmente no nosso país é to de procedimentos e o conseqüente aumento
comum que não haja transparência e planeja- dos riscos das enfermidades. Nas instituições
mento dessas ações, ficando as instituições e pro- hospitalares, deve também ser considerado o ris-
fissionais de saúde sem uma orientação adequa- co de prolongamento do tempo de internação,
da e guiando-se por meio de informações trun- com todas as suas conseqüências clínicas, sociais
cadas, muitas vezes conflitantes, repassadas por e econômicas.
diversos elos da cadeia logística. A segurança do processo assistencial também
. Fusão de laboratórios - os processos de fu- pode ser atingida, pois erros de medicação e rea-
são de laboratórios freqüentemente resultam em ções adversas a medicamentos são mais prová-
alterações nas linhas de produção, podendo resul- veis quando uma conduta terapêutica tem que
tar na descontinuidade da oferta de alguns medi- ser substituída por motivos alheios às necessida-
camentos. É importante destacar que a fusão de des clínicas dos pacientes. O risco de erros cresce
empresas com medicamentos similares concor- principalmente em função do número de profis-
rentes pode fortalecer a produção, mas aumenta sionais que ignora o fato de medicamentos, mes-
os riscos de ocorrências de desabastecimento5,6. mo pertencendo a uma mesma classe terapêuti-
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ca, apresentarem diferentes potências, tempo de Gerenciamento do desabastecimento
início de ação, dosagem e outras características.
Freqüentemente, a substituição é realizada sem o Os serviços de saúde devem estar preparados
devido cuidado com estes aspectos. Um exemplo para enfrentar situações de desabastecimento.
é o emprego de alternativas terapêuticas à fenta- Geralmente, não se pode prever quando vai ocor-
nila. O arsenal de agonistas opiáceos é vasto, mas rer, a intensidade e duração da ausência do me-
se considerarmos a substituição por sulfentani- dicamento no mercado. Por isso é importante
la, vemos que não raro prescreve-se sua dose igual que as eventuais medidas a serem tomadas se-
ao padrão da fentanila, podendo resultar em jam definidas previamente.
superdosagem dada a sua maior potência5,9. A seguir, são apresentadas algumas medidas
O impacto do desabastecimento pode assu- a serem tomadas, segundo o ASHP guidelines on
mir contornos mais dramáticos com fármacos managing drug product shortages, as quais po-
empregados em situação de emergência. Como dem subsidiar o planejamento das ações6. Para
exemplo, podemos citar a gravidade, em uma facilitar sua compreensão, tais ações podem ser
unidade de politraumatizados, das conseqüênci- agrupadas em três grandes grupos de medidas:
as da falta da succinilcolina, um agente bloquea- ações de avaliação, ações operacionais instituci-
dor neuromuscular empregado para entubação onais e ações externas.
endotraqueal, e a necessidade de substituição da 1. Ações de avaliação - são aquelas direcio-
efedrina por fenilefrina no tratamento da hipo- nadas a realizar uma avaliação crítica da situa-
tensão cirúrgica. Por ser menos seletiva, a fenile- ção e do impacto do desabastecimento na insti-
frina pode comprometer a segurança e a quali- tuição. Nesta fase, são analisadas as causas do
dade da assistência em alguns pacientes5. desabastecimento, a perspectiva do fabricante
Outro exemplo recente ocorrido no mercado regularizar a produção e a disponibilidade inter-
nacional foi o desabastecimento da oxitocina, que na e externa do medicamento:
comprometeu seriamente a assistência obstétri- . Causas e perspectivas de duração - fabri-
ca nos hospitais e maternidades. cantes, distribuidores e ANVISA devem ser con-
Os programas de controle de infecção hospi- tatados para determinar as causas e a expectativa
talar podem ter suas estratégias de ação altera- de duração do desabastecimento. A previsão so-
das devido à falta de antimicrobianos. As altera- bre a disponibilidade do medicamento auxilia na
ções nos protocolos de utilização de antimicro- determinação da capacidade da instituição para
bianos em função da indisponibilidade dos fár- enfrentar o problema e no planejamento das es-
macos de primeira escolha contribuem para al- tratégias a curto, médio e longo prazos. O tempo
terações do perfil de sensibilidade da microbiota e a duração do impacto dependerão das causas
hospitalar, comprometendo o alcance das metas do desabastecimento e do elo da cadeia de abaste-
planejadas10, 11. No ano de 2003, o Brasil enfren- cimento que foi afetado. Por exemplo, a falta de
tou um desabastecimento de vancomicina e am- matéria-prima pode afetar vários fabricantes, com
picilina que comprometeu a terapia antimicro- tendência a provocar problemas de abastecimen-
biana e as atividades de controle de infecções to de maior intensidade. Os problemas de fabri-
hospitalares em várias instituições de saúde. cação, por outro lado, afetam apenas os produ-
Além do impacto sobre a qualidade e a segu- tos de um laboratório e, no caso de produtos
rança, o desabastecimento tende a aumentar os com mais de um fornecedor, pode ocasionar pro-
custos assistenciais, pois geralmente as alternati- blemas de mais fácil solução. Efeitos nos distri-
vas terapêuticas são de custo mais elevado ou, buidores são dependentes dos níveis de estoque
diante da situação, o setor produtivo ou comer- do medicamento que os mesmos possuem.
cial aumenta seus preços devido à falta de con- . Ameaças à assistência e impacto financei-
corrente no mercado6, 7. ro - a análise da ameaça à assistência deve abran-
Diante do desabastecimento, a rotina da far- ger todos os fatores relevantes relacionados ao
mácia é alterada, provocando maior gasto de desabastecimento do medicamento, tais como
tempo em comunicações com fabricantes e dis- estoque da instituição, indicações terapêuticas,
tribuidores para obter informações. Em deter- essencialidade, alternativas terapêuticas ou far-
minadas situações, é necessário que o farmacêu- macêuticas. Isso permitirá que o impacto real da
tico elabore boletins informativos para assegu- falta do medicamento no cuidado ao paciente e
rar o uso adequado das alternativas terapêuti- no custo assistencial sejam identificados e avalia-
cas, buscando minimizar o potencial de erro no dos em seus graus de gravidade. A falta de um
cuidado ao paciente5. medicamento geralmente não afeta igualmente a
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Reis, A. M. M. & Perini, E.

todas as instituições de saúde, pois depende do futuros para a instituição e facilitando a adesão
perfil assistencial, nível de atendimento e política dos prescritores aos critérios. Após a aprovação
de materiais do estabelecimento de saúde. da diretoria clínica, é essencial uma ampla divul-
. Análise do estoque - após a confirmação gação dos critérios em toda a organização.
do desabastecimento do medicamento, o esto- . Identificação de fornecedores alternativos
que deve ser verificado e a duração do mesmo - para evitar uma ruptura brusca do estoque do
estimada com base no consumo médio mensal. medicamento, fornecedores alternativos devem
2. Ações operacionais institucionais - são ser identificados no nível regional ou em outros
ações a serem implementadas com base no diag- estados. Os mesmos devem ser contatados para
nóstico da fase de avaliação, antes dos efeitos do verificar a disponibilidade do medicamento e
desabastecimento serem sentidos. São medidas obter informações sobre a venda e prazo de en-
necessárias nesta fase: trega. Os hospitais públicos podem ser mais atin-
. Identificação de alternativas - deve-se ini- gidos porque o respeito às normas de licitação
ciar um processo formal para identificar alterna- torna o processo, mesmo nas situações de emer-
tivas terapêuticas ou farmacêuticas para o medi- gência, mais lento que nas instituições privadas.
camento em falta no mercado. Este processo deve . Monitoramento do estoque - diante da
ser coordenado pela comissão de farmácia e tera- perspectiva de desabastecimento do mercado,
pêutica e aprovado pela diretoria clínica do hos- muitos fornecedores começam a sonegar o pro-
pital ou por órgãos e níveis de decisão equivalen- duto visando alcançar vantagens econômicas fu-
tes em instituições de saúde de outra natureza. turas. O mercado e o estoque de medicamentos
. Divulgação de informações - informações devem ser monitorados periodicamente, as aqui-
sobre o medicamento em falta, alternativas tera- sições devem ser planejadas para buscar um equi-
pêuticas disponíveis, protocolos terapêuticos líbrio entre a necessidade de prevenção de gastos
provisórios para tais alternativas e um plano de elevados em momentos de crise de abastecimen-
enfrentamento da crise devem ser amplamente to e de acúmulo de estoque em caso de aquisi-
divulgados. Essa divulgação é essencial para a ções antecipadas para enfrentamento das mes-
segurança do paciente e prevenção dos erros de mas. O monitoramento do mercado e a identifi-
medicação. A equipe da seção de dispensação deve cação da sonegação do produto muitas vezes são
estar bem esclarecida sobre as medidas do plano tarefas árduas em período de desabastecimento.
de ação para garantir orientação adequada à equi- A avaliação do risco de superestocar deve ser re-
pe médica e de enfermagem. alizada em termos de benefícios assistenciais e de
. Integração com unidades externas - se ne- impacto econômico, pois na maioria das vezes
cessário, é importante buscar integração com não se dispõe de informações sobre a previsão
outras instituições de saúde, hospitais ou siste- da duração da falta do medicamento. O impacto
mas de saúde, visando identificar medidas a se- no orçamento com a aquisição do medicamento
rem tomadas conjuntamente. A importância des- de novos fornecedores ou de medicamentos subs-
se processo de integração é exemplificada pelas titutos deve ser identificado, avaliado e informa-
ações integradas desenvolvidas na rede de hospi- do aos gestores do estabelecimento de saúde.
tais sentinelas durante a crise de desabastecimento 3. Ações externas - são ações importantes
de vancomicina, em 2003, destacando-se a divul- quando a governabilidade da instituição sobre o
gação de informações sobre fornecedores e a pres- problema é muito limitada, como nos casos de
são junto à indústria e à ANVISA para regulari- medicamentos sem alternativa terapêutica em re-
zar o fornecimento. lação à classe terapêutica ou apresentações far-
. Seleção de pacientes - os casos de desabas- macêuticas. Divulgação para associações de paci-
tecimento prolongado, especialmente quando as entes, conselhos de usuários ou órgãos de defesa
alternativas terapêuticas são escassas, requerem do consumidor é uma medida simples que visa
a definição de prioridades para a utilização do evitar transtornos aos estabelecimentos de saúde
medicamento. Os critérios devem ser elabora- com demandas judiciais devido à assistência com
dos pela comissão de farmácia e terapêutica com opções alternativas ou atrasos. Os critérios para
o auxílio dos coordenadores médicos dos prin- seleção da alternativa, quando disponíveis, e as
cipais serviços que prescrevem o medicamento. avaliações sobre sua segurança e efetividade de-
Em determinadas situações, pode ser necessário vem ser repassados a essas organizações.
uma consulta prévia ao comitê de ética para sub- . Intervenção de órgãos governamentais -
sidiar a definição das prioridades para prescri- os órgãos de vigilância sanitária de todos os ní-
ção dos medicamentos, evitando transtornos veis de governo devem interferir nos casos de de-
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sabastecimento e, para facilitar tais intervenções, . classificar os medicamentos em função da
é importante a definição da necessidade de um diversidade de fornecedores no mercado. Os
medicamento. Os medicamentos de necessidade medicamentos com um único fornecedor serão
essencial são aqueles empregados no tratamento classificados como críticos;
ou prevenção de doenças de condições médicas . monitorar periodicamente a disponibilida-
graves para os quais não existe disponível nenhum de do mercado dos medicamentos de necessida-
outro fabricante e cujos fármacos alternativos não de essencial e dos críticos;
são considerados efetivos5, 12. Diante do desabas- . elaborar cadastro de fornecedores incluin-
tecimento de medicamentos de necessidade essen- do opções para aquisição em caso de desabaste-
cial, as ações governamentais devem ser mais en- cimento de medicamentos de necessidade essen-
fáticas, incluindo discussões com outros fabri- cial e dos críticos;
cantes para incentivar a produção, orientação téc- . adotar na instituição um sistema eficiente de
nica em casos de inadequação às boas práticas de gestão físico-financeira de medicamentos;
fabricação, agilização dos processos de fiscaliza- . redigir um procedimento operacional pa-
ção e publicação dos documentos sanitários. O drão das ações a serem implementadas em caso
órgão de vigilância sanitária deve buscar identifi- de desabastecimento de medicamentos.
car se a falta do medicamento envolve decisão
administrativa de interrupção de produção, re-
call voluntário ou inadequação à legislação sani- Considerações finais
tária. Todavia, a vigilância sanitária deve interferir
também nos casos de desabastecimento dos me- O desabastecimento de medicamentos compro-
dicamentos que não são classificados como de mete a segurança do processo assistencial e au-
necessidade essencial12,13,14. menta a probabilidade de erros de medicação.
Os hospitais e serviços de saúde devem ser Em geral, os custos com assistência à saúde são
incentivados a comunicar aos órgãos governa- aumentados devido ao emprego de alternativas
mentais os casos de desabastecimento. Em ou- de preço mais elevado. Portanto, para o êxito da
tros países, informações sobre desabastecimen- gestão do processo de desabastecimento, é pri-
tos dos medicamentos são divulgadas nos sites mordial planejamento, comunicação eficiente,
da agência sanitária e de órgãos de classe, dando monitorização contínua e o envolvimento da co-
mais visibilidade ao problema e facilitando a ges- missão de farmácia e terapêutica. Uma gestão
tão5,6,11,15. eficaz e eficiente do desabastecimento reduz o
A seguir, apresentam-se diretrizes a serem to- impacto assistencial e econômico e não sobre-
madas nos estabelecimentos de saúde visando à carrega os serviços de farmácia dos estabeleci-
prevenção ou minimização dos efeitos do desa- mentos de saúde.
bastecimento e sistematização de ações a serem A intervenção governamental é uma medida
implementadas diante da instalação do mesmo: importante para controle do desabastecimento, e
. identificar nos protocolos terapêuticos e na isso significa a necessidade de uma ampliação das
padronização de medicamentos os medicamen- ações da vigilância sanitária no controle do desa-
tos de necessidade essencial e aqueles com pou- bastecimento de medicamentos em nosso país. O
cas alternativas terapêuticas. A relação desses fár- desenvolvimento de ações conjuntas dos órgãos
macos pode variar em função do perfil assisten- de classe e vigilância sanitária é também um fator
cial da instituição. Entretanto, geralmente inclui importante para a gestão do problema, exigindo
anestésicos, oxitocina, soluções para a conserva- um desenvolvimento de nossa consciência do pa-
ção de órgãos, determinados antimicrobianos, pel social que cada um exerce e da complementa-
insulinas, alguns antineoplásicos, antídotos (pro- ridade inerente às funções de todos eles.
tamina, ácido foliníco, naloxona e outros), solu- Porém, o essencial é que o medicamento seja
ção para cardioplegia e outros; considerado pelos diversos atores que interfe-
. identificar opções terapêuticas para os pro- rem direta ou indiretamente na cadeia logística
tocolos das situações clínicas críticas e de maior como um produto de saúde, com tratamento
importância (choque, parada cardíaca, sedação diferenciado dos bens de consumo comuns.
em terapia intensiva, infarto agudo do miocár-
dio, infecções graves, anestesia, bloqueio neuro-
muscular e outros);
610
Reis, A. M. M. & Perini, E.

Colaboradores

Reis AMM foi responsável pela concepção, revi-


são bibliográfica, discussão do tema e redação
do artigo. Perini E realizou a revisão da redação e
da discussão do tema e atuou como orientador
do artigo.

Referências

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