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A ESPIRITUALIDADE DE NIETZSCHE

O sentimento do sagrado descrito por Nietzsche, levando para algo


que é nem o espírito nem a matéria, fundamenta suas especulações sobre a
natureza profunda do mundo, o que distingue ele tanto do idealismo quanto do
materialismo1. Para Nietzsche, a primeira aceitação do mundo pertencia ao
domínio da experiência intima, e que a afirmação que ele defendia não
consistia somente nem principalmente na invenção de metáforas ou outras
criações de linguagem, ou seja que o conhecimento do mundo em si tinha
prioridade sobre a construção de leituras ou de discursos sobre o mundo.
Existe, portanto, na sua filosofia um lugar para uma concepção positiva da vida
espiritual, que não seria contradita pelas suas críticas virulentas?
Existe uma crítica de Nietzsche sobre o ascetismo bem conhecida
na terceira dissertação da Genealogia da moral. A crítica que Nietzsche faz do
representante mais cruel e mais típico do ascetismo, o sacerdote ascético, está
dirigida ao sistema de valores do sacerdote e do modo de vida ditado por esses
valores. De um modo geral, para ele, um valor ou uma prática são ditas sadias
se elas revelam ou refletem uma certa aceitação do mundo, e não sadias se
elas conduzem ou decorrem de sua negação. Nietzsche vê no sacerdote
ascético o ser menos sadío por excelência porque ele concede um valor à vida
humana na medida em que ela está totalmente tensa para a negação do
mundo; ele representa o tornar-se da vida contra si mesmo. O sistema de
valores do sacerdote apóia se em duas grandes noções: o falso e o verdadeiro.
Nietzsche descreve o estratagema pelo qual esse sistema é elaborado como
uma verdadeira perversão do instinto e da razão. O sacerdote qualifica como
falso tudo o que é real e constitui o mundo – o devir, a multiplicidade, o corpo, o
sensível – e de verdadeiro um mundo imaginário ao qual ele atribui todas as
propriedades que são contrárias às do mundo. Portanto o sacerdote ascético
não cura o mal do qual sofrem seus fiéis. Ele o propaga e o mantém embora
adocicando-o.

1
Acompanho a análise de BROISSON, Ivan, Nietzsche et la vie spirituelle, Paris, L’Harmattan,
2003
O lema do jovem Nietzsche tinha um lema que ele conservou
durante toda sua vida: “Torne-se o que você é.” Ela indica o quanto Nietzsche
estava apegado à idéia da realização individual e deixa adivinhar que ele
criticará tudo que poderia impedir o indivíduo de atingir seu pleno desabrochar.
Para Nietzsche, tornar-se si mesmo e viver em contemplativo significavam a
mesma coisa. Ele quer criar uma ciência ancorada na vida, que não poderia ser
desunida da existência individual. Se o saber for dissociado da vida, ele perde
todo significado. Nas Considerações intempestivas, ele insiste que a exigência
de objetividade prejudica a vida e que toda atitude que faz dela um imperativo
absoluto pode ser considerado como doença. Nesse sentido, pode se falar de
uma oposição entre a verdade e a vida, onde “verdade” visaria o fim suposto de
uma exigência de objetividade impessoal e a “vida” o desenvolvimento do
individuo, o desabrochar da existência singular. No escrito Verdade e mentira
no sentido extra-moral, Nietzsche questiona o que ele nomeia o “instinto de
verdade”, essa vontade teimosa de atingir um “mundo verdadeiro”, um conjunto
de “certezas” que parecem estabelecidas, embora tenham sua origem na força
criadora do homem. Ele contesta a idéia de um conhecimento que seja puro de
qualquer intervenção do indivíduo.
Todavia, ele considera que existe uma busca pelo conhecimento que
se ancora na vida porque parte da própria vida, porque seus conhecimentos
são vitais (esse “conhecimento” exige em primeiro lugar que as questões sejam
enfrentadas), e ela volta ao assunto porque inspira toda a conduta de que
conhece desse modo e porque a vida, quando se faz um passo a mais, torna-
se uma vida de pensamento. Assim, Nietzsche, ao mesmo tempo que ele
conduz suas meditações sobre a oposição do conhecimento e da vida,
prescreve uma espécie de vida contemplativa, principalmente para aqueles que
se interessam para os grandes problemas.
Esse ensinamento exige um certo tipo de vida porque é preciso ver
as coisas no seu conjunto e não como as vê o “homem ordinário”. Ele
considera a “inquietude moderna” como uma doença2. Segundo ele, a época
contemporânea caracteriza-se por uma desvalorização do ócio, que ele
considera como algo de bom, em proveito de um trabalho extenuante. Esse

2
NIETZSCHE, Friederich, Humano, demasiado Humano, São Paulo, Companhia de Bolso,
2007, par. 282 – 286
fenômeno atinge a ciência “os cientistas têm vergonha do otium”, abandonam-
se à escravidão dos pequenos fatos em vez de viver como pensadores
aristocráticos. Essa escravidão e essa agitação provocam o declínio da cultura
porque torna-se vergonhoso de pensar por si mesmo e de medir livremente o
peso de cada idéia. A independência de espírito é considerada como um crime
contra o interesse geral.
O século de Nietzsche seria então doente por causa de sua agitação
e de sua falta de ócio. Os homens desse tempo sofreriam de um excesso de
energia? Justamente, não, porque o que se esconde por baixo dessa
preocupação febril, sua causa profunda, na realidade é uma insidiosa preguiça!
“Acho que cada pessoa deve ter uma opinião própria sobre cada coisa a
respeito da qual é possível ter opinião, porque ela mesma é uma coisa
particular e única, que ocupa em relação a todas as outras uma posição
nova, sem precedentes. Mas a indolência que há no fundo da alma do
homem ativo impede o ser humano de tirar água de sua própria fonte.”3
O preguiçoso não é aquele que parece. Não é o ocioso que, para
enfrentar os problemas da existência, se retira dos problemas dos trabalhos
cotidianos; é o “homem de ação” que abandona-se aos trabalhos para escapar
dos problemas.
O remédio proposto por Nietzsche consiste em devolver à
“ociosidade” seu papel e forçar os indivíduos, pelo menos o que são feitos para
isto, a buscar um lazer corajoso. Nietzsche chama isso de “vida contemplativa”.
“Por falta de tranqüilidade, nossa civilização se transforma numa nova
barbárie. Em nenhum outro tempo os ativos, isto é, os intranqüilos, valeram
tanto. Logo, entre as correções que necessitamos fazer no caráter da
humanidade está fortalecer em grande medida o elemento contemplativo.”4
Nas suas obras de maturidade, Nietzsche precisa seu ideal
contemplativo. Ele não aceita um ideal contemplativo que faça da vida do
espírito uma vida separada da vida do corpo. Ele recrimina aos “espirituais” de
ter contaminado os homens da vida ativa, que Nietzsche prefere porque ele os
acha mais vigorosos. O homem de vida ativa está cheio de forças vitais, mas
não é ainda o indivíduo delicadamente formado no qual elas se organizam. É
preciso, para isso, que o indivíduo assume plenamente a própria existência,
que ele busque descobrir o que ele é para poder tornar-se tal. Isso exige

3
Ibid. par. 286
4
Ibid. par. 285
algumas condições de vida, e mesmo uma nova vida contemplativa onde
seriam cultivadas e não contrariadas todas as forças do indivíduo. O pensador
deve, portanto, possuir capacidades de abstração e de raciocínio. Devem
porém superar a tentação dos antigos contemplativos que faziam da abstração
um fim em si. Os conceitos são instrumentos por meio dos quais o homem
simplifica as coisas; o erro dos antigos contemplativos foi ter visto neles um
elemento subsistente pertencendo a um mundo separado, e de ter feito da vida
um caminho em direção a esse mundo. Esse mundo tornava-se o escopo da
vida, e portanto o fim da vida em todos os sentidos da palavra.
“O pensador necessita de fantasia, vôo, abstração, dessensualização,
invenção, intuição, indução, dialética, dedução, crítica, coleta de material,
pensamento impessoal, contemplação, visão do conjunto e, igualmente,
justiça e amor em relação a tudo que existe – mas todos esses meios já
contaram isoladamente como fins e fins últimos, na história da vita
contemplativa e deram a seus inventores a beatitude que penetra a alma
humana quando refulge um fim último.”5
Fazer de tudo isso um escopo final significa corrompe-las, porque
significa colocá-las contra a vida e contra o mundo. A nova vida contemplativa
será do pensador que não renuncia ao mundo, que não quer abstrair-se do
mundo e, portanto, desaparecer como indivíduo; será, pelo contrário, do
pensador que busca a si mesmo, que enfrenta os problemas colocados pela
própria existência com todos os meios próprios da própria individualidade.
“Renunciar ao mundo sem conhecê-lo, como uma freira – isso resulta
numa estéril e talvez triste solidão. Isso nada tem em comum com a
solidão da vita contemplativa do pensador: quando ele a escolhe, não está
abdicando de nada; talvez significasse renúncia, tristeza, ruína de si
mesmo, para ele, ter de perseverar na vita practica: a esta ele renuncia,
não por conhecê-la, por conhecer-se. Assim pula ele nas suas águas,
assim adquire ele a sua serenidade.”6
O que Nietzsche ataca na religião não é o modo de vida religioso
mas a preocupação em cultivar a dogmática. Ele denuncia as falsas
interpretações do texto da experiência que consistem em referir todo fenômeno
sensível ao mundo do ideal. Se ele procede assim é para trazer de volta o
interesse do homem perdido nos mundos ideais para a dura realidade,
exatamente para o cotidiano e a disciplina que deve ordená-lo. Ora essa
disciplina é precisamente aparentada à vida contemplativa a mais tradicional.

5
NIETZSCHE, Friederich, Aurora, São Paulo, Companhia das Letras, 2004, par. 43
6
Ibid., par. 440
No parágrafo 9 de Ecce Homo, ele mostra como desejar honras, mulheres ou
dinheiro para eles mesmos contradiz o coração do seu temperamento como de
sua filosofia. O filósofo deve permanecer inatual, indiferente como Heráclito
para o louvor ou a reprovação dos homens. É portanto o contrário do
comediante que vive unicamente para o próprio público, que não procura
tornar-se o que ele é mas o que o público espera dele. A mulher (assunto de
que ele trata na sétima seção de Humano, demasiado humano e no início do
segundo livro de Gaia Ciência), a mulher pode ser um obstáculo para o filósofo
de dois modos: cria um vínculo o que torna a pessoa menos livre para pensar.
A mulher parece amolecer e enganar o homem, o que é o contrário da dureza
necessária para o filósofo, como veremos mais adiante. O terceiro obstáculo, o
dinheiro parece, em comparação, quase inofensivo. O perigo não é, contudo,
pouco. Quem serve o dinheiro não pode ser dono de si, e se cair nessa
impotência, é por livre e espontânea vontade.
Na Genealogia da Moral, quem lê com paciência a terceira
dissertação percebe que Nietzsche expressa os três tradicionais votos
religiosos e os considera úteis. Para ele, o “espírito vigoroso e independente”
deve retirar-se ao deserto, viver no mais extremo desapego. Esse deserto seria
um escuridão voluntária, uma fuga diante de si mesmo. Essa escuridão é
acompanhada pela humildade, que significa uma certa dependência e um certo
desaparecer. O filósofo deve ser livre do dever de pensar a si mesmo.
Portanto, se ele depender dos outros, deve ficar livre de qualquer desejo de
acumulação econômica. Finalmente, o filósofo deve apresentar um certo
ojeriza ao casamento. Embora, o que ele chama de escuridão se parece com
humildade, o que ele chama de humildade se parece mais com pobreza, o
filósofo vivendo longe dos discursos, dos negócios, das mulheres, o filósofo
vive ume despojamento quase religioso.
Esse pequeno “quase” faz porém uma grande diferença. Qual é a
relação exata do filósofo com o sacerdote? No discurso do sacerdote, a ascese
é um fim em si. O que expressa o ascetismo do filósofo, o que o ascetismo
sinaliza é o “instinto” do filósofo, é ele mesmo, seu querer, sua “fatalidade”. A
disciplina ascética será apreciada como condição de realização. Ela significa “
“um optimum das condições da espiritualidade a mais alta e a mais
ousada. Por aí, ele não nega a existência; pelo contrário, ele afirma a
própria existência, ele afirma somente sua existência.”7
O que ele entende por “espiritualidade a mais alta e a mais ousada”?
Pelo ideal ascético, os filósofos entendem
“o ascetismo sereno de um animal que se tornou divino e que se move
acima da vida ao invés de repousar sobre ela”.8
Isso dá idéia do tipo de realização proporcionada por esse ideal:
uma calma e uma leveza divinas, que faz com que o filósofo está em paz com
o mundo, consigo mesmo, com seu próprio corpo e com suas próprias paixões.
Obtém a liberdade que lhe permite filosofar, o que não significa simplesmente
uma atividade teórica com seus conceitos, mas muito mais uma vida intelectual
feita de experiências e de meditações.
Nietzsche compara frequentemente esse estado de espírito ideal
com a música ideal que ele deseja. Assim ele diz:
“Nossa música, que em tudo pode se transformar e tem de se transformar
porque como o demônio do mar, não tem caráter em si: outrora essa
música seguiu os passos do erudito cristão que foi capaz de traduzir em
sons o ideal deste: por que não acharia ela enfim aquele som mais claro,
mais alegre e universal que corresponde ao pensador ideal? – uma música
que apenas nos amplos acordos suspensos da alma dele possa embalar-
se, estando em casa? – Nossa música foi até agora tão grande, tão boa:
nada foi impossível nela! Que mostre, então, que é possível sentir ao
mesmo tempo essas três coisas: elevação, luz profunda e quente, e a
volúpia da suprema coerência lógica.”9
Essa “volúpia da suprema coerência lógica” deve ser entendida à luz
do tema mais vasto da “grande lógica” que simboliza adequadamente a
concepção nietzscheana da espiritualidade. O que é a grande lógica? Por
oposição ao que se pode chamar a pequena lógica, uma lógica demasiado
humana, que busca caricaturar o mundo por falta de força, a grande lógica é
uma ordem dada a uma matéria caótica pela virtude de uma força extrema.
Essa ordem produz um tipo de brilho, de luz, reflexo da força que o gerou. A
grande lógica caracteriza o grande estilo, o de todo artista rico de forças e ele
mesmo formado harmoniosamente. A grande arte como a alta espiritualidade
reflete parecidamente a harmonia do indivíduo. Essa harmonia não cai do céu

7
NIETZSCHE, Friederich, Genealogia da moral, III, 7
8
Ibid.
9
Aurora, 461
e Nietzsche chama de espiritualização o processo que a gera. Assim, “toda
animalidade é espiritualizada”10.
Depois de discutir as condições do conhecimento e da vida
filosófica, é preciso perguntar-se o que precisa conhecer e experimentar. Por
isso, é preciso entender um pouco a doutrina da Vontade de Potência. Essa
expressão designa a propensão de todo ser em realizar-se, em crescer, ou, por
assim dizer, sua disposição a desabrochar. Um dos traços da vontade de
potência forte é que ela contém sempre algum desejo de opor-se obstáculos.
Esse critério, a vontade de enfrentar penas, permite distinguir dois tipos de
felicidade. O ser medíocre não procura crescer, foge dos rigores da vida e só
busca o descanso. O ser forte, que conquistou uma nova grandeza pela
superação de alguns obstáculos, recebe, em acréscimo, um outro tipo de
felicidade, precisamente a de ter vencido. Tal felicidade representa a graça
mesma da vida enquanto o outro representa o caminho para a extinção. Assim
os papéis respectivos do prazer e do desprazer variam dependendo se tratar
de uma vontade forte ou de uma vontade fraca. Isso permite entender o que é
uma “vontade ativa” (a que define o super-homem, o que sempre se supera): o
homem ativo, o forte, em primeiro lugar, é capaz de forçar-se ao desprazer; em
segundo lugar, usa isso para realizar-se.
Renunciar às provações, é recusar enobrecer, quer dizer crescer e
viver. A figura do “último homem”, em Zaratustra, representa bem essa atitude.
“Ai, aproxima-se o tempo em que o homem já não dará à luz estrelas;
aproxima-se o tempo do mais desprezível dos homens, do que já se não
pode desprezar as si mesmo.
Olhai! Eu vos mostro o último homem.
‘que vem a ser isso de amor, de criação, de ardente desejo, de estrela?’ –
pergunta o último homem, revirando os olhos.
A terra tornar-se-á então menor, e sobre ela andará aos pulos o último
homem que tudo apouca. A sua raça é indestrutível como a da pulga; o
último homem é o que vive mais tempo.
‘Descobrimos o que é a felicidade’ – dizem os últimos homens, e piscam os
olhos.
(...) Não falta um pouco de prazer para o dia e um pouco de prazer para a
noite; mas respeita-se a saúde.”11

10
Genealogia da Moral III, 8
Segundo Deleuze, o último homem representa o estágio final do
niilismo. Esse autor distingue três etapas do niilismo. O niilismo negativo que
consiste em inventar um além-mundo para negar o aqui em baixo: é o niilismo
dos pastores. O niilismo reativo consiste em levantar-se contra a autoridade do
pastor e em negar seu além-mundo porque pesa demais. O niilismo passivo
consiste em desistir da luta e em embrutecer na inércia12. Assim, o que ameaça
o último homem, não é a extinção, mas sim a estagnação no gozo.
A qualidade que se opõe a essa fuga do desprazer é a dureza. Ser
“duro”, na linguagem de Nietzsche, quem persegue suas menores covardias
para para enfrentar por inteiro as próprias provações13.
É principalmente na sua reflexão sobre o conhecimento que se
encontra em Nietzsche uma crítica ao hedonismo e um convite para ser duro.
Nietzsche não que fazer da beatitude um critério de verdade: daí sua crítica
aos sacerdotes. Para ele, beatitude ou felicidade são nomes cristãos do
prazer14. A esse tipo de hedonismo, ele objeta que toda verdade é dolorosa,
que não existe pensamento profundo que não doa, pelo menos num primeiro
momento. Que as propostas de fé, longe de ser confirmadas pelo bem estar
que o crente sinta ou espere, podem ser objeto de dúvida e podem ser
refutadas.
“Cada palmo de verdade deve ser obtido com luta, por ela foi preciso
abandonar quase tudo a que se apega o coração, o amor, a confiança na
vida. Isso requer grandeza de alma: o serviço da verdade é o mais duro
serviço. – Que significa, afinal, ter retidão em coisas do espírito? Ser
rigoroso com seu coração, desprezar os “belos sentimentos”, fazer de cada
Sim e Não uma questão de confiança! - - - A fé torna bem-aventurado:
portanto, mente...”15
Essa dureza do homem do conhecimento tem um nome conhecido:
é o “trágico”. Nietzsche é um “pensador trágico”, o que o distingue dos
construtores de sistemas de qualquer espécie. No O nascimento da Tragédia,
ele queria descrever o lado esquecido da alma grega, o “dionisíaco”, e mostrar
que esse lado é muito mais gerador da grandeza da Grécia do que a

11
NIETZSCHE, Friederich, Assim Falou Zaratustra, São Paulo, Martin Claret, 2007, primeira
parte, Preâmbulo, 5
12
DELEUZE, Gilles, Nietzsche et la philosophie, Paris, PUF, citado em BROISSON, Ivan,
Nietzsche et la vie spirituelle, Paris, L’Harmattan, 2003
13
Ver Assim Falou Zaratustra, segunda parte, Dos Compassivos
14
NIETZSCHE, Friederich, O Anticristo, São Paulo, Companhia das Letras, 2007, par.50.
15
Ibid.
“serenidade” tão louvada pelos clássicos alemães. Para Nietzsche, essa
serenidade apareceu com a decadência da Grécia e é um sintoma dessa
decadência16. Ele visa um alvo escolhido, Sócrates, para ele o grande corruptor
da Grécia. Mas, através dele, ele visa o “homem teórico” em geral, que vê na
lógica muito mais do que um instrumento, que vê nela a própria realidade e que
busca nessa realidade um abrigo tranqüilizador. Assim, Nietzsche não ataca
simplesmente a decadência grega, mas também a do homem moderno. Ele vê
no homem ocidental do século dele o resultado de um tipo de proliferação
doentia do tipo teórico: os indivíduos são ávidos de ciência, mas de uma
ciência que tranqüiliza. A ciência moderna, para Nietzsche, respira a fraqueza;
o otimismo moderno, os valores modernos, tudo isso cheira mal. Assim, na
releitura de O nascimento da tragédia que ele mesmo faz, ele vai definir o que
é o “pessimismo trágico”17. Não designa mais a doutrina que considera o
mundo como mau em si; designa uma capacidade do querer, a dureza no
conhecimento que leva a ver o que o otimismo esconde. Em breve: o forte quer
o conhecimento. Porque o homem teórico é decadente? Porque ele acredita
nos conceitos de sua ciência, que ele não os considera como instrumentos ou
caricaturas das coisas mas como sua substância, tornando-se assim cego para
a verdade. Assim, ele opõe ao socratismo o dionisíaco que ele descreve assim:
“...uma fórmula de afirmação suprema nascida da abundância, da
superabundância, um dizer Sim sem reservas, ao sofrimento mesmo, à
culpa mesmo, a tudo que é estranho e questionável na existência mesmo...
Esse último, mais radiante, mais exalto - exuberante Sim à vida é não
apenas a mais elevada percepção, é também a mais profunda, a mais
rigorosamente firmada e confirmada por ciência e verdade.”18
Assim, uma alma será dita forte na medida em que ela se arrisca a
conhecer e que ela suporta o conhecimento. Sustentar a verdade era, para
Nietzsche, o critério por excelência que devia distinguir os verdadeiros
filósofos.
“Qual dose de verdade um espírito é capaz de suportar qual dose de
verdade ele pode arriscar? Eis o que se tornou para mim o verdadeiro
critério de valores. O erro é uma covardia...Toda aquisição do

16
Ver NIETZSCHE, Friederich, Essai d’autocritique et autres préfaces, Paris, Seuil, 1999
17
No Essai d’autocritique e em NIETZSCHE, Friederich, Ecce Homo, São Paulo, Companhia
das Letras, 1999
18
NIETZSCHE, Friederich, Ecce Homo, São Paulo, Companhia das Letras, 1999, o nascimento
da tragédia, par. 2, p. 63
conhecimento é a conseqüência da coragem, da dureza e da probidade em
relação a si mesmo.”19

19
NIETZSCHE, Friederich, Fragments posthumes citado em BROISSON, Ivan, Nietzsche et la
vie spirituelle, Paris, L’Harmattan, 2003, p. 80. A tradução é minha.

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