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Jiirgen Habermas A MODERNIDADE: UM PROJECTO INACABADO? (*) tam bein Depois dos pintores e dos cineastas, els que se abriram“aos anqu- tectos, por sua vez, as portas da bienal de Veneza, Mas os ecos quc acolheram esta primeira bienal de arquitectura nfo passaram de uma deceprao. Aqueles que expuseram as suas obras em Veneza constituer uma vanguarda cujas frentes estio invertidas. A coberio da palavra de ordem «o presente do passado», sacrificaram a tradicao da moder- nidade, que passou a dar Iugar a um novo historicismo: «Ni&o-se-die © facto alm que a modernidade inteira se alimentou dos seus debates com 0 pas- fade ite sindp Barend igus sado, que Frank Lloyd Wright nfo seria pensével sem 0 Japio, Le Cor- Ddusier sem a antiguidade © a arguitectura mediterrdnica, Mies van der Rehe sem Schinkel e Behrensp. Com este comentario um eritico da Frankfurter Ailgemcine Zeitung d& fundamento A seguinte tese (que ultrapassa o acontecimento adquire 0 valor de um diagnéstico sobre fa época presente): «A pésmodernidade apresentase deliberadamente sob os tracos de uma antimodernidade.» Esta frase designa uma corrente afectiva que se insinuou em todos os dominios da vida intelectual € que marcow a entrada em discussio das teorias do apés-Aufklérung, da pésmodernidade, da. pés-historia, etc, isto é, numa palavra, de um novo conservadorismo. A pessoa ¢ a obra de Adomo contrastam com esta tondén Adorno dedicouse sem reservas a0 espirito da modernidads, a tal pponto que, quando se tenta distinguie a modernidade auténtica do sin- ples modernismo, ele pressente jatreacyoes afectivas que correspondem 2 alronta da modernidade, Assim, ndo vem concretizar a daspropésito que a minha gratidio para os que me concederam o prémio Adorno tome a forma de uma investigagdo acerca do que é feito hoje do estado de espirito moderno. Seré a modemnidade tio obsoleta quanto © pre- tendem os pésmodernos? Ou, pelo contrévio, no ser4 a pdsmodern- dade, proclamada por tantas vozes, uma-puee-mentiva? Nio serio «pds Apenes Apstace machetes (0) O xia que 60 segue exh nt ovigum Jo dicuso que pronurele no Pouisiveho & le Sstemro de 1650, qusado me fol euloreade 0 prémio Adorno da cdnde de Feast 5 -moderno» um slogan que permite assumir subrepticiamente a heranga das reacgdes que a modernidade cultural levantou contra si mesma desile os meados do sée. XIX? OS ANTIGOS E OS MODERNOS ‘aio € unicamente 0 caso do renascimento, que assinala pare 26s 0 infeio dos tempos modernos. blema que ele Tevanta mantém-se e continua a dividir of spt fiver ue ns mtanicrmos presos s intangdes das Lares, apesar da ‘ia desopregagio, on, pelo contrivi, havera qu renunciar 20 Projecto da modernidade e-descjar, por exemplo, que os potenciais cognitvos tq ka Jeesabocar hp presrewe Weukn, ap eqeecineate, scenic. Oia administragio.racionalizada cian GUcANdon-s tal"BOMS que felo-monoe 2 pritca wtal emetend para tradgbes tornadas cogs, Tao scla afectada por cles? Mesmo entre os figsofes que hoje formam uma espécie de rete suarda des Luzes © projecto da modernidade apresentase com forms Singularmente disperses, Nunca, dio crédito sendo a um 26 desees Tomenlos em que'a raaio se eferenciou, Popper, refirome ao tcirieo dy socedade aberta, aquele que ainda nio fol recuperado pelos neo Sonservadores, maniénrse Del forga das Luzes © aos seus elton n0 dominio police, mas. a0 prego de um coplicisme moral ¢ de uma Indiferenga quase lola aos feamenos estticos.-Poul Lorenzen conta tom or efeitos Teformistas que pode ter para o modo de vida a clabo faedometdza de uma lingua artificial em que a saci pritica se Ghepue @ expriminy mas assim seado, canaliza as ciencas para as vias ‘ctitas de" justifcagGer pritieas andlogas ts da. moral, e despresa Spunlmente a esfera estetice. Em Adorno, pelo contrrio, a exigencia SSigtca da rsado virouse para a posture acavadora da obra de arte B cK Lbtnsitlt> ee tana ioe, 5 esotérica, revelando-se a moral incapaz de servir de fundamento ¢ pas- sando a filosofia a ndo ter outra missio que a de enviar, de modo indirecto, para as contetdos criticos cristalizades pela arte. AA difereneiagio que engendra a citneia, a moral ¢ a arte e pela qual Max Weber caracteriza o racionalismo da cultura ocidental signi- fica sirmultancamente que sectores a partir de eatio tratados por espe- Gialistas se tornam auténomos e que rompem os seus lagos com uma corrente de tradigGes que continua, no entanto, a desenvolver-se de ‘tmancira incontrolvel na hermenéutica da pritica quotidiana. B a esta Fuptura que se liga 0 problema posto pelas leis prdprias das esferas ce valores diferenciadas; foi ela que deu lugar as tentativas falhadas dle uma «superagao» (dufhebung) das culturas especializadas, A arte oferece © exemplo mais manifesto disso, KANT E A ESPECIFICIDADE DO ESTETICO A evolugio da arte moderna pode ser esquematizada, a titulo de simplificagio grosseira, como um progresso constante em direcsao A ‘autonomia, Vitrse inicialmente constituirse, na época do Renascimento, uum dominio objectivo que releva exclusivamente das calegorias do Helo, Seguidamente, ao lonyo do séc. XVIMI, a literatura, aé artes plis. ticas ¢ a miisica, Institucionalizaram-se na’ forma de um dominio de acco que rompe com a vida sagrada © com a vida da corte. Final. ‘mente, perto de meados du séc. XIX, nasceu uma concepeao de arte em que 0 esteticismo incita o artista a produzir j4 as suas obras no espirito da arte pela arte. E entdio que a especificicade do estético pode tormarse um projecto, No decurso da primeira fase deste projecto afirmam.se, pois, as estruturas cognitivas de um dominio nove que toma as suas distancias fem relagio ao sistema da ciéncia ¢ da moral. a estética filosétiea Gue caberd seguidamente a tarefa de clucidar essas estruturas. Kant empenharsea em isolar a natureza especifica do dominio préprio dos objects esisticas, Ele pate da anilise do juizo de gosto, que, & certo depende de faculdades subjectivas, do livre jozo da imaginago, mas ‘que nem por isso se limita a exprimir uma preferéneia, e, pelo con trario, visa um acordo intersibjectivo. Ainda que os objectos estéticos no pertengam nem a esfera dos fenémenos que podem ser conhecidos por meio das categorias do enten. dimento nem A esfera das acces livres submetidas & legislaggo da raziio pritica, as obras de arte (e as bolezas de natureza) séo acesst- “4 veis a um juizo objectivo. A par da esfera de influéncia da verdade ¢ a par da esfera de influéncia do deverser, 0 belo constitui um terceiro dominio que funda @ relagdo entre a arte ¢ a critica de arte, +«Fala-se imediatamente da beleza como se cla fosse uma propriedade das co sas» (Critica da Faculdade de Julgar, § 7). que um 0b} mo esiélico; 36 a sua qualidade de objecto ficticio € que Ihe permit tar a sensibilidade de tal manera que possa ser representado ue escape & conceptualidade do pensamento objectivante © ao juix oral. O sentimento que o prazer esiético desperta quan cso © jogo das faculdades de representagio definc.o isso, como uma satisfacdo desinteressada. ‘Ao Passo que todos os conccitos da estética clissica que acabamos de evocar —prazer € critica, bela aparéncia, desinteresse c transcem- dencia da obra— serve em primeiro Iugar para delimitar o dominio da estética relativamente As outras esferas de valores ¢ relativamente | pritica vivida, 0 conceito de génio, indispensdvel & producio de uma obra de arte, possui caracteristicas positivas. Kant designa por génio a originalidade exemplar dos dons naturals de um sujeito no livre uso das suas faculdades de conhecer» (Critica da Faculdade de Julgar, § 49) Se separarmos a nogo de génio das suas origens rominticas, podemos parafrasear livremente esta definicao © dizer que o artists dotado ¢ capaz de dar uma expresso auténtica as experiéneias que faz ocupando-se com concentracio de uma subjectividade descentrada desembaragada dos constrangimentos do conhecimento ¢ da accio. Esta especificidade do estético —este devir objective de uma sub- jectividade descentrada tendo experiéncia de si mesmo, a sua evasio para fora das estruturas temporais © espaciais da vida quotidiana, a ‘sua Tuptura com as convengdes da percepgio e da actividade finalizada, fa dialéctica do desvendamento e do escindalo— s6 podia afirmarse como conscitncia da modernidade através da postura do modernismo ‘uma ver satisfeitgs duas outras condigdes: por um lado, a institucio- nalizagio de uma produgdo artistica independente do mereado ¢ a de um prazer estético que passa pelo intermediario qmea critica ¢ que nao 6 tributério de nenhum fim; por outro lado, um esteticismo a fundar a ideia que os artistas fazem de si mesmos— tal como de resto As 1 dos criticos, que se consideram menos como advogados do puiblico ‘que como intérpretes empenhados, eles préprios, na operagio da pro- dugio artistica. Pode-se, de ora em diante, por em sesso, em pintura c em literatura, o movimento que alguns véer jd antecipado nos textos criticos de Baudelaire: as cores, as linhas, 0s sons, os movimentos, deixam de servir primordialmente a funcio de representagio; os meios de representacio € as tcnicas de produgo das obras so elas préprias promovidas ao nivel dos abjectos estéticos. Adorno pode pois comecar a sua Teoria Estética com esta frase: «Tornou-se manifesto que tdo 0 ‘que diz respeito a arte, deixou de ser evidente, tanto em si mesmo como na sua relacdo ao todo, ¢ aié mesmo 0 eu dircito & existéncian. ‘A FALSA SUPERACAO DA CULTURA Na verdade, 0 ditcito da arte & esisténcia nfo teria sido posto em causa pelo surreatismo se néo howvesse também justamente na. arte moderna uma promessa de felicidade que diz respeito & sua erelagio om 0 todos. Em Schiller, essa promessa que a contemplagio estética exprime mas nio realiza toma ainda explicitamente a forma de uma utopia que visa um além da arte. A liniagem da utopia eststica pro longase até Marcuse e & acusacio que estc dirige, sob a forma de critica da ideologin, 20 caricter ealirmativor da cultura, Mas ja em Baudelaire, que retoma a sen modo essa «promessa de fclicidades, a biopia da reconciliscéo se tinha transformado num quadro critica de uum mundo social jrreconciliado. A consciencia dessa irreconciliacio tomase cada vez mais dolorosa a medida que & arte sc afasta da vida para se refugiar na esfera inacessivel de uina antonomia realizado, Esse sofrimento reflectese no tédio infinito de um exclufdo que se identifica com osthomens dos trapossde Paris. ( n/“elrshards™ ) So estes 03 passes afectivos pelos quais se acumulam as for- sas explosivas que acabam por estoirar numa revolta, tentando suprimir pela violéncia uma arte que s6 aparentemente se tinha cons- titudo em esfera auténoma, e, por esse sacrificio, impor a reconci- lingo. Adorno aprende muito mais correctamente por que € que © programa surrealista «nega a arte sem verdadeiramente so ver livre dela» (Teoria estéticg, p. 13). Todas as tentativas de transpor o abismo ‘que separa a arte da vida, a fiegao da pritica, a aparéncia da realidade, fas que preteyndem suprimir a diferenca entre © artefacto € 0 objecto utilitério, entre aquilo que & procuzido © aquilo que se encontra na i atren, ents a ego que dt forma © © movimento espnttne, cess ler tt arivofe ao que ofa cat men sm aria bol oo trios asiar Jule etc v expres aan Gr am aiid abject take en pease sje coasts Suthadoy jodeuareppatan ealgnts do menses ¢ lnm & Seas eat onload nt ceieeneaneleemiamen Ir aputands, x mocondiaca de dha SoSORrG wb concer Se ae gems uieies ores @ cams eietien wo Fis deere or benin an eatin Gee aun rade Ss pee ee ears pon cians Sek cat bela ws cues eae aaa craieetras e we eamnoizas Ocal ee eee aot Soares aigeia = oe aaa Cl setssn cn eves ena Glenn tap es deca ull soa cripiatiens olka te aie siete cca Ce aren eles cara ee alata nun. pends be See oar teeta @ nine deanlinado 6s forma does Ne Ee meet oan iam ats. cs Ineraia eee te da guale no ab one mer Na peli. cones Se ge, Wace atest ed atin as et saeranatanas¢araopes tos da Se nerpennr: No undo Ve, Be ee ois cha tarmac tga ce fala sul rpltede: Por ine seria imponevel sBpSESE ume vida quotdiana Se enGarh Coie Ga re MaTGanA » cubirechamty edeal Saino cam Saco de vin wm domilo calla a arte neste Oe ee re ae eae eine see For cota vlad suo oul! subttaruma forma de preidade ¢ aoe aie Ball che ema cae aorta it prion de umn Inna superagia da ane a oan rit pouco eloruneda fer aaa en iceeciats heen etpain Be deatnion 3 Be ice leks Can aa eae ania ieee ioe te roy mons mest ian cites se roam teks ‘he ar lta pr ust lade, €or ett, at tosis Dinas oe minal conplstinat wma scioids aauciaoht i de sry aon par iho dena de constr efor que pertiaecer Iida’ a Tones Sipciatatia Galpraea Caples Geice ome mun scuba aes fore ceuitin, Se stun com uoatneldea stednlretie Go to CoS toe ee ye keene cee a jalicagsr moro: No aitante, a cécis nsiaconalizcda ¢ 2 Seance areas Saeetats es dene okies kas a ramse tanto da pritiea vivida que também nestes dois dominios 0 programa da Aufkldrung se pode transformar no da Aufhebug, Desde a época dos jovens hegelianos que cireula a palavra de ‘ordem da superagio da filosofia e desde Marx que se coloca a questo das relagdes entre a teoria e a pritica, Ora, sobre estas bases, os in lectuais ligaramse de facto ao movimento da classe operitia ¢ fo somente nos confins deste movimento social que grupos marginals tiveram a possibilidade de por em prética as suas tentativas dc rea- lizar 0 programa da superagio da flosofia em condigdes semelhantes 2 antifona surreatista de uma supressio da arte. As consequéncias do dogmatismo © do rigorismo moral ostentam, neste dominio, o mesmo erro que no terreno estético: uma pritica quotidiana coisificada © que exige uma colaborasio espontinca do cognitive, do moral-pritico e da orem expressiva da esiética nao pode ser salva pela relagio que ela estabeleceria com «ita das esferas culturais previamente abertas por tum acto de-violéncia. De resto, nfo se poderia confundir o que se passa ‘quando se torna praticamente operante © quando se inearna em inst tuigdes 0 saber acumulado pela cincia, pela arte e pela moral com a Imitagio da conduta cuja imagem é dada por alguns representantes dessas esferas de valores que, quanto a eles, salam do quadro da vida quotidiana, isto é, com aquela generalizagio das. forgas subversivas ue na sua existéncia Nietzsche, Bakounine ¢ Baudclaire epresentaram. Em certas situagdes determinadas, bem entendido, as actividades terroristas podem ter uma relagio com a extrapolaggo de um dos momentos da cultura: com uma tendéncia para estetizar a politica, para a substituir por um rigorismo moral ou ainda para a submeter a0 dogmatismo de uma doutrina Todavia, estes fendmenos dificeis de apreender no deveriam com duzir a que se difamassem as iniengdes, enquanio tais, de uma Aufl. tarung que se recusa a capitular, apresentandoos como sendo produtos de uma eraziof terroristas. Aqueles que relacionam 0 project da modemidade com o estado de espirito ¢ os actos piblicos espectacur lares de terroristas individuais raciocinam de forma 180 sumria como se se Bzesse do terror infinitamente mais alargado e mais constante que se exerce na sombra, nos calabougos das policias militares ¢ secre fas, nos campos e nos asilos psiquidiricos, a razio de ser do Estado modemo (e da sua doniinagio legal, positivista © preedtia), com o pretexto tinico de que esse terror wtliza os melos através os quais © aparelho de estado exerce a sua coaesio. is COMO ESCAPAR A FALSA SUPERACAO DA CULTURA, Em meu entender, deveriamos, em vez de renunciar & modernidade € 20 seu projecto, tirar ligSes dos descaminhos que marcaram esse projecto e dos erros cometidos por programas abusivos de superagio, Talvez seja possivel, apoiandonos no modelo da recepedo da arte, sugerir, pelo menos, um meio de escapar as aporias da modernidade cultural. Desde a critica de arte desenvolvida pelo romantismo, dese nharam-se tendéncias opostas que sc polarizaram de forma ainda ms clara com o aparecimento das correntes de vanguarda. A critica de arte reivindica, por um lado, um papel de complemento produtivo da obra de arte © pretende, de resto, ser 0 porta-voz da necessidade de inter- pretagies que 6 a do grande piiblico. A arte burguesa alimentou, rela. tivamente aqueles a quem se dirigia, estas duas expectativas: ora 0 rofano tinha de ir além do seu prazer estético e transformarse em perite, ora se admitia que se comportasse, como conhecedox, relacio- nando as suas experiéneias estéticas com os problemas da sua propria cxisténcia. Foi talvez por ficar inconscientemente prisioneira da pri- meira tendéneia que este segundo tipo de recepefo, aparentemente 0 mais anédino, perdeu a radicalidade. B claro que o contetido semfntico da producio astistica s6 pode tornarse mais pobre quando esta nio 6 praticada por especialistas ‘que tratam dos problemas especificos que so assunto de peritos © no consideram de modo nenhum necessidades exotéricas. Deste ponto de vista, todos os interessados (nestes se incluindo os criticos, que sio receptores experientes) est4o de acordo em que os problemas tratados se colocam numa perspectiva abstracta bem precisa. Mas esta delimi- taco rigorosa, esta concentrago exclusiva sobre uma e uma s6 dimen do, desmoronumse logo que a experitncia estética é-da-rosponsabil ~dade-de"tuma historia individual ou ¢ incorporada numa forma de vida colectiva, A recepeao da obra, por parte do profano, ou, mais ainda, pelo perito da vida quotidiana, ganha wma orientagio diferente da do critico profissional que considera a evoluctio interna da arte. Albrecht Wellmer despertou a minha atencfo para a mudanca que afecta o esta- tuto da experiéneia estética quando esta jé no se expressa em primeiro. lugar nos juizos de gosto. Logo que é utilizada para explorar uma situagio histérica da vida, logo que é relacionada com problemas da existéncia, entra num jogo de linguagem que j6 nfo & 0 da critica estética. A experiéncia estética, entdo, no se contenta com renovar as Interpretagées das necessidades & luz das quals apercebemos 0 mundo; ela também intervém nos passos cognitivos e nas expectativas yo ge interes Vebennuth” normativas ¢ modifica 0 modo como estes diferentes momentos reie. tem uns para os outros, Desta funcio de exploracio capaz de orientar a existéncia e que & possivel destacar do reencontra com um grande quadro no momento em que se articula 0 momento decisive de uma biogratia, oferece-nos Poter Weiss um exemplo quando nos mostra © seu herél, que regressa desesperado da guerra civil espanhola, errando por Paris o faz ante. clpar, na ImaginacZo, o encontro que pouco depois vird a ter a0 con- templar no Louvre o Radeau de la Méduse de Géricault. Uma variante desta situago permite apreender ainda com mais preciso o tipo de recepefo em que estou a pensar: tratase da conquista heréica que este mesmo autor descreve, na sua «Lstética da resistencia», no seio de um grupo de trabalhadores vidos de aprender e politicamente motivados na Berlim de 1937; assistindo a cursos nocturnos, estes jovens adquirem ‘os melos que hes permitirio aceder a histéria —e igualmente & hist6ria social— da pintura europeia. Desse material ingrato que 6 0 espirito objective arrancam os fragmentos de um saber que assimilam ¢ introduzem no horizonte do seu meio to afastado da tradigaio cal- tural quanto do regime vigente; virammnos © reviramnos em todos os sentides, até 20 momento em que, desses fragmentas, brota uma luz: «SO raramente @ nossa concepedo de cultura estava de acordo com 0 {que nos aparecia como um imenso reservatério de bens, de invengdes fe de descobertas acumuladas. Nés que nada possufamos, abordlémos de inicio essa massa com temor e vergadas de respeito, até ao momento em que se tornou claro, para nés, que a deviamos carregar com os nossos préprios valores e os nossos proprios julzos, uma vex que a sua concepedo de conjunto s6 era utilizivel se dissesse algo sobre as, nossas condighes de vida, as particularidades © as dificuldades dos nossos pensamentoss. (AMMuHh dy Wridhrifende, Dat SY), Exemplos tais de uma apropriagiio da cultura dos peritos na pers. peetiva do'mundo vivido' resgatam qualquer coisa das intencdes da va revolta surrealista e mais ainda das consideracbes desenvolvidas por Brecht, ou mesmo por Walter Benjamin, sobre a recepsio das obras de arte privadas de aura, 8 possivel manter um raciocinio semelhante acerea das esferas da ciéncia e da moral, se se considerar que as cién- clas do espirito, as cigncias sociais e as ciéncias do comportamento ainda de modo nenhum se destacacam fotalmente das estruturas pré- prlas do saber que fornecem orientagSes para a acco © sc se consi- derar que a especificagéo das éticas universalistas em problemas de 2» jjustiga se realiza ao prego de uma abstraccio que exige um retorno 20 velho tema, inieialmente eliminado, da «vida boa». Contudo o restabelecimento retlectido dos Iagos entre a cultura modema ¢ uma pritica vivida que depende de tradigées vitais mas empobrecidas pelo simples tradicionalismo 6 poder resultar se se tomar igualmente possivel orientar a modernizacSo social para dlree- ses diferentes e no capitalistas, se o’mundo vivido’ se revelar eapaz de elaborar instituigdes que limitem a dindimica prépria dos sistemas econémico ¢ administrative. ‘TRES CONSERVADORISMOS A menos que me engane, as perspectvas de uma tal mudanga nie 80 nada boas. Assistiuse & instauracdo, mais ou menos por todo 0 mundo ocidental, de um clima favoravel &s correntes que criticam 0 modernismo. Estas iltimas podem tomar como pretexto das suas posi- ‘gOes conservadoras ‘a decepedo gerada pelo fracasso das falsas supe ragdes da arte e da filosofia, bem como as aporias actualmente manifestas da modernidade cultural, Permitam-me que distinga sucin- tamente 0 antimodernismo dos jovens conservadores do pré.moder- nismo que é o dos velhos conservadores ¢ do pés-modernismo préprio ‘dos neo-conservadares, Os Jovens conservadores fazem sua a experiéneia fundamental da modemidade estética —a manifestagio de uma subjectividade des. entrada, liberta de todas as limitagdes da cogaicao e da actividade finalizada, isolada de todos os imperativos do trabalho e da utilidade— € Gem nome dessa subjectividade que rejeitam o mundo moderno. Tnvocam posicOes da modernidade para fundar um antimodernismo impiedoso. Atribuem as forgas esponténeas da imaginagio, da expe rigncia subjectiva, da afectividade a um fundo arcaico longiquo ¢ opcem, de um modo maniqueista, & razio instrumental um princfpio que apenas pode ser invocado, quer se trate da vontade de poder ou da soberania, do ser ou de uma forga postica dionisiaca. Fm Franca, esta tené vai de Georges Bataille a Derrida, passando por Foucault. Em todos os seus representantes, respira com toda a evidéncia o espirito de Nietzs che, redescoberto nos anos setenta. (Os velhos conservadores, esses néo se deixam contaminar pela mo- deraidade cultural. Assistem com desconfianca & desagregacio da raza0, substancial, & sua diferenciacaio em ciéncia, em moral e em arte, a0 triunfo do conhecimento moderno do mundo e da sua racionalidade, que u Lsbuntuell 44 s6 consiste em procedimentos, € aconsetham um retorno a posigies ‘anterioras & modernidade (uma atitude na qual Max Weber via uma nova queda numa racionalidade ligada & materialidade). Entre todas, © neoaristotelismo tam algum sucesso e deixa-se tentar pela renovagio de uina ética cosmolégica que a problemética ecolégica incita. Nesta perspectiva, que vem de Léo Strauss, situam-se por exemplo estudos interessantes de Hans Jonas e Robert Spacmann. Quanto sas neo-conservadores, so estes que, ao fim ¢ ao cabo, adoptam, a respeito das conquistas da modernidade, a atitude mais positiva. ‘Congratulam-se com o desenvolvimento da ciéncia moderna, desde que esta apenas saia do seu dominio para fazer avangar o pro: gresso Lécnico, 0 erescimento capitalista © uma administraco raciona- lizada. Quanto ao resto, preconizam uma politica que desmantele as forgas explosivas da modernidade cultural. Uma das suas teses diz que a ciéncia, a ser correctamente conecbida, deixa de ora em diante de ter efeito sobre as orientagées no seio do mundo vivide. Uma outra tese deciara que ¢ conveniente, tanto quanto possivel, manter a politica ‘A parte das exigéncias de uma justificagao moral-pritica. E uma ter- celra tese afirma a total imanéneia da arte, contesta que esta possua um valor utépico e relembra a sua natureza de aparéncia para melhor cconfinar a experiéncia estética aos limites da vida privada. Dentre as testemunhas desta tendéncia, poderse-la evocar o primeiro Wittgens- tein, Carl Schmitt nos meados da sua obra e 0 Gottfried Benn dos lltimos escritos. Esta delimitagio peremptoria da citncia, da moral & da arte, que se encontram confinadas a esferas auténomas, cortadas ‘do mundo vivido e administradas por especialistas, deixa apenas subsis- tir da modernidade cultural aquilo que dela € posstvel reter, uma vez rejeitado © projecto da modernidade, Neste vazio assim eriado, virao tomar agsento tradigdes preservadas de qualquer exigencia de funda- ‘mento; mas, a bem dizer, 6 com dificuldade que se ve como é que estas poderiam sobreviver no mundo moderno a nao ser por meio de politicas ministerinis eapazes de proteger as sttas retaguardas. Como qualquer tipologia, esta é uma simplificagao; mas é possivel ‘que seja iitil para a andlise dos debates intelectuais e politicos de hoje. Receio bastante que as idelas do antimodernismo, enfeitades com uma dose de prémodernismo, wie{conquistem terreno no sel dos grupos ccolégicos e das alternativas politicas, Nas mutagdes que afectam a consciéncia dos partidos politicos esboca-se, em compensacio, um sucesso da enova tendéncia» (Tendenzwende), isto 6, da alianga dos 2 pésmodernos com os prémodernos. Nenhum partide, parece-nos, etém © monopélio dos ataques contra os intelectuals nem do neo- conservadorismo. E por isso que tenho boas razdes para estar reco- rhecido para com 0 espirito liberal com que a cidade de Frankfurt me concede um prémio que se liga ao nome de Adorno ao nome de um filho desta cidade que, mais do que qualquer outro escritor ou filé- solo, deu corpo, no nosso pais, & imagem do intelectual, que passou a constiluir exemplo para os intelectuais. (Praducio de Nuno Ferreira Pouseca) (forvnulecian allernahiins de Ture Gucben bl , [rhe ds entgin atronte

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