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INTRODUGCAO AOS PRINCIPIOS GERAIS DO PROCESSO PENAL BRASILEIRO* Jacinto Neison pr Mrranna Courinto** SUMARIO: 1. Iniroducao 2. Principios relativos aos sistemas processuais: inquisitive e dispositive 3. Principios relativos a jurisdi¢ao. 4. Principios relatives @ agéo 5. Principios do livre convencimento. 1 INTRODUGAO Como é elementar, 0 estudo dos principios gerais do Processo Penal €0 que fornecerd a base para uma compreensao sistemdtica da matéria. A par de se poder pensar em principio (do latim, principium) como sendo inicio, origem, causa, génese, aqui € conveniente pensa-lo(s} como zaotivo conceiinut sabre 05) | 5) fienda-se a teoria geral do processa penal, podendo estar positivado (na lei) ou nao. ak Por evidente, falar de motive conceitual, na aparéncia, ¢ nao dizer nada, dada a auséncia de um referencial semantico perceptivel aos sentidos. Mas quem disse que se necesita, sempre, pelos significantes, dar conta dos significados? Ora, nessa impossibilidade ¢ que se aninha a nossa humanidade, nio raro despedacada pela arrogincia, sempre imagindria, de ser o homem o senhor absoluto do circundante; e sua razao 0 summum do seu ser. Ledo engano!; embora nao seja, definitivamente, 0 caso de desistir-se de seguir lutando para * Texco preparado e inicialmente apresentado no Ambiro da Comissio de Estudos criada pelo Tribunal de Justiga do Estado do Parand e Instituto Max Planck, de Freiburg, Alemanha, no Projeto “A Justica como garantia dos direitos humanos na América Latina’, maio de 1998. == professor de Diseito Processual Penal na UFPR ¢ IBEJ. Pés-praduado em Curitiba ¢ Roma. ‘Revitta da Faruldade de Direito da UFPR, Curitiba, 0. 30, 0. 50, 1998, p. 163-198 16s Doutrina Nacional tentar dar conta, 0 que, se nao servisse para nada, serviria para justificar o motivo de seguir vivendo, 0 que nao € pouco, diga-se en passant. De qualquer sorte, nao se deve desconhecer que dizer motivo conceitual, aqui, é dizer mito! , ou seja, no minimo abrir um campo de discussao que nao pode ser olvidado mas que, agora, nado hd como desvendar, na estreiteza desta singela investigacao. Nao obstante, sempre se teve presente que hd algo que as palavras nao expressam; nao conseguem dizer, isto ¢, hd sempre um antes do primeiro momento; um lugar gue ¢, mas do qual nada se sabe, a nédo ser depois, quando a linguagem comeca a fazer sentido. Nesta parca dimensao, 0 mito pode ser tomado como a palavra que é dita, para dar sentido, 1:0 lugar daquilo Gite, em senda, néo pode ser dite. Dai o big-bang? a fisica modemna; Deus & teologia; o pai primevo a Freud ¢ & psicandlise; a Grndnorm a Kelsen ¢ um mundo de juristas, s6 para ter-se alguns exemplos O importante, sem embargo, é que, seja na ciéncia, seja na teoria, no principium esta um mito; sempre! Sé isso, por sinal, j4 seria suficiente para retirar, dos impertinentes legalistas’, a muleta com a qual querem, em geral, sustentar, a qualquer prego, a seguranca juridica, 86 possivel no imagindrio, por elementar o lugar do logro, do engano, como disse Lacan; e ai est o direito.4 Para espacos mal-resolvidos nas pessoas ~ e veja-se que o individual est4 aqui e, postanto, todos —, o melhor continua sende a terapia, que se hd de preferir ds investidas marotas’ que, usando por desculpa 0 juridico, investem contra uma, algumas, dezenas, milhares, milhées de pessoas ' Nao se desconhece a importancia fundamental, quanto a nogie de mito, de Claude Lévi-Scrauss, mormente & Ancropologia; de Carlo Giunzburg, mormente a Histéria; de Sigmund Freud ¢ Jacques Lacan, mormente & psicanilise, assim como tantos outros nomes vitais a0 conhecimento humano. Sem embargo, para o Dircito, qui¢é o nome imprescindivel, nesta matéria, scja o de Pierre Legendre, principalinente nas Leeciones IV ; el inestimable objeto de la transmisién ~ estudio sobre el principio genealdgico en Occidente. Trad, de Isabel Vericac Nuifiez, México : Siglo Veintiuno, 1996, em especial p.100 ¢ ss. ? Delineado magistralmente por Agostinho Ramalho Marques Neto no Curso de Extensio Universitaria realizado na Faculdade de Direito da UFPR, em Curitiba, entre 21 ¢ 25 de setembro de 1998, sob o titulo “Erica ¢ lei: uma leitura da Andgona de S6focles” * Alfredo Augusto Becker, com a genialidade que Ihe era peculiar, deixou para os menos avisados a ligio de Bartolo de Sassoferrato (1313-1357), que, segundo diz, teria ensinado a Tullio Ascarelli, que teria ensinado a Rubens Gomes de Souza c este a ele: “I meri Ieggisti sono puri asini”. (Carnaval tributario. So Paulo ; Saraiva, 1989). “ LACAN, Jacques. Livro 20: mais, ainds. 24 ed., versao brasileira de M. D. Magno, Rio de Janeiro : Zahar, 1985, p.10: “... lembrarei ao jurista que, no fando, o direito fala do que vou lhes falar — 0 gozo. [...] © gozo éaquilo que nao serve para nada. (p.11)”. ia chamar assim atos que, no poucas vezes, s0 verdadeiros genocidios? Revista da Faculdade de Direito da UFPR, Curitiba, a. 30, n. 30, 1998, p. 163-198 Doutrina Nacionat 165 Por outro lado ~ € para nés isso é fundamental, depois do mito hd que se pensar, necessariamente, no 7it0. Jd se passa para outra dimensio, de vital importincia, mormente quando em jogo esto questdo referentes a0 Direito Processual c, em especial, aquele Processual Penal O papel dos principios, portanto, transcende a mera andlise que sc acostumou fazer nas Faculdades, pressupondo-se um conhecimento que se nao tem, de regra. Neste espaco é que se coloca a feliz assertiva langada por Jorge de Figueiredo Dias: ‘do estes <> que dia sentido & multidao das normas, orientagito ao legisladar e permitem it dogmdtica nédo apenas <>, mas verdadeiramente compreender os problemas do direito processual e caminhar com seguranca ao encontra da sua solucao’”® Diante disto, para conhecer-se aqueles tidos como fundamentais, faz-se necessério comegar analisando os princfpios referentes & organizacao dos sistemas processuais e, em seguida, aqueles tidos como bases estruturais da trilogia do Direito Processual Penal: acao, jurisdicao e processo. 2 PRINCIPIOS RELATIVOS AOS SISTEMAS PROCESSUAIS: INQUSITIVO E DISPOSITIVO O estudo dos prineipios inquisitivo e dispositivo nos remete de plano & nogio de sistema processual. Por elementar, os diversos ramos do Direito podem se organizados a 1 partir de uma idésa basica de sistema: conjunvo de teias, colocados em relagac, por um principio unificador, que formam um todo pretensamente orginico, destinado a uma determinada finalidade. Assim, paraa devida compreensio do Direito Processual Penal ¢ fundamental © estudo dos sistemas processuais, quais sejam, inquisitério ¢ acusatério, regidos, respectivamente, pelos referidos principios inquisitivo ¢ dispositivo. Destarte, a diferenciagao destes dois sistemas processuais faz-se através de tais princ{pios unificadores, determinados pelo critério de gestio da prova. Ora, se 0 processo tem por finalidade, entre outras, a reconstrugao de um fato pretérito crime, através da instrugao probatéria, a forma pela qual se realiza a instrugao identifica o prinefpio unificador. 6 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito processual penal. Coimbra : Coimbra, 1974, p-113 Revista da Faculdade de Diteita da UFPR, Curitiba, a, 30, n. 30, 1998, p. 163-198 166. Doutrina Nacional Com efeito, pode-se dizer que o sistema inquisitério, regido pelo principio inquisitivo, tem como principal caracteristica acxtrema concentracio de poder nas maos do érgao julgador, o qual decém a gestdo da prova. Aqui, o acusado € mero objeto de investigagao e tido como o detentor da verdade de um crime, da qual deverd dar contas ao julgador. Neste sentido, “A caracteristica fundamental do sistema Inquisitério, em verdade, est na gestio da prova, confiada essencialmente ao magistrado que, em geral, no modelo em anilise, recolhe-a secretamente, sendo que ‘a vantagem (aparente) de uma tal estrutura residiria cm que 9 juiz poderia mais tacil e amplamente informar-se sobre a verdade dos fatos — de todos os fatos penalmente relevantes, mesmo que nao contidos na acusagao -, dado o seu dominio nico € onipotente do processo em qualquer das suas fases.’” Como refere Foucault, com razao, ‘ele constitufa, sozinho, e com pleno poder, uma verdade com a qual investia 0 acusado’*”. Jano sistema acusaté rio, 0 processo continua sendo um instrumento de descoberta de uma verdade histérica. Entretanto, considerando que a gestao da prova esta nas mos das partes, o juiz dira, com base exclusivamente nessas provas, 0 direito a ser aplicado no caso concreto (o que os ingleses chamam de judge made law). Alids, “O processo penal inglés, assim, dentro do common law, nasce como um auténtico processo de partes, diverso daquele antes existente. Na esséncia, 0 contraditério é pleno; ¢ 0 juiz estatal estd em posigao passiva, sempre longe da colheita da prova. O processo, destarte, surge como uma disputa entre as partes que, em local puiblico (inclusive ptagas), argumentavam perante © juri, © quai, enquanto sociedade, dizia a verdade, vere dictum, & elementar que um processo calcado em tal base estruturasse uma cultura processual mais arredia a manipulacdes, mormente porque o réu, antes de ser um acusado, é um cidadao e, portanto, senhor de direitos inafastdveis ¢ respeitados. Por isto, ‘incentivado pela ideologia liberal que se desprende jé da Magna Charta Libertatum de Joao-sem-Terra (1215) € acentuado sobretudo pelo Bill of Rights (1689) e pelo Act of Settlement (1701), ele ganha o seu " Dias, Jorge de Figueitedo, Dircite... Op. cit., p.247. ‘FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir, 6 ed., trad. Ligia M. Pondé Vassalo, Petrépolis : Vazes, 1988, p.36. * COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. O papel do nove juiz no process penal. In: Direito akernativo: semindrio nacional sobre o uso alternative do direito. Rio de Janeiro : ADV, Jun/93, p38. Conferir, ainda, CORDERO, Franco. Guida alla procedura penale. Torino : Uter, 1986, p.32 « ss Revista da Faculdade de Diveito da UFPR, Curitiba, a. 30, n, 30, 1998, p- 163-198 Deutrina Nacional 167 maior ¢ vivaz florescimento, a ponto de ainda hoje se manter ai essencial mente imodificado’.'° A par da gestao da prova nao estar nas maos dos juizes, mas ser confiada as partes — aqui existentes na sua concep¢ao mais radical —, outras caracteristicas dao ao sistema acusatério uma visdo distinta daquele inquisitorial. Deste modo, com Barreiros'', é possivel referir que 0 érgio julgador é uma Assembléia ou jurados populares (Jtiri); que ha igualdade das partes ¢ 0 juiz (estatal) ¢ drbitro, sem iniciagio de investigaao; quea acusagio nos delitos puiblicos é desencadeada por ag’o popular, ao passo que nos delitos privados a atribuigao € do ofendido, mas nunca € publica; que o processo é, por exceléncia e obviamente, oral, publico ¢ contraditério; que a prova é avaliada dentro da livre convicg40; que a sentenga passa em julgado e, por fim, que a liberdade do acusado é a regra, antes da condenagao, até para poder dar conta da prova a ser produzida”.” Finalmente, diante da breve andlise dos sistemas processuais e dos principios que os estruturam, pode-se concluir que o sistema processual penal brasilciro ¢, na csséncia, inquisitério, porque regido pelo princfpio inquisitivo, jé que a gest4o da prova estd, primordialmente, nas maos do juiz, 0 que é imprescindfvel para a compreensao do Direito Processual Penal vigente no Brasil. No entanto, como é primério, nao ha mais sistema processual puro, razao pela qual tem-se, todos, como sistemas mistos. Nao obstante, nao é preciso grande esforco para entender que nao hd — e nem pode haver — um principio misto, o que, por evidente, desconfigura o dito sistema. Assim, para entendé-lo, faz-se mister observar o fato de que, ser misto significa ser, na esséi cou atério, recehendo a referida adjetivacdo por conta dos elementos (todos secundsrios), que de um sistema sao emprestados ao outro. E 0 caso, por exemplo, do processo comportar a existéncia de pane, o que para muitos, entre nds, faz 0 sistema tornar-se acusatério. No entanto, 0 argumento nao é feliz, o que se percebe por uma breve avaliagao histérica: quic4 o maior monumento inquisitério fora da Igreja tenha sido as Ordonnance Criminelle (1670), de Luis XIV, em Franga; mas mantinha um processo que comportava partes. "DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito... Op. cit, p.66. " BARREIROS, José Antonio. Processo Penal. Coimbra: Almedina, 1981, p.12. 2 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. O papel... Op. cit. p40. Revista da Faculdade de Direito da UFPR, Curitiba, a. 30, n. 30, 1998, p. 163-198 168 Doutrina Nacional 3. PRINCIPIOS RELATIVOS A JURISDICAO Primeiramente, faz-se mister estudar os principios que dizem com a jurisdigao, tomada no sentido chiovendiano, a qual € premissa Idgica ao exercicio da acio. E importante frisar, para nao deixar divida, que diz ela, na esséncia, com o poder estatal, no caso, de dizer o direito: dicere ius; iuris dictio. Diz-se © direito acertando-se os casos penais de forma definitiva, isto é, na medida daquilo que lhe é levado pelo autor: thema decidendum. Faz-se uma opgao, de regra condenando-se ou absolvendo-se, tudo de modo a que a decisio ganhe estabilidade, dada a qualidade de imutabilidade que a alcanga quando ocorte a preclusio das vias impugnativas, em face do transcurso do prazo recursal, o que é tipico da coisa julgada (res ivdécata) ¢ nota caracteristica da funcdo jurisdicional processual. Nao € demais lembrar, também, em tempos de neoliberalismo e Estado minimo (aos quais € preciso resistir com todas as forcas ¢ uma racionalidade que nao se deixe enganar pelo cimbio epistemoldgico fundado por Hayek ¢ calcado no eficientismo das ages), que a jurisdicéo, a par de ser um poder — e como tal deve ser estudado com proficiéncia —, é uma garantia constitucional do cidadao, da qual nao se pode abrir mao, As criticas, neste raio, por evidente que sao bem- vindas, porque se h4 de pensar, sempre, em um aprimoramento do poder ¢ dos Grgios que o exercem. Haverao de ser, portanto, construtivas. Nao é, porém, o que se tem visto; e com freqiiéncia. Incautos ¢ insipiences langam-se na aventura eficientista e minimalista, de cariz emi ataque desarrazoado a jurisdic, em geral buscando suprimi-la, em largos espacos, quando nao os mais importantes para, quem sabe, reservar-lhe as questées menores, A hipétese é absurda. Em definitive, nao hé democracia, neste pais, sem a regra do art. 5°, XXXV, da CF: “a lei nao excluird da apreciacao do Poder Judiciério lesio ou ameagaa direito.” cliciueiic economicisea, donde fazem um 3.1 PRINCIPIO DA IMPARCIALIDADE Tal matéria analisamos em “O papel do novo juiz no processo penal”, trabalho originariamente preparado ¢ em parte apresentado no Semindrio Nacional sobre Uso Alternativo do Direito, evento comemorativo do sesquicentensrio do Instituto dos Advogados Brasileiros, Rio de Janeiro, 7 a9 de junho de 1993, o qual aqui se adota, em vista da sua singularidade: Revista da Faculdade de Dizeito da UFPR, Curitiba, a. 30, n. 30, 1998, Pp. 163-198 Doutrina Nacional 169 “Problema de esséncia que se enfrenta no Ambito do direito é 0 que se refere 4 neutralidade e imparcialidade do juiz. Para que se possa analisar convenientemente esta questao, faz-se necessdrio buscar elementos basilares de critica no aisenal tedrice da epistemologia. Durante determinado perfodo da histéria do pensamento, acreditou-se que era possivel ao homem, enquanto sujeito cognoscente, anular-se completamente nas relacdes de conhecimento. Com isto, procurava-se obter um tipo de saber que nao estivesse eivado de qualquer imperfeicao humana. Daf o método perfeito para a consecugao deste desiderato, proposto pelo empirismo. Para este, ‘o método consiste em um conjunto de procedimentos que por si mesmos garantem a cientificidade das teorias claboradas sobre o real. Como o sujeito se limitaria a captar © objeto, essa captacio seria tanto mais eficaz e neutra quanto mais preciso e rigoroso fosse o método utilizado’!* . Assim, a elaborago cientffica se limitaria ao cumprimento rigoroso de certas técnicas preestabelecidas, que conteriam 0 poder quase miraculoso de conferir cientificidade aos conhecimentos elaborados através delas A busca desta neutralidade do sujeico tinha alguns motivos determinantes: 1°, a crenca em uma razao que tivesse validade universal, servindo de paradigma para todos (crenga esta que, de certa forma, seguiu todo o pensamento da histéria moderna no Ocidente, desde o discurso da Igreja — por influéncias platénicas —, pasando pelo pensamento de Descartes, Bacon, Kant, até chegar em Augusto Comte); 2°,a necessidade de legitimar o discurso do Estado moderno nascente, que vinha falar em nome de toda a nagio, uma ver que os sujeitos da histéria passaram a ser ‘iguais’ e nao era mais possivel sustentar os privilégios do clero e da nobreza: o Estado agora é de todos e, finalmente; 3°, a urgéncia cm ocultar que os interesses do Estado, ao contrario do que se acreditava, eram de classes; nado do povo como um todo."* Tais necessidades e crengas nao apenas fazem estrada na instancia da histéria moderna, como acompanham todo o discurso cientffico ¢ filoséfico da época e, de conseqiiéncia, 0 juridico. Assim, por mais que muitos soubessem que geralmente se trarava de uma farsa — nfo obstante a importincia histérica do seu discurso ¢ até alguns avangos materiais —, passaram os juristas ¢ jusfilésofos a pensar em termmos de ' MARQUES NETO, Agostinho Ramalho. /atrodugio ao extudo do direito: conceito, objeto € metodo, Rio de Janeiro : Forense, 1990, p.49. 4 CHAUI, Marilena de Souza. O que ¢ idealogia. 34 ed., Sio Paulo : Brasiliense, 1991, p.100-1 Revita da Faculdade de Direite da UFPR, Curitiba, a. 30, n.30, 1998, p. 163-198 170 Doutrina Nacional igualdade juridica: todos sao iguais perante a lei. E o Estado, enquanto pertencente a todos (mas ao mesmo tempo sem pertencer a ninguém), deveria assegurar tal igualdade. Isto se refleve no discurso dos civilistas, penalistas e, aré mesmo, no incipiente desenvolvimento do direito processual que comegava a ganhar foros de autonomia em relacio ao direito material. Exemplo que reflete tal pensamento éa visio que se comega a ter sobre a a¢ao € 0 processo. A acao nao é mais um direito material violado que se poe em movimento, de cunho marcadamente individualista; e 0 processo nao é mais sindnimo de meros ritos. Passa-se a falar em um “interesse ptiblico” na resolu¢ao dos conflitos, O Estado preacupa-se com a manutengao da igualdade eo papel do juiz passa a ser mais efetivo na relagao processual, reforcando, com isto, aparentemente, a idéia de Bulgaro do Iudicium accipitur actus as minus trium personarum: actoris intendentis, rei intentionem evitantis, iudicis in medio cognoscentis, ou, na formula sintética antes referida, Iudicium est actus trium personarum: iudicis, actoris et rei, mas agora com outra conotacao em decorréncia das mudangas do discurso no desenvolver histérico. Corolario desta concepgao, que chega até os dias atuais, é 0 de que 0 juiz constitui-se um drgao super et interpartes ou, em outra acep¢ao, super omnia, como supracitado. Sabe-se que, com esta visdo, 0 que se pretende é a preservacao da idéia do juiz como um érgao neutro e imparcial, que por nao ter interesse direto no caso, tutelaria a igualdade das partes no processo. Com isto, estar-se-ia buscando a manutenc¢ao do seu escopo tltimo: a pacificagao dos conflitos de inteiesses 15 € 2 justiga Cabe indagar, entretanto, até que ponto essa neutralidade e imparcialidade sao reais? Qual o interesse em manter vivas, como estdo, essas Categorias? Ha quem afirme que 0 judiciario sé existe porque ¢ imparcial € sujeito a lei e que a justia consiste em um método de decisdes imparciais. Cumpre salientar, entretanto, que, nao obstante a possibilidade de se vislumbrar certa importancia neste tipo de afirmagao, principalmente no plano de uma dogmitica processual em que a atividade do Estado é substitutiva, faz-se necessdria uma tomada de posicionamento critico em relagao a cla." DINAMARCO, Candido Rangel. A instrumentalidade do processo. Sio Paulo : RT, 1987, p-220 ess. ““PORTANOVA, Rui. Motivagées ideoligicas da senteuga. Porto Alegre : Livraria do Advogado, 1992, p.40 ess. a Revista da Faculdade de Direito da UFPR, Curitiba, a. 30, ». 30, 1998, p. 163-198 Doutrina Nacional 171 A época de aceitar os discursos universalistas, com 0 devido respcito de quem possa pensar 0 contrdrio, passou. O Estado se desenvolveu. Os sujeitos renovaram suas necessidades € interesses ¢ agora, ao contrdrio do que ja se sustentou, sabem que so capazes de construir sua histéria, social e pessoal. Em outras palavras: 0s sujeitos vio tomando consciéncia de que podem constru seu mundo, tragar certos projetos e mudar o rumo da histéria para o vetor que optarem, de acordo com as escolhas axiolégicas que tomarem por referéncia. Nao por outro motivo as epistemologias contemporineas, principalmente as criticas, véem 0 sujeito do conhecimento como um agente participativo, construtor da realidade, que nao tem mais motivos para esconder sua ideologia e escolhas diante do mundo.'” Torna-se, entio, insustentavel a tese da neutralidade do sujeito e vige, para todos os efeitos, a idéia de dialética da participacao.'* Assim, constata-se que todo conhecimento € histérico e dialético. Histérico porque € sempre fruto de determinado momento de uma certa sociedade. Dialético porque, além de ser reflexo das condigées materiais de seu tempo, atua sobre esta materialidade, alterando-a. Em ouwas palavras: todo saber é condicionado e condicionante.” O saber enquanto elemento condicionado foi muito explorado pelas doutrinas marxianas, que viam os discursos cientificos como meros reflexos da materialidade social. Tal posicionamento nao é de todo falso, Mas o que se tem que ter em mente é que os discursos, de modo geral, também atuam sobre a realidade, como jd reconheceram Gramsci”, Poulantzas", entre outros. O que se retira disto, inicialmente, transportando tai pensamento para o direito, ¢ que o juiz no é mero ‘sujeito passivo’ nas relagées de conhecimento. Como todos os outros seres humanos, também € construtor da realidade em que vivemos, € nao mero aplicador de normas, exercendo atividade siniplesmente recognitive. Além do mais, como parece sintomdtico, ele, ao aplicar a lei, atua sobre a realidade, pelo menos, de duas manciras: 1°, buscando reconstruit a verdade dos fatos no processo "JAPIASSU, Hilton. Jutrodugdo ao pemamento epistemolégico. 64 ed., Ria de Janeiro : Francisco Alves, 1991, p.28. COELHO, Luiz Fernando. Teoria erftica do direito. Caritiba : HIDV, 1987, p.46 ss. MARQUES NETO, Agostino Ramalho. Znsrodugdo...Op. cit., capitulos | e Il, p.1-60. 2GRAMSCI, Antonio. Scritti giovanili. Torino : Kinaudi, 1958, p.280-281. “POULANTZAS, Nicos. Q estado, 0 pecer,o socialismo. 23 ed., tad. Rita Lima, Rio de Janeiro : Graal, 1985, p.19 Reviciada Faculdade de Dirdio da UEPR, Curitiba, a: 30 1, 30, 1998, p. 163-198 172 Doutrina Nacional ¢, 2°, interpretando as regras juridicas que setao aplicadas a esse fato ou, em outras palavras, acertando o caso que lhe é posto a resolver. Nao bastasse estas afirmagées para afastar 0 primado da neutralidade do juiz, urge reconhecer que o direito, de modo inegavel, é ideoldgico.”? Tutela nas suas regras interesses que podem facilmente ser identificados dentro de cada sociedade ¢ que, muitas vezes, tomam cardter de ocultagao dos conflitos existentes no seu interior, ow seja, toma uma dimensio alienante. Categorias lingiiisticas genéricas como ‘bem comum,, ‘interesse coletivo’, “democracia’ ¢ ‘igualdade’, por exemplo, mostram bem esta situagao. Quantos de nds nao acredita que hd uma efetiva igualdade de todos perante da lei; ou entéo que o Estado esté sempre buscando o ‘bem comum’? Ora, isto é inescurecivel discurso ideolégico. De acordo com exaustiva produgio tedrica de Norberto Bobbio’, a democracia exige, sob um enfoque estritamente formal, uma previa delimitagzo das regras do jogo —e aqui nao se pode negar a contribuigao do positivismo jarfdico para uma nogado de democracia que teve seu momento e importancia histérica —, ciente todos, salvo os ingénuos, da necessidade da ‘lei’ & prépria sobrevivéncia (melhor seria Lei, com maitiscula), como demonstra a psicanélise. Mas isto, a delimitagao das regras, nao basta! E preciso que se saiba, paraalém dela, contra quem se esta jogando e qual 0 conterido ético e axioldgico do préprio jogo. Como referido no infcio, alcangar tal patamar sé é possivel quando os agentes em cena, no palco social, assumem sua face idcolégica. Nao € possivel jogar uma partida honesta ou justa contra quem se esconde sob mascaras tais como as de ‘objetividade’ ou ‘neutralidade’. Até mesmo porque se sabe que tais referenciais tém como fungao principal a ocultagao dos conflitos socioeconémico- politicos.” * LYRA FILHO, Roberto. Por que estudar direito, hoje? Brasilia : Nair, 1984, 34p. *BOBBIO, Norberto. O futuro de democracia: uina defesa das regras do jogo. 4 cd., trad. Marco Aurélio Nogueira, Rio de Janeiro : Paz ¢ Terra, p.12: “Naturalmente, todo este discursa apenas vale se nos atemos aquela que chamei de definigéo mfnima de democracia, segundo a qual por regime democratico entende-se primariamene um conjunte de regras de procedimento para formagio de decisoes coletivas, em que estd prevista ¢ facilitada a participagao mais ampla possfvel dos interessados.” “FARIA, José Eduardo. Ordem legal v. Mudanga social: a crise do judicidrio e a formagia do magistrade, In: Ditcito e justica: a fungo social do judicidrio. Sao Paulo : Arica, 1989, p.103. Revista da Faculdade de Direito da UFPR, Garitiba, a. 30, n. 30, 1998, p. 163-198 Deutrina Nacional 173 Em outras palavras: democracia — a comecar a processual — exige que os sujeitos se assumam ideologicamente. Por esta razao ¢ que nao se exige que 0 legislador, ¢ de conseqiiéncia o juiz, sejatomado completamente por neutro”, mas que procure, 4 vista dos resultados praticos do direito, assumir um compromisso efetivo com as reais aspiracées das bases sociais.2° mais a ncutralidadc, mas a clara assungao de uma postura idcoldgica, isto é, que sejam retiradas as mdscaras hipécritas dos discursos neutrais, 0 que comeca pelo dominio dadogmatica, apreendida e construida na base da transdisciplinaridade.” Exige-se nao Por fim, o principio da imparcialidade funciona como uma meta a ser atingida pelo juiz no exercfcio da jurisdica0, razio por que se busca criar mecanisinos capazes de garanti-la. Desta forma, é forgoso reconhecer que a imparcialidade é uma garantia tanto para aquele que exerce a jurisdic¢ao, como para aquele que demanda perante ela; mas nao deixa de ser meta optada. Unica coisa que se nado pode DIAS, Jorge de Figueiredo. Sobre o estado actual da doutrina do crime. In Revista portuguesa de cigncia criminal, Lisboa : Aequitas Editora, 1991, jan-mar, fase. L, p-14: “Assim se erige a autonomia da valoragio ~ pelo menos uma autonomia relatioa, dentro des ‘possibilidades’ que lhe sio oferecidas pela pré- determinagio nao jurfdica do substrata — em momento essencial do pensamento juridico-penal. Quando porém, em seguida, se afronta a questlio do eritério ow crittrios da ralorago, n3o parece suficiente dizer que @ legislador os escollae em inteira liberdade ¢ que o intérprete sé terd de os ir buscar & lei. A solugao ter antes de alcangar-se por uma via apontada para a ‘descoberta’ (ou ‘criagic') de uma solucio justa do caso concreto ¢ simultancamente adequada ac (ou comportdvel pelo} sistema juridico-penal. Isc sup5e © que cenho chamado de ‘pencuragao axioldgica’ do problema jurfdico concrewo € que, no Ambito do direito £ cia 2 finalidades valorarivas ¢ ordenadoras de natureza politico-criminal”, Contra: ROXIN, Claus. Titerschafe und Tatherrschaft, Hamburg : de Gruyter, 1963, p.20; BETTIOL, Giuseppe. Gli ultimi scritti ¢ la lezione di congedo, Padova : Cedam, 1984, p.116, em texto apresentado por Luciano Persoello Mantovani, de um discurso inacabado que o professor de Padova faria aos jovens magistrados reunidos no Consiglio Superiore della Magistratura, sob 0 citulo “Garanzie fondamentali della persona nella costicuzione, nei codici penali, nella legislazione ddl’emergenza ¢ nella convenzione europea dei diritti dell’ uamo”: “Voi dovere conoscere ed applicare leggi che non sempre sono perfette perché anche il legisiatore pud sbagliare in quanto uoma, ed ¢ solo dell'uomo poter errare. Ma la vostra coscienza aperta al senso della verita, della giustizia ¢ della liberta, sale deve essere da poter indicare eventuale errori legislativi e quindi sollecitare il legislatore a rivedere quello che ha fatto.”-gn-. Maso juiz, aqui, continua servo do Iegislador; co discurso € nacramente retérico enquanto, nos casos que interessa, decide contra os erros da lei: © tudo volta a0 ponto de partida, ou seja, um problema de fundamentacao da decisao. Que o magistrado seja insensivel ¢ to-s6 se limite a pedir a0 legislador a correcao do erro é compreensivel, mas inaceitdvel, mesmo porque nao poucas vezes a emenda nio acontece, 26 MARQUES NETO, Agostinho Ramalho. Futrodujdo... Op. cit, p.154. 27 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. O papel... Op. cit, p.42-43. O conceit de transdisciplinariedade vem de MIAILLE, Michel. Introdugao critica ao dircito, 2* ed., Lisboa : Estampa, 1989. 174 Doutrina Nacional aceitar, na espécie, é uma visao ingénua, permissiva dos espiritos 4 moda Pilatos, que a tomam como algo dado por natureza (como evidente mecanismo de defesa) quando, em verdade, 9 que se passa é exatamente 0 contrério.® 3.2. PRINCIPIO DO JUIZ NATURAL O principio do juiz natural é expressio do principio da isonomia e também um pressuposto de imparcialidade. Vale salientar que este principio esté vinculado ao pensamento iluminista e, consequentemente, a Revolucio Francesa. Como se sabe, com ela foram suprimidas as justicas senhoriais e todos passaram a ser submetidos aos mesmos tribunais. Desta forma, vem a lume o principio do juiz natural (ou juiz legal, como querem os alemies) com 0 escopo de extinguir os privilégios das justicas senhoriais (foro privilegiado), assim como afastat a criagao de tribunais de excecio, ditos ad hoc ou post factum. Destarte, todos passam a ser julgados pelo “seu” juiz, o qual encontra-se com sua competéncia previamente estabelecida pela lei, ou seja, em uma lei vigente antes da pratica do crime. Por outro lado, € preciso questionar a respeito da sua extensao, desde que sempre foi descurado no Brasil ¢, mais ainda, depois da Constituicio Federal de 1988, na qual se procurou — ¢ se fez! estabelecer regra (art. 5°, TAIT) que escapacse de qualquer manipulacdo polit: tidica sobre a aj competéncia, a qual sempre foi abordada/questionada pela doutrina e vetada pela jurisprudéncia européia quando discute-se a matériaa partir de suas bascs legais, mormente na Itdlia (Costituzione della Repubblica), fonce principal do nosso modo de pensar.”” *PORTANOVA, Rui. Morivagées... Op. cis. p41: “A dificuldade na concretizacao de elementos conceituais deve-se, por certo, a grande extensao de fatores, indusive inconscientes, que afastam as condigoes psicoldgicas de julgar com isengaa, Desses fatores no esti a calvo o juiz honesto, probo ¢ honrado, 0 qual deve ser o primeiro a suspeitar, nio de sua integridade moral, mas de seu estado d’alma. (..] p-42: Em suma, hd sempre uma ampla possibilidade de questionar-se a imparcialidade, pois a“... neutralidade do juiz € imporrantissima para que se possa garantir a coda sociedade sua independéncia’ (Rezek, 1990, p.9) ¢ ds Partes tcatamento igualitétio (Theodoro Jr., 1985, p.181).” * CORDERO, Franco. Procedura penale. 8+ ed., Milano : Giuffé, 1985, p.254; Procedura penale. Milano : Giuffré, 1991, p.109 e ss. | Revita da Faculdade de Direito da UFPR, Giritiba, a. 30, n. 30, 1998, p. 143-198 Doutrina Nacional 175 Assim, nosso legistador constituinte de 1988, como se sabe, nao tratou expressamente do juiz natural, como haviam feito os europeus continentais apés a Revolucao Francesa, de um modo geral, exatamente para que nao sc alegasse nao estar inserido nele a questao referente & competéncia. Ao contrério, porexemplo, do art. 25, da Constituicao Italiana atual, em vigor desde 01.01.48 (Nessuno puo essere disolto dal giudice naturale precostituito per legge”), preferiu nosso legislador constituinte, seguindo o alerta da nossa melhor doutrina, em face dos acontecimentos ocorridos no pafs e profundamente conhecidos (veja-se a atuagao do Ato Institucional n.° 2, de 27.10.65, ¢ a discussao no STF a respeito da matéria, com seus respectivos resultados praticos), tratd-la de modo a nao deixar margem As dtividas, como garantia constitucional do cidadao, no art. 5°, LI: “ninguém ser4 processado nem sentenciado senao pela autoridade competente”. (-gn-). Parte consideravel de nossa doutrina, no entanto, quic¢d por nao se dar conta da situagdo, mormente apds a definicfo constitucional, continua insistindo que a matéria referente 4 competéncia nao tem aplicacio no principio em discussio. Em verdade, o que se estd a negar, aqui, é a propria CF, empecando-se a sua efetivacao. A questao, ent&o, ha de ser discutida a partir do que vem a ser juizo competente. Ao que parece, nao hd no mundo quem melhor trate desta matéria que o professor Jorge de Figueiredo Dias, sempre fundado nos pressupostos constitucionais de seu pais, de todo aplicados ao nosso entendimento, Esclarece ele “que o principio do juiz natural visa, entre outras finalidades estabelecer a organizacao fixa dos tribunais”*", mas ela “nao é ainda condic’o bastante para dar & administracao da justica — hoc sensu, 4 jurisdi¢do - a ordenagio indispensavel que permite determinar, relativamente a um caso concreto qual o tribunal a que, segundo a sua espécie, deve ser entregue e qual, dentre os tribunais da mesma espécie, deve concretamente ser chamado a decidi-lo”.*! Assim, seguindo o pensamento do professor de Coimbra, faz-se necessdrio regulamentar o Aambito de atuagao de cada tribunal, de modo a que cada caso concreto seja da competéncia de apenas um tribunal: o juiz natural. DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito... Op. cit. p.328 3 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito... Op. cit, 328-329. ® Por imprescindivel, hé de se -ver 0 tiplice significado que empresta ao principio: “a) Ele poe em evidéncia, em primeiro lugar, o plano da fonte: 56 a fei pade instituir o juize fixar-lhe a competéncia./ b) Em segundo lugar, procura ele explicitar um ponto de referéncia remporad, através deste afirmando Revista da Faculdade de Direito da UFPR, Curitiba, a. 30, n-30, 1998, p. 163-198 176 Doutrina Nacional Alids, pensamento diverso poderia abrir um precedente capaz de possibilitar a escolha de um juiz “mais interessante” para o julgamento de determinados casos, depois desses terem acontecido, segundo critérios pessoais (mais liberal ou mais conservador, por exemplo), 0 que pode indicar na ditegao da suspeita da sua imparcialidade (cm juizo a priori, naturalmente), algo sempre abominado pela reta Justi¢a e que, como se sabe, serviu de base estrutural ao pensamento da Revolugao Francesa, a qual, vitoriosa, editou, como a primeira de suas leis processuais, em 11.08.1789, regramento tendente a vetar qualquer manipulagao neste sentido (termina a justica senhorial), consolidando-se o princfpio do juiz natural na Constituigéo de 1791 e na legislacao subsequente, E preciso ressaltar, ainda, que o principio da identidade fisica do juiz nao se confunde com o principio do Juiz Natural. Como se sabe, por este, ninguém poderd ser processado ou sentenciado por juiz incompetente, ou seja, o juiz natural ¢0 juiz competence, aquele que tem sua comperéncia Iegalmente preestabelecida para julgar determinado caso concreto. JA por aquele (0 principio da identidade fisica) assegura-se aos jurisdicionados a vinculagao da pessoa do juiz ao processo. Assim, por exemplo, pelo disposto no Cédigo de Processo Civil, o juiz competente responsdvel pela conclusao da audiéncia de instrucdo e julgamento vincular-se-4 ao processo e deverd, entZo, julgar a lide. Resta claro, destarte, que os principios supracitados nao se confundem e que o art. 132, do CPC, refere-se téo-sd ao principio da identidade fisica do juiz. No nosso processo penal, todavia, jamais teve ele aplicacao, pela prépria natureza do sistema adotado, embora seja tema de grandes discussées. 3.3. PRINCIPIO DA INDECLINABILIDADE Como € bdsico, quando se retirou do particular a possibilidade de realizacao da autojustiga, o Estado assumiu 0 monopdlio na resolugao dos casos. Desde entdo, passaram eles a ser resolvidos a partir do exercicio da jurisdigao. Nao por outro motivo, tal atividade estatal passou a ser indeclinavel. Desta forma, desde que provocado, o Estado, através do Poder Judiciario, nao um principio de irretroactividade: a fixagao do juiz ¢ da sua competéncia tem de ser feita por uma kei vigente jé a0 tempo em que foi praticado 0 fato criminoso que sera objeto do processo// c) Em verceiro lugar, pretende o principio vincular a uma ordem legal taxativa de competéncia, que exclua qualquer alternativa a decidir arbitraria ou mesmo discricionariamente.” (DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito... Op. cit., p.322-323). Revina da Faculdade de Direito da UFPR, Curitiba, a, 30, n. 30, 1998, p. 163-198 Deutrina Nacional W777 pode furtar-se 4 resolugao de uma lide ou, no que diz com 0 Processo Penal, ao acertamento de um caso penal. Assim, tendo em vista o que j4 se expos acerca do principio do juiz natural, tem-se que 0 juiz competente para julgar determinada causa, ou seja, para exercer a jurisdicao em relacao a determinado caso concreto, nao podera declinar de tal exercicio. Ora, por sua face operacionalizada (competéncia), tem-se a jurisdicao como exclusiva de quem a detém e excludente dos demais; daf porque nao se admite, ademais, a prorrogacao ca delegagao da competéncia (outros dois princfpios decorrentes da indeclinabilidade), sob pena de usurpacio de fungao ptiblica. Aparentemente, porém, poder-se-ia pensar, com Casnelluti, que hd, no ambizo do processo penal, uma especie de valvula de escape no que diz com o princfpio ora analisado. Como frisou Carnellutti, “A chamada absolvicao por insuficiéncia de provas, de fato, nao ¢ senao uma recusa de escolha; e, por isso, denuncia, como jd disse mais de uma vez, 0 insucesso da administragio da justiga. Entre o sim € 0 nao, o juiz, quando absolve por insuficiéncia de provas, confessa a sua incapacidade de superar a dtivida e deixa o imputado na condic&o em que se encontrava antes da discussao: imputado por toda a vida. Recordo, a esse propésito, quando presidia a Comissio para a formagao de um projeto de reforma do cédigo de processo penal, de ter observado que essa ¢ uma solugao cémoda para o juiz, porque o libera do peso da sua tarefa, mas nociva para a justiga, a qual deve dirigir-se com um sim ou com um ado”.* A posi¢do, todavia, nao é correta, se observada no nosso processo penal. Com efeito, na absolvicao por falta de provas (in dubio pro reo), a opgao € dada pela prdpria lei, em face de no ter o juiz — e a acusagao — produzido provas capazes de fundar um jufzo condenatério. E tanto é vero 0 acertamento que a sentenga absoluréria, na hipétese, passa em julgado materialmente. Destarte, a regra é que a atividade jurisdicional de acertamento dos casos penais ¢ indeclinavel Entao, pode-se concluir que “A opcao, aqui, é politica, como o é na coisa julgada e tantas ourras; mas absolutamente necessdria para, da melhor S3CARNELUTTI, Francesco. Verdade, ditvida e certeza. Trad. Eduardo Cambi. Folha Académica n& 116/1997, Curitiba. Centro Académico Hugo Simas. Composigao. Grafica Linarth. Originalmente publicado na Rivista di Dirito Processuale, Padova : Cedam, 1965, vol. XX (II Série), pp. 4-9, com 0 titulo Verita, dubbio ¢ certezza. Revista da Faculdade de Dircite da UEPR, Ceritiba, a. 30, n. 30, 2998, p. 163198 178 Doutrina Nacional maneira possivel, nas quest6es limitrofes, tentar fixar alguns parametros e, a partir deles, exigir respeito, nao fosse, antes, um comprometimento ético, Nada disto, contudo, adianta, se os homens nao tiverem a grandcza de fazer valer a palavra do pactuado, daquilo expressamente fixado no contrat”. 3.4 PRINCIPIO DA INERCIA DA JURISDICAO Este princfpio, que é uma das caracterfsticas importadas do sistema acusatério, determina que a jurisdi¢ao é inerte e nao pode ser exercida (no sentido do desencadeamento do proceso) de officio pelo juiz. Isto implica em dizer que para que se mova, precisa ser provocada; nemo iudex sine actore; ne procedat iudex ex officio Como se sabe, 0 principio do devido proceso legal exige que 0 érgio julgador seja submetido ao principio da inércia, buscando garantir, ao mdximo, a sua imparcialidade e eqiiidistancia das partes. Com efeito, quando se autoriza ao juiz a instauracao ex-officio do Proceso, como era tipico no sistema inquisitério puro, permite-se a formacio daquilo que Cordero chamou de “quadro mental parandico”, ou seja, abre-se ao juiz a “possibilidade de decidir antes e, depois, sair em busca do material probarério suficiente para confirmar a ‘sua’ versio, isto 6, o sistema legitimaa possibilidade da cren¢a no imagindrio, ao qual toma como verdadeiro.”36 Diante disto, parece sintomético que o principio da inéreia, ora estudado, éum dos pressupostos para que se tenha um processo penal democrdtico. Ademais, de tal principio decorre a impossibilidade do juiz julgar além, fora ou aquém do que foi imputado ao acusado na pega inicial: ultra, extra et Gitra petitum. Assim, quando 0 juiz proferir sua decisio, nao podera modificar a imputagao fatica realizada na peca acusatéria (thema decidendum), devendo haver sempre uma correlagdo exata entre a imputagao e a sentenga. Por *COUTINHO, Jecinto Nelson de Miranda. Glosas ao “vereiade, ditvida e certeza”, de Francesco Carndusti. para 0s operadores do direito. No prelo. O presente erabalho foi especialmenee preparado para © painel “Direito ¢ Psicandlise”, do Semindrio Nacional “O Direito no II] Milenio: Novos Direitos Dircitos Emergentes’, realizado na Universidade Luterana do Brasil ULBRA, em Canoas, Rio Grande do Sul, de 12 a 15 de novembro de 1997, no prelo. “ CORDERO, France. ... Op. cit, p.51. “COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. O papel... Op. cit. p.39. Te Revista da Faculdade de Direito da UEPR, Curitiba, a, 30, n. 30, 1998, p. 163-198 Doeutrina Nacional 179 elementar, tem ele a livre dicgao do direito (iura novit curia), justo porque se nao subordina quanto ao dircito, mas tao-sé a imputagao (atribuigao do fato penalmente relevante ao acusado, com todas as suas circunstancias), que circunscreve 0 espaco ¢ a extensao da decisac. Assim, ao juiz leva-se o fato —ou os fatos —, respondendo ele o direito aplicavel: narra mihi factum, dabo ubi ius, Nao € por outro motivo que as qualificagées juridicas exigidas pela lei antes da sentenga, todas, sao provisérias. Isto permite que 0 juiz corrijaa inicial (que tem imputacio precisa e errénea qualificacao juridica), aplicando a regra do art. 383, do CPP, a qual trata da chamada emendatio libelli, ainda que como resultado da emenda sobrevenha uma condenagao. Por outro lade, o mesmo nao sucede se 0 erro estiver na imputacao: nao se trata mais de mera corrigenda, mas de verdadeira mudanga no thema decidendum. Nesta hipstese, antes da decisao (tenha ela a natureza que tiver), deve o juiz langar mao das providéncias indicadas no art. 384, do CPP: trata-se da chamada mutatio libelli. Vale lembrar, por elementar, que 0 acusado defende-se dos fatos e nao da qualificacaéo jurfdica, razio por que ¢ preciso muita ateng4o quando do tratamento da matéria. Por derradeiro, nao seria impertinente lembrar, para tentar-se evitar os arroubos persecutsrids de alguna, qué “a imparcialidade ¢ objetividade que) conjuntamente com a independéncia, so condigées indispensdveis de uma auténtica decisao judicial sé estarao asseguradas quando a entidade julgadora nao tenha também fungoes de investigacae preliminar e acusacao das infragoes, mas antes possa apenas investigar e juigar dentro dos limites que lhe sao postos por uma acusacio fundamentada e deduzida por um 6rgao diferenciado (em regra o MP ou um juiz de instrugao).”9” Mesmo assim, o futuro democratico do nosso processo penal aponta na direcao de um sistema de esséncia acusatéria e, nele, é altamente discutivel nao sé acometer aos juizes a investigagao preliminar e a acusacdo, mas o préprio impulso processual quando em jogo estiver a produgao da prova.** Trata-se, por clementar, de uma op¢ao politica, mas 0 pre¢o que se paga é muito alto, seja o préprio juiz, a sociedade ¢ o jurisdicionado. Ademais, a histéria mostrou — e continua mostrando — nao ser em nada melhor para o processo penal uma tal liberdade, justo porque mantém intacta a possibilidade — natural — de se decidir antes e, tao-sé depois, sait-se & ” DIAS, Jorge de Figueiredo. Diveito... Op. cit. p-136. Contra: DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito... Op. cit, p.148. Revista da Faculdade de Direito da UFPR, Curitiba, a. 30, n. 30, 1998, p. 163-198 180 Doutrina Nacional cata da prova suficiente para justificar a decis4o previamente tomada Enfim, faz-se mister deixar as partes 0 onus probandi, como ameaca fazer o CPP, em seu art. 156, primeira parte, para desmentir-se j4 na segunda parte, quando sustenta a tradicdo inquisitéria: “A prova da alegacao incumbird a quem a fizer; mas 0 juiz poderd, no curso da instrugao ou antes de proferir sentenca, determinar, de oficio, dilig€ncias para dirimir duivida sabre ponto relevante”. Algo completamente distinto, por seu turno, € o impulso processual, por parte do julgador, tendentea evitar procrastinagées indevidas, Por evidente, a par da questdo referente a preclusao, hd de se ver que cabe ao juiz do processo © cumprimento fiel do rito, sem qualquer vilipéndio aos principios regras que garantem a democracia processual. Para tanto, hé instrumental suficiente na nossa estrutura, mas ¢ preciso dela ter um dominio pelo menos razodvel pois, do contrdrio, ter-se-4, somado a outros fatores, um resultado conjunturalmente procrastinador, quase ser solucio, 4 PRINCIPIOS RELATIVOS A ACAO Como se viu, num pais que pretende ser democratico, a Jurisdigao somente poderd ser exercida a partir de quando é provocada. Tal provocacao da-se através da acio, a qual € tida, basicamente, como um direito (para o Ministério Ptiblico, além disto, um dever) de se buscar e, se for 0 caso (preenchendo as condig6es exigidas pela lei), obter a tutela jurisdicional, de mode a que se possa vir a ter uinia decisau de merito, tudo no melhor estilo da nossa tradi¢ao liebmaniana. Trata-se, por evidente, de um direito (parao MP um dever) piiblico, porque sempre dirigido ao Estado-Jurisdigao. Assim, pode-se ver nitida a diferenga entre o agir daquele que exerce a jurisdicao e o agir daquele que a Provoca, o qual sc estruturaa partir de alguns Princfpios bdsicos. . 4.1 PRINCIPIO DA OFICIALIDADE Tal principio diz com o sujeito que dé inicio & investigagao criminal e procede A acusacao, ou seja, cabe aqui definir a quem compete impulsionar o exercicio da atividade jurisdicional, assim coma, antes dele € se necessério for, a investigacao de determinada pratica delituosa, Revista da Faculdade le Direito alt UFPR, Curitiba, a. 30, ». 30, 1 1998, p. 163-198 Doutrina Nacional 181 Assim, segundo Figueiredo Dias, “Trata-se aqui a questio de saber a quem compete a iniciativa (o impulso) de investigar a pratica de uma infragao ca decisao dea submeter ou nao a julgamento. [...] no sentido de estabelecer se uma tal iniciativa [de provocar a jutisdigao] deve pertencer a um entidade publica ou estadual — que interprete interesse da comunidade, constituida em Estado, na perseguicao oficiosa das infragées -, ou antes a quaisquer entidades particulares, designadamente ao ofendido pela infragao”.” Com efeito, é possivel afirmar que 0 contetido do principie da oficialidade, quanto A agao, é determinado pela natureza do interesse que impuldonave exercido jutisdicional. Enrende> conseqiientes 4 Revolugao Francesa.” Assim, no processo penal brasileiro, da mesma maneira que nos supracitados processos de esséncia inquisitorial, é assegurado o principio do contraditério. Nao obstante, na pratica, nao hd efetividade formal (a lei trata de manter a desigualdade, entre outros e por exemplo, nos arts. 222, 370, § 1°, 501, todos do CPP) e muito menos material, dependendo-se, sobremaneira, em primeiro lugar, do conhecimento do érgio julgador e, depois, do rigor que impée a si mesmo quanto ao respeito pela garantia constitucional, até porque 0s prineipios selativos as invalidades abre um campo tao amplo de aco a ponto de, se bem operados, quase tornar possivel a sua inviabilidade. A guisa de exemplo, veja-se 0 pas de nullit® sans grief (nio hd nulidade sem prejuizo), inserto no art. 563, do CPP, onde prejufzo, em sendo um conceito indeterminado (como tantos outros dos quais esté prenhe a nossa legislagao processual penal), vai encontrar seu referencial semAntico naquilo que entender 0 julgador; ¢ af nao € dificil perceber, manuseando as compilagbes de julgados, que nao raro expressam decisées teratoldgicas. Veja-se, todavia, que a Constii¢io Federal, em seu art. 5°, LV, prevé expressamente que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, € aos acusados em geral sio assegurados o contraditério ¢ a ampla defesa, com os meios ¢ recursos a cla inerentes” — gn — Em sendo ele, 0 contraditério, uma garantia constitucional, para se ter um processo penal democrético nao se pode pensar em restringi-lo, salvo quando esbarrar em outro principio também previsto na Constituicao, como ocorre, por exemplo, nas hipdteses em que sio protegidos os direitos 3 intimidade e 2 privacidade. Tal confronto hi de ser tesolvido pela aplicagao do prinelpio da proporcionalidade (como querem os alemies) ou principio da razoabilidade, na visao dos americanos. Por derradeiro, ha de ressaltar que o contraditério, em sendo um Principio lgico, estd inserido em Ambito mais amplo®, ou seja, aquele do * FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. Dineito.... Op. cit.. p.150. *COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Principios... Op. cit, p.214 »TUCCL, Rogério Lauria, Direitos € garantias individuais no proceso penal brasileiro. So Paulo: Saraiva, 1993, p.A7 ess. Revista da Faculdade de Dircite da FPR, Gerisiba, a. 30, n. 30, 1998, Pp. 163196 Doutrina Nacional 189 principio do devido processo legal, hoje constitucionalmente estabelecido (art 5°, LIV: “ninguém serd privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.”), razio pela qual é recomendavel que o seu estude inicie pela matéria constitucional, ainda tao carente na nossa dogmitica. 5.2. PRINCIPIO DA VERDADE MATERIAL O principio da verdade material remete-nos ao estudo do processo enquanto reconstrucao de um fato pretérito. Como jd tivemos a oportunidade de analisar tai inatéria, basta, por brevidade, adora-la, agora, de forma integral, mesmo porque a avaliacao é recente.” “O fato, neste diapasio, é acontecimenta histérico, dado a luz por adequagio ou inadequagae ao juridico. Come tal, traduz-se em uma verdade também histérica ¢, assim, recognoscivel. O meio, sabe-se bem, de fazer — ou se tentar fazer — com que aporte no processo € a prova. Eis por que se diz que a prova € 0 mcio que constitui a convic¢ao do juiz sobre o caso concreto ou, também ¢ no mesmo sentido, conjunto de elementos que formam a convicgao do juiz, em que pese, saberem todos, nao ser s6 ela a verdadeira formadora do juizo. De qualquer sorte, Carnelutti mostrou, j4 em 1925, que é estéril a discussio a respeito de viger a verdade material ou a verdade formal, olhando & diferenga que se insistia— ¢ alguns ainda insistem — em fazer entre elas, no processo penal ¢ civil. Se Eugenio Florian (Prove penali, Milano : Vallardi, 1924, p.Ge ss) aponton naquela diregao. Carnelutti, ao responder (Prove civile e prove penali. in Rivista di diritto processuale civile, Padova: La litotipo, 1925, volume II, parte I, p.3 € ss, especialmente, pp. 17-18), mostrou que a comparacao era equivocada, a um, porque o escopo de ambos era a verdade e; a dois, porque “se Pimpiego di dati mezzi, i quali talvolta servono a farla conoscere, talvolta no, viene prescritto, il risultato che salta fuori si chiama verita formale o legale volendosi significare che il loro risultato deve essere dal giudice posto a base della decisione, come se fosse verita, anche se non sia_[...] Il che significa che neanche al processo penale si deve assegnare, come risultato anziché come scope, la verita materiale.” (p. 18). Com tal formulacao, sequer a resposta de Florian (Le due prove (civile ¢ penali). in Rivista di diritto ** COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Glosas..., Op. cit. Revista da Faculdade de Diretts da UFPR, Guritiba, a. 30, n. 30, 1998, p. 163-198 190 Doutrina Nacional processuale civile, Padova : Cedam (gia Litotipo), 1926, Volume III, Parte I, p-221 e ss), ainda que bem lancada, foi convincente, porque necessariamente circunscrita a pontos secundarios. Basta ver que, no essencial, asseverou que “Lo scopo generico delle varie prove, che nei due processi si possono syolgere, & sempre quello di scoprire la verita; ma—ahimé — la verita, gid tanto arduaa conseguirsi, si atteggia in modo diverso nelle prove penali ¢ nelle prove civili.” (p. 223). Daf por diante, nao havia como confrontar escopos e resultados, embora fosse ~ ¢ continue sendo — visivel a diferenca que se manifesta quanto & busca, dada a origem sistémica inequivocamente distinta entre ambos os ramos do direito processual: 0 penal continua sendo essencialmente inquisitério eo civil segue com sua esséncia acusatéria-dispositiva; sistemas diferentes (veja- se, por evidente, 0 conceito de sistema, antes de tudo), principios reitores diferentes: naquele inquisitivo; neste, dispositivo. Nao existe, todavia, principio misto, raz40 por que n4o se sustenta — a no ser retoricamente — um sistema misto, embora, hoje, todos o sejam, isto é, mantém o seu nticlco (¢ assim devem ser vistos), mas clencam elementos secundérios importados do outro sistema, Por este viés ¢ metaforicamente falando, hé uma distancia de ano-luz entre eles, a qual sé nao vé quem nao quer; ou tem interesse em manter a situagao como esti, 0 que nao é de bom alvitre, dada a suma importancia da matéria, para o que basta pensar nas reformas legislativas. A afirmacao de Carnelurti, algo como: busca-se a verdade material e obtém-se como resultado a verdade formal ~ e que Ihe marcow a carreira ea vida intelectual até 1965, quando publica o Verdade, duivida ¢ certeza —, acaba sendo o grande ponte de partida, pela negayao da Ultima (verdade formal), porque a primeira “jamais pode ser alcancada pelo homem”. A verdade, se assim o é, hd de ser, ou melhor, ¢ uma 86; ¢ aquela dita formal, por evidente, em sendo uma mero reflexo no espelho, “nao éa verdade”. O processo, porém, continua tendo contetido, mas é de outra coisa que se trata. Aqui, como salta a vista, hd uma grande responsabilidade ética: Camelutti funda as bases para que se sustente que os julgamentos séo langados sobre aquilo que, a priori, sabe-se nao ser verdadeiro. Da-nos, entio, por primdrio, a possibilidade — quigd pela primeira ver! —de questionar a malfadada seguranga jurfdica, desde sempre to-sé retérica ¢ que transformou herdis em vildes € vice-versa. Nao bastava, todavia, disparar contra — ¢ desmontar — 0 sustentdculo maior da aparente tranqiiilidade dos senhores que nao queriam —e nao querem! Revista da Faculdade de Direito da UEPR, Curitiba, a. 36, n. 30, 1998, p 163-198 Doutrina Nacional 191 —assumiras suas responsabilidades, no contraponto dos poderes e deveres que detém, algo sé passivel de entendimento a partir de Freud e da psicandlise, mas desde logo compreensivel, para sorte da democracia. Era necessdrio, nao obstante, ir além e explicar por que e, depois, oferecer algo para colocar-se no seu lugar. Carnelutti, neste pequeno-grande texto, nao deixa por menos, embora o faga de modo inaceitavel. Com efeito, a verdade esta no todo, mas ele nao pode, pelo homem, ser apreensivel, ao depois, a nao ser por uma, ou algumas, das partes que o compéem. Seria, enquanto vislumbravel como figura geomérrica, como um poligono, do qual sé se pode receber & percepgao algumas faces. Aquelas da sombra, que nae aparecem, fazem parte — ou sao integrantes — do todo, mas nao sao percebidas porque nao refletem no espelho da percepgao. Ademais, esta figura multifacetada, por evidente, nao pode ser tomada— ou confundida —com apenas uma das suas faces. Por isto, sem que se fira © principio da nao- contradigao (ARISTOTELES. Metafisica. trad. de Leonel Vallano, Porto Alegre : Globo, 1969, Livro IV, p.86 ¢ ss; Livro X, p.206 ess: “o mesmo atributo nao pode, ao mesmo tempo, pertencer € nao pertencer ao mesmo sujeito com relacao A mesma coisa” [p. 92]), é plenamente possivel afirmar que a parte-face é e nao-é ao mesmo tempo. Naquilo em que nao-é (na percep¢io quando da recogni¢io da instrugio processual, por exemplo), marca a falta da verdade, & aiial,:parechepat-te;“@necentino conhiecerinds contenteiaquilorqueairase, mas também aquilo que cla nao €”. Nao se trata, aqui, de desdizer, por vias transversas, 0 pai da Metafisica, Parménides, quando afirmava: o ser é; 0 nao-ser nao é. O problema continua sendo o mesmo de sempre, ou seja, a identificacao do préprio ser. E aqui, para nds, Dussel continua imbativel, embora insistam em denegd-lo, em nao o reconhecer: “O ser é 0 préprio fundamento do sistema ou a totalidade de sentido da cultura e do mundo do homem do centro. [...] A ontologia, o pensamento que exprime o ser — do sistema vigente ¢ central —, éa ideologia das idenlagiasré 6 Rindamenes day ileplogiarde império, do centie. A-Alogahal cldssica de todos os tempos é 0 acabamento e a realizacdo tedrica da opressao pratica das periferias. [...] Identidade do poder e da dominagao, o centro, sobre as colénias de outras culturas, sobre os escravos de outras ragas. O centro & a periferia nao é, Onde reina o ser, reinam e controlam os exércitos de César, do Imperador. O ser é; é 0 que se vé e se controla. [...] Os filésofos modernos europeus pensam a realidade que se lhes apresenta: a partir do centro interpretam Revista da Faculdade de Direita da UFPR, Curitiba, a. 30, n. 30, 1998, p. 163-198 192 Doutrina Nacional a periferia. Mas os fildsofos coloniais da periferia repetem uma visao que lhes éestranha, que nao lhes ¢ prépria: véem-se a partir do centro como nao-ser, nada, ¢ ensinam a seus discipulos, que ainda sio algo (visto que sao analfabetos dos alfabetos que se Ihes quer impor), que na verdade nada so; que so como nadas ambulantes da histéria. Quando terminaram seus estudos (como alunos que ainda cram algo, porque cram incultos da filosofia européia), terminam como seus mestres coloniais por desaparecer no mapa (geopoliticamente nao existem, € muito menos filosoficamente)}. Esta triste ideologia com o nome de filosofia €a que ainda se ensinava na maioria dos centros filosdficos da periferia pela maioria dos professores”. (DUSSEL, Enrique. Filosofia da libertagao. tad. de Luiz Joao Gaio, Sao Paulo-Piracicaba : Loyola-Unimep, s/d, pp. 11-12-18-19). Daqui por diante, a questao é de método, porque sé através dele é possivel dizer sobre © ser, Neste campo, reinou ¢ reina a analftica aristotdlica, porque por exceléncia diz com o metodo da ciéncia. Para um direito Srfio da vera ¢ prépria cientificidade, nada mais superficial que se engajar em algo do género (embora tenha sido exatamente isto que foi feito), tendo-se por pano de fundo, por sintomatico e mais uma vez, a aparente seguranca juridica: ou alguém seria capaz de duvidar que a “precisao” da premissa seduziu os incautos?; ou seria melhor dizer ingénuos?; ou, melhor ainda, inseguros?; nao fossem, muitos, catedr’dulicos, como diria Lyra Filho, que servem & dominagio por safadeza. (LYRA FILHO, Roberto. Por que estudar direito, hoje?. Brasilia : Nair, 1984, p.23): sabem do que se trata; que é necessirio mudar; mas querem que tudo fique como est4, ou que mude para ficar como esta, qual Tancredi, de Laimpedisa, ei. U yatiopaido, explicaindo-se ao tio. Pense-sc, nesta estcira, por exemplo, em como estuda-se — ¢ ensina-se — a sentengac 0 ato de sentenciar; © requerimento-petic¢ao € o ato de requerer, e assim por diante. Tudo, enfim, resume-se a silogismos, muitas vezes sem qualquer sentido; ou, o que € muito pior, que dao, categoricamente, “o” sentido. De qualquer forma, 0 vicio parece estar no prépric método; e mais uma vez Carnelutti, ainda que sem o saber (ou jé sabia?), proporcionou-nos um passo adiante. Afinal, quando afirma que “o todo é demais para nds“, antecipa aquilo que veio a ser um dos pilares do neoliberalismo de Friedtich August von Hayek (Derecho, legislacidn y liberdad México : Unién Editorial, 1985), mas abre um grande leque de discussio ¢ investigacio. Sem embargo, para o que agora intcressa-nos, isto €, o espago de questionamento do valor da anal{tica enquanto “o método” do direito, assim como 0 nosso autor, Dussel também vai afirmar, sobre ela, que “Antes de Revista da Faculdade de Direito da UFPR, Curitiha, a. 30, n. 30, 1998, p 163-198 Doutrina Nacional 193 demonstrar algo ha que mostrar 0 principio ‘a partir’ do qual se pretende ‘de’- monstrar. O que se mostra é 0 ponto de partida da de-monstragao ¢ nao se o pode por sua vez de-monstrar — porque se iria ao infinito, jamais podendo demonstrar algo. O ponto de partida ¢ indemonstrdvel. Ou a ciéncia parte de principios evidentes ou nao hd ciéncia. [...] A ciéncia parte do conhecide por evidéncia: a evidéncia, porém, funda-se na cotidianidade dentro da qual o principio é considerado (as vezes por mera convicgao histérico-cultural) evidente. [...] A ciéncia nao parte de duas possibilidades, mas de um prinefpio ou axioma. A ciéncia nao se interroga acerca de seus axiomas. Considera-os evidentes; do contrario nao haveria ciéncia. [...] A ciéncia capta com evidéncia seus principios: estes principios sao postos-debaixo: sub-postos”. (DUSSEL, E.. Método para uma filosofia da libertagdo. trad. de Jandir Joio Zanotelli, Sao Paulo : Loyola, 1986, pp. 24-25-29). Resta evidente, por dbvio, que estamos diante de uma impossibilidade, de uma inseguranga enquanto pretende-se exatamente 0 oposto, isto é, aquilo que proporcionaa seguranga; assim, estamos diante de uma verdade aceita, corroborada, quando efetivamente 0 é porque, de seguro mesmo, sé acerteza de que se pode manipular o axioma. E nao ha de se duvidar ser a prerrogativa usada por aqueles com poderes para tanto... sempre em nome da “verdade”, da “fé”, da “maioria”, do “povo”, da “seguranga nacional”, “da falta”, ou seja, do argumento retérico mais apropriado para o momento. Sem embargo, isto € possivel porque se mantém vivo — ¢ mantém- se mesmo! —, no imaginario coletivo, a ameaca do inimigo, do contrario, do invasor, ou quem se prestar a tanto; sem embargo, no limite, cria-se um “bode expiatério” (em sociedades autoritarias), ou desenvolve-se 0 racismo, naquelas tidas como mais democrdticas, como se fez na Europa ocidental com os imigrantes, mormente apés a queda do muro de Berlim: “Assim os grupos sociais mantém sua coesio cm uma oscilagao pouco divertida entre ditadura e democracia, duas formas de organizagao cujos efcitos sao avaliados ou pela exclusao de um bode expiatério, ou por um racismo mais ou menos larvado”. (POMMIER, Gérard. Freud apolitico?. trad. de Patricia Chitonni Ramos, Porto Alegre : Artes Médicas, 1989, p.35). Desmistificada a analftica, restaria a dialética e 0 saber que propicia, “mais perfeito que o cientifico”. (DUSSEL, E. ob. cit, Método, p.25). Eis a forga do livro dos Tépicos, de ARISTOTELES (trad. de Leonel Vallandro ¢ Gerd Bernheim, 4% ed., Sao Paulo ; Nova Cultural, 1991, colecao Os Pensadores), banido porque o ponto de partida ja nao devia ser uma “premissa Revista da Faculdade de Direito da UFPR. Curitiba, a. 30. n. 30. 1998. p. 163-198 194 Doutrina Nacional exata’ —e fonte de toda a aparente seguranga —, mas de mera “opiniao cotidiana’, julgada desprezivel pelos adeptos de Platao (¢ a Igreja nao se construiria — ¢ consolidar-se-ia — se nao fasse assim: veja-se O Nome da Rosa, de Umberto Eco), raz@o por que se caminhou ao outro extrema, isto ¢, o de se pensar “que aciéncia era o supremo”. (DUSSEL, E. ob. cit, Método, p.25). No lugar de ambas (analftica e dialética), faz-se mister referir — embora nao se tenha muito espago neste despretensioso ensaio —, que Dussel vai apontar da diregao da analéptica, a qual mereceria uma mais profunda observagio, dada a riqueza com que se apresenta. “Levinas fala sempre do outro como ‘absolutamente outro’. Tende, entao, para o equivoco. Por outro lado, nunca pensou que © outro pudesse ser um indio, um africano, um asidtico. O outro, para nds, éa América Latina em relacao A totalidade européia; ¢ 0 povo pobre e oprimido da América Latina em relacao as oligarquias dominadoras e, contudo, dependentes. O método do qual queremos falar, 0 analéptico, vai maisalém, mais acima, vem de um nivel mais alto (an4-) que o do mero método dia-lético. O método dia-lético ¢ 0 caminho que a toralidade realiza em si mesma; dos entes ao fundamento ¢ do fundamento aos entes. Trata-sc agora de um método (ou do domfnio explicito das condigées de possibilidade) que a] Esta ana-lética nao leva em conta somente o rosto sensivel do outro (a nogéo hebraica de basar, ‘carne’, indica adequadamente o ser unitdrio inteligivel- sensivel do homem, sem dualismo de corpo-alma), do outro anuopolégico, mas exige igualmente colocar faticamente a ‘servico’ do outro um trabalho- parte do outro enquanto livre, como um além do sistema da totalidade; criador (para alémm, inas assuinindo o Wabalho que parie da “uccessidade’ de Marx). A analéptica antropolégica é entao uma econémica (um péra natureza aservico do outro), uma erética e uma politica. O outro nunca é “um sé”, mas também ¢ sempre “vds”, Cada resto no face-a-face ¢ igualmente a epifania de uma familia, de uma classe, de um povo, de uma ¢poca da humanidade ¢ da prépria humanidade como um todo, e ainda mais, do outro absoluto. O rosto do outro é um ané-logos; ele é a “palavra” primeira ¢ suprema, € o dizer em pessoa, € o gesto significante essencial, ¢ 0 conteuido de toda significagao possivel de um ato. A significagao antropoldgica, econdmica, politica e latino-americana do rosto é nossa tarefa e nossa originalidade. Dizemos sincera e simplesmente: o rosto do pobre indio dominado, do mestico oprimido, do povo latino- americano € 0 “tema” da filosofia latinc-americana. Este pensar analéptico, porque parte da revelagio do outro € pensa sua palavra, é a filosofia latino- Revista da Faculdade de Direito da UFPR, Curitiba, a. 30, n. 30, 1998, p. 163-198 Doutrina Nacional 195 americana, tinica € nova, a primeira realmente pés-moderna e superadora da europeidade. [...] A conversao ao pensar analéptico ou meta-fisico é exposicao a.um pensar popular, dos demais, dos oprimidos, do outro fora do sistema; é contudo um poder aprender 0 novo.O fildsofo analeptico, ou ético deve descer de sua oligarquia cultural académica € universitaria para ‘saber-ouvir’ a voz que vem de mais além, do alto (ana-), da exterioridade da dominacao”. (DUSSEL, E. ob. cit, Método, p.196-7 e 199). Carndlutti mostrou-nos, ao colocar em crise —e destruir—a nocio de verdade processual, a corda bamba pela qual temos que passar para sobreviver. Resta-nos, porém, uma ética na qual 0 outro conte ~¢ deve conter—alguma coisa; a ética da alteridade. J4 nao somos, por outro lado, as mesmos dos tempos dos nossos avés, onde a palavra valia acima de qualquer lei (ou com ela se confundia), quigd porque estamos perdendo o registro do simbdlico, em troca de um crescente deslizar no imaginério. As aparéncias, como diz 0 ditado popular, enganam; ¢ enganam mesmo! Diagnosticada a falta da verdade, no lugar dela Carnelutti propde que no processo passe-se a buscar ¢ investigar a certeza, No fundo, é bom que se diga desde logo, nao Vai mudar muito; mas vai, definitivamente, colocar o espelho diante daqueles que nele devem enxergar-se.” Apesar do exposto, a grande maioria da douuina brasileira insiste em dizer que 0 processo penal ¢ regido pelo principio da verdade material. Contudo, nao se dé conta que esta idéia vem legitimar o sistema inquisitério toda a barbdrie que 0 acompanha, na medida em que tem 0 processo como meio capaz de dar conta “da verdade’; ¢ nao de “uma verdade”, nao poucas vezes leavee a@ OUSC. completamente diferente daquela que ali estut-s Assim, € preciso admitir que no processo penal jamais se vai apreender a verdade como um todo — porque cla ¢ inalcangdvel — ¢, portanto, como se viu, 0 que se pode — ¢ deve — buscar nos julgamentos € um juizo de certeza, pautado nos prinefpios ¢ regras que asseguram 0 Estado Democratico de Dircito. 5.3. PRINCIPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO Como se sabe, a producao da prova no proceso penal tem por objetivo formar a convicgao do juiz a respeito da existéncia ou inexisténcia dos fatos e situagdes relevantes para a sentenga. E, em verdade, 0 que possibilita o desenvolvimento do pracesso, enquanto reconstrucao de um fato pretérito, conforme restou demonstrado. Revista da Faculdade de Direito da UFPR, Curitiba, a. 30, n. 30, 1998, p. 163-198 196 Doutrina Nacional Nesse momento, reconstitufdos os fatos, surge a questao referente & apreciacao da prova. Como é primario, hd, historicamente, tés princ{pios que orientam a regéncia da dita apreciagao, em que pese nao necessariamente em tal ordem cronolégica: (i) o valor das provas ¢ dado pelo juiz que, livremente, : trata-se do principio da convicsao intima «mpresta a cla a sua subjetividad ou certeza moral; (ii) o valor das provas ¢ atribuido taxativamente pela lei: uata-se do principio da certeza legal ou tarifamento legal; (iii) o valor das provas é atribufdo livremente pelo juiz, a partir de sua convicgao pessoal, porque nao hd como ser diferente, na estrutura atual do processo, mas todas as decisdes devem ser fundamentadas: trata-se do principio do livre convencimento ou da conyiccao racional. Daquilo que serve de base ao pensamento hodierno sobre a matéria e, de conseqiiéncia, influencia o nosso, hd de se ver que muitas legislagdes aceitaram a previsao da possibilidade do juiz incorrer em erro, no momento de valoragao dos meios de prova utilizados, razao pela qual fixou-se, na lei, uma hierarquia de valores referentes a tais meios. Veja-se, neste sentido, o sistema processual inquisitério medieval, no qual a confissao, no topo da estructura, era considerada prova plena, a rainha das provas (regina probationum), tudo como frute do tarifamento previamente estabelecido. Transferia-se 0 valor do julgador A lei, para evitar-se manipulagées; ¢ isso funcionava, retoricamente, como mecanismo de garantia do argiiido, que estaria protegide contra os abusos decorrentes da subjetividade. Sem embargo, a histéria demonstrou, ao revés, como foram os fatos retorcidos, por exemplo, pela adogao irrestrica da tortura. Todavia, apdés a Revotugau Fiancesa, passou-se a sustentar que o valor e a forga dos meios de prova nao podem ser aferidos a priori, com base em critérios legais, mas tao-s6 a partir da andlise do caso concreto. Assim, passou- se steubstituie: paulatinamente; o;princlpioida valerate legal das proves pelb principio da livre apreciacao delas pelo juiz, com a devida fundamentacao: terfamos chegado, com o livre convencimento, & fase cientffica. No Brasil adotou-se o princfpio do livre convencimento, conforme dispée o art. 157, do CPP (“O juiz formar sua conviccao pela livre apreciacao da prova), que deve ser conjugado comart. 93, IX, da CF: “todos os julgamentos dos drgaos do Poder Judicidrio serao puiblicos, ¢ fundamentadas todas as decisées, sob pena de nulidade, podendo a Ici, se 0 interesse publico o exigir, limitar a presenga, em determinados atos, as préprias partes ea seus advogados, ‘ou somente a estes”, Revista da Faculdade de Direitoda UFPR, Curitiba, &. 30, n. 30, 1998, p. 163-198 Doutrina Nacional 197 Vale salientar que, por evidente, tal princfpio do livre convencimento nio deve implicar numa valoragio arbitréria da prova por parte do juiz. Ora, “se a apreciacao da prova é na verdade, discriciondria, tem evidentemente esta discricionariedade (como j& dissemos que a tem toda a discricionariedade juridica) os seus limites que nao podem ser licitamente ultrapassados: a liberdade de apreciagao da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever — o dever de perseguir a chamada > -, de tal sorte que a apreciacao hd de ser, em concreto, recondutivel a critérios objetives e, portanto, em geral susceptivel de motivagao ¢ de controlo (possa embora a lei renunciar 4 motivacio ¢ ao controlo efetivos)”.” Sobre o tema, Ada Pellegrini Grinover assevera, ainda, que “Com a liberdade da valoragio nao se pode confundir principio diverso, que é o da liberdade da producdo da prova, © qual resulta no poder inquisitivo do juiz de buscar e introduzir no processo ex officio elementos probatérios, além do material produzido pelas partes.”* Por fim, faz-se imprescindivel reconhecer que o principio do livre convencimento pode ser manipulado pelo julgador, razao por que a consciéncia de tanto € necessdrio a fim de controlar-se, dando efetividade 4 garantia constitucional. Neste sentido, Nilo Bairros de Brum afirma que, “Geralmente, chegado o momento de prolatara sentenca penal, o juiz jd decidiu se condenard ou absolverd o réu. Chegou a essa decisio (ou tendéncia a decidir) por varios motivos, nem sempre légicos ou derivados da lei. Muitas vezes, a tendéncia de condenar est4 fortemente influenciada pela extens4o da follhia de antecedentes do réu ou, ainda, pela repugnncia que determinado delito (em si) provoca no espirito do juiz. Por outro lado, o fiel da balanga pode ter pendido para a absolvigao em razao da grande prole do réu ou em virtude do fato de estar ele perfeitamente integrado na comunidade ou, ainda, pelo fato de que o delito cometido nenhuma repugnancia causa ao juiz, o que o faz visualizar tal figura penal como excrescéncia legislativa ou um anacronismo juridico. Sabe o julgador, entretanto, que essas motivagoes nao seriam aceitas pela comunidade juridica sem uma roupagem racional ¢ tecnicamente legitima. Se declarar francamente que condena o réu em razao de seus péssimos antecedentes ou 57 FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. Direito... Op. cit. p.202. ge ‘p. t 3 GRINOVER, Ada Pellegrini. Liberdades priblicas e processo penal: as interceptagbes telofonicas. Rio de Janciro : Saraiva, 1976, p.132. Revista de Faculdade de Direito da UFPR, Curitiba, a. 30, n. 30, 1998, p. 163-198 198 Doutrina Nacional queo absolve porque é trabalhadore tem muitos filhos, sua sentenga fatalmente sera reformada por falta de base juridica. [...] Buscard, entao, 0 julgador outro caminho que pode ser através daavaliacao da prova ou por meio da interpretacio da norma. Geralmente, pelo menos entre nds, 9s juizes preferem o primeito caminho, ja que a prova é produzida longe dos tribunais e a possibilidade de controle ¢ mais dificil. [...] Mas 0 julgador tem de justificar sua escolha: tem de convencer que elegeua melhor Prova. Surge aqui 0 primeiro requisito retérico da sentenga, que no é outro senio o da verossimilhanga fatica. Trata-se de um efeito de verdade.”*? O importante, enfim, neste tema, é terse um julgador consciente das suas prdprias limitagées (ou tentag6es?), de modo a resguardar-se contra seus eventuais prejulgamentos, que os tem nao porque € juiz, masem funcao da sua ineliminavel humanidade. * BRUM, Nilo de Bairros Requisitos retéricos da sentenga penal. Sao Paulo : RT, 1980, p.72-73. Revisia da Faculdade de Direito da UFPR, Curitiba, 4. 30, n. 30, 1998, PAGR-198

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