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Análise Psicológica (1998), 2 (XVI): 231-241

A Caixa de Areia: Técnica projectiva e


método terapêutico

MARIA DO CARMO CORDEIRO CRUZ (*)


MARIA TERESA FIALHO (*)

1. INTRODUÇÃO mas um pouco por todo o mundo onde treinou


inúmeros terapeutas. Hoje em dia, trata-se de
O objectivo deste artigo é fazer a apresentação uma técnica que experimenta uma crescente di-
da técnica projectiva – e simultaneamente mé- vulgação e que justifica um assinalável esforço
todo terapêutico – consagrada na literatura como de investigação com inúmeros artigos e livros
Caixa de Areia. A estrutura da exposição com- publicados.
porta três pontos principais: enquadramento teó- Para Kalf (1980) «o self orienta o processo de
rico, caracterização da técnica e do método, uti- desenvolvimento psíquico desde a altura do
lidade do instrumento. nascimento» (p. 23) e manifesta-se, pela primei-
ra vez, por volta dos dois ou três anos de idade,
através de símbolos de totalidade1. Esta possibi-
2. ENQUADRAMENTO lidade de manifestação do self do indivíduo de-
pende de condições ambientais específicas e no-
A caixa de areia constitui um ramo da ludo- meadamente da qualidade da sua primeira rela-
terapia e consiste numa adaptação do Teste do ção objectal.
Mundo (The World Test) de Margaret Lowenfeld. Weinrib (1983), descreve as principais fases
O referido teste foi inicialmente utilizado pela do desenvolvimento psíquico, segundo as formu-
autora em 1928 no Institute of Child Psychology lações de C. G. Jung e Erich Neumann (p. 25):
em Inglaterra, para estudar a comunicação não- - Primeira fase, fase da unidade mãe-crian-
verbal das crianças. Mais tarde, em 1943, foi ça, em que a criança experimenta uma se-
melhorado por Charlotte Buhler em Nova Ior- gurança incondicional devido ao amor ma-
que, e também por Harold Stone, em Los Ange- ternal;
les, para fins de diagnóstico. Dora Kalff, analista - Segunda fase (com início aos 12 meses de
junguiana suiça desenvolveu-o ainda mais idade). A partir desta altura, o self da crian-
utilizando-o também para fins terapêuticos e in-
troduzindo a nova técnica não só em Zurique
1
«Por símbolos de totalidade entendem-se as figuras
geométricas como o círculo, o quadrado, a quadratura
(*) Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta. do círculo, a cruz, etc.» (Sharp, 1991, p. 142).

231
ça separa-se do da mãe e a criança experi- 3. CARACTERIZAÇÃO DA CAIXA DE AREIA
menta segurança e confiança na sua relação
e interação com a mãe; A caixa de areia pode ser entendida, no seu
- Terceira fase (ocorre entre o segundo e o sentido mais estrito, como uma técnica projecti-
terceiro ano de vida). Com base na confian- va e, no seu sentido mais amplo, como um mé-
ça e segurança anteriormente adquiridas, o todo de terapia não verbal (Weinrib, 1983). Esta
centro do self estabiliza-se no inconsciente última concepção é partilhada pelos analistas
da criança e começa a manifestar-se em junguianos que desenvolveram e trabalharam
símbolos de totalidade, o que implica a este método adaptando-o ao seu quadro teórico.
existência de uma ordem ou organização No entanto, de acordo com Reed (1975) «a in-
interna. A constelação do self2 é o momento terpretação [dos resultados da caixa de areia]
mais importante da construção da persona- varia consoante a corrente em que se acredita,
lidade e assegura o seu desenvolvimento quer se trate da junguiana, freudiana, adleriana,
saudável. rogeriana, quer das suas derivações mais mo-
dernas» (p. 28).
No caso de um ego frágil, o self não teve Neste ponto serão focados os seguintes as-
oportunidade de se constelar, sendo esse o pectos:
objectivo da caixa de areia enquanto método te-
rapêutico. Segundo Kalff (1980), «isto é possível 3.1. A caixa de areia enquanto método tera-
porque a natureza da relação psicoterapêutica pêutico
corresponde à tendência natural da psique para 3.2. Estadios de desenvolvimento na terapia
se constelar no momento em que é criado um da caixa de areia
espaço protegido e livre» (p. 29). 3.3. Material
Ao promover a regressão terapêutica do 3.4. Postura e procedimento
paciente até à primeira fase do desenvolvimento 3.5. Indicações terapêuticas
psíquico, o analista pretende proporcionar a ex- 3.6. A evolução dos desenhos de areia
periência de uma relação de segurança incon-
dicional, reconstituindo a unidade perdida, o 3.1. A caixa de areia enquanto método tera-
que permitirá posteriormente a emergência do pêutico
self como factor organizador da psique. Esta
emergência manifesta-se simbolicamente nos Encontra fundamentação no postulado de que
desenhos de areia através dos símbolos de tota- a psique possui uma função auto-curativa que
lidade, o que permite ao analista acompanhar a funciona desde que sejam asseguradas determi-
evolução do paciente e, a partir daí, canalizar a nadas condições ao nível do setting e da relação
sua energia para actividades criativas. transferencial. A própria natureza do processo
terapêutico, essencialmente simbólica, contribui
de forma determinante para esta função auto-cu-
rativa.
2
«Por constelar entende-se o mesmo que activar, A cura psicológica é considerada um fenóme-
Este termo expressa o facto duma situação externa no emocional que ocorre a um nível matriarcal
desencadear um processo psíquico definido» (Sharp, de consciência (tal como descrito por Neumann,
1991, p. 48). O self é considerado o centro organiza- 1954), ou pré-verbal (de acordo com a termino-
dor e regulador da psique e responsável pelo desen- logia de Kalff, 1980), onde predomina um modo
volvimento e amadurecimento da personalidade mas
nem sempre se encontra constelado ou activado. É feminino de experiência (Weinrib, 1983). O mo-
objectivo da terapia que essa constelação ocorra e esta, do de experiência referido prende-se com uma
no processo da caixa de areia, traduz-se pela escolha compreensão não-intelectual que não pode ser
de determinadas miniaturas e também pela construção divulgada ou contada e que envolve toda a per-
de símbolos de totalidade. Segundo Kalff (1980) «um
desenvolvimento saudável do ego apenas pode ocorrer
sonalidade.
como resultado da manifestação bem sucedida do self. A caixa de areia promove uma regressão
Tal manifestação parece garantir o desenvolvimento e temporária que se encontra ao serviço da reno-
consolidação da personalidade» (p. 29). vação psicológica e do renascimento simbólico.

232
Uma regressão à primeira etapa do desenvolvi- que permite uma observação mais concreta
mento psicológico humano (fase da unidade dos conteúdos recalcados – qualidades «ne-
mãe-criança) em que é suposto o indivíduo ex- gativas» e «positivas» não assumidos por
perimentar um ambiente de segurança incondi- parecerem inaceitáveis à consciência – e
cional, indispensável ao desenvolvimento de um que pedem integração na personalidade to-
ego saudável. Esta abordagem assemelha-se à tal;
proposta por Winnicott (1975) que refere a ne- 3) Resolução parcial de um complexo major;
cessidade de, em certos casos, o analista propor- 4) Início da discriminação entre opostos
cionar ao paciente um ambiente semelhante ao (emergência de pares opostos como figuras
da preocupação maternal primária e aproxima- masculinas e femininas, cores como o preto
se também, em parte, daquela de Balint (1977) e o branco, o sol e a lua , a água e o fogo, o
quando este defende a necessidade de uma re- dia e a noite, continentes diferentes, esta-
gressão terapêutica ao nível do amor primário a ções do ano, estados de espírito das figuras,
fim de originar um new begining. etc.);
Os autores que se têm dedicado ao estudo da 5) Centração e constelação do self – apareci-
caixa de areia destacam sobretudo a importância mento de figuras geométricas como o qua-
de criar um ambiente de aceitação incondicional drado, o círculo e a cruz;
que fomente a descoberta da espontaneidade e 6) Emergência de um novo ego – muitas ve-
consequentemente do ser ou self de cada indiví- zes representado por um «recém-nascido» -
duo. A ênfase é colocada na relação e na postura uma nova atitude;
empática do analista, sendo a interpretação 7) Emergência dos aspectos contrassexuais
adiada. Só após o trabalho de (re)construção do da personalidade: a anima como a personi-
sentido de identidade do indivíduo, que se dá ficação psíquica do Princípio do Feminino
durante o processo terapêutico, haverá lugar pa- no homem (Eros ou a capacidade de rela-
ra a interpretação dos desenhos de areia. ção e amor) e o animus como a personifi-
O símbolo é utilizado como um instrumento cação psíquica do Princípio do Masculino
terapêutico e considerado um agente curativo na mulher (Logos ou a capacidade de pen-
porque reconcilia realidades opostas que geral- sar logicamente e tomar consciência);
mente se encontram dissociadas. Ao fazê-lo, 8) Relativização do ego em relação ao trans-
viabiliza a capacidade de suportar a tensão entre pessoal;
opostos e de tolerar o conflito até que este possa 9) Passagem do nível de consciência matriar-
ser ultrapassado. Esta capacidade gera novas cal para o patriarcal, mais diferenciado, e
atitudes, perspectivas, soluções e o processo que dá origem a um ego mais independente
criativo em geral. O ser humano poderá, então, e adaptado, em relação com o self e tam-
viver de forma mais livre, consciente e criativa bém com a realidade que o rodeia.
(Weinrib, 1983).
3.3. Material
3.2. Estadios de desenvolvimento na terapia O material é constituído por duas caixas de
da caixa de areia areia e várias miniaturas.
A partir de estudos efectuados (Reed, 1975, A sala de trabalho com a caixa de areia deve
1980; Kalff, 1980; Weinrib, 1983; Bradway, constituir um local alegre, bem iluminado e
1985), é possível antecipar e descrever os vários confortável.
São necessárias duas caixas com as dimensões
estadios de desenvolvimento que ocorrem duran-
de 57cm x 72cm x 7cm. Forram-se os fundos das
te o processo terapêutico da caixa de areia. São
caixas com papel plastificado azul claro ou tur-
os seguintes:
quesa simulando o fundo do mar e de modo a
1) Cena inicial realista que permite formular permitir o uso e contenção de água no fundo do
hipóteses quanto à natureza do problema tabuleiro. Uma das caixas deverá conter areia
em causa e sua eventual resolução; seca e a outra areia molhada. A textura da areia
2) Acesso ao inconsciente pessoal (sombra), molhada deverá ser maleável e moldável embo-

233
ra os indivíduos possam, depois, modificar essa berlindes, cubos e triângulos de construção,
composição se assim o desejarem. etc.).
A dimensão da caixa permite propositadamen-
Convém ainda que se disponha de plasticina
te que o seu utilizador capte, de um só olhar, o
para a modelação de objectos e figuras desejadas
espaço livre de construção e, mais tarde, o cená- e que não se encontrem representadas pelas mi-
rio global construído. A altura da caixa de areia niaturas expostas.
em relação ao chão pode variar consoante a ida- A partir do material disponível, as crianças e
de e altura dos indivíduos, sendo conveniente adultos escolhem os objectos que mais os atraem
dispôr as caixas sobre mesas com pequenas e constroem uma cena significativa e igualmente
rodas, de forma a poder regular-se as alturas pre- consonante com o cenário do seu mundo interno.
tendidas e possibilitando também a sua desloca-
ção.
3.4. Postura e procedimento
O material é constituído não só pelas caixas
de areia mas também por miniaturas indispen- A postura do terapeuta, assim como as instru-
sáveis à construção das histórias e cenários na ções dadas para a realização da caixa de areia
areia. aplicam-se, de igual modo, a crianças e adultos.
As miniaturas devem ser colocadas em estan- Na terapia da caixa de areia, a existência de
tes ou prateleiras de modo a que sejam acessíveis uma relação transferencial positiva básica é in-
quer visual quer manualmente. dispensável para o desenvolvimento do processo
Os objectos expostos devem ser de boa quali- terapêutico mas nunca é revelada nem interpre-
dade para motivar e estimular a criatividade dos tada. O terapeuta dá ao paciente a possibilidade
indivíduos e o seu sentido estético. Devem tam- de experimentar um «espaço livre e protegido»
bém ser muito variados de modo a representar (Weinrib, 1983, p. 27). «Livre» porque o pacien-
várias situações possíveis desde a realidade à te tem liberdade para expressar o que entender e
ficção. Eis alguns exemplos: «protegido» devido à própria atmosfera da situa-
ção terapêutica, que se baseia numa aceitação in-
- Animais (pré-históricos, selvagens, domés-
condicional da subjectividade do paciente sem a
ticos, insectos, etc.);
interferência de confrontações, intelectualizações
- Elementos da natureza (flora de terra e
ou interpretações. O factor terapêutico subjacen-
mar, conchas, pedras, paus, pinhas, árvores, te a este método baseia-se na «vivência do sím-
flores, sementes, etc.); bolo num espaço protegido» (Biermann, 1973, p.
- Meios de transporte (carros, motas, bicicle- 484).
tas, combóios, aviões, barcos, estações de O procedimento é, nesta técnica, constituído
abastecimento, garagens, etc.); por dois momentos: um primeiro, que consiste
- Símbolos de guerra (soldados, armas, veí- na construção de um cenário na areia e um se-
culos militares, cowboys, índios, etc.); gundo, em que ocorre a elaboração de uma his-
- Habitações (pontes, cavernas, grutas, casas, tória. No que diz respeito ao primeiro momento,
moínhos, igrejas, escolas, instituições e es- o paciente é apenas encorajado a criar uma qual-
tabelecimentos); quer cena, sem que lhe sejam dadas instruções
- Figuras humanas (de várias idades, ambos específicas. Ao longo do processo, o paciente
os sexos, diferentes profissões e raças e pode falar ou ficar em silêncio. A forma como
tudo o necessário para representar diferen- utiliza o material pode variar podendo construir
tes mentalidades e estatutos sociais); um cenário com ou sem objectos (apenas traços
- Figuras da fantasia (fadas, bruxas, mons- e formas na areia). Depois da construção, o indi-
tros, gigantes, anões, figuras dos contos de víduo pode explicar qual a história que está a
fadas, etc.); construir ou qual o significado das figuras que
- Figuras de contéudo sagrado (figuras mito- escolhe.
lógicas, cristos, budas, etc.); Durante este processo, o terapeuta senta-se a
- Objectos vários (decorativos, ferramentas, pouca distância para que possa acompanhar
sinais de trânsito, objectos geométricos visualmente o paciente e o conteúdo da caixa de

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areia. O terapeuta vai observando as reacções e o - Os pacientes tensos e introvertidos com
comportamento do paciente, construíndo simul- dificuldade em verbalizar relaxam ao con-
taneamente uma atmosfera de confiança e de seguirem expressar-se. Pacientes histéricos
compreensão do problema, sem que seja neces- ou hiperactivos acalmam porque «tocam» a
sário a explicitação do mesmo. Tal é possível realidade concreta. Os pacientes que racio-
devido à interpretação que o terapeuta vai fazen- nalizam ou intelectualizam integram mais
do, para si mesmo, dos símbolos apresentados no facilmente a emoção pois, sem o conscien-
desenho de areia. O terapeuta pode partilhar a cializar, expressam os seus sentimentos
interpretação que fez do símbolo desde que este deslocando-os para as figuras que escolhem
esteja relacionado com o momento de vida do e para os cenários que constroem.
paciente (interno ou externo) e que seja compre- - Os pacientes dispersos e intuitivos benefi-
ensível para o mesmo. Se isto não acontecer, es- ciam de um processo concreto que os liga à
sa partilha é adiada até ao momento em que o realidade e os leva a utilizar funções mais
paciente apresente uma certa estabilidade do racionais.
ego. - As crianças emocionalmente perturbadas e
Depois da cena construída e terminada, o tera- com comportamento desadequado, perseve-
peuta pode pedir ao paciente que conte a história ram num tema conflituoso, por vezes du-
ou fazer-lhe perguntas relevantes sobre os rante meses a fio, até que uma saída é en-
elementos apresentados, de forma a que a visão contrada e revelada através da alteração es-
exterior da cena torne mais claro o problema in- pontânea do tema nos desenhos de areia, al-
terior: «os detalhes e a composição do desenho teração esta acompanhada por uma adapta-
dão ao terapeuta a indicação do caminho a se- ção familiar e social.
guir no tratamento» (Kalf, 1980, p. 32). Qualquer problemática individual torna-se
O desenho de areia nunca é desfeito na pre- óbvia mediante a perseveração ou ênfase num
sença do paciente. Após a sessão, e já sem a sua tema ou figura, indicando conflitos, bloqueios ou
presença, o terapeuta tira uma fotografia ou faz complexos não verbalizados nem conscienciali-
um esquema do que foi representado. No final de zados.
uma sequência de desenhos de areia, estando o
ego do paciente suficientemente forte para inte- 3.6. A evolução dos desenhos de areia
grar os conteúdos inconscientes representados,
terapeuta e paciente revêem, através de fotogra- O progresso global dos desenhos de areia é
fias ou de desenhos, a evolução das diversas his- acompanhado pela evolução da forma, cor e
tórias. Nesse momento, podem ser então parti- imaginação. A descrição verbal torna-se também
lhadas um maior número de explicações e de mais aprofundada. O desenho inicial, à seme-
interpretações. lhança dos sonhos iniciais de uma análise, é,
Na opinião de Weinrib (1983), a passagem em com frequência, muito projectivo, facultando
retrospectiva de fotos ou de esquemas dos informações úteis sobre os problemas dos
desenhos de areia, ajuda a tornar mais concreta a indivíduos e a sua eventual resolução. Com o de-
experiência com o inconsciente. Reitera e refor- correr do processo terapêutico, vão aparecendo
ça a mudança e também o ego do paciente. os vários conteúdos inconscientes que é necessá-
rio ir integrando ao nível consciente. Esta in-
3.5. Indicações terapêuticas tegração inicia-se logo que o indivíduo dá uma
expressão simbólica a estes conteúdos (isto é, os
Em termos globais, a caixa de areia é indica- concretiza de alguma forma através da escolha
da nos casos em que a manifestação do self não selectiva de miniaturas e da construção de for-
se pôde concretizar por falta da necessária pro- mas na areia) e os une a outros mais ou menos
tecção materna ou por perturbação grave nas pri- conscientes, no interior de um mesmo espaço. A
meiras fases do desenvolvimento infantil, daí primeira fase deste processo é não-interpretativa
resultando um ego frágil ou neurótico (Kalff, mas, posteriormente, o trabalho de observação e
1980). análise da sequência de desenhos realizados
Eis algumas indicações concretas: completa a integração pretendida.

235
Os símbolos escolhidos para construir um rente ao inconsciente individual do paciente –
desenho de areia têm o seu significado próprio e quer colectivo ou universal (evidenciado nos
prestam-se também a uma análise mais geral em contos, mitos e folclore). Mais importante ainda
função da relação que mantém entre si e também do que a interpretação expecífica de determinado
do cenário global. símbolo, é a relação que se estabelece entre
As alterações da forma dos desenhos revelam analista e paciente. Não obstante, realçam tam-
os movimentos inconscientes e os cenários e te- bém que a importância reside no processo e no
mas imaginados vão sofrendo modificações ao seu efeito sobre o indivíduo, independentemente
longo do processo. da idade, problema ou grau de inteligência, edu-
O primeiro indício de conflito interior é, em cação e experiência. É fundamental que o indi-
geral, traduzido simbolicamente por temas onde víduo conceba, realize e complete um conceito
predomina o caos ou a agressão. As expressões seu (Weinrib, 1983).
de guerra, as matanças e a destruição de-
monstram a insatisfação dos indivíduos – sobre-
tudo das crianças – e a sua rebelião em relação à 4. UTILIDADE DA CAIXA DE AREIA
sua vida actual. Os índios, cowboys, exércitos
representam sentimentos destrutivos e agressi- A caixa de areia permite ao paciente entrar
vos, temas de oposição e ainda o confonto entre em contacto com as suas emoções e fantasias em
o «Bem» e o «Mal». Os vulcões são um sinal de vez de as reprimir. Oferece também a oportuni-
actividade interna, de que algo está a ser «cozi- dade de agir, de forma segura, um impulso inter-
nhado» e pode aquecer e explodir. A vegetação no mesmo que este represente necessidades con-
representa a emergência de um comportamento sideradas conscientemente como inaceitáveis,
já mais adaptado embora ainda sujeito a regres- como no caso das cenas de destruição. Funciona
sões. A água – nas suas mais diversas formas sobretudo como um espaço que contém e viabi-
como os oceanos, lagos, riachos, entre outras – liza a transformação das pulsões expressas.
indica a libertação de energia e o desbloqueio de A experiência da caixa de areia permite dar
emoções. Os animais representam diferentes expressão física a uma imagem interna, criando
níveis de consciência (consoante sejam mais ou uma situação em que duas realidades suposta-
menos selvagens ou domésticos, isto é, mais ou mente «opostas» e frequentemente dissociadas
menos afastados do ego) e diferentes conteúdos se reúnem dando origem a uma terceira. Esta
a integrar. As barragens, túneis, montes e gru- reunião de opostos liberta energia psíquica ou
tas indicam que existe uma recolha de energia. líbido que fica assim disponível para ser recon-
As pontes são sinal de integração. As casas, duzida e investida de forma criativa.
escolas, igrejas, quintas, estradas, caminhos A transposição de um conteúdo interno para
de ferro, barcos, aviões e aeroportos indicam o uma forma externa concreta, transforma o refe-
potencial construtivo do ser humano e como es- rido conteúdo numa realidade externa e esta úl-
tá a ser utilizado. As figuras humanas revelam tima numa ponte para o mundo (Bradway, 1985).
diferentes facetas da própria personalidade (mais A caixa de areia funciona como essa ponte para
ou menos «estrangeiras»). o mundo, como mediadora de opostos o que, no
Desde o desenho inicial e à medida que o pro- entender de autores como Jung, Von Franz,
cesso de caixa de areia evolui, os indivíduos vão Kalff, Neumann e Edinger conduz à função
introduzindo diferentes motivos como a vegeta- transcendente3. Devido a esta sua característica,
ção, as árvores, os animais, os lagos, as pontes e
as famílias, chegando à construção de histórias e
cenários mais humanizados. Toda esta evolução
3
indica que as necessidades interiores estão a ser De acordo com Neumann (1954) «a função trans-
descobertas e que podem ser reconhecidas. cendente engloba os elementos criativos na psique que
podem ultrapassar uma situação de conflito não
Os analistas junguianos consideram importan- solúvel pela mente [...] novo modo [...] através do
te que o terapeuta que utiliza a caixa de areia qual a criatividade da psique inconsciente e a possi-
possua um vasto conhecimento dos símbolos e bilidade da mente já não funcionam como dois siste-
reconheça o seu significado quer pessoal - refe- mas opostos, dissociados um do outro mas alcançam

236
a caixa de areia é também considerada como um 5. CONCLUSÃO
objecto transicional no sentido dado por
Winnicott: «uma área intermédia de experiência A caixa de areia pode ser considerada simul-
para a qual contribuem quer a realidade interna taneamente como uma técnica projectiva e como
quer a vida exterior» (Weinrib, 1983, p. 51). A uma metodologia terapêutica.
caixa de areia permite, entre outros, a união dos Enquanto técnica projectiva permite o acesso
seguintes aspectos: dimensão horizontal e a conteúdos de grande riqueza. A ausência da
vertical, dimensão visível e invisível, mistério e necessidade de uma verbalização muito sistema-
realidade concreta, pulsão interna e realidade ex- tizada – geralmente fundamental em outras
terna, mente e corpo, inconsciente e consciente. técnicas projectivas – parece constituir uma
A caixa de areia é simultaneamente um pro- grande vantagem. O indivíduo, independente-
cesso lúdico, simbólico e meditativo e recria nos mente da idade, colabora com facilidade na cria-
indivíduos a capacidade de brincar, imaginar e ção de um cenário bastante revelador do seu pró-
fantasiar, actividades necessárias não só à vida prio mundo interno. A caixa de areia enquanto
das crianças como dos adultos. Esta situação instrumento projectivo revela grande utilidade ao
permite a libertação de tensão, a prática de novas ser administrado no conjunto da bateria de testes
aquisições, ensaios de adaptação à realidade e o que compõem uma avaliação psicológica. Numa
crescimento em geral. Os indivíduos aprendem a psicoterapia infantil, é frequentemente escolhida
enfrentar situações novas, a juntar a fantasia à pelas crianças como meio preferencial de expres-
realidade (e também a distingui-las), a construir são. No acompanhamento de adolescentes e
adultos, a utilização pontual da caixa de areia
um ego sólido e a dissolver os acontecimentos
pode revelar-se útil para desbloquear um impas-
traumáticos e assustadores, reproduzindo-os
se terapêutico ou verbalizar emoções não expres-
através de disfarces inofensivos. Ajuda a mini-
sas.
mizar (em casos de ansiedade), ou a construir
Enquanto metodologia terapêutica desenvol-
(em casos de «acting-out»), o superego. A caixa
vida sob inspiração junguiana, a caixa de areia
de areia coloca os indivíduos em contacto com
apresenta a vantagem de se prestar a uma grande
as suas emoções mais profundas e inconscientes
plasticidade interpretativa. Com efeito, os cená-
e também com um sentimento próprio de auten-
rios a que dá origem podem ser trabalhados de
ticidade a que Winnicott chamaria verdadeiro
acordo com a orientação teórica que sustenta o
self e Jung apenas self.
trabalho interpretativo do terapeuta.
A caixa de areia é um excelente meio de au-
to-descoberta. A projecção que os indivíduos fa-
zem na areia é mais profunda do que qualquer REFERÊNCIAS
tentativa de verbalização. O cenário interno que
transpõem para a areia revela os seus problemas, Balint, M. (1977). Le défaut fondamental. Aspects thé-
defesas, desejos e potencialidades. A caixa de rapeutiques de la regression. Paris: Petite Biblio-
areia promove assim a integração de conteúdos thèque Payot.
inconscientes ao nível da consciência e a resolu- Biermann, G. (1973). Tratado de psicoterapia infantil I.
Barcelona: Editorial Espaxs.
ção de problemas. Ao favorecer uma ligação di- Bradway, K. (1985). Sandplay bridges and the trancen-
nâmica entre o inconsciente e a consciência, es- dent function. San Francisco: C. G. Jung Institute.
ta técnica/método ajuda a restabelecer a totali- Kalff, D. (1980). Sandplay, A psychotherapeutic
dade psíquica do indivíduo, indispensável ao seu approach to the psyche. Santa Monica: Sigo Press.
bom funcionamento. Reed, J. (1975). Sand magic. Experience in miniature:
A non-verbal Therapy for Children. Albuquerque:
J P R Publishers.
Reed, J. (1980). Emergence. Essays on the process of
uma síntese. Esta síntese é frequentemente acompa- individuation through Sand Tray Therapy, art
nhada por símbolos de uma união de opostos como p. forms and dreams. Albuquerque: P P R Publishers.
ex., a água e o fogo e imagens femininas e mascu- Sharp, D. (1991). Léxico Junguiano. Dicionário de
linas» (Weinrib, 1983, p. 164). termos e conceitos. S. Paulo: Editora Cultrix.

237
Weinrib, E. (1983). Images of the Self, The Sandplay Palavras-chave: Jung, Caixa de areia, Técnica Pro-
Therapy Process. Boston: Sigo Press. jectiva.
Winnicott, C. et al. (1994). Explorações psicanalíticas:
D. W. Winnicott. Porto Alegre: Artes Médicas.
Winnicott, D. (1975). Jeu et realité – L’espace poten-
ciel. Paris: Éditions Gallimard. ABSTRACT

Afeter an introduction referring to the origins of the


RESUMO Sandbox Technique and the authors responsible for its
study and divulgation, the article describes the main
Após uma introdução referente às origens da phases of the psychic development according to C. G.
Técnica da Caixa de Areia e aos outros responsáveis Jung and E. Neumann – two authors whose theories
pelo seu estudo e divulgação, o presente artigo des- support the Sandbox process.
creve as principais fases do desenvolvimento psíquico Then follows the characterization of the material
de acordo com C. G. Jung e Erich Neumann – dois used and the therapeutic procedure. It is also described
autores em cujas teorias se baseia o processo descrito. the natural evolution of the Sandbox pictures and its
Segue-se a caracterização do material utilizado e o interpretation in terms of the psychological develop-
procedimento terapêutico. É também descrita a
ment of the individuals.
evolução natural dos desenhos de areia e a sua inter-
pretação em termos do desenvolvimento psicológico The article finally mentions the utility of the
do trabalho. Sandbox Technique and also the way in which diffe-
O artigo refere, por fim, a utilidade da Técnica da rent patients may benefit from this process.
Caixa de Areia e as suas indicações terapêuticas. Key words: Jung, Sand box, Projective Technique.

ANEXO

FIGURA 1
Caixa inicial – «O caos»
(Exemplo da primeira caixa de areia)

238
FIGURA 2
Caixa de areia – «A guerra»
(Exemplo de conflito)

FIGURA 3
Caixa de areia – «A ilha»
(Exemplo de centração)

239
FIGURA 4

240
FIGURA 5

241

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