Vous êtes sur la page 1sur 3

LENDO OS PRIMEIROS CAPÍTULOS DO

GÊNESIS
Os primeiros capítulos do Gênesis são um texto assustador1! Ele
está na nossas memórias empoeirado e coberto de interpretações teológicas e
catequéticas que nem sempre são pertinentes com o conteúdo real do texto
bíblico. O que importava nos comentários era menos a narrativa do que o que o
comentarista devia dizer sobre a criação, Deus, o homem, o pecado original e a
salvação. A referência não era o texto bíblico mas, sim, a ortodoxia ou a
mensagem cristã. Outrossim, essas interpretações deram uma leitura
historicista das narrativas, pensando que contavam “as origens” enquanto elas
buscam dizer o essencial. As “verdades” teológicas tiradas dessas narrativas,
como se estivessem com todas as letras nelas, alimentaram durante muito
tempo um pensamento largamente contrario à idéia de aliança que atravessa a
Bíblia na sua totalidade. É um pensamento que parece imaginar uma
concorrência radical entre Deus e os humanos e que defende a necessária
submissão destes em relação a ele. E como esse texto está na frente dos
outros, sua leitura muitas vezes paralisou a interpretação do que vem depois. A
leitura proposta, depois de vinte anos de estudo e reflexão do autor, é proposta
como fruto de um diálogo tenso com o texto, animada pelo desejo de entender
a narrativa bíblica e, ao mesmo tempo e principalmente, o assunto do qual ele
está falando. Essa leitura tenta alcançar algo que se elabora “nas entrelinhas”,
segundo a expressão de Paul Beauchamp que afirmava que o texto chama o
leitor para pensar, sem nunca pensar no lugar dele.
Aqui não se trata tanto de entender a história da composição dos
textos ou dos seus vínculos com outros mitos ou lendas da literatura do Oriente
Próximo. A leitura tentará, contudo, adaptar-se ao gênero mítico da narrativa.
Thomas Mann, na sua releitura da história bíblica de José, em José e seus
irmãos, fala da força do mito a partir de um episódio da epopéia de Gilgamesh
que permite que volta para a memória de José e lhe permite interpretar a
situação ambígua que está vivendo. Aos olhos de José, segundo Mann, a

1
Seguimos a análise de André Wénin em WÉNIN, André, D’Adam à Abraham ou les errances
de l’humain, Lecture de Genèse 1,1 – 12,24, Paris, Les Éditions du Cerf, 2007
lenda mítica é como uma peça que os homens representam sem cessar. De
um modo inesperado, a partir de uma cena da sua própria história, ele
descobre que ele mesmo é ator nessa peça. Essa tomada de consciência abre
um horizonte de compreensão pelo que ele vive. O mito dá para ele um quadro
para interpretar sua existência. Segundo Wénin, Thomas Mann tem razão:
porque eles oferecem uma chave de leitura da existência a quem aceita de
dialogar com eles, os mitos e a sabedoria que neles se expressa conservam
hoje todo o seu poder e podem esclarecer o leitor sobre o real ao qual ele
pertence. Uma narrativa mítica, e o Gênesis é uma delas, fala de fato do que é
constitutivo do ser humano, e o que ela toca é central. Lugar do ser humano no
mundo e em relação ao que o transcende; vida e morte, amor e sexualidade;
verdade e mentira, mal, sofrimento e violência; trabalho, vestimenta e
alimentação; vida em conjunto, leis e costumes. Fala de coisas conhecidas
pelo leitor, experimentadas no concreto da existência. Porém, propondo-se
como uma narrativa, ele permite que o leitor tenha um recuo e questione suas
evidencias, seus modos espontâneos, naturais – na verdade culturais – de
pensar e viver essas realidades.
As questões abordadas nesse tipo de narrativas são tão essenciais
que é impossível deixar de vivê-las e de respondê-las. Porque viver é trazer
uma resposta prática para essas perguntas, mesmo que não sejamos nos que
as tenhamos formulado, mesmo que não se consiga responder teoricamente
ou mesmo que nossa resposta teórica não corresponda exatamente ao que
vivemos. É nas escolhas concretas de vida que se responde efetivamente à
pergunta de saber o que quer dizer ser humano. Respondemos pelo nosso
modo de viver, muito frequentemente dependente do mundo cultural que é o
nosso. Contudo, porque a narrativa mítica aborda do seu modo essas mesmas
perguntas essenciais, ele tem a capacidade de abrir um lugar onde o leitor
pode tornar-se consciente do modo com o qual ele mesmo responde a essas
perguntas de modo mais ou menos implícito, mais ou menos conforme ao que
ele diz ou pensa. Propondo uma resposta numa forma narrativa que nunca
bloqueia o sentido, a narrativa convida o leitor a entrar em diálogo com ela para
pensar a própria existência. Assim, interpretar um mito consiste em confrontar
duas narrativas: a que está escrita – e que requer a maior atenção – e a outra
construída pelo leitor mais ou menos conscientemente em relação à própria
vida e a partir da qual ele vem para o texto da Escritura.
É preciso insistir na forma narrativa dessas páginas: sua sabedoria
de vida se propõe na forma de narrativa, muitas vezes de um modo bastante
enigmático. Quando se percebe essa dimensão de ficção, uma narrativa não é
adaptada para a transmissão de verdades a crer, de certezas estabelecidas.
Toda narrativa desse tipo exige uma interpretação e muito raro que uma única
leitura possa se impor. Assim, a virtude da narrativa é de não entregar uma
verdade única e congelada. Ela permite de despertar o leitor para o sentido de
uma verdade dialogada e em movimento. No fundo, o sentido escapa e
transborda sempre o que poderá ser apreendido. Todavia, para que o diálogo
com o texto possa ser fecundo, não se pode usá-lo como um espelho: é
fundamental que o leitor se vigie para deixar a alteridade do texto resistir, para
abordá-lo com um grande respeito e uma atenção precisa para sua
materialidade e seu modo de dizer as coisas. Para isso servem o método
exegético, desde que seja adaptado ao seu objeto e praticado com rigor. O
método utilizado por Wénin, a análise narrativa mesclada com um pouco de
retórica semítica, permanece na retaguarda para poder propor uma
interpretação suscetível de alimentar o diálogo com o texto e a compreensão
do seu sentido, mantendo uma grande proximidade com o texto literal. Isso
obrigou também a uma leitura da narrativa tal qual apresentada no Gênesis,
respeitando a ordem as vezes curiosa entre seus episódios e tentando elucidar
os efeitos de sentido apresentados por essa disposição dos “fatos”, assim
como as fraturas manifestas que são produzidas.

Vous aimerez peut-être aussi