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Atualização em avaliação e tratamento das emoções
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Atualização em avaliação e tratamento das emoções

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Esta obra é permeada por diferentes tópicos relacionados ao campo de estudo das emoções. Alguns capítulos se direcionam mais aos aspectos conceituais e teóricos das emoções, ao passo que outros se destinam aos aspectos empíricos. Logicamente, seria impossível esgotar todo assunto com apenas um livro, mas seu propósito está em trazer visões críticas e atualizadas, amparadas nas recentes pesquisas na área. Nesse sentido, espera-se que a contribuição desta coletânea se entenda tanto nos nichos mais conjecturais quanto na perspectiva baseada em evidências.
LanguagePortuguês
PublisherVetor Editora
Release dateDec 5, 2023
ISBN9786553741157
Atualização em avaliação e tratamento das emoções

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    Atualização em avaliação e tratamento das emoções - Daniel Bartholomeu

    Prefácio

    Ao refletir sobre o tema emoções... longe estão os tempos em que as emoções eram entendidas como uma característica primitiva, pouco evoluída ou animalesca do ser humano. Muito já caminhou a ciência desde épocas primordiais, modelos surgiram, foram questionados e abriram espaço para compreensões complexas que atualmente se apresentam, levando em conta informações de subjetividade e comportamento, sobretudo, nas neurociências. Nesse sentido, uma obra que atualize psicólogos e outros profissionais na área de emoções é sempre bem-vinda. Com o intuito de atender a essa demanda, este livro pretende apresentar temas relevantes às diversas áreas e abordagens da Psicologia.

    Está dividido em três partes: a primeira relacionada às concepções teóricas das emoções; a segunda, às diferentes vertentes clínicas; a terceira, à aplicação às áreas escolar e do esporte.

    Pensou-se esta obra como um manual, um guia sobre como as emoções são concebidas, tratadas e avaliadas sob diferentes olhares teóricos e contextos, visando fornecer ao leitor uma perspectiva ampla do tema e de suas atualidades no Brasil e no mundo, já que contempla autores de diferentes nacionalidades e estados brasileiros. Um dos aspectos que torna esta obra de relevância para o ensino da Psicologia no Brasil, se refere aos diferentes olhares que foram fornecidos sobre as emoções. Nesse contexto, há capítulos que as consideram sob a ótica existencial, humanista, psicodramática, psicanalista, comportamental, neurobiológica, entre outras. Além disso, discutem-se aplicações (tratamentos e avaliações possíveis) para diferentes contextos como o clínico, esportivo e educacional, fornecendo um panorama sobre como o tema tem sido tratado nesses âmbitos, sendo de interesse para profissionais que atuam em quaisquer dessas áreas e sob diferentes abordagens. Nesse sentido, acredita-se ter se cumprido o objetivo inicial de se ter, nesta obra, um manual sobre a avaliação e tratamento das emoções.

    Segundo as divisões estabelecidas, cujo objetivo foi elucidar o conteúdo deste exemplar, a primeira reúne capítulos com apreciações teóricas. Em continuidade, a segunda parte é representada por capítulos que tratam das emoções em distintas vertentes tipicamente clínicas. Os capítulos iniciais dessa parte abordam entendimentos e elucubrações específicas acerca das emoções de acordo com diferentes pensamentos. É possível notar que os capítulos que compõem essa parte do livro visam contemplar similaridades em relação às temáticas evidenciadas, já que todos perpassam por vertentes clínicas, contribuindo para a atuação do profissional que atua nesse contexto em psicologia. Os capítulos são claramente distintos, não somente porque se baseiam em pressupostos que partem de naturezas variadas e, por vezes contraditórios, mas também porque há uma não menos evidente disparidade no modo de compreensão para as emoções ao longo dos processos relatados.

    A terceira parte desta obra trata da aplicabilidade do estudo e dos conhecimentos sobre emoções a duas importantes áreas de atuação do psicólogo: a escolar e a do esporte. Em ambos os casos as emoções podem interferir diretamente (positiva ou negativamente) no desempenho das pessoas ou podem ser geradas pelas consequências (positivas ou negativas) desse desempenho (bom ou ruim), realimentando o processo por meio das crenças de autoeficácia e motivação para a tarefa.

    Os autores em sua integra, ou seja, de todas as contribuições aqui presentes, desejam que esta obra possa contribuir não só com a divulgação de informações teóricas e empíricas sobre o tema, mas também com a reflexão sobre importância desse tema para a realização de novas pesquisas e sua inserção/ampliação nos cursos de formação, tanto no nível de graduação quanto no de pós-graduação. Almejam que os assuntos, possam abrir perspectivas para utilização deste tema em diferentes áreas do saber, especialmente aquelas em que as emoções estejam presentes.

    Gostaríamos de aproveitar o ensejo e agradecer novamente a todos os autores que, mais do que contribuir com a formação desta obra, nos brindaram com o alto nível dos textos produzidos. Estendemos o agradecimento às valiosas contribuições do Conselho Editorial deste livro.

    Desejamos a todos uma excelente leitura!

    Daniel Bartholomeu

    José Maria Montiel

    Fabiano Koich Miguel

    Lucas de Francisco Carvalho

    José Maurício Haas Bueno

    Parte 1 – Considerações teóricas e avaliativas sobre as emoções

    1. Emoções: evolução, neuroanatomia e neurobiologia

    Cintia Heloína Bueno

    Bianca Albertini

    Natália Gaiola

    Mônica Gaspar

    Érica Glauce Moreira

    Sobre o processo evolutivo

    Historicamente a conceitualização do sistema nervoso pode ser atribuída a partir dos primatas, sendo estes dotados de um córtex visual amplamente desenvolvido, mas em contrapartida, seus bulbos olfatórios foram se reduzindo de forma acentuada durante a evolução para humanos. Com relação aos primatas o cérebro humano apresenta lobos parietais relativamente grandes e lobos occipitais relativamente pequenos. Tendo as regiões pré-frontais desenvolvidas ao máximo (DALGALARRONDO, 2011). Entretanto, o aspecto mais marcante talvez se relacione ao córtex cerebral dos humanos, especificamente o neocórtex. As áreas associativas representam possivelmente a marca evolutiva mais significativa dessa espécie. As áreas corticais primárias para visão e movimento foram reduzidas e as de associação e integração multimodal aumentadas. A versatilidade e flexibilidade cognitiva e comportamental da espécie humana relacionam-se intimamente com a grande expansão dessas áreas corticais que integram de forma complexa e sofisticada as informações sensoriais, construindo e monitorando esquemas representacionais e planos de ação flexíveis (DALGALARRONDO, 2011).

    Pesquisas recentes indicam que não se pode aceitar uma ligação direta entre o homem anatomicamente moderno e o homem cognitivo comportamentalmente moderno, pois a presença de um, não implicou o surgimento automático do outro. A tese para o crescimento e a reorganização cerebral no gênero Homo provém da segunda metade do século XIX e primeira do século XX, à qual foi atribuída a postura ereta, que facilita uma visão mais ampla do território e permite um uso mais livre das mãos; teria tido importância decisiva na evolução do cérebro e da cultura nos hominíneos, sobre tudo no gênero homo como pensavam Charles Darwin e Friederich Engels. Entretanto, quase todos os primatas têm tais capacidades visuais, e apenas a linhagem humana teve crescimento cerebral tão acentuado (DALGALARRONDO, 2011).

    Tendo como pressuposto o desenvolvimento do homem durante as centenas e milhares de anos, bem como seu desenvolvimento e aprimoramento, as emoções ao longo dos anos tem sido um forte componente nas relações humanas, e em seu desenvolvimento, conforme será descrito a seguir.

    O contexto da emoção

    A emoção pode ser compreendida como uma resposta complexa, composta por vários componentes, anterrespostas de cunho afetivo. De acordo com o Dicionário de psicologia da APA (American Psychological Association), emoção é um padrão de reação complexo, envolvendo elementos experimentais, comportamentais e fisiológicos, pelo qual um indivíduo tenta lidar com um assunto ou evento pessoalmente significativo (VANDENBOS, 2010, p. 334). Em uma das mais significativas obras da literatura Darwin, em A expressão das emoções nos homens e nos animais, já pontuava sobre o papel adaptativo, para espécie, da experiência subjetiva sobre o comportamento. Ou seja, a expressão das emoções e a consequente avaliação dessas emoções por outro membro da mesma espécie, tem função fundamental na sobrevivência da espécie. Nessa mesma obra, Darwin ainda discute sobre a importância da emoção nos processos de comunicação não verbal nas espécies, notoriamente nos seres humanos e na existência de emoções chamadas primárias, ou seja, são manifestadas universalmente, independentemente da cultura (DARWIN, 2009).

    Estudos demonstram comprovar a ideia que a evolução do homem está intrinsecamente associada à evolução do comportamento emocional. O antropologista e evolucionista, Dean Falk, argumenta que os polos frontal e temporal começaram a evoluir muito antes do gênero Homos, ainda nos Australopitecinos. Além disso, a região do lobo frontal que mais evolui é a correspondente a área 10 de Brodman, que é responsável pelo pensamento abstrato, organização e planejamento de ações, processamento emocional e julgamento (DALGALARRONDO, 2011). Existem algumas teorias sobre quais seriam as tais emoções primárias sugeridas por Darwin, emoções estas que teriam características evolutivas e inatas. Entre as possíveis emoções básicas estariam: medo, raiva, prazer, tristeza, aceitação, desgosto, antecipação, surpresa, timidez, desprezo e vergonha, de acordo com a Teoria Psicoevolutiva de Plutchik, a Teoria da Expansão de Tomkins e a Teoria Diferencial das Emoções de Izard (MAHONEY, 1998).

    A neurociência, há muito, estuda dos processos emocionais básicos aos mais complexos, determinando estruturas ou sistemas cerebrais envolvidos em tais processos. Para começar entender os aspectos neurobiológicos da expressão das emoções, devemos iniciar com a determinação de quais são os componentes capitais envolvidos.

    experiência subjetiva da emoção;

    respostas fisiológicas viscerais, conduzidas pelo Sistema Nervoso Autônomo (SNA);

    avaliação cognitiva sobre a emoção e contextos associados;

    expressão facial e corporal;

    reações à emoção;

    tendência de ação.

    O conjunto dos componentes supracitados constitui uma determinada emoção, sendo que cada um dos elementos influencia uns aos outros, tornando esse processo altamente complexo. A forma como esses elementos se influenciam geram discussão e, dessa forma, existem algumas teorias distintas sobre o assunto, por exemplo, William James, um dos fundadores da psicologia moderna nos Estados Unidos, é, ainda hoje, um dos teóricos mais revisitados sobre o assunto faz em sua obra importantes apontamentos sobre os aspectos emocionais. Ainda no século XIX, James publicou um artigo e, em seguida inseriu o tema em seu livro mais importante Princípios da psicologia, propondo que a percepção das mudanças fisiológicas produzidas por um evento qualquer é, na realidade, a experiência subjetiva da emoção (JAMES, 1981).

    Na mesma época, o fisiologista Carl Lange chegou a conclusões similares, apenas pontuando que essas alterações fisiológicas eram produto da excitação autonômica. A essa teoria deu-se o nome de Teoria James-Lange. Apesar de ser ainda estudada e constar como uma das teorias oficiais sobre emoção, ela foi duramente criticada, no início do século passado, especialmente pelo fisiologista Walter Cannon, que não creditava à excitação autonômica a experiência subjetiva das emoções. Já na década de 1960 do século passado, Schachterv propôs que o córtex cerebral cria a resposta cognitiva mais adequada à percepção das alterações fisiológicas internas a partir da expectativa do indivíduo e do contexto social (CANTERAS; BITTENCOURT, 2008).

    Existe ainda uma terceira teoria que acredita que a avaliação cognitiva e a autonômica ocorram ao mesmo tempo e influenciam-se mutuamente durante o processo de experiência subjetiva da emoção. Essa hipótese tem base na ideia que regiões relacionadas à cognição e emoção evoluíram conjuntamente em nossa espécie, sendo que, às vezes, esses dois processamentos compartilham estruturas e sistemas cerebrais, sendo impossível separar uma tarefa de outra (LEDOUX, 1998).

    Substrato neural das emoções

    O Sistema Nervoso Central (SNC) possui algumas classificações e divisões, entre elas, a classificação funcional, que tem como característica a relação entre os princípios de organização e os componentes estruturais do cérebro. O sistema funcional subdivide-se em: sistema talamacortical, gânglios da base e o límbico. O sistema límbico é considerado o sistema de regulação emocional. O termo límbico, derivado do latim limbus, ou seja, por borda, foi cunhado pelo fisiologista Pierre Broca, aludindo à região à margem curvada do córtex, incluindo o giro do cíngulo e para-hipocampal.

    Os estudos de Papez comprovaram ,por meio de pesquisas anatômicas, as conexões desse circuito com estruturas como corpos mamilares e tálamo anterior, além do hipocampo, que recebeu o nome de Circuito de Papez, em sua homenagem. Antes dele, Bard havia demonstrado por meio de uma série de experimentos que a expressão emocional seria mediada por descargas do hipotálamo, estruturas que regulam o comportamento emocional das espécies. O termo sistema límbico foi sugerido por McLean e incluía o chamado lobo límbico e as estruturas subcorticais a ele conectadas. Hoje em dia, o termo sistema límbico se refere a todas as estruturas diretamente relacionadas a regulação do comportamento emocional (LEWIS; OETH, 1999; CANTERAS; BITTENCOURT, 2008). As principais estruturas límbicas relacionadas ao comportamento emocional são o córtex pré-frontal, córtex límbico, a formação hipocampal, a amígdala, a área septal e o hipotálamo.

    O córtex pré-frontal corresponde à região anterior do lobo frontal e recebe projeções do tálamo e suas regiões mais relacionadas à regulação do comportamento emocional são as regiões orbitofrontais e ventromedial. O córtex pré-frontal vem sendo estudado em suas conexões com a emoção há muito tempo e tem como um marco o estudo de Phineas Gage, que ao ser atingido, após um acidente, por uma barra de ferro e ter extensamente lesionado seu córtex pré-frontal, mudou seu comportamento habitual. Relatos da época definiam seu comportamento pós-acidente como obsceno, incapaz de cumprir suas atribuições e responsabilidades e passou a se mostrar socialmente inapto. Apesar de ele estar consciente das consequências não se sentia abalados por elas. Ou seja, não foi a tomada de decisões em si que foi afetada e sim a resposta emocional às possíveis consequências (OLIVEIRA; PEREIRA; VOLCHAN, 2008).

    O córtex límbico é composto por giro cingular, que é altamente conectado com áreas de associação do córtex, e do giro para-hipocampal, que tem como uma de suas principais regiões o córtex entorrinal, que transmite informação para a formação hipocampal, sendo também uma via eferente principal da citada formação (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2002). Estudos demonstram que o córtex cingulado fica ativo durante estimulação dolorosa, tarefas cognitivas e contextos de teor emocional. Uma das teorias sobre o papel dessa região no comportamento emocional dita que ela possa ter a função de detectar conflitos. Tanto situações de dor física quanto social parecem ativar o córtex cingulado e propõe-se que uma vez ativada, a região busca evidências da possibilidade de riscos para a sobrevivência, recrutando recursos para minimizar o perigo (OLIVEIRA; PEREIRA; VOLCHAN, 2008).

    A formação hipocampal tem como principais regiões o giro denteado e o hipocampo. Recebe e envia informações primordialmente do córtex entorrinal (LEWIS; OETH, 1999). O hipocampo é extensamente estudado em sua relação com os processos de memória. É a principal estrutura relacionada com a memória declarativa, ou seja, sobre informações adquiridas de maneira explícita. Ao hipocampo, tende a ser atribuído o papel das memórias nas emoções. Como já foi explicada anteriormente, a avaliação cognitiva tanto do evento quanto das alterações fisiológicas agem sobre a expressão do comportamento emocional. O hipocampo agiria diariamente sobre essa avaliação. Ademais, existem estudos que também evidenciam o papel das emoções sobre a aquisição e recuperação de memória em longo prazo, tanto estimulando quanto dificultando o processo.

    A amígdala está localizada no lobo temporal medial e é composta por vários núcleos, dentro os quais o maior é o complexo basolateral. Particularmente, esse complexo não só é anatomicamente bastante similar a regiões corticais superiores como se comunica com córtex temporal, insular e pré-frontal. Mantém ainda comunicação bilateral com núcleos talâmicos, no diencéfalo e efere até o gânglio da base estriado (FELTEN; JÓZEFOWICZ, 2007). Por conta de sua vasta comunicação com outras áreas límbicas, a amígdala tem capital importância no processo de organizar informações sensoriais e fisiológicas que sinalizam perigo. Dessa maneira, a amígdala tem um papel primordial junto a modulação do medo condicionado. Trabalhos, como o do pesquisador Joseph Ledoux, estudos clássicos sobre ansiedade e medo, mostram que a amígdala é a região cerebral responsável pela interação das informações relacionadas a perigo e respostas fisiológicas, emocionais e comportamentais conexas (OLIVEIRA; PEREIRA; VOLCHAN, 2008).

    Área septal é formada por núcleos subcorticais com aferências de hipocampo, amígdala, área tegmental e hipotálamo. Recebe informações principalmente de hipocampo e giro denteado e hipotálamo (FELTEN; JÓZEFOWICZ, 2007). Por fim, o hipotálamo é uma região diencefálica altamente especializada na regulação autonômica e endócrina, além de sua regulação de comportamento emocional. Mantém conexões com diversas e distintas áreas do SNC, como medula, núcleos somáticos do tronco cerebral, regula o funcionamento da glândula pineal (ou pituitária). Além disso, núcleos hipotalâmicos têm conexão direta com estruturas ligadas à regulação de ritmos biológicos, como a glândula pituitária (pineal) e retina, e com estruturas ligadas a regulação endócrina, como a hipófise (LEWIS; OETH, 1999).

    Considerações finais

    Apesar dos progressos na compreensão dos aspectos da emoção especialmente do funcionamento neurobiológico, bem como nos tratamentos tanto psicoterapêuticos como farmacológicos, a compreensão dos distúrbios que envolvem esse aspecto ainda necessita de um número maior de estudos, especialmente no que tange ao funcionamento cognitivo da emoção, tais como a depressão a ansiedade, entre outros transtornos. Isso certamente permitirá aumentar a compreensão possibilitando tanto o progresso teórico quanto prático, ou seja, em termos de diagnóstico e intervenção.

    Após os apontamentos anteriormente realizados, diversas estruturas têm sido associadas e envolvidas nos aspectos emocionais. No entanto, algumas questões demonstram ser uma lacuna tanto no campo acadêmico quanto especialmente clinico, no sentido de tratamentos mais apurados e/ou efetivos. Nesse sentido, estudos que visem relacionar cognição, emoção e comportamento com atividades do sistema nervoso em condições normais e patológicas demonstram também serem pertinentes. Tais estudos se justificam visto que alterações neuroanatômicas ou neurofuncionais, ainda que discretas, podem estar associadas a vários distúrbios emocionais, que ocasionam distúrbios comportamentais, como por exemplo, os distúrbios depressivos e/ou de humor e os distúrbios de ansiedade.

    Sucintamente, de acordo com a revisão realizada neste estudo e seguindo os apontamentos já realizados, provavelmente as alterações emocionais sejam ocasionadas em decorrência de anormalidades no equilíbrio entre alguns neurotransmissores, por exemplo, como dopamina, serotonina e norepinefrina associadas ao funcionamento neuroanatômico propriamente dito. Porém estudos devem clarificar tais apontamentos e suposições. Por fim, este capítulo apresentou alguns apontamentos sobre emoções desde sua evolução; já algumas evidências da relação entre neuroanatomia e a neurobiologia, as alterações neuroquímicas subjacentes e o funcionamento cognitivo resultante devem ser explanados em estudos futuros, buscando, dessa maneira, contribuir para a maior compreensão do tema e suas relações.

    Referências

    BARABAN, J.; COYLE, J. T. Moaminas neurotransmissoras. In: KAPLAN, H. I.; SADOCK, B. I. Tratado de psiquiatria. Porto Alegre: ArtMed, 1999. p. 53-60.

    CANTERAS, N. S.; BITTENCOURT, J. C. Comportamentos motivados e emoções. In: LENT, R. Neurociência da mente e do comportamento. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008. p. 227-240.

    DALGALARRONDO, P. Evolução do cérebro: sistema nervoso, psicologia e psicopatologia sob a perspectiva evolucionista. Porto Alegre: ArtMed, 2011.

    DARWIN, C. A expressão das emoções nos homens e nos animais. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2009.

    FELTEN, D. L.; JÓZEFOWICZ, R. F. Atlas de neurociência humana de Netter. Porto Alegre: ArtMed, 2007.

    JAMES, W. Principles of psychology. Cambridge: Harvard University Press, 1981.

    KANDEL, E. R.; SCHWARTZ, J. H.; JESSELL, T. M. Princípios de neurociência. Barueri: Manole Saúde, 2002.

    LEWIS, D. D.; OETH, K. M. Neuroanatomia Funcional. In H. I. Kaplan, & B. J. Sadock, Tratado de psiquiatria. Porto Alegre: ArtMed, 1999. p. 32-52.

    MAHONEY, M. J. Processos humanos de mudaná. Porto Alegre: ArtMed, 1998.

    OLIVEIRA, L.; PEREIRA, M. G.; VOLCHAN, E. Processamento emocional no cérebro humano. In: LENT, R. Neurociência da mente e do comportamento. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008. p. 254-270.

    VANDENBOS, G. R. Dicionário de Psicologia da APA. Porto Alegre: ArtMed, 2010.

    2. Avaliação das emoções: considerações sobre o conceito de bem-estar subjetivo e sua utilização na ciência psicológica

    Fabio Scorsolini-Comin

    Manoel Antônio dos Santos¹

    Alimentar-se, dormir, seduzir, relaxar, fazer amor, comunicar-se com os filhos, conservar o dinamismo: qual esfera ainda escapa às receitas da felicidade? Passamos do modo fechado ao universo infinito das chaves da felicidade: eis o tempo do treinamento generalizado e da felicidade "modo de usar para todos (LIPOVETSKY, 2007, p. 336-337).

    Há alguns anos temos investigado o bem-estar subjetivo em casais como forma de compreender os componentes individuais relacionados ao bem-estar nos relacionamentos amorosos, como casamento e namoro (SCORSOLINI-COMIN; SANTOS, 2010a;, 2010b; 2010c; 2011a; 2011b; 2012a; 2012b; SCORSOLINI-Comin, 2009, 2012). Esse repertório de reflexões sistematizadas apoiadas em resultados de pesquisas tem nos mostrado a necessidade de que dialoguemos com outras noções correlatas, como felicidade, qualidade de vida, bem-estar e satisfação com a vida, por exemplo, assumindo também o compromisso de diferenciar esses conceitos nas pesquisas desenvolvidas no âmbito da Psicologia. Para além de definições que se utilizam de conceitos de difícil delimitação no campo científico, como felicidade, há o exercício indispensável de pensar na multiplicidade de noções como um componente importante, sem desconsiderar as implicações que as adoções de determinadas terminologias apresentam na ciência psicológica. O objetivo deste capítulo é apresentar o estado da arte das pesquisas envolvendo especificamente o bem-estar subjetivo, diferenciando-o de outros conceitos usualmente utilizados como sinônimos. Esperamos que esse exercício possa contribuir para reforçar a necessidade de que outros investigadores se engajem nessa discussão, haja vista a crescente utilização do construto bem-estar subjetivo na contemporaneidade. Neste capítulo, o bem-estar subjetivo será indicado pela sigla BES, conforme largamente empregado na literatura científica publicada em língua portuguesa.

    Por meio de uma busca no Banco de Teses e Dissertação da Capes realizada em 2012 com o descritor bem-estar subjetivo, foram encontrados 297 registros, sendo 71 teses e 226 dissertações. Em uma primeira análise, a partir apenas dos títulos dos estudos, foram identificados conceitos tais como bem-estar, bem-estar subjetivo, bem-estar psicológico, sentido de vida, qualidade de vida, coping/enfrentamento, saúde, neuroticismo, ajustamento psicológico, ruminação, felicidade, felicidade autêntica, promoção da saúde, afetos positivos, afetos negativos, satisfação/insatisfação com a vida, satisfação de vida, temperamento, caráter, entre outros (AGUIAR, 2011; GRAZIANO, 2005; HENNA, 2011; MACIEL, 2010; SCORSOLINI-COMIN, 2012; SOUZA, 2010; POLETTO, 2011; RODRIGUES, 2007; ZANON, 2009). Essa multiplicidade de conceitos relacionados ao construto pouco informa, de fato, acerca do que é o BES. Ou, em possível interpretação a partir de outro prisma, diz muito acerca dessa noção, que se mistura com tantas outras que são veiculadas na ciência, haja vista que as teses e dissertações produzidas fornecem uma amostra que permite delinear o cenário não apenas do que vem sendo pesquisado no contexto brasileiro em termos do BES, mas também da complexidade que se apresenta perante o tema.

    Por meio de uma busca sistemática realizada nas bases indexadoras LILACS, SciELO, PePSIC e MedLine a partir de 1970, constatamos que a maioria dos estudos sobre o BES é proveniente da área da saúde, com investigações sobre doenças, hábitos de saúde, estudos sobre os impactos de técnicas na saúde das pessoas, tecnologia médica, prática clínica, entre outras produções. São pesquisas com enfoque biomédico, na perspectiva da saúde/doença, evocando estudos de áreas afins, como a bioquímica e a fisiologia, e que não abordam o BES em termos de sua expressão na qualidade de vida ou de sua aplicação em áreas da Medicina.

    Outra categoria refere-se ao desenvolvimento, aplicação ou estudo sistemático de instrumentos e escalas direta ou indiretamente relacionados ao BES. São artigos sobre escalas de mensuração do BES e também outras, que se alinham na perspectiva da qualidade de vida. A maioria dos artigos não aborda a construção de escalas, à exceção do trabalho de Albuquerque e Tróccoli (2004), mas descrevem instrumentos utilizados em pesquisas empíricas e suas bases teóricas (ALBUQUERQUE; TRÓCCOLI, 2004; DELA COLETA, M. F.; DELA COLETA, J. A., 2006; GIACOMONI, 2004; MROCZEK; SPIRO, 2005; PINCOLINI; HUTZ, 2012; STEVERINK; LINDENBERG, 2006; ZANON; HUTZ, 2010).

    A aproximação do conceito de BES com outras noções correlatas, como a de qualidade de vida, é encontrada em produções sobre ambiente de trabalho, que evocam sentidos sobre a satisfação no trabalho, mensuração da qualidade do mesmo e da qualidade de vida do trabalhador dentro e fora do ambiente laboral. Outro eixo de destaque refere-se às pesquisas que abordam a influência da cultura nos estudos sobre o BES. Emergiram ainda outras categorias, como a constituída pelos estudos acerca da inclusão e/ou ajustamento social, psicoterapia, relacionamentos interpessoais, psicopatologia e violência. Em relação ao ano de publicação dos estudos, é interessante assinalar que todas as produções selecionadas são datadas a partir de 2001, o que mostra a atualidade do tema e de sua circulação científica (FERRAZ; TAVARES; ZILBERMAN, 2007; FREIRE; TAVARES, 2011; GIACOMONI, 2004; GIACOMONI; HUTZ, 2008; PINCOLINI; HUTZ, 2012; SCORSOLINI-COMIN; SANTOS, 2012a; ZANON; HUTZ, 2010).

    As pesquisas direcionam-se para a busca de melhor conceituação do BES, além da proposição de estratégias para investigá-lo de maneira ampla. importante enfatizar que, em razão da carência de estudos nacionais (ALBUQUERQUE; TRÓCCOLI, 2004), tem-se dificuldade em estabelecer comparações com a produção internacional (BIRD; ROBERT, 2012; DIENER; 1984; GALINHA, 2008; MING-CHANG; DZORGBO, 2012; TAM; LAU; JIANG, 2012; TAY; DIENER, 2011).

    Segundo Costa e Pereira (2007), o referencial do BES vem sendo utilizado no Brasil desde 1993, com maior impulso a partir de 2000. No entanto, na maior parte dessas pesquisas, os autores partem dos conceitos previamente estabelecidos na apresentação de panoramas histórico-conceituais, como se observa no trabalho de Pereira (1997) acerca das subdimensões da qualidade de vida e do BES, ou avaliam o BES de determinados grupos, docentes e estudantes de medicina, idosos que sofreram amputação de membros inferiores, e pacientes submetidas à mastectomia.

    Em relação aos estudos transculturais encontrados, alguns examinam a interação entre os fatores culturais e de personalidade como preditores de aspectos afetivos e cognitivos, especificamente com a noção de satisfação com a vida, ambos componentes do BES. Os aspectos do contexto cultural também são reportados (DELA COLETA, M. F.; DELA COLETA, J. A., 2006; KEYES; SHMOTKIN; RYFF, 2002; WISSING, J. A. B.; WISSING, M. M.; TEMANE, 2006).

    Bem-estar psicológico e bem-estar subjetivo

    Uma primeira diferenciação que deve ser pontuada é entre os conceitos de bem-estar psicológico e de bem-estar subjetivo, muitas vezes tratados como se fossem um único e mesmo construto. Segundo Siqueira e Padovam (2008), as concepções científicas mais proeminentes da atualidade sobre o bem-estar no campo psicológico podem ser organizadas em duas perspectivas: uma que aborda o estado subjetivo de felicidade (bem-estar hedônico), denominada bem-estar subjetivo, e outra que investiga o potencial humano (bem-estar eudemônico) e trata de bem-estar psicológico. Essas duas tradições de estudo refletem visões filosóficas distintas sobre o bem-estar: enquanto a primeira (hedonismo) adota uma visão de bem-estar como prazer ou felicidade, a segunda (eudemonismo) apoia-se na noção de que bem-estar consiste no pleno funcionamento das potencialidades de uma pessoa, ou seja, em sua capacidade de pensar, usar o raciocínio e o bom senso.

    O BES tem sido situado como o estudo científico da felicidade, mas tal definição tem gerado diversas dificuldades entre os pesquisadores da área. A felicidade é uma noção amplamente investigada por diversos pensadores e filósofos desde a Grécia Antiga, sendo atualmente resgatada pelo senso comum e pela literatura de autoajuda, que apregoa a busca pela felicidade como uma das metas fundamentais dos seres humanos. A sociedade do hiperconsumo coloca a felicidade como um produto a ser adquirido de todas as maneiras, criando as categorias das pessoas que se dizem felizes e realizadas e daquelas consideradas infelizes. Sobre essa segunda categoria pairaria uma estranheza, como se a felicidade devesse ser uma meta de todos e a todo tempo (LIPOVETSKY, 2007). A partir dessas considerações, podemos problematizar o desafio de definir cientificamente a felicidade.

    Segundo Seligman (2011), em sua recente obra que trata da redefinição dos pilares da Psicologia Positiva, o termo felicidade tem sido substituído pelo de bem-estar. Essa mudança de nomenclatura surgiu a partir de diversos questionamentos que destacavam a felicidade como um conceito complexo de ser operacionalizado em termos de construto psicológico. A expressão bem-estar, em contrapartida, conta com maior aceitação nos meios científicos e acaba por resumir, de modo mais adequado, a que esse referencial se propõe.

    Ao definir o que é bem-estar, Seligman (2011) partiu do clássico questionamento acerca da definição de saúde da Organização Mundial da Saúde, proposta em 1946. À ausência de doenças, Seligman acrescenta a presença de emoções positivas, conduzindo a um quadro de efetivo bem-estar. O autor recorre a diversos casos e resultados de pesquisas sobre doenças cardiovasculares, câncer e moléstias infecciosas para propor que o foco exclusivo na doença nem sempre leva à cura e que emoções negativas como o pessimismo, ódio, rancor e depressão podem estar presentes entre as causas de muitas doenças. Desse modo, com o foco na prevenção de doenças e na promoção da saúde, Seligman (2011) elencou alguns treinamentos que poderiam e deveriam ser desenvolvidos como forma de proteger a população, levando à adoção de uma postura otimista e diretamente ligada à promoção do bem-estar.

    Há que se destacar que essa mudança de nomenclatura (da teoria da felicidade autêntica para a teoria do bem-estar) ocorreu recentemente, de modo que as pesquisas ainda estão assimilando essa transição conceitual, ao passo que essa mudança já tem criado outros questionamentos: o que seria, então, o bem-estar? Seligman (2011) afirma que o bem-estar pode ser mensurado por meio de cinco fatores: emoção positiva, engajamento, sentido, relacionamentos positivos e realização. Desse modo, conceitua que o objetivo da Psicologia Positiva é aumentar o florescimento pelo aumento da emoção positiva, do engajamento, do sentido, dos relacionamentos positivos e da realização. Nas palavras do autor: O bem-estar não pode existir apenas na sua cabeça: ele é uma combinação de sentir-se bem e efetivamente ter sentido, bons relacionamentos e realização. O modo como escolhemos nossa trajetória de vida é maximizando todos esses cinco elementos (SELIGMAN, 2011, p. 36). Ao delinear essa definição, Seligman acrescenta outros elementos à discussão, levando os pesquisadores da área a dialogarem com conceitos que até então não estavam relacionados diretamente à definição do bem-estar, como o engajamento. Esse panorama tem sido pontuado neste capítulo como forma de não esgotarmos a discussão e situarmos as pesquisas diante dessas dificuldades, complexidades e especificidades que marcam os estudos sobre o BES.

    Bem-estar subjetivo: conceito consolidado na ciência psicológica?

    Uma definição de BES comumente aceita pela comunidade científica é a proposta por Albuquerque e Tróccoli (2004), que o destaca como o estudo científico da felicidade: o que a causa, o que a destrói e quem a mantém. O BES não significa necessariamente saúde psicológica, ele é apenas um aspecto do bem-estar, sendo necessário, mas não suficiente para a pessoa estar bem na vida. Apresenta, necessariamente, três características fundamentais que podem distingui-lo dos outros conceitos: a subjetividade, medidas positivas e uma avaliação global.

    Campbell (1976) argumenta que BES é uma experiência interna de cada indivíduo. Consequentemente, condições externas objetivas, tais como saúde, conforto, virtude ou riqueza, não devem fazer parte das definições do BES. Embora tais condições sejam vistas como influências potenciais no BES, elas não são consideradas como parte inerente e necessária a ele. Outra característica do conceito é expressar aspectos positivos, o que não implica exatamente na ausência de fatores negativos, mas sim na predominância dos afetos positivos sobre os afetos negativos. E, por último, o BES inclui, necessariamente, uma avaliação global dos diversos aspectos da vida de uma pessoa como um de seus aspectos significativos.

    Apesar das discordâncias teóricas relativas à conceituação de BES, há um consenso quanto às suas dimensões: satisfação com a vida e afetos positivos e negativos (ANGUAS, 1997; MARTINEZ; GARCIA, 1994). Afeto positivo é um contentamento hedônico puro, experimentado em um determinado momento como um estado de alerta, de entusiasmo e de atividade. É um sentimento transitório de prazer ativo; trata-se mais de uma descrição de um estado emocional do que um julgamento cognitivo.

    Afeto negativo refere-se a um estado de distração que também é transitório, mas que inclui emoções desagradáveis como ansiedade, depressão, agitação, aborrecimento, pessimismo e outros sintomas psicológicos aflitivos e angustiantes (DIENER, 1995).

    A dimensão satisfação com a vida é um julgamento cognitivo de algum domínio específico na vida da pessoa; um processo de juízo e avaliação geral da própria vida (EMMONS, 1986); uma avaliação sobre a vida de acordo com um critério próprio (SHIN; JOHNSON, 1978). O julgamento da satisfação depende de uma comparação entre as circunstâncias de vida do indivíduo e um padrão por ele escolhido.

    Assim, BES elevado inclui frequentes experiências emocionais positivas, rara experiência emocional negativa (depressão ou ansiedade) e satisfação não só com vários aspectos da vida, mas com a vida como um todo (SELIGMAN, 2002). Naturalmente que o humor das pessoas, suas emoções e julgamentos autoavaliativos mudam com a passagem do tempo, caracterizando a satisfação com a vida como um construto não só multidimensional, mas também dinâmico. Isso, no entanto, não implica a instabilidade do fenômeno. Flutuações momentâneas não obscurecem um julgamento mais abrangente do que pode ser considerado como o nível mais estável que a pessoa julga caracterizar sua satisfação com a vida. Evidências nesse sentido têm sido encontradas nos estudos sobre o desenvolvimento de instrumentos para medir o BES. As emoções momentâneas seriam fortemente influenciadas por fatores situacionais. Em contrapartida, os balanços decorrentes de eventos imediatos podem ser substanciais – as pessoas podem levar até vários anos para se adaptar a algumas situações fortemente negativas. Esse tempo de adaptação pode variar não só entre indivíduos, mas entre eventos da vida, sendo que as emoções negativas parecem requerer um tempo maior do que as emoções positivas para que a adaptação ocorra (COSTA; PEREIRA, 2007; GALINHA; 2008; SCORSOLINI-COMIN; SANTOS, 2011a, 2011b; SIQUEIRA; PADOVAM, 2008).

    BES e variáveis correlatas

    Diversos estudos se dedicam a estabelecer correlações entre as variáveis de BES e outras, como contexto cultural, idade, profissão, nível educacional. Tais produções acabam por impactar também a definição do conceito de BES, na medida em que auxiliam a pensar quais as variáveis que estão direta ou indiretamente relacionadas ao conceito (EFKLIDES; KALAITZIDOU; CHANKIN, 2003; HELLIWELL; PUTNAM, 2004; KEYES; SHMOTKIN; RYFF, 2002; LENT, 2004; MROCZEK; SPIRO, 2005; STEVERINK; LINDENBERG, 2006).

    Discutindo sobre os fatores que influenciam o BES, Lykken e Tellegen (1996) e Albuquerque e Tróccoli (2004), discorrem que este é um construto que sofre influência tanto cultural (experiências compartilhadas que formam a base de uma maneira similar de se ver o mundo), como da hereditariedade. O sentido das experiências dos indivíduos é construído socialmente por meio de crenças, pressuposições e expectativas sobre o mundo. O estudo de Keyes, Shmotkin e Ryff (2002) afirma que o BES é positivamente correlacionado com o curso de vida de cada um, as condições e evolução educacional, aspectos da personalidade, mas ainda não existem estudos práticos e interventivos que tenham assumido essas noções como eixos norteadores. Outros estudos sugerem, ainda, que o BES está correlacionado a fatores sociodemográficos e características de personalidade.

    Albuquerque e Tróccoli (2004) afirmam que pessoas oriundas de países mais ricos, com maior liberdade e ênfase no individualismo, tendem a demonstrar maior BES; é possível que os individualistas sejam mais capazes de seguir seus próprios interesses e desejos e, assim, mais frequentemente consigam se autorrealizar. No entanto, se por um lado, nas nações individualistas são elevados os relatos de bem-estar global, bem como a satisfação com domínios como o casamento, por outro lado, taxas de suicídio e de divórcio também são elevadas. Já amostras de nações pobres revelam escores médios de BES ou até mesmo abaixo do ponto neutro. Individualistas são mais propensos a se separarem e a cometerem suicídio se as coisas não vão bem, talvez em razão da menor intensidade de provimento de suporte social em culturas individualistas durante períodos críticos ou problemáticos. Assim, individualistas podem experimentar níveis mais extremos de BES, enquanto coletivistas podem ter uma estrutura mais segura, que produz um número menor de pessoas muito felizes, mas talvez também menos pessoas isoladas e deprimidas.

    Acerca das correlações do BES com outras variáveis, segundo revisão de Albuquerque (2004), os estudos acerca dessa noção e de suas possíveis influências externas têm diminuído, dada à reduzida importância que esses fatores parecem ter sobre o construto. Segundo a autora, pesquisadores mais recentes da área têm encontrado evidências cada vez maiores sobre a fraca influência das variáveis demográficas no BES, à exceção do estado marital. O contexto das experiências pessoais, metas individuais, características de personalidade, cognições, capacidade de enfrentamento e de adaptação surgem como variáveis que moderam a relação entre o BES e as circunstâncias de vida e os eventos externos. Outro fator que também exerce influência é a cultura, o que tem levado a um aumento considerável dos estudos transculturais. Outras variáveis estudadas com certa ênfase são: gênero, idade, estratégias de enfrentamento de conflitos, renda, religião, saúde e características de personalidade.

    Em relação à variável personalidade, Albuquerque (2004) destaca que as culturas divergem em suas prioridades para o grupo ou para o indivíduo. Em culturas individualistas, como a norte-americana, por exemplo, há uma ênfase nos sentimentos e pensamentos pessoais. Em contrapartida, em culturas menos individualistas, a prioridade é dada ao grupo. Em culturas individualistas, há relatos de níveis mais altos de BES, assim como de satisfação com o casamento, apesar de ainda registrarem maiores taxas de suicídio.

    Assim como a personalidade é apontada na literatura como um forte preditor de BES, destaca-se o papel da cultura no entendimento do fenômeno (ALBUQUERQUE, 2004; SMITH; BOND, 1999). Outra variável estudada em relação ao BES é a comparação social. Como discutido por Albuquerque (2004), os efeitos da comparação social no BES são mais discretos do que os autores acreditavam originalmente. Os estudos confirmam que a comparação social pode afetar as medidas de felicidade e satisfação em curto prazo. Ao contrário do que alguns estudiosos pensaram durante certo tempo, a comparação social não produz felicidade quando uma pessoa está próxima a outras que são inferiores em alguma característica.

    Correlacionando BES e saúde, a literatura aponta que a saúde percebida parece ser bem mais importante para o BES do que a saúde objetiva (ALBUQUERQUE, 2004). Por sua vez, esse estado de saúde subjetivo pode ser influenciado por afeto negativo e saúde objetiva (BRIEF; BUTCHER; GEORGE; LINK, 1993). Segundo tais estudos, pessoas com saúde objetivamente ruim podem demonstrar elevado BES, assim como pessoas com baixo BES podem não ter qualquer sinal de doença, o que nos leva a postular a importância da variável personalidade também quando examinamos a correlação entre BES e saúde.

    De modo similar, como apontado no estudo de Albuquerque (2004), as estratégias de enfrentamento e resolução de conflitos (estilos de coping), adotadas por todos os indivíduos e fortemente influenciadas pelos seus temperamentos, podem elevar ou diminuir o BES. Segundo a literatura, as pessoas felizes enfrentam seus problemas de maneira diferenciada, entretendo pensamentos e adotando comportamentos mais adaptativos do que as pessoas infelizes. As pessoas felizes veriam o lado brilhante dos relacionamentos afetivos (ALBUQUERQUE, 2004, p. 29), enfrentando os problemas de maneira mais direta e buscando ajudar as outras pessoas. Aqui podemos estender essa consideração aos relacionamentos de casal. Se as pessoas mais felizes tendem ser mais adaptativas e mais bem-sucedidas em relação à resolução de conflitos, esta capacidade não seria favorável ao estabelecimento de vínculos afetivos e à solução adequada dos conflitos conjugais? Deve-se pontuar, no entanto, que a relação causal entre BES, estratégias de enfrentamento e resolução de conflitos ainda não está bem definida na literatura científica (ALBUQUERQUE, 2004).

    De modo similar, outra variável apontada na literatura como possivelmente relacionada ao BES é o suporte social, entendido como apoio social e da família, uma vez que pessoas extrovertidas tendem a receber maior suporte social e a experimentar BES mais elevado. Apesar de o apoio social ser apontado pelos estudos como uma variável que influencia fortemente o BES, as pesquisas ainda não são conclusivas a respeito (DIENER, 1984). É apontado que pode haver uma influência bidirecional entre contato com grupos e felicidade, ou seja, o contato social pode levar a um BES mais elevado, assim como este pode gerar enriquecimento da rede social e melhor qualidade nas relações, o que estaria diretamente relacionado ao casamento ou ao estabelecimento de vínculos afetivos.

    Em termos de estado civil, Albuquerque (2004) destaca que pessoas casadas de ambos os sexos relatam mais felicidade do que aquelas que nunca se casaram ou são divorciadas, separadas ou viúvas. Pessoas que coabitam com um parceiro também são significativamente mais felizes em algumas culturas do que aquelas que vivem sozinhas (MASTEKAASA, 1994). Tal como apontado por Diener e Lucas (2000), em um estudo realizado com 40 nações, concluiu-se que pessoas casadas eram mais felizes do que pessoas divorciadas, separadas ou solteiras morando sozinhas, independentemente do número de divórcios e nível de individualismo na nação. Entretanto, parceiros não casados em culturas individualistas mostravam-se mais felizes e mais satisfeitos com suas vidas do que pessoas casadas ou pessoas solteiras. Contrariamente, em culturas coletivistas, pessoas morando com seus parceiros relatavam menor satisfação com a vida e maior frequência de emoções negativas do que pessoas casadas ou solteiras (SELIGMAN, 2000; 2002; SNYDER; LOPEZ, 2009).

    O casamento, desse modo, pode prover recompensas econômicas e sociais, ainda que esses benefícios dependam possivelmente dos valores vigentes na sociedade. Nos grupos de idade e culturas em que as necessidades das pessoas podem ser satisfeitas mais facilmente dentro do casamento, os efeitos são provavelmente mais positivos. Em culturas individualistas, o casamento possui um valor maior porque ele pode ser a primeira ou talvez a única origem de intimidade e apoio social (ALBUQUERQUE, 2004; DIENER; SUH, 1998). A relação mais direta entre casamento e BES ainda não é conclusiva, mas deve-se destacar a importância de fatores tais como as mudanças sociais, características culturais e expectativas específicas de cada indivíduo para a clarificação dessas correlações.

    Relacionado a essa discussão, o gênero é outra variável que vem sendo considerada quando se aborda o BES. As mulheres, em média, relatam maiores níveis de afeto positivo e com maior frequência relatam níveis extremamente elevados de BES (ALBUQUERQUE, 2004; WOOD; RHODES; WHELAN, 1989), assim como os relatos de afeto negativo são maiores na população feminina do que entre os homens. Uma possível explicação para esse paradoxo, segundo Albuquerque (2004), é que as mulheres vivenciam suas emoções positivas e negativas mais intensamente e com maior frequência do que os homens. Assim, na população em geral, as emoções positivas mais intensas das mulheres parecem balancear seu afeto negativo mais elevado, resultando em níveis de BES global similares aos dos homens.

    Em termos de idade, os estudos revelam que pessoas mais jovens não são mais felizes do que pessoas mais velhas. Em uma pesquisa de Diener e Suh (1998), recuperada por Albuquerque (2004), examinou-se a relação entre idade e BES em um levantamento que incluía amostras de quase 60.000 adultos de 40 nações. Dos três componentes mensurados – satisfação com a vida, afeto positivo e afeto negativo –, somente o afeto positivo declinou com a idade. O componente satisfação com a vida mostrou-se estável ao longo dos anos, ocorrendo apenas um pequeno declínio no humor (DIENER; SUH, 1998; DIENER; LUCAS, 2000). Desse modo, afeto positivo tende a diminuir com a idade, diferentemente da satisfação com a vida e do afeto negativo, que não sofrem grandes alterações.

    Segundo Mroczek e Spiro (2005), estudos atuais indicam que vários aspectos do bem-estar podem mudar à medida que as pessoas crescem e amadurecem. Por exemplo, os afetos negativos, componentes cruciais do bem-estar, são menores nas pessoas mais jovens. A maioria das investigações de mudanças do BES é focada nos afetos positivos e negativos, ao passo que são poucas as pesquisas a respeito da relação entre a dimensão da satisfação com a vida e a idade.

    Mroczek e Spiro (2005) atestam que a satisfação com a vida muda ao longo dos anos e com o passar da idade, mas que depende de variáveis individuais. A saúde física e as boas relações conjugais estão positivamente associadas à satisfação com a vida. O estudo mostra que, com a idade, há um declínio no nível de satisfação com a vida, o que estaria ligado à depreciação da saúde física. Segundo os autores, investigações longitudinais têm mostrado que poucos estudos têm focado a estabilidade da satisfação com a vida ao longo do tempo.

    Mroczek e Spiro (2005) destacam que eventos extremos podem ter influência reduzida nas avaliações subjetivas de bem-estar ao longo da vida. Pessoas que enfrentam dificuldades extremas, como quadriplegia, ou que são aquinhoadas com sucesso, como ser contemplada com um prêmio ou ganhar na loteria, adaptam-se às suas condições e apresentam pequenas mudanças de longo prazo no senso de BES. Essas considerações são corroboradas por diversos estudos disponíveis na literatura, mas evidenciam que divergências nos padrões de vida normais podem alterar temporariamente os parâmetros de satisfação com a vida de um indivíduo, uma vez que características estáveis de personalidade asseguram que o senso de BES voltará ao seu nível de equilíbrio. O estudo concluiu que a idade e os relacionamentos afetivos estão positivamente correlacionados com o conceito de BES, o que sugere que a satisfação com a vida muda com a idade para a maioria das pessoas.

    Steverink e Lindenberg (2006) investigaram, em uma população de idosos, a correlação existente entre os níveis de satisfação do afeto e reforço comportamental, bem como as necessidades sociais humanas associadas à idade, perda física e BES. O estudo focou na influência dos relacionamentos sociais na saúde física e longevidade, bem como no bem-estar psicológico e saúde mental. Os relacionamentos sociais para as pessoas idosas figuram entre os mais importantes determinantes da satisfação nesta etapa do ciclo vital. Entretanto, muitas evidências indicam que os relacionamentos sociais mudam conforme a idade. Segundo os resultados da pesquisa, o afeto apresentou forte correlação com a idade. O afeto e o reforço comportamental apresentaram forte correlação com a satisfação com a vida. O reforço está positivamente relacionado aos afetos positivos e negativamente associado aos afetos negativos.

    Segundo descobertas de Lent (2004) e Lent e colaboradores (2005) acerca do BES em idosos, a variável de satisfação com a vida é associada aos afetos positivos, conforme sugerem outros estudos clássicos da área. Porém, os autores alertam que as implicações dessa relação ainda devem ser estudadas em maior profundidade. Assim, atestar essa correlação seria apenas um primeiro passo para se pensar no modo como essa constatação poderia impactar os estudos na área e se reverter em práticas e intervenções psicossociais futuras.

    Entre os fatores individuais e sociais evidenciados em muitos estudos como preditores do BES estão: status conjugal, etnia, educação, emprego e idade, o que fez que, desde décadas atrás, se concebesse que as pessoas felizes eram jovens, saudáveis, bem educadas, bem-sucedidas, com bons salários, extrovertidas, otimistas, livres de preocupações, religiosas, casadas com alto grau de satisfação e inteligentes. O desemprego tem sem mostrado forte preditor negativo da felicidade, o que se torna ainda mais forte quando a pessoa perde o emprego (HELLIWELL; PUTNAM, 2004). Segundo o referido estudo, existe forte relação entre capital social, relações familiares, de parentesco, de amizade e religião, que seriam aspectos responsáveis por conferir apoio para uma vida saudável no plano físico e também e termos de BES. Os autores concluem que aspectos tais como boas relações familiares, casamento e engajamento social, por exemplo, parecem ser independentes do nível de BES, mas estão diretamente relacionados à felicidade e à satisfação com a vida, mostrando impacto considerável na saúde das pessoas.

    Por fim, outra variável relacionada ao BES é a renda. Pelos levantamentos de Albuquerque (2004), as pesquisas mostram que pessoas de nações mais ricas são mais felizes do que pessoas de nações mais pobres e que o aumento da riqueza nacional em nações desenvolvidas não tem sido associado ao BES. Outros resultados evidenciam que as diferenças de distribuição da riqueza, observadas em uma mesma nação, mostram pequenas correlações positivas com o BES. Acréscimos na riqueza pessoal não resultam em aumento significativo da felicidade e pessoas que desejam fortemente conquistar dinheiro e acumular riqueza são mais infelizes do que aquelas que não o desejam. Corroborando esses achados, nos estudos de Scorsolini-Comin e Santos (2011a) e Scorsolini-Comin (2012), não foram encontradas associações significativas entre BES e renda, ou entre BES e classificação socioeconômica.

    Considerações finais

    Recentemente, no âmbito nacional, a literatura científica começou a demonstrar maior interesse pelo estudo do BES, a partir da disponibilização de traduções de importantes obras publicadas internacionalmente, bem como de investigações teóricas e empíricas produzidas por pesquisadores brasileiros em diferentes contextos. Em muitos dos estudos recuperados, a adoção de instrumentos de avaliação do BES não leva em conta as especificidades do construto, mas a necessidade de utilizar uma noção que seja amplamente aceita no meio científico. Seguindo essa pauta, muitos pesquisadores não empregam mais as expressões felicidade ou bem-estar, considerando o BES um construto mais delimitado, seguro, passível de mensuração e que goza de maior respeito e prestígio nos meios acadêmicos.

    O movimento percebido nesses estudos é de que, muito mais do que discutirem a noção, definição e pressupostos de base, propõem-se que o conceito deve ser aplicado à prática, devendo-se pensar em que medida uma técnica ou intervenção pode contribuir para a melhoria do BES das pessoas, o que implica diretamente uma intersecção com os conceitos de qualidade de vida e, consequentemente, de saúde. Como destacado por Díaz Llanes (2001), a produção científica acerca do tema na atualidade deve ser analisada segundo um movimento que busca compreender a importância dos fatores que levam à saúde, em uma perspectiva positiva. Para que haja uma intervenção de impacto social, no sentido da promoção de saúde, é importante que se compreendam as complexas interações que determinam o BES nos níveis macrossocial, microssocial e individual.

    Um importante avanço trazido nos estudos recentes é a constatação de que o BES nem sempre é afetado por condições materiais, de saúde, conforto e riqueza. Sabe-se que a influência desses aspectos depende dos valores e das expectativas do indivíduo, do grupo e comunidade a que pertence e do contexto mais amplo da sociedade em que vive, o que amplia as possibilidades de estudo não apenas dos fatores que promovem o BES, mas também de suas especificidades, que podem se converter em nichos para outras investigações e novas postulações na área. Os processos envolvidos na produção e manutenção do BES podem variar de acordo com os eventos vivenciados e com os indivíduos, ou até mesmo no contexto do mesmo indivíduo com o decorrer do tempo.

    Como evidenciado neste capítulo, diversos estudos oferecem contribuições relevantes não apenas do ponto de vista de um resgate histórico que nos permite compreender a genealogia do construto, como também contrastam o BES com outras tradições psicológicas. Esses estudos situam esse conceito no interior de uma perspectiva teórica em franca expansão, justamente por privilegiar a subjetividade e não os critérios objetivos da vida, consubstanciados em variáveis como renda, posse de bens materiais e outros itens promotores de conforto, embora se estude em que medida esses aspectos poderiam ou não influenciar na percepção de bem-estar e satisfação com a própria vida apresentada pelas pessoas.

    Em relação aos estudos que abordam o BES apenas de uma perspectiva teórica ou outros que se preocupam apenas com a prática e a repercussão deste conceito, relacionado a outros, tais como a qualidade de vida, há que se pontuar que a articulação entre teoria e prática deve ser mais bem elucidada por futuras investigações. Nessa vertente, não necessários estudos que não apenas conceituem adequadamente a noção, mas que relatem dados empíricos que possam contribuir para o delineamento dos contornos precisos do BES, bem como para a redefinição e construção de modelos que abarquem suficientemente o conceito.

    Como apontado em outros estudos (SCORSOLINI-COMIN; SANTOS, 2010a; 2010b; 2010c; 2011a), o investimento no desenvolvimento de instrumentos de mensuração adequados é relevante, justamente por permitir que se dimensione adequadamente o conceito, o que não significa esgotá-lo, mas compreendê-lo em sua complexidade. A adaptação de modelos clássicos de testagem psicológica produzidos em outros países podem contribuir para aprimorar o modo de apreender o contexto e a aplicabilidade do construto. As variáveis correlacionadas ao BES, como idade e escolaridade, por exemplo, seriam as mesmas em todas as culturas ou se manifestariam do mesmo modo? Qual o status dessas variáveis nas diversas condições culturais e sociais? Essas dimensões devem ser articuladas aos avanços teóricos de conceituação do BES, que não se dão de modo único e isolado. Tal articulação, em última instância, é necessária para que se possa pensar acerca de intervenções práticas, como na área da saúde e do trabalho ou na área de educação. De que modo a educação pode contribuir no desenvolvimento de pessoas mais felizes e mais satisfeitas? Como melhorar a qualidade de vida no trabalho a partir da consideração de que as pessoas exibem níveis de BES diferentes e que estes não dependem apenas do meio em que vivem? No contexto da saúde, como a correta compreensão desse construto pode se reverter em promoção de condições para otimizar a qualidade de vida das pessoas, reforçando a esperança e o enfrentamento positivo em pacientes acometidos por graves doenças? Ou ainda, partindo do referencial da Psicologia Positiva, como intervir no nível preventivo a partir do conceito de BES? Pelos estudos aqui selecionados, respostas para algumas questões já podem ser elaboradas. Diverso modelos têm sido divulgados por Seligman (2011) com resultados animadores.

    Na aproximação com a Psicologia Positiva, a prática psicológica deve preocupar-se em localizar e desenvolver recursos pessoais e sociais, bem como tendências adaptativas, levando em conta a natureza e extensão dos problemas vivenciados pelas pessoas em suas condições concretas de vida. Assim, a ênfase recairia sobre a melhora dos padrões de adaptação e da habilidade de viver com maior funcionalidade em oposição a buscar meramente remediar as deficiências ou os problemas, o que muda o foco de atuação tradicional da Psicologia. O conceito de BES, nesse sentido, pode contribuir para ampliar o debate contemporâneo, que tem evidenciado os limites estreitos da visão tradicional do processo saúde-doença.

    Por vezes, esse caminho se mostra árduo e complexo. A abertura para o novo tem de se operar, concomitantemente, com a ruptura com o paradigma antigo, mas de modo que a mudança não apague o que foi construído, mas imprima um novo caráter às clássicas formas de se ver e de se conceber o ser humano, o que é uma das propostas do conceito de BES. A multiplicidade de noções correlatas está posta na produção científica brasileira. Embora essa pluralidade possa ser vista como um entrave para as delimitações mais precisas dos conceitos, processo fundamental na consolidação de um novo campo científico, podemos pensar nesse fenômeno em que múltiplas noções dialogam e se interpenetram como um balizador das discussões na área. Em que medida a correta definição de conceitos pode contribuir com os avanços das pesquisas na área? Ou, dito de outro modo, como a multiplicidade de noções pode disparar o debate em torno de pesquisas com foco na adaptação, no bem-estar, nos aspectos salutares do desenvolvimento? Assim, concluímos este capítulo com um convite para que as investigações sobre o BES possam prosseguir e amadurecer, comprometidas com o constante aprimoramento científico, notadamente no campo da ciência psicológica.

    Referências

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