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Avions-nous oublié le mal?

Penser la politique après le 11 septembre


Jean_Pierre Dupuy1

Cap.1
EXPULSÃO DO MAL NO MODELO RACIONALISTA
•O modelo individualista e racionalista que domina as ciências humanas e o
senso comum nos levam a achar uma razão às nossas ações buscando as
causas e considerando essas coisas como razões.
•Toda ação, mesmo a aparentemente mais insensata, acha-se dotada de uma
razão mínima se concebida como movida por desejos e crenças.
•Portanto, bastaria achar boas crenças e bons desejos para reconstruir a
harmonia.
•É para salvar a racionalidade de um ato extremamente violente que se atribui a
seus autores crenças ou desejos que pessoas sensatas rejeitariam com horror,
ridículo ou comiseração.
•Se existir horror num ato, o ódio vai para as razões que inspiraram o ato e não
para o ato em si, justificado pelas causas que se tornaram razão.
DESMISTIFICAÇÃO RACIONALISTA DA LÓGICA DO INTERESSE
•Atos separados: dar, receber, retribuir apresentam-se como gestos de
generosidade ou de cordialidade e obedecem rígidos imperativos.
•As obrigações de retribuir e de receber, no esquema de reciprocidade levam a
uma contradição: o que retribui sem esperar o objeto que lhe é dado recusa o
fato de receber.
•O tempo que separa o momento do dom do momento do contra-dom, fazendo-
os aparecer como atos inaugurais de generosidade, sem cálculo, difere a
reciprocidade porque o contra-dom não aparece como incluído no projeto do
dom.
•Por que o “princípio de reciprocidade” deve ficar escondido para a consciência
daqueles que o vivenciam?

SISTEMA DE TROCAS E CULTURA


•A realidade negada pela aparência da troca de dons dissimula e nega, é o
estado de natureza, sem lei, onde cada um sabe que os outros estão dispostos a
recorrer à força para defender sua honra e seus bens.
•Trocando bens no lugar de golpes, os selvagens fazem guerra contra a guerra.
Cada vez que tratam, é um tratado de paz. A troca primitiva não é guiado pela
busca do interesse próprio mas pela necessidade de reproduzir sempre o laço
social num clima de ameaça difusa, mas sempre presente, do desabamento da
ordem social na violência.
•Existe entre a realidade da guerra e a aparência do dom uma relação de
negação mas, ao mesmo tempo, de identidade com uma diferença: a não
equivalência entre o dom e o contra-dom, o tempo que os separa.

1
DUPUY, Jean-Pierre, Avions-nous oublié le mal?Penser la politique après le 11 septembre,
Paris, Bayard, 2002
•Passa-se da reciprocidade positiva à reciprocidade negativa num instante!
•O que se trata de dissimular pelo jogo arriscado da diferença é a própria
reciprocidade porque é a forma mesmo da violência e da guerra.
NO COMEÇO ESTÁ A VIOLÊNCIA...
•No mito de origem contado pela sociologia crítica, no começo está a violência, a
luta dos homens pela dominação.
•É próprio de todo conflito humano ter saída indecidível!
•Não tem outro procedimento para dar conta desta saída que o próprio
desenvolvimento do conflito na história: a história decidirá, mas nunca a história
abolirá a indecidibilidade própria da luta entre seres humanos.
•Desta luta, os resultados não podem ser deduzidos a partir de algum princípio
universal, razão, natureza ou outra razão.
•A saída, em geral, é uma diferença, a que distingue o vencedor do vencido, e
esta diferença é sempre arbitrária, podendo, portanto, ser questionada e trocar
de sentido quando o conflito é retomado.
MENTIRA PRIMORDIAL...
•O pecado original de toda sociedade humana é disfarçar as decisões da história
humana como boas soluções de um problema decidível, congelando-as e dando
a elas um sentido.
•Este artifício engana mais numa sociedade de ordem do que numa sociedade
burguesa liberal:
– As primeiras fazem desaparecer os vestígios do conflito e colocam os valores e
o sentido além do alcance dos homens.
– As segundas repousam abertamente sobre a concorrência e o sentido do viver
juntos está sendo questionado permanentemente. O trabalho e o esforço visível
dos que crescem, não sem esmagar concorrentes, revelam precisamente o
conflito e traem sua verdade secreta: ele é sempre decidido no arbítrio e no
provisório.
•Mas o interesse é, segundo Hanna Arendt, o que estando entre os seres (inter
esse), os reúne e os impede de cair uns em cima dos outros. O mundo reúne e
separa ao mesmo tempo os homens. Sem esta mediação existe a violência pura
onde os seres perdem de vista seus interesses próprios mais ainda do que seus
interesses comuns.
•O mal não é só uma categoria moral: é também um princípio de explicação.

Cap.2
A ESSÊNCIA DO DESEJO HUMANO (ROUSSEAU)
•Para Rousseau, é o “amor próprio” que ele opõe ao “amor de si” que reinava no
estado primeiro de natureza. Isto acontece, segundo ele, quando as paixões,
desviadas do seu objeto pelos obstáculos, cuidam mais do obstáculo para
descartá-lo do que do objeto a ser atingido. Assim o amor de si torna-se amor
próprio, quer dizer um sentimento relativo pelo qual as pessoas se comparam,
que exige preferências e cujo gozo é puramente negativo e não procura mais
satisfazer-se pelo próprio bem mas pelo mal do outro.
•É quando os interesses se cruzam que o amor próprio brota do amor de si. O
cruzamento é o dos olhares, é o olhar vesgo, a in-vidia, a inveja, o ciúme, o ódio
destruidor que polariza-se sobre o obstáculo a ser eliminado e perde toda forma
de racionalidade.
•A boa sociedade do Contrato Social terá por finalidade restabelecer a
transcendência do amor de si (vontade geral) sobre o amor próprio (vontade
particular), da razão sobre as paixões.
ANTROPOLOGIA DE ADAM SMITH
•Na “Teoria dos sentimentos morais”, usando a palavra simpatia, Smith fala de
um sujeito divido de modo irremediável entre seu ego e o outro, vivendo em
permanência debaixo do olhar do seu espectador, vendo a si mesmo e ao
mundo através do olhar do outro.
•Quando este outro é nossa consciência, tratada como espectador imparcial,
tudo está bem e sentimos a obrigação moral de comportar-nos de modo a
conseguir a aprovação deste outro eu mesmo (the man within).
•A teoria da sociedade começa somente quando o espectador é o ser humano
de carne e osso (the man without) que admira em nos o que é menos digno de
ser admirado: nossos bens e nossa riqueza.
PORQUE DESEJAMOS A RIQUEZA? (SMITH)
•O que é a riqueza e porque a desejamos? A riqueza não é o que assegura
nosso bem-estar: é o que desejam os outros, nossos rivais.
•Quando eles nos admiram pelo que possuímos, a simpatia confunde-se com a
inveja.
•Se o mercado e as trocas constituem o laço social, o custo é a corrupção dos
nossos sentimentos morais resultando da nossa disposição para admirar os
ricos e os poderosos e para desprezar os pobres e os miseráveis.
DESPOTISMO DO ESTADO (TOQUEVILLE)
•O individualismo que caracteriza o homem democrático é atravessado pela
tensão, que lembra a simpatia de Smith ou o dualismo de Rousseau, entre
fechar-se em si mesmo e ser sugado pelo outro, entre tranqüilo isolamento e
febre da concorrência.
•Certos estados (a França) recusam o jogo da concorrência por excesso de
espírito competitivo! O raiva de vencer é substituída pelo tormento do
ressentimento e da inveja.
•O ódio imortal e cada vez mais acesa que anima os povos democráticos contra
qualquer privilégio, favorece a concentração gradual de todos os direitos
políticos nas mãos do representante do Estado.
•O soberano estando, sem contestação e por necessidade, acima de todos os
cidadãos não excita a inveja dos outros e cada uma acredita que tira dos outros
todas as prerrogativas concedidas ao soberano.
•O homem democrática recusa reconhecer que seu vizinho (igual) tem luzes
superiores, desconfia de sua justiça e vê com ciúme seu poder; ele o teme e o
despreza e gosta de fazer ele sentir a comum dependência que ambos têm em
relação ao mesmo mestre.
A POLÍTICA E O PROBLEMA DO MAL
•Para estes autores e muitos outros, o fator político só pode ser concebido no
seu relacionamento com o problema do mal.
•A filosofia política contemporânea parece ignorar o aspecto trágico da condição
humana e parece ser povoada somente por seres racionais e razoáveis que não
precisam de nada para viver decentemente juntos sem a necessidade de
trucidar uns aos outros! Segundo ela, é o egoísmo da própria auto-preservação
que representaria a ameaça principal para a estabilidade da ordem social.
•Este egoísmo não tem nada a ver com o amor próprio de Rousseau ou o self-
love de Smith. Segundo Rousseau, o vício dos maus é de estar mais
preocupados com os outros do que consigo mesmo: por isso o egoísta é o
menos egoísta porque não se coloca nem ao lado, nem acima, nem abaixo de
ninguém e não precisa do deslocamento de ninguém para ser feliz.
•O egoísmo apresenta-se como problema ou como solução mas esconde a
“maldade” quer dizer o papel central que os outros ocupam nas nossas
existências.

Cap.3
LÓGICA DA DIFERENÇA OU DA SEMELHANÇA?
•No atentado do 11 setembro, a chave está não na lógica da diferença mas sim
numa lógica da semelhança, da identidade, da imitação e da fascinação.
•Grande pergunta: Por que os europeus progridem quando acumulamos
atrasos? O ódio do ocidente vem não de uma oposição ao progresso mas do
espírito de concorrência tão forte para eles quanto para nos.
•Quando a febre da concorrência se espalha no planeta inteiro e que alguns
perdem sistematicamente, é inevitável que o mal chamado ressentimento,
orgulho ou inveja produza estragos.
•O modelo de desenvolvimento científico, tecnológico, econômico e político
pensa-se como universal. Ao mesmo tempo sabe que esbarra em limitações
internos e externos, inclusive porque a atmosfera do planeta não o suporta.
•Portanto a modernidade deve escolher: sua exigência ética de igualdade que
gera princípios de universalização ou o modo de desenvolvimento que deu a si
mesma.

CHOQUE DE CIVILIZAÇÃO OU GUERRA CIVIL?


•O ressentimento une as pessoas que se excomungam mutuamente.
•Em vez de choque de civilizações, impõe-se talvez a imagem de uma guerra
civil numa mesma civilização global.
•Segundo Bin Laden : “matamos civis infiéis em troca das nossas crianças que
eles mataram. É permitido pela lei corânica e pela lógica. Matamos inocentes
porque somos, repito, autorizados pela lei do islã e pela lógica.”
•A lei humana que impõe a reciprocidade da troca seria a manifestação de uma
necessidade de ordem lógica, portanto mecânica. Bin Laden revela que esta
lógica é a do mal, da violência e do ressentimento.
•Por isso, as sociedades tradicionais escondem, diferindo-a, a reciprocidade
inerente a toda troca de bens para afastar e preservar a boa reciprocidade de
tudo o que poderia ser confundido com a reciprocidade violenta.

EM NOME DAS VÍTIMAS...


•O terrorismo islâmico é o reflexo do ocidente cristão pela sua retórica vitimária.
•A universalização da preocupação pela vítimas revela que a civilização tornou-
se uma no planeta inteiro. Em todo lugar, mata-se em nome das vítimas do
próprio campo.
•A influência do cristianismo é evidente no fato que a palavra “sacrifício” acaba
significando exclusivamente o sacrifício de si, o que serviria para absolver os
kamikazes!
•Talvez estejamos vendo o fim da ideologia vitimária: não é simplesmente
colocando-se do lado das vítimas que se procura buscar a justiça.
•A fonte da civilização está na diferença entre assassinato e sacrifício. A história
da humanidade é a história dos saltos qualitativos da civilização quando se
substitui vítimas humanas por animais e por símbolos: é a história da
simbolização.

Cap 4

ECONOMIA POLÍTICA E CONCORRÊNCIA


•O conceito de concorrência da economia política implica que os agentes
econômicos não tenham nenhuma relação entre si assim como os cidadãos que
votam.
•Para que os amores-de-si calculadores e interesseiros se harmonizam, só é
necessário um mecanismo, um gigantesco autômato, que funciona melhor pelo
fato que escapa de toda consciência, de toda vontade e de toda
intersubjetividade.
•Esta utopia de uma sociedade onde os seres humanos não teriam necessidade
de falar, de amar para viver juntos, onde a mútua indiferença e o fechamento em
si seriam os melhores garantias do bem comum, é tão monstruosa que levanta o
questionamento de qual motivo levou ela a existir e a ser levada tão a sério.
•O mundo da concorrência é difícil a viver porque cada um luta pela
sobrevivência; pelo menos evita-se o perigo de considerar o obstáculo do outro
fazendo que as pessoas sejam totalmente destacadas umas das outras: lutarão
sem jamais encontrar-se.
ÉTICA HERÓICA DOS MERCADOS (HAYEK)
•Segundo Hayek, se sofre muito no mercado: as pessoas perdem o emprego, as
empresas vão para falência, os fornecedores são abandonados...
•Para que a ética heróica dos mercados seja possível, é preciso considerar que
essas infelicidades são fruto do acaso e abandonar-se às forças cegas do
processo social.
•A desigualdade é mais facilmente suportada e fere menos a dignidade se é
resultado da influência de forças impessoais em vez de provocada por vontades
subjetivas.
•A economia resolveu o problema do mal: basta transformar os seres humanos
em autômatos.

Cap 5
THEORY OF JUSTICE (Rawls)
•Diz respeito a um mundo possível, povoado por zumbis razoáveis
completamente estrangeiros ao trágico da condição humana.
•Não ver o mal pelo que ele é significa tornar-se cúmplice dele.
•É a universalização da preocupação com as vítimas: toda desigualdade que não
está a serviço dos menos abastados é injusta em três níveis:
–Liberdades e direitos fundamentais
–As chances e oportunidades
–O acesso aos recursos e riquezas econômicos e sociais.
•Os menos abastados, os que teriam o maior número de chances de ser vítimas
da sociedade são sagrados.
THEORY OF JUSTICE (método)
•Se cada um age com seus condicionamentos sociais, movido por interesses de
classe ou de status e pronto para usar esperteza para estar melhor colocado na
barganha coletiva, é evidente que o acordo coletivo é impossível. Para Rawls,
pessoas agindo assim pertencem a um nível inferior e não são livres e racionais.
•Os membros da sociedade deliberarão em condições eqüitativas se forem
privados das informações que poderiam levá-los a influenciar o debate num
sentido favorável aos seus interesses particulares. Ele imagina portanto uma
posição de origem na qual cada um ignora tanto seu lugar na sociedade, seu
status social quanto suas capacidades e inclinações intelectuais e físicas.
•Nesta ignorâncias, as pessoas agem como pessoas livres e racionais, em
situação de igualdade. Rawls constrói seus membros da sociedade com
artefatos (artificial persons) que ignoram muitas coisas que seus colegas de
carne e osso sabem!
A HUMANIDADE DO HOMEM!..
•O que constitui a humanidade do ser humano para sua felicidade (a comunhão
na alegria, a compaixão) como para sua infelicidade (a inveja, o ciúme,o
ressentimento) não é justamente esta faculdade especulária que consiste em ver
o mundo, incluído a si mesmo, através o olhar dos outros?
•A boa sociedade, segundo Rawls, é uma sociedade que todos consideram
justa. É desigual por causa da diferença de aptidões, de talentos e de
competências que se tornam visíveis.
•Se os mais talentos e produtivos são avantajados, não é para que seus méritos
(constituídos por dons naturais e que teriam frutificado por causa dos seus
esforços) sejam reconhecidos e recompensados é para encorajá-los a
desempenhar seu papel num esforço coletivo com finalidade ética de melhorar
ao máximo o destino dos mais desfavorecidos.
•Rawls tenta justificar que os seres humanos que substituiriam os autômatos não
comprometerão o equilíbrio. Por que não considerar o problema da justiça já
com seres humanos reais? Somente as pessoas reais sofrem por causa da
injustiça do mundo e, sem o sentimento da injustiça, a idéia mesma de justiça
perde consistência.
SOCIEDADE JUSTA E INVEJA...(Rawls)
•É justamente porque a sociedade proclama-se justa que os que estão em
posição de inferioridade só podem experimentar ressentimento.
•Aparentemente, o invejoso revolta-se contra o que ele diz ser a injustiça
fundamental de uma sociedade que o colocou no lugar que ele ocupa.
•Na realidade se a inveja é o mal impiedoso, descrito pela literatura, que nos
corrói é porque o invejoso é convencido da própria insignificância e não duvida
que o outro merece o próprio sucesso.
•A boa sociedade é uma sociedade moderna e leiga que sabe que a ordem
social não vem de uma qualquer exterioridade mas resulta de instituições que
foram construídas na posição de origem.
•O problema deste tipo de sociedade é que não oferece possibilidade para quem
está em posição de inferioridade de atribuir sua desgraça a uma causa situada
fora da própria esfera pessoal: é o paroxismo do individualismo no sentido do
indivíduo excluído de todas as pertenças que constituem o mundo tradicional e
fundamento único dos valores.
ARBITRÁRIO (Rawls)
•O arbitrário é para a modernidade o que a ordem necessária das coisas é para
a tradição: o que escapa ao nosso domínio, o do que não precisamos responder,
o do que não podemos nos apropriar, o lugar da exterioridade.
•O pobre, na boa sociedade, não teria complexo de inferioridade porque saberia
que sua pobreza é problema de tara.
•O rico saberia que seus talentos e suas aptidões são unicamente meios
recebidos da natureza com o único escopo de tornar a sociedade mais justa.
•O erro filosófico fundamental é de acreditar que existe uma solução ao
problema da justiça e que esta solução resolve o problema do mal e que uma
sociedade que se sabe justa elimina o problema do ressentimento.
•É um presunção fatal: se não podemos eliminar o ressentimento, a única
pergunta relevante é o que podemos fazer para minimizar seus efeitos e
canalizá-lo em direção de formas benignas e mais produtivas.

Parte III
PROBLEMO TEOLÓGICO-POLÍTICO
•A modernidade tenta pensar a ordem social fora de todo fundamento religioso.
•A religião trazia um solução cuja marca era chamar para uma exterioridade
fundadora.
•A ambição dos modernos é acabar com esta lógica da exterioridade e fazer
repousar princípios, leis e normas que regulamentam a vida da Cidade
unicamente sobre os recursos internos do mundo humano e social. É um projeto
de autonomia.
•A razão deve substituir a fé, a imanência deve substituir a transcendência e a
autonomia deve substituir a heteronomia.
IRREDUTIBILIDADE DA LÓGICA DA EXTERIORIDADE
•Nas sociedades não-modernas, onde o laço social é de natureza sagrada ou
religiosa, o que chamamos de azar é incorporado nas instituições de base da
sociedade. Tudo acontece como se as sociedades religiosas descarregavam
suas mais altas responsabilidades no não-manuseável por excelência: o azar.
Por exemplo:
–O ritual do bode expiatório: um representa o bem e é sacrificado a Javé. O
outro recebe o peso de todos os pecados e é expulso para o deserto ou forçado
pela coletividade a jogar-se num abismo. A escolha entre os dois bodes, entre o
bem e o mal, é feita por meio de sorteio.
–A partilha da terra, em muitas sociedades tradicionais, é feita por sorteio.
–No carnaval têm um rei designado por sorteio. É o substituto de uma vítima
sacrifical presente nos rituais anteriores a esta festa.
–No passado, o método democrático de designação dos governantes é o sorteio.
SENTIDO DA EXTERIORIDADE DO AZAR
•O azar primitivo tem um sentido e este sentido atribui a responsabilidade da
decisão a uma exterioridade, a uma transcendência. Existe um sujeito do azar
que é exterior à esfera dos homens.
•As relações inter-pessoais seriam condenadas a formas dissimétricas dono-
escravo ou modelo/fascinante-discípulo/servil se não fossem protegidas por uma
dimensão vertical de transcendência.
•Sem mediação, os homens seriam entregues à fascinação de sua própria
violência.
•A auto-transcendência produzida pelo fato de recorrer ao azar tem ligação com
o modo pelo qual os homens auto-exteriorizam sua violência na forma do
sagrado (Girard).
•A escolha de Sofia não é feita por sorteio: parece que temos certas formas de
geração do azar que são tidas como legítimas e portadoras de sentido na
medida em que produzem exterioridade ou transcendência.

Parte IV: a mecanização do espírito

A MECANIZAÇÃO DO ESPÍRITO
•“O homem nasceu livre” mas sempre aparece como submetido a muitos
mecanismos. Os seres humanos sempre pensaram a si mesmos como
submissos a processos que os comandam a partir de uma exterioridade
fundadora.
•Esta exterioridade foi primeiro divinizada. Hoje a ciência assume este papel. A
metáfora do mecanismo sempre foi muito usado nas ciências sociais.
•No século XX, com o aumento do número destes modelos de interpretação do
humano por si mesmo que foram a economia, as ciências cognitivas e o
estruturalismo, esta visão do ser humano avançou muito.
•As raízes antropológicas da mecanização do espírito poderiam vir do modo pelo
qual os seres humanos enfrentam o problema do mal.
•Dominados pelo ressentimento, a inveja, o ciúme e o ódio destruidor, eles se
comportam como se fossem encadeados por mecanismos.
A GRANDE TENTAÇÃO
•A tentação pode ser grande de dar mais um passo e transformar-se em
máquina para escapar do sofrimento que um homem mais ou menos máquina
pode ainda sentir.
•Os autômatos que nos substituirão serão livres deste apêndice pesado que é a
consciência. A tragédia terá desaparecido de sua vida.
•O que se chama de ciências cognitivas pode representar o estágio mais
avançado desta grande metamorfose. Elas se fundamentam num monismo
materialista e mecanicista.

•O modelo de máquina usado é o algoritmo ou “máquina recursiva”, quer dizer


um procedimento lógico que encadeia operações segundo regras fixas.

•Heidegger opõe ao pensamento meditativo, que busca o sentido, o pensamento


calculador que procura atingir escopos levando em consideração as
circunstâncias.

•É o espírito que mecaniza a si mesmo e, fazendo assim, da a si mesmo a


capacidade de agir sobre si mesmo de um modo que nenhuma psicologia
científica nunca fez. Portanto deverá ver não só o que ele pode fazer mas o que
deve fazer.

•A mecanização da vida vai acabar seguindo a mecanização do espírito.

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