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de
Lembranças
&
Fórmulas
Mágicas
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de Lembranças & fórmulas Mágicas Edson Bueno de Camargo
Prólogo.
Lembro de minha avó materna desde meus primeiros dias, de quando não
deveria me lembrar de nada, foi ela que curou meu umbigo, deu meus primeiros banhos.
Cuidou de mim em minhas primeiras febres, me criou ao seu modo medieval e cristão
enquanto minha mãe dava seu tributo à fábrica. Fui uma criança doente e acredito que por
alguns momentos duvidou que aquele menino bronquitivo e verminoso fosse vingar.
Naqueles dias crianças morriam como moscas, e havia muito mais moscas que crianças.
Quando nos mudamos para nossa própria casa à alguns quarteirões, a visitava praticamente
todos os dias, na certeza de sempre encontrar um doce de abóbora, curau, doce de leite
talhado e umas e outras tantas guloseimas, era faminto por comida e carinho. Minha avó foi
perdendo o olhar para dentro a medida que a loucura lhe tomava a sanidade. Nada perdia,
cada detalhe absorvido e analisado, sabia de tudo, e para tudo tinha uma opinião, mesmo
próximo a morte e com a consciência turvada pela loucura.
Somos o resultado de todos que vieram antes de nós, daí a grande mágica
que é estar vivo, sermos entes animados e respiradores de ar. A vida não tem explicação por
si mesma, explicamos o corpo e o funcionamento quase mecânico de seus órgãos internos,
da concepção, até a hora da morte, mas o grande mistério não é resolvido, porque um
punhado de carbono e água passa a ser animado? Nossa existência no mundo é de tal
precariedade que nos agarramos às lembranças como maneira de nos sentirmos vivos e
pertencentes aos lugares e as coisas. A magia mais fantástica de todas está a nossa volta e
são nossos antecessores que nos dão as pistas para desvendá-la. Carrego em mim os olhares
de minhas avozinhas e na ausência destas é o meu olhar que dará à minha filha e ao meu
neto meu aprendizado impreciso. Hoje sou o ancestral, herdeiro e responsável pelas
ancestralidades que me precederam. Um elo na corrente que foi encadeado no princípio de
tudo e que seguirá até o incerto, o fim de todas as coisas.
Dedico,
aos meus pais Emídio e Eunice, que não entendem bem o que é ter um filho poeta
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José casou-se
já na Bahia, em Riacho de Santana
com a índia pega a laço
batizada Clementina Maria de Jesus
seu nome primeiro também no vento das eras se perdeu
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ama a revolução
encontrou uma solução
para consertar o mundo
a paternidade precoce
um trágico acidente
a responsabilidade de uma casa
sem projetos, sem futuro,
só a certeza do amor verdadeiro
mas mantém
escondido em algum canto obscuro
meio envergonhado
sem jeito
por ser tão fora de moda
a última esperança
aquela, a que teima em não morrer.
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Corredores.
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O Apito.
verde,
tudo era invariavelmente
pintado desta cor
portas, portarias,
armários,
maquinários, carrinhos de louça,
caminhões
um verde escuro
sobre as superfícies de ferro e encanamentos
paredes envelhecidas
muros altos e aramados
uma densa ramagem
heras e sebes
os recobriam em diversos pontos
ainda ressoa
em meus ouvidos apressados
em sonhos e pesadelos
o apito da fábrica
a se apossar do silêncio
de todas as manhãs
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Gavetas de Guardados.
granitos históricos
caminhos
muito percorridos
gavetas de guardados
grampos de cabelo enferrujados
projéteis da revolução
bulas de remédio
anotações inconclusas e inúteis
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como demoli-la
tijolos e caliça caindo ao chão
as telhas francesas esverdeadas de musgo
numa nuvem de poeira
trágicas lágrimas e lamentos
(ouço a tosse de minha vó a noite)
o jardim de sempre-vivas
a roseira selvagem e espinhuda
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tendo a imaginar
um passado sem cores
rostos em sépia e desbotados
a rua de terra
as cercas de ripas
o esgoto correndo nas valas
os cães e galinhas soltos nas ruas
a barroca, as bananeiras
o córrego pútrido de esgotos
esconderijos secretos e amoreiras silvestres
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brincadeiras infantis
o auto falante da igreja
tocava uma canção do Taiguara
aqui o silêncio
entre os mármores e granitos encardidos
cruzes e anjos sem nariz
capim brotado em espigas
gargalhadas e conversas lá fora
o cruzeiro
e velas ardentes
um cheiro indecifrável
o tempo passou
agora só volto ali por obrigação
fujo daquele lugar
tenho medo, agora admito
temo
que eu entre para ficar
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Rememória.
vendedores de biju
matracas a avisar
contava as moedas
parcas e poucas
nem sempre dava
havia um sorveteiro
que trocava o produto por garrafas velhas
enquanto empurrava a carrinho
fazia um barulho engraçado
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Genealogia.
meu avô
desembarcou na plataforma
do trem que vinha de São Paulo
com a miséria na bagagem
doença
uns trastes
quase nenhuma roupa
a mulher e uma ninhada de filhos
(entre eles minha mãe com quatro anos de idade)
uma carta de apresentação para uma igreja evangélica
e a fé que tudo iria melhorar
conheceram-se na fábrica
meu pai e minha mãe
na mesma fábrica em que fui gerado
minha mãe na produção, onde quase nasci
onde trabalhei nas máquinas pintadas de verde
minha irmã também
meu avô e meus tios e seus filhos
meus primeiros amigos e também os inimigos
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ranger de dentes
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o chá servido
pedra de toque
esquecida no fundo de uma gaveta
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efemérides
e
cada gota de lágrima
puro soro e sal
é como agulha
no meu coração
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Nova Casa.
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estrito senso
“ o imperador adorava
liquens no jardim
de pedras”
estrito senso
rompida da aurora
meses chuvosos
meias atrás da geladeira
anos passados a vento
remoinhos de vento
observados
da porta da sala
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ouro outro
ouro outro
tempo
nas vergas de um velho salgueiro
deslocamento do ar
a pequenina “Mercedes”
recolhe o quase nada
rotos arremedos de brinquedos
corre para dentro
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Ouvidos de gato.
minha vó
com ouvidos de gato
ouvia toda a casa
rangidos
da memória do sol
eu
observava aranhas
tecendo a morte de pequenos insetos
nos esteios
(a velha casa não tinha forro)
as velhas telhas
abrigavam ninhos e nichos
me assombravam criaturas invisíveis
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Um Domingo.
minha mãe
na cozinha
às voltas com o fogão
o cheiro forte me enjoa
um domingo
perdido no passado
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um trem
deitado na cama
sem sono
na sala
poltronas esperam
um universo de rumores
percorre as paredes
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Nova.
corrente subterrânea
subúrbios da memória
rochas de fada
caminho no bosque
teurgos malabaristas
brincam com o tempo e o vento
vértices suspensos
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pobre sonhador
não encontraria
regaço neste nosso novo mundo
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planos /asas
minhas fortalezas
na pedra bruta assentadas
por terra ruíram
(muralha de Jericó revisitadas)
afundaram
couraçados enferrujados
barcos de papel na chuva
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uma caixa
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a pequena varanda
de cimento vermelho
a caminho da fábrica
minha mãe se voltou para mim
e sorriu
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Totem de vidro.
passagem de fogo
totem de vidro
água de geodo
sopro do dragão
congelado na pedra
rubi escarnado
encravado no anel
puro cristal transparente
fruto o fogo e do sal
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dordolhos
timbó
curare
é coisa de índio
ou troça de preto (véio)
tumescência
dormência
sonolência /indolência
moléstia de mato
dordolhos
febre terçã
(úmida) (seca)
e só
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cozinhando feijão
nunca viu
sua bisavó
filha
cozinhando feijão
em panela de ferro de três pés
no braseiro que havia
no fundo da casa grande
se sentes hoje
compelida a dotes de bruxa
talvez também deva a ela
a casa na cidade
nunca foi bem ao seu gosto
foi adaptando os ares de sítio
horta, fogão improvisado no quintal
seus santos em altares espalhados pela casa
minha vó
era a madrinha que eu nunca tive
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lagartos ao sol
lagartos ao sol
são criatura ignóbeis e bizarras
(ao modo de Manoel de Barros)
teiú atravessou
a estrada
no caminho de José Bonifácio
no veio de minha
lembrança
teiús e lagartixas
se irmanam
(no deboche)
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todas as noites
recebo uma visita
mesmo naquelas de vigília
há um fantasma
que subconsciente
aflora de um inferno ( imaginário? )
temo que
se ver meus olhos
deite sobre mim
e devore-os
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conteúdo verde-azulado
suporte
para chapéus
e guarda-chuvas
ante
portas que dão para o nada
caldeiras fervendo
conteúdo verde-azulado
bruxedos ou sopa primordial
chamas espectrais
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degraus vermelhos
degraus vermelhos
duro cimento queimado
liso, frio e úmido
a velha casa
não está
só a sombra
de sua aparição
a rua
essa ainda está
mas não a mesma
me parece outra
uivo de cão
lembrança primeva
afunda aos primórdios
ainda há meninos
uns poucos e escassos
na dobra do tempo
tudo sempre quer voltar
mas, não
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todos os dias
todos os dias
como ritual
se alumbram porões
lâmpadas incandescentes
cercadas por monjas jovens
água de cabaça
senso de direção torcido
para depois
se iluminar mais leve
outro
ainda nesta carreira
encontrei formiga
“andando ao lado da casa”
que poderiam ser cigarras
de tão invisíveis
nestes dias
chove mais devagar
e todos os guarda-chuvas
são azuis
de desbotados
doutra feita
minha vó
entregou-me um punhado de cinzas
tirada norma da borralha
tudo
nunca fez o melhor sentido
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toda casa
toda casa
tarde
findo dia
amarelece o chão
nas folhas de outono
não parte
o veio bruto
da pedra
montanha
pequeninas para a vista
imagem
cabe dentro dos dedos
o olhar constrói
o que cintila o vermelho
prevendo
que dará a noite
o escuro
e vaga-lumes
o último ouro
os galos
limparam do quintal
depois
empoleiraram no telhado do forno
para na manhã acordar outro dia
minha vó
é só lembrança
aos poucos se desvanece
feito foto antiga
o mercúrio
se verte em mancha amarela
(sépia, me disseram um dia)
enquanto grilos e cigarrinhas
roem os bagos do trigo
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sepulcros
cemitérios
onde se misturam sentimentos
de paz e tristeza
cada túmulo
uma história interrompida
uma outra começada
crisântemos vermelhos
pelo aniversário
alamedas de sibipirunas
fazem do chão
um tapete de cimento e pequenas folhas
uma criança
se aproxima sorrateira
e depois desaparece
as meninas
sobem sobre tumbas
e riem se divertindo
não tem o menor temor
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de Lembranças & fórmulas Mágicas Edson Bueno de Camargo
antes se derramasse
antes se derramasse
o leite
nas fervuras
rompesse o fole
num berço em brasas
breves peregrinos
e suas vieiras
não encontrarão abrigo
nesse dia
não há mais
grossas colunas de fumaça
chaminés
apenas uma única
e derradeira
fábrica fantasma
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de Lembranças & fórmulas Mágicas Edson Bueno de Camargo
braços e pernas
braços e pernas
te comandam
te acomodas
no caminho
que perfazes
não sabes onde vai dar
observas um menino
que traz à mão
algo brinquedo
hora ferido
talvez segredo
o degredo
lhe destes
a outro tempo
hora o lastimastes
doutra o olvidastes
agora te assombra
no teu desejo
e
de todo
acreditas
que tu é ele
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de Lembranças & fórmulas Mágicas Edson Bueno de Camargo
bicho folha
talo seco de mamão
bicho galho
taturanas
mato seco
quintal
amoreiras
do vermelho ao roxo
se pintam
barroca
bananeiras e esconderijos
pés descalços
cabelos ruivos (que escureceram)
o galo atento
galinhas e pintainhos
vigiar o portão da horta
permanente vigília
canteiro de almeirão
( que aprendi a comer com meu avô)
couves
salsa e hortelã
mastigar alho em folha
limão cravo com sal
as nêsperas maduras
ficam no alto
as maiores também
mas não havia medo
subir
o tronco era desafio diário
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filha
família
soluços
perdas irreparáveis
renunciar a revolução
o conhecimento
sempre cobra
o preço de uma inocência
seria insolência
dizer
que não ganhou nada
estamos plenos
estamos vivos
e cada dia
tem o valor de um dia
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de Lembranças & fórmulas Mágicas Edson Bueno de Camargo
o cajado
o cajado de freixo
nunca chegar a arco
(aflição de Penélope,
que entregará ao amado)
colher de alpaca
ressoa como um sino
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de Lembranças & fórmulas Mágicas Edson Bueno de Camargo
rentes ao chão
respiro do porão
escuro
grade e treliça de ferro
mais
um verão chuvoso
infância e solidão
no entanto
goiabas verdes
proliferavam os quintais
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velhos frascos
relíquias de menino
(embebido até os ossos
de solidão)
vidro enterrado
à maneira
de tesouro
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de Lembranças & fórmulas Mágicas Edson Bueno de Camargo
anda
esta alma
desassossegada
infortúnios
que apereiam
feito cães de Beijing
pequenos pequineses
destes que ladram
às portas e portões
miniaturas ridículas
de dragão
as mazelas
são outras
mais fundas
feito traição na quaresma
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de Lembranças & fórmulas Mágicas Edson Bueno de Camargo
no primeiro dia
no primeiro dia
as chaminés
pareciam mais altas
(talvez eu tenha encolhido)
era tarde
e o horizonte
tingiu-se de carmim
como violetas
antes de murchas em cinza
quanto as pedras
o matiz mauá do granito
brancas de atavio
se vislumbravam
de resto
fica este travo
de enxofre em minha língua
gosto de noite mal dormida (mais uma)
e pesadelos encavalados (e esquecidos)
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de Lembranças & fórmulas Mágicas Edson Bueno de Camargo
empunhadura
o corpo
empunhadura de adaga
que percorre e fere
risco de luz
relâmpago na íris
azulam planos e
palmas
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de Lembranças & fórmulas Mágicas Edson Bueno de Camargo
aqui no sonho
como se pode
querer tomar à mão
o intangível?
ai dor
que supera o sonho
ou o sonho
nos recupera da dor?
e habita
aqui no sonho
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de Lembranças & fórmulas Mágicas Edson Bueno de Camargo
mecanismos de relógio
o velho suíço
tirado da algibeira
e rompido a martelo
saltaram a esmo
rodas dentadas e mola entrelaçados
mecanismos de relógio
quando observados
esparramados sobre uma mesa
não fazem o menor sentido
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de Lembranças & fórmulas Mágicas Edson Bueno de Camargo
derradeiras sementes
quando o Sol se tornar uma gigante vermelha, não haverão mais tardes ensolaradas. Todos os dias,
rotina religiosa, uma pequena dose de aguardente como remédio esperado
um ato de condescendência com o pequeno pecado, distribuía bênçãos pelas ruas e esquinas, mas,
não acreditava em ressurreição
único sacerdote
e dignitário
de uma religião
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de Lembranças & fórmulas Mágicas Edson Bueno de Camargo
os pecados
agora
depois de tanto surrealismo
este sentimento anacrônico
deu de me comparecer
um lirismo
imperfeito de fora de hora
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de Lembranças & fórmulas Mágicas Edson Bueno de Camargo
sete corvos
um Sol
lento e certo se tingir de carmim
no horizonte agonizando
para a prece do por do sol
os arames apodrecidos
paus podres e
quebrados
observam o milharal tombado
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de Lembranças & fórmulas Mágicas Edson Bueno de Camargo
figueiras bravas
e liquens
entre verdes e amarelos
disputam a posse do muro
(um pardal impassível
observa a tudo)
tijolos
que ainda resistem
por portar a marca do fogo
do ferro na argila
reside
o fogo da madeira
do corte da mata
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de Lembranças & fórmulas Mágicas Edson Bueno de Camargo
descrever a dor
mas
meu olhar nunca deixou de ser triste
só há paz
no azul do mar
e na rebentação das ondas
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de Lembranças & fórmulas Mágicas Edson Bueno de Camargo
depois
a busca do alinhamento
dos cristais específicos
e sua linha de clivagem
a isso
se adicionarão
carvão e óleos animais e vegetais
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de Lembranças & fórmulas Mágicas Edson Bueno de Camargo
cheiros
cravo da Índia
cominho
cheiro
de ervas que queimam
benjoim e canela
na brasa úmida e dolorosa
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talvez te incomodem
minhas camisas velhas
(essas que uso o tempo todo)
são testemunhas do tempo
como meus sapatos rotos
pisam à eras o mesmo pó
(antigas sandálias)
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de Lembranças & fórmulas Mágicas Edson Bueno de Camargo
totem
totem
construção de símbolo
fibra a fibra
alimenta-se do mênstruo
mulher - terra
que se converte em arte(mis)
árvore de seiva vermelha
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de Lembranças & fórmulas Mágicas Edson Bueno de Camargo
decifrar o conteúdo
1_
se pudesse
decifrar o conteúdo
das gavetas
do fruto selvagem
que se desidrata
(como marcador do tempo)
e denuncia
sementes dispersas
carregadas de presságio
(e possibilidades interrompidas)
2_
acreditar na promessa
que segreda cada lume
que o vento não trouxe
brincos de cigana
(nunca usados)
papeis amarelos
com sua escrita roxa
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de Lembranças & fórmulas Mágicas Edson Bueno de Camargo
3_
haverá (sempre)
cartas que
nunca serão lidas
números de tômbola
e naipes que se destacaram dos baralhos
pedras de mica
e turmalinas sem nenhum valor
4_
carrego o ás de espadas
o gládio negro do destino
cravado em pelo
5_
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de Lembranças & fórmulas Mágicas Edson Bueno de Camargo
meio aluado
minha avô
sempre dizia à minha mãe
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de Lembranças & fórmulas Mágicas Edson Bueno de Camargo
dor incomoda
guardar
caixas de remédios vazias
drágeas nulas
e anacrônicas
que não curam esta dor incomoda
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de Lembranças & fórmulas Mágicas Edson Bueno de Camargo
meu avô tinha olhos tão profundos que me perdia dentro deles
tinha olhar de ver tudo
não perder nenhum detalhe
nós ao redor a ouvir suas histórias
(antes da loucura
fazia muitos doces e bolos
sempre me guardando um pedaço)
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de Lembranças & fórmulas Mágicas Edson Bueno de Camargo
placenta
raiz materna
cravada a carvão e sal
na raiz da outra mãe
àquela mais antiga
ao salgueiro
que arca seus membros
um cumprimento sutil
o campo sagrado
assim preparado
se enraízam às novas gerações
67
de Lembranças & fórmulas Mágicas Edson Bueno de Camargo
a estrela rompe
a rota
e ilumina distraída
o quintal desta minha casa
entre os corredores
uma luz fantasmagórica
que tem medo de espelhos
e janelas
carece de porta
esse cômodo que contém água
e cerâmica colorida
mira madre
todos los hombres
son Angeles
pero sí
sin asas
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de Lembranças & fórmulas Mágicas Edson Bueno de Camargo
onde estão todos as garrafas para leite, o vidro e as chapinhas de alumínio, o pão embrulhado em
papel de seda, cuidadosamente desembrulhado para ser aproveitado?
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de Lembranças & fórmulas Mágicas Edson Bueno de Camargo
um velho amigo
um velho amigo
estes das antigas
me bateu à porta
me falou do presidente
e da crise política nos jornais
(qual crise?
algum dia não houve uma crise qualquer
para alguém ganhar algum dinheiro?)
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de Lembranças & fórmulas Mágicas Edson Bueno de Camargo
http://www.secrel.com.br/jpoesia/ebcamargo.html
http://umalagartadefogo.blogspot.com/
http://www.eldigoras.com/eom03/indic/buenodecamargoedson.htm
http://www.gargantadaserpente.com/toca/poetas/edson_bc.php
http://pt.wikipedia.org/wiki/Edson_Bueno_de_Camargo
http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=5443045
O poema “Nova Casa” foi publicado na agenda Livro da Tribo - 2005-2006 – pág. 95 - Editora
da Tribo - São Paulo-SP;
o poema “rentes ao chão” foi publicado no site PD- Literatura http://www.pd-
literatura.com.br/pd2004/poemas/set.html em setembro de 2004, no site Pliegos de Opinion
http://www.pliegosdeopinion.net/pdo11/11barandal/11poesia/edsonbueno.htm e no site Revista
o Caixote n.º 14 http://www.ocaixote.com.br/caixote14/cx14_poemas_camargo.html ;
o poema “todos los hombres son Angeles” foi publicado no site Varal de Literatura
http://www.varaldaliteratura.ale.nom.br/poemas2.php ;
o poema “de lembranças e fórmulas mágicas” foi publicado no site Pliegos de Opinion
http://www.pliegosdeopinion.net/pdo11/11barandal/11poesia/edsonbueno.htm e na Revista O
Caixote n.º 14 http://www.ocaixote.com.br/caixote14/cx14_poemas_camargo.html
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de Lembranças & fórmulas Mágicas Edson Bueno de Camargo
Orelhas:
Mas olha, o teu poema, a tua poética, bebendo em fontes orientais, conseguiu uma
síntese muito original entre esse nosso memorialismo bucólico, mineiro, drummondiano, e
a delicadeza sintética dos raicais, dos ideogramas, dos origamis. Seus poemas são
cerimônia do chá com bolinho de queijo!
Leonor Domene Pedrão – escritora na aurora da vida e minha tradutora para o espanhol
fiquei surpreso e feliz com a chegada do seu livro pelo correio - entre tantos outros
mapas, guardo-o junto ao meu tesouro pessoal .agradeço. a poesia é sempre um belo
presente. coloco o poema Varais - e sua beleza imensa - entre os meus poemas
preferidos.
Gosto de ler as suas imagens fortes, e gosto de ver que você continua com toda a
verve.
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de Lembranças & fórmulas Mágicas Edson Bueno de Camargo
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