Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
231
ça separa-se do da mãe e a criança experi- 3. CARACTERIZAÇÃO DA CAIXA DE AREIA
menta segurança e confiança na sua relação
e interação com a mãe; A caixa de areia pode ser entendida, no seu
- Terceira fase (ocorre entre o segundo e o sentido mais estrito, como uma técnica projecti-
terceiro ano de vida). Com base na confian- va e, no seu sentido mais amplo, como um mé-
ça e segurança anteriormente adquiridas, o todo de terapia não verbal (Weinrib, 1983). Esta
centro do self estabiliza-se no inconsciente última concepção é partilhada pelos analistas
da criança e começa a manifestar-se em junguianos que desenvolveram e trabalharam
símbolos de totalidade, o que implica a este método adaptando-o ao seu quadro teórico.
existência de uma ordem ou organização No entanto, de acordo com Reed (1975) «a in-
interna. A constelação do self2 é o momento terpretação [dos resultados da caixa de areia]
mais importante da construção da persona- varia consoante a corrente em que se acredita,
lidade e assegura o seu desenvolvimento quer se trate da junguiana, freudiana, adleriana,
saudável. rogeriana, quer das suas derivações mais mo-
dernas» (p. 28).
No caso de um ego frágil, o self não teve Neste ponto serão focados os seguintes as-
oportunidade de se constelar, sendo esse o pectos:
objectivo da caixa de areia enquanto método te-
rapêutico. Segundo Kalff (1980), «isto é possível 3.1. A caixa de areia enquanto método tera-
porque a natureza da relação psicoterapêutica pêutico
corresponde à tendência natural da psique para 3.2. Estadios de desenvolvimento na terapia
se constelar no momento em que é criado um da caixa de areia
espaço protegido e livre» (p. 29). 3.3. Material
Ao promover a regressão terapêutica do 3.4. Postura e procedimento
paciente até à primeira fase do desenvolvimento 3.5. Indicações terapêuticas
psíquico, o analista pretende proporcionar a ex- 3.6. A evolução dos desenhos de areia
periência de uma relação de segurança incon-
dicional, reconstituindo a unidade perdida, o 3.1. A caixa de areia enquanto método tera-
que permitirá posteriormente a emergência do pêutico
self como factor organizador da psique. Esta
emergência manifesta-se simbolicamente nos Encontra fundamentação no postulado de que
desenhos de areia através dos símbolos de tota- a psique possui uma função auto-curativa que
lidade, o que permite ao analista acompanhar a funciona desde que sejam asseguradas determi-
evolução do paciente e, a partir daí, canalizar a nadas condições ao nível do setting e da relação
sua energia para actividades criativas. transferencial. A própria natureza do processo
terapêutico, essencialmente simbólica, contribui
de forma determinante para esta função auto-cu-
rativa.
2
«Por constelar entende-se o mesmo que activar, A cura psicológica é considerada um fenóme-
Este termo expressa o facto duma situação externa no emocional que ocorre a um nível matriarcal
desencadear um processo psíquico definido» (Sharp, de consciência (tal como descrito por Neumann,
1991, p. 48). O self é considerado o centro organiza- 1954), ou pré-verbal (de acordo com a termino-
dor e regulador da psique e responsável pelo desen- logia de Kalff, 1980), onde predomina um modo
volvimento e amadurecimento da personalidade mas
nem sempre se encontra constelado ou activado. É feminino de experiência (Weinrib, 1983). O mo-
objectivo da terapia que essa constelação ocorra e esta, do de experiência referido prende-se com uma
no processo da caixa de areia, traduz-se pela escolha compreensão não-intelectual que não pode ser
de determinadas miniaturas e também pela construção divulgada ou contada e que envolve toda a per-
de símbolos de totalidade. Segundo Kalff (1980) «um
desenvolvimento saudável do ego apenas pode ocorrer
sonalidade.
como resultado da manifestação bem sucedida do self. A caixa de areia promove uma regressão
Tal manifestação parece garantir o desenvolvimento e temporária que se encontra ao serviço da reno-
consolidação da personalidade» (p. 29). vação psicológica e do renascimento simbólico.
232
Uma regressão à primeira etapa do desenvolvi- que permite uma observação mais concreta
mento psicológico humano (fase da unidade dos conteúdos recalcados – qualidades «ne-
mãe-criança) em que é suposto o indivíduo ex- gativas» e «positivas» não assumidos por
perimentar um ambiente de segurança incondi- parecerem inaceitáveis à consciência – e
cional, indispensável ao desenvolvimento de um que pedem integração na personalidade to-
ego saudável. Esta abordagem assemelha-se à tal;
proposta por Winnicott (1975) que refere a ne- 3) Resolução parcial de um complexo major;
cessidade de, em certos casos, o analista propor- 4) Início da discriminação entre opostos
cionar ao paciente um ambiente semelhante ao (emergência de pares opostos como figuras
da preocupação maternal primária e aproxima- masculinas e femininas, cores como o preto
se também, em parte, daquela de Balint (1977) e o branco, o sol e a lua , a água e o fogo, o
quando este defende a necessidade de uma re- dia e a noite, continentes diferentes, esta-
gressão terapêutica ao nível do amor primário a ções do ano, estados de espírito das figuras,
fim de originar um new begining. etc.);
Os autores que se têm dedicado ao estudo da 5) Centração e constelação do self – apareci-
caixa de areia destacam sobretudo a importância mento de figuras geométricas como o qua-
de criar um ambiente de aceitação incondicional drado, o círculo e a cruz;
que fomente a descoberta da espontaneidade e 6) Emergência de um novo ego – muitas ve-
consequentemente do ser ou self de cada indiví- zes representado por um «recém-nascido» -
duo. A ênfase é colocada na relação e na postura uma nova atitude;
empática do analista, sendo a interpretação 7) Emergência dos aspectos contrassexuais
adiada. Só após o trabalho de (re)construção do da personalidade: a anima como a personi-
sentido de identidade do indivíduo, que se dá ficação psíquica do Princípio do Feminino
durante o processo terapêutico, haverá lugar pa- no homem (Eros ou a capacidade de rela-
ra a interpretação dos desenhos de areia. ção e amor) e o animus como a personifi-
O símbolo é utilizado como um instrumento cação psíquica do Princípio do Masculino
terapêutico e considerado um agente curativo na mulher (Logos ou a capacidade de pen-
porque reconcilia realidades opostas que geral- sar logicamente e tomar consciência);
mente se encontram dissociadas. Ao fazê-lo, 8) Relativização do ego em relação ao trans-
viabiliza a capacidade de suportar a tensão entre pessoal;
opostos e de tolerar o conflito até que este possa 9) Passagem do nível de consciência matriar-
ser ultrapassado. Esta capacidade gera novas cal para o patriarcal, mais diferenciado, e
atitudes, perspectivas, soluções e o processo que dá origem a um ego mais independente
criativo em geral. O ser humano poderá, então, e adaptado, em relação com o self e tam-
viver de forma mais livre, consciente e criativa bém com a realidade que o rodeia.
(Weinrib, 1983).
3.3. Material
3.2. Estadios de desenvolvimento na terapia O material é constituído por duas caixas de
da caixa de areia areia e várias miniaturas.
A partir de estudos efectuados (Reed, 1975, A sala de trabalho com a caixa de areia deve
1980; Kalff, 1980; Weinrib, 1983; Bradway, constituir um local alegre, bem iluminado e
1985), é possível antecipar e descrever os vários confortável.
São necessárias duas caixas com as dimensões
estadios de desenvolvimento que ocorrem duran-
de 57cm x 72cm x 7cm. Forram-se os fundos das
te o processo terapêutico da caixa de areia. São
caixas com papel plastificado azul claro ou tur-
os seguintes:
quesa simulando o fundo do mar e de modo a
1) Cena inicial realista que permite formular permitir o uso e contenção de água no fundo do
hipóteses quanto à natureza do problema tabuleiro. Uma das caixas deverá conter areia
em causa e sua eventual resolução; seca e a outra areia molhada. A textura da areia
2) Acesso ao inconsciente pessoal (sombra), molhada deverá ser maleável e moldável embo-
233
ra os indivíduos possam, depois, modificar essa berlindes, cubos e triângulos de construção,
composição se assim o desejarem. etc.).
A dimensão da caixa permite propositadamen-
Convém ainda que se disponha de plasticina
te que o seu utilizador capte, de um só olhar, o
para a modelação de objectos e figuras desejadas
espaço livre de construção e, mais tarde, o cená- e que não se encontrem representadas pelas mi-
rio global construído. A altura da caixa de areia niaturas expostas.
em relação ao chão pode variar consoante a ida- A partir do material disponível, as crianças e
de e altura dos indivíduos, sendo conveniente adultos escolhem os objectos que mais os atraem
dispôr as caixas sobre mesas com pequenas e constroem uma cena significativa e igualmente
rodas, de forma a poder regular-se as alturas pre- consonante com o cenário do seu mundo interno.
tendidas e possibilitando também a sua desloca-
ção.
3.4. Postura e procedimento
O material é constituído não só pelas caixas
de areia mas também por miniaturas indispen- A postura do terapeuta, assim como as instru-
sáveis à construção das histórias e cenários na ções dadas para a realização da caixa de areia
areia. aplicam-se, de igual modo, a crianças e adultos.
As miniaturas devem ser colocadas em estan- Na terapia da caixa de areia, a existência de
tes ou prateleiras de modo a que sejam acessíveis uma relação transferencial positiva básica é in-
quer visual quer manualmente. dispensável para o desenvolvimento do processo
Os objectos expostos devem ser de boa quali- terapêutico mas nunca é revelada nem interpre-
dade para motivar e estimular a criatividade dos tada. O terapeuta dá ao paciente a possibilidade
indivíduos e o seu sentido estético. Devem tam- de experimentar um «espaço livre e protegido»
bém ser muito variados de modo a representar (Weinrib, 1983, p. 27). «Livre» porque o pacien-
várias situações possíveis desde a realidade à te tem liberdade para expressar o que entender e
ficção. Eis alguns exemplos: «protegido» devido à própria atmosfera da situa-
ção terapêutica, que se baseia numa aceitação in-
- Animais (pré-históricos, selvagens, domés-
condicional da subjectividade do paciente sem a
ticos, insectos, etc.);
interferência de confrontações, intelectualizações
- Elementos da natureza (flora de terra e
ou interpretações. O factor terapêutico subjacen-
mar, conchas, pedras, paus, pinhas, árvores, te a este método baseia-se na «vivência do sím-
flores, sementes, etc.); bolo num espaço protegido» (Biermann, 1973, p.
- Meios de transporte (carros, motas, bicicle- 484).
tas, combóios, aviões, barcos, estações de O procedimento é, nesta técnica, constituído
abastecimento, garagens, etc.); por dois momentos: um primeiro, que consiste
- Símbolos de guerra (soldados, armas, veí- na construção de um cenário na areia e um se-
culos militares, cowboys, índios, etc.); gundo, em que ocorre a elaboração de uma his-
- Habitações (pontes, cavernas, grutas, casas, tória. No que diz respeito ao primeiro momento,
moínhos, igrejas, escolas, instituições e es- o paciente é apenas encorajado a criar uma qual-
tabelecimentos); quer cena, sem que lhe sejam dadas instruções
- Figuras humanas (de várias idades, ambos específicas. Ao longo do processo, o paciente
os sexos, diferentes profissões e raças e pode falar ou ficar em silêncio. A forma como
tudo o necessário para representar diferen- utiliza o material pode variar podendo construir
tes mentalidades e estatutos sociais); um cenário com ou sem objectos (apenas traços
- Figuras da fantasia (fadas, bruxas, mons- e formas na areia). Depois da construção, o indi-
tros, gigantes, anões, figuras dos contos de víduo pode explicar qual a história que está a
fadas, etc.); construir ou qual o significado das figuras que
- Figuras de contéudo sagrado (figuras mito- escolhe.
lógicas, cristos, budas, etc.); Durante este processo, o terapeuta senta-se a
- Objectos vários (decorativos, ferramentas, pouca distância para que possa acompanhar
sinais de trânsito, objectos geométricos visualmente o paciente e o conteúdo da caixa de
234
areia. O terapeuta vai observando as reacções e o - Os pacientes tensos e introvertidos com
comportamento do paciente, construíndo simul- dificuldade em verbalizar relaxam ao con-
taneamente uma atmosfera de confiança e de seguirem expressar-se. Pacientes histéricos
compreensão do problema, sem que seja neces- ou hiperactivos acalmam porque «tocam» a
sário a explicitação do mesmo. Tal é possível realidade concreta. Os pacientes que racio-
devido à interpretação que o terapeuta vai fazen- nalizam ou intelectualizam integram mais
do, para si mesmo, dos símbolos apresentados no facilmente a emoção pois, sem o conscien-
desenho de areia. O terapeuta pode partilhar a cializar, expressam os seus sentimentos
interpretação que fez do símbolo desde que este deslocando-os para as figuras que escolhem
esteja relacionado com o momento de vida do e para os cenários que constroem.
paciente (interno ou externo) e que seja compre- - Os pacientes dispersos e intuitivos benefi-
ensível para o mesmo. Se isto não acontecer, es- ciam de um processo concreto que os liga à
sa partilha é adiada até ao momento em que o realidade e os leva a utilizar funções mais
paciente apresente uma certa estabilidade do racionais.
ego. - As crianças emocionalmente perturbadas e
Depois da cena construída e terminada, o tera- com comportamento desadequado, perseve-
peuta pode pedir ao paciente que conte a história ram num tema conflituoso, por vezes du-
ou fazer-lhe perguntas relevantes sobre os rante meses a fio, até que uma saída é en-
elementos apresentados, de forma a que a visão contrada e revelada através da alteração es-
exterior da cena torne mais claro o problema in- pontânea do tema nos desenhos de areia, al-
terior: «os detalhes e a composição do desenho teração esta acompanhada por uma adapta-
dão ao terapeuta a indicação do caminho a se- ção familiar e social.
guir no tratamento» (Kalf, 1980, p. 32). Qualquer problemática individual torna-se
O desenho de areia nunca é desfeito na pre- óbvia mediante a perseveração ou ênfase num
sença do paciente. Após a sessão, e já sem a sua tema ou figura, indicando conflitos, bloqueios ou
presença, o terapeuta tira uma fotografia ou faz complexos não verbalizados nem conscienciali-
um esquema do que foi representado. No final de zados.
uma sequência de desenhos de areia, estando o
ego do paciente suficientemente forte para inte- 3.6. A evolução dos desenhos de areia
grar os conteúdos inconscientes representados,
terapeuta e paciente revêem, através de fotogra- O progresso global dos desenhos de areia é
fias ou de desenhos, a evolução das diversas his- acompanhado pela evolução da forma, cor e
tórias. Nesse momento, podem ser então parti- imaginação. A descrição verbal torna-se também
lhadas um maior número de explicações e de mais aprofundada. O desenho inicial, à seme-
interpretações. lhança dos sonhos iniciais de uma análise, é,
Na opinião de Weinrib (1983), a passagem em com frequência, muito projectivo, facultando
retrospectiva de fotos ou de esquemas dos informações úteis sobre os problemas dos
desenhos de areia, ajuda a tornar mais concreta a indivíduos e a sua eventual resolução. Com o de-
experiência com o inconsciente. Reitera e refor- correr do processo terapêutico, vão aparecendo
ça a mudança e também o ego do paciente. os vários conteúdos inconscientes que é necessá-
rio ir integrando ao nível consciente. Esta in-
3.5. Indicações terapêuticas tegração inicia-se logo que o indivíduo dá uma
expressão simbólica a estes conteúdos (isto é, os
Em termos globais, a caixa de areia é indica- concretiza de alguma forma através da escolha
da nos casos em que a manifestação do self não selectiva de miniaturas e da construção de for-
se pôde concretizar por falta da necessária pro- mas na areia) e os une a outros mais ou menos
tecção materna ou por perturbação grave nas pri- conscientes, no interior de um mesmo espaço. A
meiras fases do desenvolvimento infantil, daí primeira fase deste processo é não-interpretativa
resultando um ego frágil ou neurótico (Kalff, mas, posteriormente, o trabalho de observação e
1980). análise da sequência de desenhos realizados
Eis algumas indicações concretas: completa a integração pretendida.
235
Os símbolos escolhidos para construir um rente ao inconsciente individual do paciente –
desenho de areia têm o seu significado próprio e quer colectivo ou universal (evidenciado nos
prestam-se também a uma análise mais geral em contos, mitos e folclore). Mais importante ainda
função da relação que mantém entre si e também do que a interpretação expecífica de determinado
do cenário global. símbolo, é a relação que se estabelece entre
As alterações da forma dos desenhos revelam analista e paciente. Não obstante, realçam tam-
os movimentos inconscientes e os cenários e te- bém que a importância reside no processo e no
mas imaginados vão sofrendo modificações ao seu efeito sobre o indivíduo, independentemente
longo do processo. da idade, problema ou grau de inteligência, edu-
O primeiro indício de conflito interior é, em cação e experiência. É fundamental que o indi-
geral, traduzido simbolicamente por temas onde víduo conceba, realize e complete um conceito
predomina o caos ou a agressão. As expressões seu (Weinrib, 1983).
de guerra, as matanças e a destruição de-
monstram a insatisfação dos indivíduos – sobre-
tudo das crianças – e a sua rebelião em relação à 4. UTILIDADE DA CAIXA DE AREIA
sua vida actual. Os índios, cowboys, exércitos
representam sentimentos destrutivos e agressi- A caixa de areia permite ao paciente entrar
vos, temas de oposição e ainda o confonto entre em contacto com as suas emoções e fantasias em
o «Bem» e o «Mal». Os vulcões são um sinal de vez de as reprimir. Oferece também a oportuni-
actividade interna, de que algo está a ser «cozi- dade de agir, de forma segura, um impulso inter-
nhado» e pode aquecer e explodir. A vegetação no mesmo que este represente necessidades con-
representa a emergência de um comportamento sideradas conscientemente como inaceitáveis,
já mais adaptado embora ainda sujeito a regres- como no caso das cenas de destruição. Funciona
sões. A água – nas suas mais diversas formas sobretudo como um espaço que contém e viabi-
como os oceanos, lagos, riachos, entre outras – liza a transformação das pulsões expressas.
indica a libertação de energia e o desbloqueio de A experiência da caixa de areia permite dar
emoções. Os animais representam diferentes expressão física a uma imagem interna, criando
níveis de consciência (consoante sejam mais ou uma situação em que duas realidades suposta-
menos selvagens ou domésticos, isto é, mais ou mente «opostas» e frequentemente dissociadas
menos afastados do ego) e diferentes conteúdos se reúnem dando origem a uma terceira. Esta
a integrar. As barragens, túneis, montes e gru- reunião de opostos liberta energia psíquica ou
tas indicam que existe uma recolha de energia. líbido que fica assim disponível para ser recon-
As pontes são sinal de integração. As casas, duzida e investida de forma criativa.
escolas, igrejas, quintas, estradas, caminhos A transposição de um conteúdo interno para
de ferro, barcos, aviões e aeroportos indicam o uma forma externa concreta, transforma o refe-
potencial construtivo do ser humano e como es- rido conteúdo numa realidade externa e esta úl-
tá a ser utilizado. As figuras humanas revelam tima numa ponte para o mundo (Bradway, 1985).
diferentes facetas da própria personalidade (mais A caixa de areia funciona como essa ponte para
ou menos «estrangeiras»). o mundo, como mediadora de opostos o que, no
Desde o desenho inicial e à medida que o pro- entender de autores como Jung, Von Franz,
cesso de caixa de areia evolui, os indivíduos vão Kalff, Neumann e Edinger conduz à função
introduzindo diferentes motivos como a vegeta- transcendente3. Devido a esta sua característica,
ção, as árvores, os animais, os lagos, as pontes e
as famílias, chegando à construção de histórias e
cenários mais humanizados. Toda esta evolução
3
indica que as necessidades interiores estão a ser De acordo com Neumann (1954) «a função trans-
descobertas e que podem ser reconhecidas. cendente engloba os elementos criativos na psique que
podem ultrapassar uma situação de conflito não
Os analistas junguianos consideram importan- solúvel pela mente [...] novo modo [...] através do
te que o terapeuta que utiliza a caixa de areia qual a criatividade da psique inconsciente e a possi-
possua um vasto conhecimento dos símbolos e bilidade da mente já não funcionam como dois siste-
reconheça o seu significado quer pessoal - refe- mas opostos, dissociados um do outro mas alcançam
236
a caixa de areia é também considerada como um 5. CONCLUSÃO
objecto transicional no sentido dado por
Winnicott: «uma área intermédia de experiência A caixa de areia pode ser considerada simul-
para a qual contribuem quer a realidade interna taneamente como uma técnica projectiva e como
quer a vida exterior» (Weinrib, 1983, p. 51). A uma metodologia terapêutica.
caixa de areia permite, entre outros, a união dos Enquanto técnica projectiva permite o acesso
seguintes aspectos: dimensão horizontal e a conteúdos de grande riqueza. A ausência da
vertical, dimensão visível e invisível, mistério e necessidade de uma verbalização muito sistema-
realidade concreta, pulsão interna e realidade ex- tizada – geralmente fundamental em outras
terna, mente e corpo, inconsciente e consciente. técnicas projectivas – parece constituir uma
A caixa de areia é simultaneamente um pro- grande vantagem. O indivíduo, independente-
cesso lúdico, simbólico e meditativo e recria nos mente da idade, colabora com facilidade na cria-
indivíduos a capacidade de brincar, imaginar e ção de um cenário bastante revelador do seu pró-
fantasiar, actividades necessárias não só à vida prio mundo interno. A caixa de areia enquanto
das crianças como dos adultos. Esta situação instrumento projectivo revela grande utilidade ao
permite a libertação de tensão, a prática de novas ser administrado no conjunto da bateria de testes
aquisições, ensaios de adaptação à realidade e o que compõem uma avaliação psicológica. Numa
crescimento em geral. Os indivíduos aprendem a psicoterapia infantil, é frequentemente escolhida
enfrentar situações novas, a juntar a fantasia à pelas crianças como meio preferencial de expres-
realidade (e também a distingui-las), a construir são. No acompanhamento de adolescentes e
adultos, a utilização pontual da caixa de areia
um ego sólido e a dissolver os acontecimentos
pode revelar-se útil para desbloquear um impas-
traumáticos e assustadores, reproduzindo-os
se terapêutico ou verbalizar emoções não expres-
através de disfarces inofensivos. Ajuda a mini-
sas.
mizar (em casos de ansiedade), ou a construir
Enquanto metodologia terapêutica desenvol-
(em casos de «acting-out»), o superego. A caixa
vida sob inspiração junguiana, a caixa de areia
de areia coloca os indivíduos em contacto com
apresenta a vantagem de se prestar a uma grande
as suas emoções mais profundas e inconscientes
plasticidade interpretativa. Com efeito, os cená-
e também com um sentimento próprio de auten-
rios a que dá origem podem ser trabalhados de
ticidade a que Winnicott chamaria verdadeiro
acordo com a orientação teórica que sustenta o
self e Jung apenas self.
trabalho interpretativo do terapeuta.
A caixa de areia é um excelente meio de au-
to-descoberta. A projecção que os indivíduos fa-
zem na areia é mais profunda do que qualquer REFERÊNCIAS
tentativa de verbalização. O cenário interno que
transpõem para a areia revela os seus problemas, Balint, M. (1977). Le défaut fondamental. Aspects thé-
defesas, desejos e potencialidades. A caixa de rapeutiques de la regression. Paris: Petite Biblio-
areia promove assim a integração de conteúdos thèque Payot.
inconscientes ao nível da consciência e a resolu- Biermann, G. (1973). Tratado de psicoterapia infantil I.
Barcelona: Editorial Espaxs.
ção de problemas. Ao favorecer uma ligação di- Bradway, K. (1985). Sandplay bridges and the trancen-
nâmica entre o inconsciente e a consciência, es- dent function. San Francisco: C. G. Jung Institute.
ta técnica/método ajuda a restabelecer a totali- Kalff, D. (1980). Sandplay, A psychotherapeutic
dade psíquica do indivíduo, indispensável ao seu approach to the psyche. Santa Monica: Sigo Press.
bom funcionamento. Reed, J. (1975). Sand magic. Experience in miniature:
A non-verbal Therapy for Children. Albuquerque:
J P R Publishers.
Reed, J. (1980). Emergence. Essays on the process of
uma síntese. Esta síntese é frequentemente acompa- individuation through Sand Tray Therapy, art
nhada por símbolos de uma união de opostos como p. forms and dreams. Albuquerque: P P R Publishers.
ex., a água e o fogo e imagens femininas e mascu- Sharp, D. (1991). Léxico Junguiano. Dicionário de
linas» (Weinrib, 1983, p. 164). termos e conceitos. S. Paulo: Editora Cultrix.
237
Weinrib, E. (1983). Images of the Self, The Sandplay Palavras-chave: Jung, Caixa de areia, Técnica Pro-
Therapy Process. Boston: Sigo Press. jectiva.
Winnicott, C. et al. (1994). Explorações psicanalíticas:
D. W. Winnicott. Porto Alegre: Artes Médicas.
Winnicott, D. (1975). Jeu et realité – L’espace poten-
ciel. Paris: Éditions Gallimard. ABSTRACT
ANEXO
FIGURA 1
Caixa inicial – «O caos»
(Exemplo da primeira caixa de areia)
238
FIGURA 2
Caixa de areia – «A guerra»
(Exemplo de conflito)
FIGURA 3
Caixa de areia – «A ilha»
(Exemplo de centração)
239
FIGURA 4
240
FIGURA 5
241