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A pesquisa de Johannes Fabian € um ¢lassico no campo de atuagio. Ela mudou a forma como os antropélogos se relacionam com seus sujeitos, ¢ & de imenso valor no $6 para antropdlogos como para outros — criticos literdrios, filsofos e historiadores ~ interessados no estudo da humanidade. O Tempo e 0 Outro & uma critica sobre a noctio de que os antropélogos estiio “aqui e agora”, seus objetos de estudo sto “lé e depois” € de que 0 “outro” existe em um tempo nao contempordineo em relagio “Se nosso proprio. & preciso um olhar histérico da antropologia para demonstrat surgimento, a transformacao e a diferenciago de uma variedade de usos do tempo que deram forma as relagdes de poder e de desigualdade. ‘Um novo prefacio escrito por Matti Bunz! retrata a influéncia das pesquisas de Fabian até a atualidade. YH rere cetera | (| ne vide ple bom are 78853 vendes@vzeacombr gl wwwrwvozes.com.br COLEGAO ANTROPOLOGI Johannes Publicado pela primeira vez. em 1983, O Tempo e o Outro, de Johannes Fabian, cestd entre os mais citados livros de uma antropologia critica que, ao longo das ‘iltimas duas décadas, gradualmente passou a ocupar 0 centro da disciplina, ‘Mas, como outros textos candniicos escritos nesta tradicdo, O Tempo e 0 Outro continua a possuir relevancia teérica, cconservando 0 sabor radical de uma polémica urgente. Elogiado por muitos 1 pioneira do projeto antropol6gico, ao passo que recebido com apreensio por outros, em fungio de sua intransigente postura epistemolégica, tomou-se um marco no panorama teérica da antropologia contempornea. A introdugo vai de uma exposicio do argumento do livro e uma andlise de sua relago com os escritos anteriores de Fabian & sua contextualizagio na antropologla critica da década de 1970 inicio dos anos de 1980, 0 ensaio é ‘concluido com uma breve visio geral dos desdobramentos antropol6gicos, na esteira da publicacio inicial de O Tempo eo Outro. ‘como uma crit O Tempo ¢ 0 Outro toon Colesio Antropologia — Accstrusuras elements do paronteso Claute Levi Seats ~ Os rises de pasagem Arnold van Geanep =A mente do ser humane primitive Franz Boas = Aiks dot ator ~ Doi pies, quatro dada um antroploge Clifford Geertz ~ Omit, orewal eo oral Jack Goody =A domesticagto da mente slrage Tack Goody = O saber local ~ Novesensies em antroplayi interpretative Clifford Geertz ~ Ess engi na sociedad primition AR Raddlifie-Brown =O proceso ritual — Exrtura ¢antiestrutura Vietor W. Tarner = Sexo ¢ represio na sociedadeselvagem Bronislaw Malinowski ~ Pardes de entra Ruth Benedice =0 Tipo e 9 Outro Como a anrrepolagiaestabelece seu objeto Johannes Fabian Bx — Dados Internactonais de CatalogasSo ma Publicagio (CIP) (Camara Brasicira do Livro, SR, Beas!) Fabian, Johannes (O'Tempo e 0 Outro : como a antropologiaestabelce seu objeto / Johannes Fabian ; com preficio de Mati Buna ; radugio de Denise Jardim Duarte. ~Petrpolis, RJ: Vores, 2013. ~ (Colegio Antropologis) ‘Titulo original : Time and the Other : how anthropology makes its object Bibliografia ISBN 978-85-326-4595-1 1. Antropologia ~ Filosofia 2. Tempo I. Bunal, Matt. II, ‘Tinalo. I. Série. 13-05079 ‘DD -306.01 fadices para cxtlogo sine 1. Antopologia rica 306.01 Johannes Fabian O Tempo e 0 Outro Como a antropologia estabelece seu objeto ‘Com preficio de Matti Bunzl ‘Tradugao de Denise Jardim Duarte Vow y EDITORA VOZES Petropolis : | © 1983 Columbia University Press “Titulo do original inglés: Time and the Other — How Anthropolagy mabe its object Esta edicio em lingua portuguesa € uma tradugio completa da edigéo americana, ‘especialmente autorizada pelo editor original, Columbia University Press. Diretos de publicagio em lingua portuguesa ~ Brasil 2013, Bditora Vozes Lda. Rua Frei Luis, 100 2689-900 Petropolis, RJ Internet: htpi/nwa-vezes.com br Basil “Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra poderd ser reproduzida ou. transmitida por qualquer forma ¢/ou quaisquet meios (cletr6nico ou mecinico, incluindo fotocdpia c gravasio) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados ‘sem permissio escrita da editora. Diretor editorial Frei Antonio Moser Editores Aline dos Santos Carneiro José Maria da Silva Lidio Peretti Marilac Loraine Oleniki Secretirio executive Jodo Batista Kreuch Bdivoragéo; Fernando Sergio Olivetti da Rocha Projeto gréfico: Sheilandre Desenv. Grifico Capa: Felipe Souza | Aspectos Imagem da capa: ostragio baseada em foto de 1924 de George Brown, D.D. do Chef ‘Gaganamole e mulher, na ilha Dobu, Papua Nova Guiné ISBN 978-85-326-4595-1 (edigao brasileira) ISBN 978-0-231-12577-2 (digo norte-americana) Editado conforme novo acordo ortogrifico, Este livro foi composto ¢ impresso pela Editora Vores Ltda, Para meus pais e para Ilona. Sumario Intraducdo para © Tempo € 0 Outro, de Johannes Fabian ~ Sintees de wma antropolgia anton, 9 por Matti Burl Prefcio para a redigia, 31 Preficio e agradesimenios, 33, 1 O Tempo ¢ 0 Outro emergente, 39 Do tempo sagrado ao secular: 0 viajante filos6fico, 40 Da histéria& evolugao: a naturalizagio do tempo, 48 Alguns usos do tempo no discurso antropolégico, 57 Fazendo um balango: 0 discurso antropoligico © negacio da coetancidade, 61 2. Nosso tempo, o tempo deles e nenum tempo ~ A eoetancidade negada, 71 Contornando a coetaneidade: a reatvidade cultural, 72 * Anulando a coctancidade: taxonomia culural, 85 3 0 Tempo ea escrita sobre © Outro, 100 Contradigio: real ou aparente, 101 ‘Temporalizagio: meio ou firm, 103 © Tempo ¢ o tempo verbal: o presente etnogritico, 108 No meu tempo: a emografia ¢ 0 passado autobiogrifico, 114 Politica do Tempo: o lobo temporal em pele de cordeiro taxondmica, 122 4 0 Outro ¢ 0 olhar—O Tempo ea rexérica da visio, 129 Método e visio, 130 Espaco © memaéria: 0 tapoi do discurso, 132 A ligica come artanjo: 0 conhecimento visively 137 Vide et impera: o Outro como objeto, 140 40 simbolo pertence a0 Oriente”: 2 antropologia simbdlica na estética de Hegel, 145 ‘© Outro como feone: 0 caso da “antropologia simbélica”, 152 5 Conclusées, 160 Retrospectiva e sumério, 161 ‘Temas de debate, 168. ‘Coetaneidade: pontos de partida, 172 Referéncias citadas, 181 Indice, 201 Introdugdo para O Zempo e 0 Outro, de Johannes Fabian Sinteses de uma antropologia critica” Matti Bunzl Publicado pela primeira vez em 1983, O Tempo ¢ 0 Ouivo, de Johannes Fabian, ‘esté entre os mais citados livros de uma antropologia critica que, a0 longo das wilti- mas duas décadas, gradualmente passon a ocupar 0 centro da disciplina. Mas, como outros textos candnicos escritos nesta tradigio (cf. CLIFFORD & MARCUS, 1986; MARCUS & FISCHER, 1986; CLIFFORD, 1988; ROSALDO, 1989), 0 ‘Tempo eo Outro continua a possuir relevincia teérica, conscrvando 0 sabor radical de ‘uma polémica urgente. Elogiado por muitos como uma critica pioncira do projeto antropolégico, 20 passo que recebido com apteensio por outros, em fungio de sua intransigente postura epistemoldgica, tornou-se um marco no panorama teérico da antropologia contemporinea. A introdugio seguinte vai de uma exposicao do argu- mento do livro e uma anilise de sua relagio com os escritos anteriores de Fabian & sua contextualizagio na antropologia critica da década de 1970 ¢ inicio dos anos de 1980. O ensaio € conciuido com uma breve visio getal dos descobramentos antro- poldgicos, na esteira da publicagio inicial de O Tempo eo Ourro. © argumento (O Tempo ¢ 0 Outro & um relato histérico da fungio constitutiva do tempo na antropologia anglo-americana ¢ francesa. Em contraste com proeminentes relatos ctnograficos de sistemas temporais culturalmente determinados (cf. EVANS-PRIT- CHARD & BORDIEU, 1977), © projeto critico de Fabian opera em um nivel conceitnal, interrogando ¢ problematizando o desenvolvimento € 0s usos do tempo * Paras instanciagS nical, esta intros fi excite pulicads em alemo (cf BUNZL, 1998).© presente texto é uma versio revise ligsiramente ampliada do original, que foi waduaido para o inglés por Amy Bla, como tal, Nesse sentido, O Tempo ¢ 0 Outro funciona tanto como uma meta-andlise do projeto antropoldgico em geval quanto como tuma desconstrugio de suas capaci tantes formagies temporais (© argumento de Fabian ¢ motivado por uma contradigio inerente & diseiptina antropolégica: por um lado, 0 conhecimento antropolégico € produzido no decor rer do trabalho de campo por meio da comunicagao intersubjetiva entre antrops- logos e interlocutores; por outro, formas tradicionais da etnogeafia representativa requerem a supressio constiruriva das realidades dialigicas que geram conbsecimen- tos antropolégicos em primeiro lugar. Nos discursos objtificantes de uma antro- pologia cientifcista, os “Outros”, assim, nunca surgem como parcciros imediatos em um interedmbio cultural, mas como grupos espacialmente ~ ¢, de forma mais {mportante, temporalmente ~distanciados. Fabian denomina essa discrepancia entre ‘esfera intersubjetiva do trabalho de campo ¢ 0 rebaixamento diacrénico do Outro ‘nos textos antropolégicos como “uso esquiizogénico do Tempo”, ¢ explica a ideia da seguinte maneira: CCreio que se possa demonstrar que o antropslogo no campo muitss vezes cemprega conceps6es de Tempo bastante diferentes daquelas que atualizam relatrios sobre suas descobertas, Ademais, aggumentarei que uma anise caicca do papel que ao Tempo é dado desempenihar, como condisio para a produgio de conhecimento etogrifico na pritica do trabalho de campo, deve servir como ponto de partida para uma critica do discurso antropolé- ‘gico em geral (21). Em O Tempo ¢ 0 Outro, a interrogasio sobre 0 uso esquizagénica do tempo re- presenta 6 inicio de uma critica global do projeto antropol6gico. Porque a discrepiin- ‘cia entre 0 trabalho de campo intersubjetivo ¢ o distanciamento ret6rico do discurso cemogréfico leva Fabian a uma compreensio da antropologia como uma disciplina inerentemente politica - uma disciplina que ao mesmo tempo constitui ¢ rebaixa seus objetos por meio de sua relegagio temporal. Fabian se refere a esse fenémeno constitutivo como a “negagio da coctaneidade”! — um termo que se torna 0 verniz, para uma situagio na qual a localizagio hierarquicamente distanciada do Outro su- prime a simultaneidade ¢ a contemporancidade do encontro etnogrifico, As estrur- ‘as temporais assim constitufdas, desse modo, colocam antropélogos ¢ scus leitores ‘em uma estrutura de tempo privilegiada, 20 passo que desterram o Outro para um. estigio de desenvolvimento inferior. Esta situagio é, em iltima anilise, exemplifica- dda pela exploragao de tais categorias essencialmente temporais como “primitivas”, para estabelecer ¢ delimitar 0 tradicional objeto da ancropologia. {Labia plane denominajo“actanedad” om o np de consi em um tro aici doa ogi semi de "Gli, ua aera fenomendégi que denot tant a contempor- ‘ead como a snconicdad/simulanide (31), 10 Fabian denomina tais negages de eoetancidade como “o alocronismo” da an- tropologia (32). Ao mesmo tempo 0 produto de um ctnocentrismo arraigado e a ideologia capaciradora des discuisos sobre © Outo, a orientagéo alourdnica anu polégica surge como a problemitica central da disciplina. O projeto de Fabian em (0 Timpo e 0 Outro decorre dessa premissa, fundindo uma genealogia ertica do dis- ‘curso alocrénico na antropologia a uma polémica contra 2 sua reproctugio irrefletida. Fabian apresenta sua critica a0 alocronismo no contexto de uma anilise abran: gente da fingio dos sistemas temporais nos discursos cientificos do Ocidente. No primeiro capfrulo de O Tempo ¢ 0 Outro, ele rastrcia a transformagio do tempo, da secularizagio inicial do conceito judaico-cristio de histéria & sua revolucion’ ria naturalizagio, no decorrer do século XIX. O estabelecimento da antropologia como uma disciplina aut6noma, na segunda metade do século XTX, bascava-se nessa rwansformagio. A doutrina evolutiva da disciplina ~ constituida na intersegao do cientificismo, a erenga iluminista no progresso e o etnocentrismo colonialmente ve- lado por sua vez. codificou a orientagio alocrénica da antropologia. Dessa forma, categorizagées “cientificas” contemporiineas, como “selvagem”, “bérbaro” ¢ “civili- zado” significavam estégios de desenvolvimento historico. Concebendo @ histéria mundial em termos de progresso universal, essa Ibgica alocrénica identificava te- presentava os “selvagens” do final do século XIX como “sobreviventes” — habitantes de estados mais ou menos remotos de desenvolvimento cultural. Ao mesmo tempo, 0 alocronismo da antropologia estabelecia um Ocidente “civilizado” como 0 auge do progresso humano universal, um argumento que ajudou a legitimar diversos pprojetos imperialistas. Fabian percebe 0 alocronismo fiundacional da antropologia como um proble- ‘ma permanente. Quanto 20 ponto de partida dos paradigmas antievolucionérias na antropologia do século XX, nao obstante, ele considera a relegagio do objeto eto- grifico a um outro tempo como o elemento constitutive do projeto antropolégico em geral. Fabian fandamenta esta tese, no capftulo 2, por meio da andlise de duas orientagies teéricas dominantes: o relativismo cultural anglo-americano ¢ estru- ‘uralismo de Lévi-Strauss. Nessas avaliagdes criticas (seguidas, no capitulo 4, por ‘um exame similar da antropologia simbélica), Fabian identifica a negagio da coe- tancidade ¢ a intersubjetividade etnogrifica como elementos constitutivos de uma anzropologia que legitima a si mesma pela criagio de hierarquias temporais globais. “Essas leituras desconstrutivistas so corroboradas, nos capitulos 3 « 4, por andlises aguyadas de Fabian sobre as formas estratégicas de representagio € as bases epistemo- Jégicas do discurso alocrénico. Em relagio & representayio do Outro, Fabian reconhe- ‘ceo “presente emogrifico” (a “pritica de prestar conta de ontras cnituras © sociedades ‘no tempo presente” (80]) ¢ a eliminagio textualmente imposta da yoz autobiogrifica do antropélogo como as figuras retdricas centrais do alocronismo, Come ele demmons- ‘tra, o presente etnogrifico indica uma realidade dial6gica ~ uma realidade, no entanto, ee aque 86 se realiza na interacio comunicativa entre 0 antropélogo € seus leirores. © objeto antropolbgico excluido deste dislogo, apesar de seu estabelecimento hho momento intersubjetivo do trabalho de campo. Neste comtexto, Fabian percebe 0 presente emogrifico como um veioulo retdrico que reifiea © Outro como 0 objeto de observacio inerentemente desindividualizado do antropélogo. ‘De modo semelhante a0 desdobramento politicamente velado do presente etno- grifico, a supressio da voz autobiogrifica da vor do antropdlogo mos textos cien- tificistas constitui parte do padrio alocronico. Neste context, Fabian aponta para 1a manifesta presenga do antropdlogo durante o trabalho de eampo ~ todavi ppresenga cujos efeitos inegaveis sobre a propria produgio do conhecimento etnogré- fico permanecem nio reconhecidos na maior parte dos textos antropoligicos. Por meio da representagéo distanciadora ¢ objetificadora de um Outro aparentemente gemuino, os antropélogos abrem mio de uma autorreflexio critica que os tornaria parte constinutiva de um dislogo hermenéutico (¢, portanto, “cocvo”) interrogatério de Fabian sobre a base epistemoldgica do discurso alocrénico co leva de volta a uma andlise abrangente das tradigoes intelectunis do Ocidente. Por meio de interpretagées perspicazes da pedagogia ramista ¢ da estética hegeliana, cle identifica a retdrica da visio como a metifora privilegiada de uma antropologia ‘ientificista. Essa aprovagio do visual sobre o auditivo ¢ 0 oral, no entanto, repousa na base da situagio alocrénica, pois “Enquanto a antropotogia apresentar 0 seu objeto exsencalmente conforme ‘v8, enquanto 0 corhecimento etnogrifico for concebido essencialmente ‘como observagio e/ou representasio (em termos dle modelos, sistemas de simbolos assim por diante), € provével que persistam em negar a coets- ncidade de seu Outro (151-152). Essas sentengas, em viltima andlise, revelam a agenda politica que Fabian sus- tenta em O Tempo 0 Outro. Operando a partir de uma premissa fundamental que figura a antropologia, & luz de sua interligacio histérica com a dominagio impe- rialista, como uma disciplina intrinsecamente comprometida’, Fabian considera 0 discurso alocrénico um vefculo de dominagio ocidental, que reproduz.€ legitima as injustigas globais, Nesse contexto, a critica de Fabian ao alocronismo antropolégico ‘emerge como uma intervengio abertamente politica, efetivamente identificando os elementos retéricos de distanciamento temporal ~ a exemplo das representagGes cetnogrificas do Outro como “primitivo” ou “tradicional” ~ como parte integrante de um projeto (neo)colonial (© Tempo ¢.0 Ouiro busca confrontar essa dimensio politicamente preciria do projeto antropoldgico; ¢, dessa forma, Fabian finalmente defende a rendincia 20 2, Como Fabian afrma, “Existencialmente,e polticamente, a crea da antropologia tem inicio com ‘ cacindalo da dominasio © exploragio de uma pare da humanidade por outra (FABIAN, 1983: x), 2 alocronismo que ele identificou como 0 elemento constitutive do discurso antro- poligico tradicional. Como um ato acaclémico politicamente flexionado, uma tal Fendineia epistemologicamente fundamentada ¢ textuaimente promulgada permitiria fuma relagdo genuinamente coeva e verdadeiramente dialdgica entre a antropologia ce seu objeto. ‘Ao exbogar 08 contornos dessa antropologia dialética no capftulo 5, Fabian se concentra na dimensio da prixis social. Por um lado, cle apresenta essa énfise sobre ’ pefxis como uma alternativa epistemologica a retérica alocrénica da visio (recon- figurando, assim, os objetos observados anteriormente como parceiros ativos na di- ligéncia antropoldgica); por outro, pleiteia @ extenso conceitual da nogio de prixis 40 momento etnogrifico do trabalho de campo propriamente dito. Nesse sentido, ‘le no apenas propaga a reflexio textual critica do trabalho de campo como uma atividade intersubjetiva ~ ¢, portanto, inerentemente dialégica -, mas abre 0 eami- iho para um realinhamento conecitual coevamente fundamentado do Self antropo- légico e do Outro etnogrifico. A pré-histéria Na sequéncia de sua publicasio original de 1983, O Tempo ¢ ¢ Outro foi lou ado como uma original ¢ importante metacritica do projeto antropoldgico (cf MARCUS, 1984; 1,023-1.025; HANSON, 1984: 597; CLIFFORD, 1986: 101- 102; ROCHE, 1988: 119-124). Certamente, as andlises de Fabian sobre o pre- sente etnogrifico, a supressio da voz autobiogrifica do antropélogo e a retdrica da visio abriram novas perspectivas para a antropologia critica, Mas seria um erro datar 0 projeto crftico que Fabian articulou em O Tempo e 0 Outro cm relagio a0 ano da publicasio do livro. Em 1983 ele havia se confrontado com a dimensio temporal e a qualidade dialbgica do conhecimento etnogrifico por mais de uma ddécada. Muitos dos temas centrais de O Tempo ¢ ¢ Outro foram, de fato, prefigura- ddos nos artigos redricos que Fabian compos no decorrer da década de 1970 — um ‘corpus que, por sua vez, permite o delineamento da drvore gencaldgica intelectual 4o live. essa forma, uma anilise rudimentar do alocronismo emogrifico pode ser en- contrada no artigo “How Others Die ~ Reflections of the Anthropology of Death” (Como 0s Outros morrem — Reflexses sobre a antropologia da morte”), de 1972 (FABIAN, 1972; f. FABIAN, 1991: xii). Foi na ocasido dessa revisio da literatura antropol6gica sobre a morte que Fabian inicialmente criticou a tendénciaierefletida de se construir ¢ instrumentalizar objetos antropol6gicos como incorporagoes de tempos passados. E, em sua andlise posterior de O Tempo eo Ouro, Fabian atributa ‘essa tendéncia A heranga evolutiva da antropologia. Apesar da predominsncia de cor- rentes anticvolucionistas no século XX, a emografia da morte continuou a conceber (0 seu objeto como umgffanela para a antiguidade humana: B _ReagGes “primitivas” & morte podem entio ser consideradas com a fimali- dade de esclarecer 0 desenvolvimento ontogenético com paralelos da histo- ra dos primérdios do homens, Ou, tentativas de identificar as reagies contemporineas & morte, em especial tas frequcnremente, vamos encontrar Aaguelas que parecem irracionais, muito rinuais ¢pitoreseas, como remanes- ‘centes de formas “arcaicas” (FABIAN, 1972: 179). Embora scja essencialmente uma erftica sobre a literatura antropoligica exis- tente, 0 artigo encerrava com orientagGes para uma antropologia conceitualmente progressiva da morte. Em proposigbes concisas, Fabian falava da necessidade de uma abordagem comunicativa, e baseada na praxis, das realidades etnogriticas (FABIAN, 1972: 186-188), Essas demandas, por sua vez, ecoaram as consideragées conceituais € metodo: \égicas que tiveram sua origem na reflexio critica do trabalho de campo de Fabian. Em 1966-1967 Fabian havia realizado uma pesquisa de dissertagio ctnogrifica so- bre o movimento religioso Jamaa na regio de Shaba correspondente Aquilo que era, entio, o Zaire. Inicialmente, sob a influéncia da teoria de sistemas parsoniana que havia dominado sua pés-graduagio na Universidade de Chicago, Fabian rapidamen- te rejeitou a doutrina antropolégica reinante, embarcando em uma busca por novas ¢ criticas epistemologias. Ele deseavolveu a primeira formulagio de um modelo altemnativo no artigo pioneiro “Language, History and Anthropology” (1971b) ~ Linguagem, Histéria ¢ Antropologia”, um texto que antecipou a postura bésica de 0 Tempo ¢ 0 Outro em aspectos centrais (cf. 164-165). ‘A polémica de Fabian em “Language, History and Anthropology” era dirigida con- tra uma hegeménica flosofia “pragmtico- positivist” das cigncias ummanas (cf. 197 1b; 3). Na afirmacio de Fabian, essa orientagao era marcada por uma poswura acritica © an- tirreflexiva que, por um lado, obtinha conhecimentos sociolégicos ¢ antropolégicos de hipteses testiveis e modelos tedricos gerados abstratamente, ¢, Por Outro, equiparava a relevincia de tal conhecimento 20 seu valor explicativo em contraste com corpos de da- dds divergentes!, Para Fabian, essa abordagem era bascada cm uma metafisca ingénua, préKantiana, que prometeu a descoberta de verdades objetivas por meio da implanta- $40 de metodologias formalizadas e padronizadas (3-4). Especialmente: no contexto do trabalho de campo emogrifico, tal modo de operacio cientifica era extremamente [problemitico, exigindo a negagio de fatores subjetivos constitutivos: '3. Fabian obeeve su doutorado pela Universidade de Chicago em 1969, com uma dssertagio intra (Cherona anid Cultural Change (*Catisena mudangs cultura"), ve foi pablicada, em versio revisada, ‘como uma monograia, dis anos depois (ef EABTAN, 1969, 19712). 4. Ao longo dos anos, a oposiclo de Fabian «uma flosofia pragmstico-postivista da eitncia se transfor ‘mou em una critica do postviemo um reflex de seu apreso gradualmente desenvolvido por certas covieneagées pragmticas (FABIAN, 1991: x) 4 © ethos pragmitico-positivisa pede um recuo aseético consciente como 0 resultado em relagio a0 qual o cientista deve estar isento de qualquer en volvimento “subjetivo", bem como do imediatismo do senso comum dos {fendmenos. O pesquisador aleanga subjetividade ao se render a uma “teo~ ria", um conjunto de proposigdes escolhidas ¢ inter-elacionadas de acordo ‘com as regras de uma l6gica supraindividual, e ao subsumir sob essa weoria aqueles dados do rmundo externo que ele pode recuperar, por meio dos procedimentos estabelecidos de seu ofico (7). Mas essa premissa positivista exigiu a continua supressio de uma critica episte- moligica que reconhecen a produgao do conhecimento etnogréfico como uma ati vidade increntemente interativa e, portanto, inteiramente dependente do contexto, Essa problemitica surgiu de uma forma especialmente agugada na situagio cetnogrifica do trabalho de campo de Fabian entre os membros do movimento Ja- maa. A abordagem positivista teria exigido uma teoria capaz de organizar os fend- menos observados. Embora a teoria do carisma de Max Weber estivesse disponivel, Fabian logo perccbeu as dificuldades inerentes a uma etnografia positivista do mo- vvimento Jama’. Essas dificaldades se baseavam, por um lado, na diversidade étnica ce social de seus aderentes (que tornaram impossivel tratar 0 movimento como ca- racteristica de um grupo claramente definido), c, por outro, em suas atividades reli- ‘giosas desinteressantes ¢ inexpressivas. A auséncia de um objeto coletivo tradicional, assim como de rituais, simbolos ¢ elementos politicos ¢ econdmicos determindveis, ppermitiram a Fabian apenas um meio de acesso 3 informagio etnogrifica: 0 método Tinguistico de comunicas4o intersubjetiva (22-26). Dois anos mais tarde, apés a conclusio de sua dissertagio, o “Language, History and Anthropology” de Fabian apresentava a sua tentativa de criar uma base episte- ‘molégica consciente para uma ancropologia niio positivsa © comunicativa, Nesse pprocesso, Fabian foi influenciado pelo Pesitivismusstreitalemio, e especialmente por Jiirgen Habermas. Ele baseou seu trabalho, além disso, na filosofia hermentutica da Tinguagem de Wilhelm von Humboldt como um modelo para uma epistemologia linguisticamente fundamentada e subjetiva. Acima de tudo, as tendéncias contem- porineas na ancropologia lingu(stica reforgaram suas idcias, sobretudo trabalhos de Dell Hymes sobre a “ctnografia da comunicagio” (cf. HYMES, 1964). Ali, Ba- bian encontrou um modelo emogrifico de objetividade intersubjetiva - um modelo ‘que propunha processos intersubjetivos, em vez de regras ou normas determinadas, 5. O Movimento Jamaa foi findado pelo missionitio belgs Placide Tempels. Autor de La philic ‘bontom (3948), waive inspec pasa mivor movimento independents afrcanos, Tempels co ‘megou a pregaro ctistianiamo nos termos de su “filosofa banto” na década de 1950. A mensagem foi ‘bem-recebida entre o rabalhidoresindustrias nas minas de cobre da regio de Shaba. Embora munca tivessem rompido completamente com a Igreja Catélic, os seguidores de Tempel consideravan-se unt ‘Brupoindependente ~o nome “Jamaa” quer dizer “arn” em suai (cf. FABIAN, 1971). 1s ) ‘como a chave para 0 comportamento social dos membros de uma cultura (FABIAN, 1971: 17) Com base em Hymes, Fabian expandiu a questio analitca ¢ episremologica da objetividade intersubjetiva para outra questo centrada no “etndgrafo seu sujlto” (18). Ble sugeria que o trabalho de campo antropol6gico podia ser entenddo como fuma sempre e ji comunicativa atividade fundamentada oa linguagem. Assim, em tuma eupeura radical com as concepdes entio correntes, 0 conhcimento etnogrifi- co poderia recair somente sobre a realidades intersubjetivas. Fabian formulou essa epistemologia em duas teses: 1) Nas investigacbes antropoligicas, a objetividade ndo est nem na consis- téncia ldgiea de uma teoria nem na inquestionabilidade dos dados, mas no fandamento (Bagrindung) da intersubjerividade humana (9; énfases no ori- inal). 5 ‘A objetividade nas investigagées antropolégicas ¢ akangada pelo ingresso ‘em um contexto de comunicasio interativa, através do tinico meio que repre- senta ¢ constitu tal conceito: a Hinguagem: (12; énfases no original). [Em “Language, History and Anthropology”, Fabian jé havia comesado a clu- cidar as consequéncias de amplo aleance de uma tal epistemologia antropologica Jntersubjetiva (a qual se tomnou a base de sua critica em O Tempo ¢ 0 Outro). A con- cepgio do trabalho de campo como communicagio interativa e continua, portanto, hndo continha apenas 0 modelo de uma antropologia verdadeiramente dialdgica, mas também o elemento dialético de uma teoria da préxis etmogrifica autorreflexiva: "A-compreensfo bascada na dialética epistemoldgica é sempre problemiti- ‘co-ritica, pela simples razo de que © primeiro passo na constituisae do conhecimento implica uma reflexio radical sobre o envolvimento do inves: tigador no context comunicativo a0 qual os fendmenas so investigasso pertencem (20) ‘Assim, a dialétca antropolégiea nunca reivindicaria a inoaéncia politica de uma eclonmologt positivsta.Perante o pano de fundo de um mundo pés e neocolonial seipropologia surgi como um ato polco bastante questionvel, uma crcunstin- tia que intenifieou a necesidade de uma concepgio diaéica da etnografia como penis intersubjetiva (27-28). "A trajetéria, de “Language, History and Anthropology” a O Timpo ¢ @ Outro, stava, mir, exbogada. Ness interim, veiotuma série de otras conteibuigoes ted fieas em que a andises de Fabian sobre os conhecimentos etnogréficos anteciparam anton dix temas de O Tempe ¢ 0 Outre (KABIAN, 1974, 1975, 1979). Desde sua publieagSo inca, 0 livro por vees tem sido crticado como demasiado absrato ¢ rep etnogrdfico; no conteto de sa histria prévia, no entanto cle surge como uma eva consémiva do trabalho de Fabian sobre o movimento Jamaa (ef. FARIAN, 16 1990a). Em tiltima andlise, O Tempo ¢ 0 Outro foi parte de um projeto dialético que constatou seu inicio te6rico em “Language, History and Anthropology” e que, a0 ‘mesmo tempo, no $6 pleiteou como também demonstrou a concxio direta entre a teoria antropolégica ¢ a préxis etnogrifica (© contexto intelectual (O Tempoe 0 Outro nao represcitou somente a consequéncia do projeto intelectual ¢ pessoal de Fabian. Ele foi também um elemento e produto de uma antropologia critica que alterou ¢ reformulou, acentuadamente, a disciplina durante a década de 1970 inicio da de 1980. Essa antropologia critica, por sua ve2, tinha suas rafzes nas seagdes is realidades politicas e sociais do final dos anos de 1960. Os movimentos de independéncia pés-colonial no Tereeiro Mundo, a guerra neoimperialista do Viet, assim como 08 direitos civis € movimentos estudantis, ndo puderam deixar inaltera- ‘da uma disciplina cientifica cujos objetos aparentemente evidentes exam os Outros ‘de um Eu ocidental. Nas conferéncias da Associagio Americana de Antropologia, no final dos anos de 1960, surgiram debates sobre as responsabilidades eel potest da antropologia, particularmente no que dizia respeito as estrutaras de poder colo- niais que engendraram a disciplina, de inicio, ¢ continuaram a sustenté-la no contex- to das relagdes neocoloniais (cf. GOUGH, 1968; LECLERC, 1972; ASAD, 1973; WEAVER, 1973). Essas discuss6es eram subsequentemente conduzidas nas paginas de publicagdes consagradas como Current Anthropology e Newsletter of the American Anubropological Association. Os anos seguintes nio somente testemunharam o forte apelo pela “reinvengéo” da antropologia (HYMES, 1972a) como também 0 estabe- Iecimento de periédicos radicais nesses mokdes, como Critical Anthropolegy (1970- 1972), Dialectical Anthropology (1975ss.) ¢ Critique of Anthropology (1980ss.). Contudo, por mais que as posigdes articuladas nesse contexto diferissem em suas particularidades, eles ainda compartilhavam um adversério comum: as premis- sa8 € priticas de um projeto antropoligico hegeménico. Comprometide com um hhumanismo liberal, esse projeto se bascava na creng2 positivista em uma ciéncia politica ¢ imparcial, cuja objetividade era assegurada por meio de uma neutralidade distanciada instrumento analitico constitutive dessa antropologia cra o conceito funda- a pr on ul sb etl iy oo ule Sa pun res ccs dong ener rn begin pt perpen de document em fe inmacon. Ton cme i e- Totem um dpc das gua clit mo comport de (oe daca rp on prope Pom mgs ce eo fecrame pan a0 popu ura vl dea ere de popstar erence «etna ‘eferénca€ feta nese ios a manual Mead and Métreaux, sobre 0 qual comentare ada, Una in ortanteavaliag clic, com foco em estados de carter nacional japonts, de W. La Bary, foi produida sscentemence por PT. Suauki (1980), 81

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