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| €. Chwanrds tol A 4 | Co Boney ee Cadernos de Antropologia Imagem ‘Uma publicagio do Programa de Pés-Graduacio ‘em Ciéncias Sociais - PPCIS e do Nicleo de Antropologia e Imagem - NAI | 2 sa Antropologiae to Fotografia 2% BARAA EYES A hist6ria paralela da antropologia eda fotografia” Tae Que a histéria da antropologia, como a reconhecerfamos hoje, e a da fotografia. tém seguido. trajet6rias paralelas € uma proposicao simples de demonstrar. Que elas parecem também adquirir seus pode- res de representagao através de procedi- ‘mentos semidticos quase idénticos requer, talvez, uma argumentag20 um pouco mais elaborada. £ ao estabelecimento destas duas proposicées relacionadas que este enstio, a principio, se dedica, (0 que o ensaio procura também fazer € esbogar duas interpretagdes aparente- mente alternativas da hist6ria da antropo- logia e da fotografia que emprestam um sentido bastante,diferente a suas narrati- vas. Na primeira interpretacio, a fotogra- fia aparece como o resultado final da busca ocidental por visibilidade e escrutinio, Ela se situa no pice tecnol6gico, semidtico e perceptivo da “visio", a qual atua como uma metéfora estimulante para todas as outras formas de conhecimento (ver Ror- ty 1980; Tyler 1984; Salmond 1982)*. Como verdade, ela € representagio e comodi dade em uma categoria propria inigualé- vel. Entre os que aceitam esta versio da histéria esto aqueles que, como seus pri- meiros adeptos, avaliam-na positivamen- te (ela foi descrita como “um anjo copia- dor; uma m&quina divina na qual a clari- dade e a luz do sol so como o fogo ins- pirador de Prometeu", Journal of the Pko- lograpbic Society 1859:144), ¢ também al- guns de seus detratores mais recentes, que revelam nas criticas um certo medo do seu poder: A segunda hist6ria possivel reforga 2 fdéia de que a fotografia, embora geral- mente aclamada como 2 apoteose (boa ou mf) de uma civilizacio ocidental baseada na ocularidade, sempre passou por “mo- mentos de intrangiilidade” (aequeline Rose, citada por Jay 1988:3-4). Esta in- tranqillidade pode ser conceituada de inimeras formas, que vio de uma tenso recorrente entre a condigao? (ay, sem data) “icénica” ¢ “indexical" da fotografia, entre “arte” ¢ “verossimilhanga’, & Enfase sobre as linhas de fratura desconstrutivas que tanto sustentam quanto enfraquecem a autoridade ‘ monovocalizada da fotogra- fia Ao procurarmos, a esta altura, estabe- lecer 2 hist6ria paralela da antropologia € da fotografia, nao nos desviamos da ques- {do acima, uma vez que também na antro- pologia & possivel encontrar as mesmas narralivas Controversas € os mesmos sig- nificados ostensivamente herméticos Antes, o registro da coincidéncia do esta- belecimento da Sociedade de Proteg’o aos Aborigenes, em 1837, € da Sociedade Et- nolégica de Londres, em 2843"(Stocking 1971:369-72), com o desenvolvimento bem sucedido do primeiro daguerredtipo, em 1837, € 0 aniincio pablico da “ilustracao seine picts happy yo Pepwrpyet tine ei pls etearlQuntin, le agent fee thepnor a Keuaempcs + sero va oneness Iga uu met. Pevsanentoe (ey fe set reves evga Se tm ae ae fees ps ioe see Seek aaa mao Poa sarc 2 rans sof edaiemae ‘Sri on bb tie "lans Ear ae pl safowt wera a ietparerr 291 ‘omens ce oer Pocoudeatins Seiegem soci sire oe Be ee combina be, ieeciede Soe. igi ie i98b) argements Srecietenas eed caede cep Serge ce senso em ean saan iin degen pepe eee pee caching een Brr cna Seager ene Semele Quen Bigg rege gue tiv hebjeamente Seven Norte gene ane te palaces edt (ot es Fettraimeste Soe diseaet Eso ome fotogénica’ de Fox Talbot em 1839° , pre~ tendem estabelecer uma moldura contér- mina na qual pudéssemos ver estas duas priticas relacionadas, exibindo os mesmos movimentos ¢ rotinas controversos © in- determinados. A primeira histéria Examinemos primeiro a versio triun- falista da hist6ria da fotografia e da an- tropologia, 2 qual abriga entusiastas € detratores que concordam, por fim, so- bre 2 persuasio © certeza de seu po- der. Assim, Paul Visilio, que é sem divida um detrator, vé na fotografia e no filme ‘uma manifestacio técnica do processo de conhecimento através da visibilidade e da penetracio ameacadora da luz. Isto & se- melhante 20 processo de subjugacio mi litar por meio da iluminagio, o que Viri lio chama de “guerra da luz", desde o pri meiro uso do holofote na guerra russo- japonesa de 1904 até “o sangrento clario de Hiroshima que fotografou literalmente a sombra lincada por sereS € coisas, fa- zendo com que cada superficie se tornas- se imediatamente a superficie de registro da guerra, o seu filme” (1989:68; énfase original). Na era atmica, Virilio observa com consternaglo, somos todos “negati- vos humanos” esperando ser revelados (298949. Susan Sontag adotou uma interpreta- Glo da fotografia pasticularmente influen- ciadora e negativa que enfatiza suas atra- bes fatais.* Ela vé o fendmeno de popu- laridade da cimera como uma arma pre- datéria que € “carregada", “apontada” “disparada", A cimera € ume “sublima- Gio da arma de fogo” € “fotografar pesso- as € 0 mesmo que viola-las (...)° (1979:14). Ela € um veiculo cujas cer- teza especificidade podem modificar vidas. Sua pr6pria vida, observa ela, € marcada pelo “primeiroencontro que teve com o invent6rlo fotografico do insuperivel horror’, fotografias de Ber- gen-Belsen Dachau vislumbradas em uma livraria quando ela tinha doze anos (1979:19). Aquilo foi uma “epifania ne- gativa’ criada pelo poder da fotografia: “parece-me plausivel dividir minha vida em duas partes, antes de ver estas foto- grafias (...) € depois” Estes testemunhos negatives do poder da fotografia” também encontram eco em algumas interpretag6es da obra de Michel Foucault, embora eles situem este poder muito préximo, basicamente mais como ‘uma fungio das necessidades de um esta- do disciplinador do que da “luz”. Apesar de nio-ter se interessado pela fotografia persse (cle estava escrevendo sobre 0 pa- pel da visto e da visibilidade no cresci- mento da prisio moderna € da clinica), muitos escritores ficaram fortemente im- pressionados com as semelhancas no- taveis entre © olho da vigilincia que jaz no centro da pristo panéptica, ou que atravessa 0s espacos disciplinares de inspegao, e 0 olho do fotdgrafo oci- dental que documentava os outros po- vos do mundo € os estranhos habitan- tes da sua propria terra incognita do- ooméstice, 2 cidade. industrial em expan so. A fotografia encaixava-se perfei tamente nesta moldura e podia ser subs- tituida pelo conceito de disciplina/vi- L gilancia em quase todos os escritos de Foucault. Simon Watney observa, por exemplo: Foucault poderia muito bem estar falando sobre a fotografia quando descreveu 0 exercicio da disciplina como “um aparato no qual as téenicas que tornam possi- vel a esta ver induzem aos efeitos do poder, ¢ no qual de modo in- verso, 0s meios de coer¢o tornam aqueles sobre os quais eles sto aplicados claramente visiveis”. (Watney, sem paginagao; citando Foucault 1979:170-71) (05 objetos da fotografia podem ser facil € repetidamente substituidos pelos obje- tos da diseiplina © poder disciplinador (...) € exer- cido através de sua invisibilidade; 20 mesmo tempo, ele impoe a quem sujeita um principio de visibilida- de compulséria. Na disciplina, os submetidos € que tém de ser vis- tos. Sua visibilidade assume 0 con- trole do poder que € exercitado sobre eles. £ 0 fato de ser cons- tantemente visto, de poder ser sem- pre visto, que mantém o individuo disciplinado em sua sujeigao0. (Fou- cault 1979:87; ver também Sontag 1979:14 para uma afirmagZo seme- thante? Disciplina € fotografia parecem amal- gamarem-se aqui em uma linguagem co- mum de sucesso, dependente da suposta Uransparéncia do veiculo (Sekula 1982:54). Na fotografia, assim como na “disciplina’, A tes Pale dagen 2s fep ab 0 fot6grafo esta invisivel atrés da camera, enquanto o que ele vé torna-se completa- mente visivel (cl. Berger 1972:54 para co- menticios sobre a auséncia do “princi protagonista’ na pintura). © efeito mimé- tico da fotografia reduz o leitor a um con- sumidor puro de um signo no qual o sig- nificante parece ter desmoronado junta- mente com 0 significado (Tagg 1980:53). Quando a fotografia & operada em con- junto com a antropologiz, a necessidade de enfatizar a re-produgio e reprimir a producto (Burgin 1982) envolve a oblite- ragio de qualquer marca da presenca da cultura do fot6grafo. Neste ponto, a bus- ca antropolégica recorrente pela diferen- (a coincide exatamente com o truque que 2 fotografia encena na procura de seu “efeito realidade’. Da mesma forma que © antropélogo se vé constantemente pre- cecupado com 0 efelto poluente de sua presenga sobre aqueles que estuda (ver por exemplo Lévi-Strauss sobre o efeito corruptor da “introduca0” da escrita entre os Nambikwaras 1976:322-416, e a critica de Derrida a isto 1976:107-40)"), 0 fot6- grafo antropol6gico esforca-se. pata pré- servar a pureza do outro cultural que re- presenta. Igualmente, a observacao “pre- judicada pelo homem branca em primei- ro plano’, no estudo de vin cabinet da Galeria Hudson, em Iowa, mostrando “ca- sas de inverno feitas com capim retirado de “brejo” e couros de vaca” situa a figura européia como uma espécie de arranhao no negativo, uma micula que denuncia a presenca do fotdgrafo e da sua cultura.” Esta linha de argumentatio potéetia também aplicar-se a uma ilustracao em The Nuer que mostra em principio uma chu- varada de agosto em plena forca, mas que ‘Se prjen de hag. ees de fees Bae ; (Sh lechamente do 9. ono mee Sunes ead Mien poy shee Aen oe yan Spee poe pee posse Son ee poe oncom op Solemn 8 fe otc eae co eva spin Ino onesie feed pea me sen (32, revela, através da presenca periférica da aba de uma tenda, a presenga do fot6gra fo por detrés da cimera. O impeto’ aqui precipitou a exposigao da presenga do fo Uografo, ¢ talvez no seja ir longe demais “chuvarade’ de agosto”. Fotografia de £. Eee herd. (Coresia do Pt Risers Museum Unsversidade de Oxford. PRAE EP... 43) ver este espelhamento da prépria cultura do espectador, no mastro e na aba da tenda, como © Las Meninas da antropologia mo- derma (Fernandez. 1985; Foucault 1970)." Contudo, 0 poder da fotografia nao re- side apenas na desejada invisibilidade de seu produtos, mas também na autopresen- (2 aparente de sua superficie. Enquanto que por um lado a superficie € invisivel, ‘uma janela transparente para uma fatia da realidade, a superficie da impressio ma- peia uma grade quantitativa sobre as pro fundidades cartesianas que jazem dentro da imagem (Ver Jay 1988:13 para parale- los na pintura). A influéncia da ciéncia da fisionomia, de Johan Casper Lavater (Shortland 1985), entre outros fatores, tinha ajudado a dissipar o “rvido" do corpo ante- rior, jf que a antropologia do século deze- nove podia usar corpos totalmente legiveis para inspeclo®. Estes exigiam sistemas for- malizados de leitura, ¢ um dos mais influen- tes foi produzido por J. H. Lamprey em 1869. Emum trabalho publicado pelo Jour- nal of the Ethmological Society of London, ele defendia o uso de uma moldura em madeira wangada com fios de seda de modo 2 formar quadeiculos de duas polegadas Isto fornecia uma grade “normalizadora” dentro da qual “a estrutura anatémica de uma boa silhueta ou modelo de academia, de mais de um metro e noventa, podia ser compara da com um malaio de aproximadamente vm metro € meio de altura” (1869485). 46. tudo antropomitrica,¢. 1870. Fotagrafia de J tamprey. (Ai 35852) [Bcampe em allsmem inscrta “Inigranie de buckrow’, ‘oleda sobre o mesmo papel com o esquelete de uma folba,e dicada de 1950. (Coresia dos euradores do ‘Briisb Auseun) Michel de Certau observou que a nor- malizaglo utilizava uma grade celular que “transforma o proprio espago em um instru- mento que pode ser usado para disciplinar” (1986:186), e que Lamprey criou uma grade disciplinar desprovida de qualquer metaforicidade. A grad tornava explicia a transcrigao do espago sobre a propria rea de superficie da imagem fotogréfica. No caso de um estudo, feito provavelmente por W. H. R. Rivers, sobre “o tempo de reaclo de um cachorro face a um corpo que cai (um biscoito)*, 2 superficie da imagem torna-se literalmente uma régua, um marcador™ preciso. A fotografia mos- tra objetos nao $6 dentro de uma profun- didade perspectiva caxtesiana, mas con- tém também na propria realidade material de sew espago um outro plano da *verda- de". S’0 coisas que temos como certas. Quando esta certeza e precisto so expe- rimentadas pela superficie material do tex- to escrito, 0 efeito € completamente dis- crepante. Entre aqueles que defendem o que estou descrevendo aqui como a primeira histria da fotografia existe um consenso de que a razio pela qual podemos ter esta verossimilhanga fotografica como cert € que 2 fotografia além de ser icdnica (suas imagens assemelham-se, parecem-se, com os referentes) é também indexical. Com isto pretende-se demonstrar, de acordo com C. S. Peirce, sua incorpora¢ao dentro da prépria semelhanga icSnica de um ragado fisico do mundo material . © esqueleto ressecado de ‘uma folha € oefeito da luz sobre os agentes quimicos na superficie da estampa em albimem “imigrante de Lucknow” so, nos termos de Peirce, a mesma coisa.* A fotografia, assim como o esqueleto dissecado, é um tragado, uma coisa reproduzi- da diretamente da realidade; como uma pegada ou méscara mortuaria (.) um vestigio material de seu sujeito (Sontagi979:154). tum trago revelado fotoquimicamen- te(..) semelbante a (...) impressées digitais ov pegadas ou aos circu- los de 4gua que os copos gelados deixam sobre a mesa. (Krauss, cl- tado por Prochaska (1990:404)). A fotografia chegou com uma habilida- de peculiar de construir um indice fotoqut- mico do efeito da luz sobre as supeificies de objetos distantes, sob a forma da prépria fotografia. A sensibilidade da emulsio do filme como superficie de registro dos objetos lps inne pr. Sonos tn ptogosie the ig doe fenton Wega Nettie fence ne asin sete (ec ine. Nast reeset myeorgra cot ph 1 ee digee ‘ sate ce rings on rte ‘ice. bn a op bo ede as Teele gem ‘oindes to vi fs veal ones went fem dpe 8 Mecdae paige rie pl ‘oer pti” lial 9853) (anode eh awa soon Sines este pus ses pein tote fc eualeraptesds Ce terion Cr esel mses ‘cerca tan ‘econveniose ‘ttn is Sees gas aspects ee Tega pope song Siig ofthe Bai Pore cale tiple oe be expostos na frente das lentes tem satisfei- to, tanto na ciéncia (Green 1985; Sekula 1986) como no piiblico (Bourdiev 1965; mas ver também Krauss 1984), 0 desejo pelo que Tagg caracteriza desdenhosamen- te como uma “certeza pré-lingvistica” (1988:4), por um significado que existe anteriormente &s tentativas de represen- télo. Como observa Sekula: Nada podta ser mais natural do que (.) um bomem tirando da carteira um instanténeo e dizendo, “Este é meu cachorro”. (1982:86) Menos de quatro anos depois da desco- berta da fotografia, Feuerbach lamentava que “nossa era (...) prefere a imagem 2 coisa, a cOpia ao original, a representacio @ realidade, a aparéncia a0 ses" (The Essence of Christianity, citado por Sontag 1979:153). Desde entao, o poder da fotografia de instituir um mundo de imagens que substituiu seus referentes tem continvado a preocupar os te6ricos (ver Boorstin 1963; Baudrillard 1983; Krauss 1981), € € encontrado 2 todo instante em nossa vida didria (ver 2 discussio de Greenblatt (1987:}0-11) sobre a fotografia das Quedas de Nevada gravada em aluminio, para que ‘um piiblico cético possa compari-la com realidade diante deles) Até mesmo alguns dos textos * de Ro- land Barthes descrevem a fotografia como sendo privilegiada de modo Gnico, em- bora, como veremos mais tarde, ele for- neca um nimero equivalente de argumen- tos a favor da natureza indefinivel e po- lissémica do veiculo. A fotografia, escre- veu ele a cesta altura, nao envolvia qual- quer transformagao ou “permuta® entre objeto e imagem fotogrifica. A imagem nto era realidade, mas era seu “andlogo per- feito%, “uma mensagem sem c6digo" (1983: 196); € no término de sua vida, aps 2 morte da mie, ele descobriu finalmente uma imagem dela que “reunia todos os predicados possiveis dos quais o ser de minha me era composts” € que, embora fenomenologicamente fosse umn objeto “co- ‘mum’, constituin para Barthes, em sua dor, “ulopicamente, a ciéncia impossivel do ser tinico’ (1984:70-71, énfase original). Em soa manifestagio final, 20 menos, Barthes desempenha um papel importante na pri- meira hist6ria da fotografia. Procuremos 2 esta altura algumas das possibilidades e implicagdes desta primeira verso da his- X6ria da fotografia, na qual uma antropo- logia que ainda engatinhava, com preten- ses 4 tornar-se ciéncia, usa este veiculo novo ¢ superior em sua busca para re- apresentar areas de escuridao sob a luz reveladora da investigaclo. A hist6ria des- te relacionamento, que & tratada com mais profundidade por Poignant™ ,pode, para 05 propésitos deste ensdio, ser dividida em dois movimentos. © primeiro deles, indo do comego da antropologia ¢ da fo- tografia até a virada do século, assinala ‘uma unio produtiva entre duas priticas ansiosas por “des-platonizar” o mundo que compastilham uma linguagem comum da penetrag2o da luz e transcrigzo de disjuncbes temporais (Wright 1987). O segundo, tornando-se mais manifesto da virada do século em diante, viu 0 deslo- camento gradual para um mundo de sig- nificado invisivel e internalizado, em es- tratégias antropolégicas re-platonizadoras tais como a preocupagio com a “estrutura social". Apesar de terem sido justamente ctiticados por sua natureza sincronica € metaforizagio geoméirica e mecinica de- sdjeitada, os “fatos sociais'que eles mol lizaram no foram considerados um obje- to apropriado para a fotografia. Grucial para a mudang2 entre estes dois movimentos foi a emergéncia do pesqui- sador de campo como legalizador central do empreendimento antropolégico que, com sua forma semioticamente idéntica a0 “ritual da fotografia” (Tomas 1982; 1988), teve condigdes de invocar € substituir os codigos anteriores da verdade. ‘A tendéncia “des-platonizadora” da fotografia encontrou uma vitima anuente na antiga antropologia. Quando, em 1893, Everard im Thurn, em sua defesa de um novo papel para 2 cimera na antropolo- gia (e que, em teoria 20 menos, marcasse um passo importante em diregio & foto- grafia de campo documental), queixou-se de que até aquela data 08 objetos da foto- grafia poderiam muito bem tanto estarem vives quanto mortos, ele no estava con- denando os desejos nao expressos da an- tropologia de controlar objetos mudos em seu macabro museu de racas em extingo € fatos pouco conheddos.” Antes, ele ¢s- tava sugerindo friamente 0 abandono do que havia sido um privilegiamento antro- poldgico claramente articulado do imével ¢ do silencioso sobre 0 movedigo € 0 vivo. Isto pode ser visto, em parte, como uma conseqiéncia do treinamento médico de muitos antropdlogos do século dezenove © da adogao mais ampla, por todas as investi- gagdes das quais o homemera objeto, de um modo de indagago cuja oxigem era médica: Aguilo que escondee envolve, a cor- tina de escuridao sobre a verdade, é paradoxalmente vida; e a morte, ‘pelo contrério, revela a luz do dia 0 cofre negro do corpo: vida obscu- 1a, morte limpida, os valores ima- gindrios mais antigos do mundo ocidental cruzam-se aqui em wma estranba interpretagiio equivocada que é 0 proprio significado da ana- tomia patolégica (...) A medicina do século dezenove era perseguida ‘por aquele olbo absoluto que cada- veriza a vida e redescobre no corpo a nervura fragile rompida da vida (Foucault 1976-166; citado por Jay 1986:21) A-auiGpsia — literalmente (meu) “pré- prio oho” (Hartog 1988:xix) ~ situava-se no Apice deste exame visual contingente A morte, a'cessagZo do tempo que Bar- thes (1977:44) enfatizava continvamente © que, na opinido de Christian Metz, faz da fotografia estitica um fetiche podero- so (Metz 1985). No “imediatismo espacial e na anterioridade temporal da fotogra- fia” (Barthes:ibid), podemos ver talvez 0 precursor invertido do “presente etnogri- fico" da monografia p6s-malinowskiana. Assim, a0 encenar esta metafora tanato- geifica especifica, a fotografia também pactua com a antropologia no distancia mento temporal de sev objeto (Fabian 1983; ‘Thomas 1990). No caso da fotografia, o mo- mento fracionirio da exposi¢ao produz neces- sariamente um memento mori imediato, en- quanto no caso da antropologia este desloca- mento temporal, sob forma de “presente etno- {gralico’, pode ser visto servindo a interesses” de poder especifico. indice nto fotografico na pritica da antropometria serviu, no século dezeno- tase pene Seteenineen pots cucem finden bjeto cee er. ‘enw (9b10 Le, ve, para transformar o vivo em imével, © sujeito em objeto. Na verdade, nesta trans- formagio jaz 2 propria definigao de cién- cia e objetividade. Assim, Denzil Ibbet- son, presidente da Sociedade Antropol6- gica de Bombaim, defendeu, em 1890, a confiabilidade indexical da antropometria na palestra The Study of Anthropology in India. Em primeiro lugar e em alguns as- pectos mais importantes que tudo, porque absolutamente confide, te- ‘mos a confirmagéo fisica defato dos individuos que sao parte de qual- quer unidade tribal ou de casta (..) Qualquer um que tenba feito a ten- tativa pode compreender bem como é dificil obter uma declaragao com- pleta e precisa, sobre um determi- nado assunto por meio de indaga- ¢40 verbal, de um oriental e ainda mais de semi-seluagens (...) As medigées cranianas, por outra lado, estdo provavelmente quase que livres das conjecturas pessoats do obser vador. (fournal of the Antbropolo- gical Society of Bombay 1890:121) . Uma distingdo semelhante entre di- logo ¢ observacio € feita por Tylor, que advertia os pesquisadores contra fazer “perguntas nfo necessérias" ¢ de- fendia em vez disso a observacio dos “rituais religiosos praticados" (Stocking 1983:72). Talvez 0 uso mais elaborado do indi- ce fotagrifico e de outros seja 2 pesquisa fotografica e estatistica de Portman € Mo- lesworth sobre as Ihas Andaman, com- pletada em 1894. M.V. Portman fez onze volumes de fotografias que mostravam andamaneses na frente de telas quadricu- ladas (um aperfeigoamento posterior da grade de Lamprey. Ver Desmond 1982:55 para dois exemplos), estudos faciais, de frente e pesfil, e longas seqiéncias narra- tivas que ilustravam os procedimentos para a fabricacio de autefatos tais como enxés € arcos. Havia quatro volumes de estatis- ticas adicionais compostos de tabelas im- pressas como titulo de Observacdes sobre cardteres externos. Estes produziram cin- qienta e quatro itens de informacio, € foram anexados tracados da mio direita e do pé esquerdo de cada sujeito . Uma pagina final em branco deixava espaco para informagdes mais detalhadas, inclu- indo, em alguns casos, uma avaliagio do temperamento do sujeito (no caso de Riwa, vol. 14, “nervo-sangiineo") ‘A enorme diligéncia de Portman e Molesworth era direcionada para 2 pro- dugdo de normas estatisticas. Eles forne- cem nimeros no prefécio para altura mé- dia, batimentos @e pulso por minuto, pa- dro de respiracio abdominal, de respi- ragio, temperatura ¢ peso dos homens das has Andaman do Norte. Mas esta bate- tla de dados pode também ser vista como uma manifestagao de um conhecimento ocidental superior sustentado pela visio, e, neste caso, pela fotografia. A possibili- dade de que os andamaneses do norte ti- vessem maior poder de visio do que seus governantes € algo que Portman e Mo- lesworth estéo claramente ansiosos por diminuir: Descontando-se a precisto ganha com a pratica“e’a'necessidade,"a visto deles no parece ser superior a de nenhum ev- ropeu comum que, se passasse pelo mes- mo treinamento, veria tao bem quanto eles. J4 owvi pessoas expressando assom- bro face & maneira pela qual eles nomeam precisamente outro anda- mants que possa estar a uma dis- tancia considerdvel, mas deve ser lembrado. que. eles distinguem pelo andar, etc., como nds, e além disso sabem quem esperam ver naquele lugar em particular e, portanto, es- ao & espera. Jé 0s vi, quando nao estdo preparados, cometerem mui- tos erros, enquanto que um europe ao lado deles dava o nome exato da (pessoa vista. (Prefacio de Measure- ment and medical Details. Male Seri- & North Andaman Group of Tribes (Medigies e detalbes médicos: série masculina: grupo de tribos das Anda- man do Norte), 1894:2) Onde a visio situava-se como 0 para- digma do conhecimento privilegiado, sO poderia ser assim, Dentro dos limites desta passagem jaz mais uma demonstracao da alianga do conhecissento ocidental sobré~ © “Outro” com a visio, pois a possibilids- de de que os andamaneses tenham pode- res superiores € secebida auditivamente (€€ conseqiientemente incorreta), a0 pas- so que a verificagto de sua visto inferior 6 registrada visualmente (‘Eu ouvi" con- tra “eu vi" 0 “mero boato” contra 0 depo- imento da “testemonha ocular’). A matriz, 2 fotografia, a visio, 0 co- nhecimento ocidental, o poder, jé foram, espero eu, suficientemente demonstrados neste esbogo rapido da primeira historia da fotografia. Nesta versio, no contexto do colonialismo, 0 poder “divine” da fo- tografia chega para refletir a habilidade igica e epistemol6gica do ociden- as nagées pagas da antigiidade -adoravarn 0 sol (...) mas nés apren- demos uma ligao mais sabia, utili- zamos clentificamente 0 objeto da adoragio pagé e fizemos seus raios dourados subservientes aos propési- tos de uma vida artificial. (Discur- ‘S0 introdutBrio do Toe Photographic News 1858, citado por Wright 1987-1) Mas, escrevendo em 1962, Luc de Heusch observou a auséncia de fotos nas monografias. Algumas vezes, escreveu ele, “um etnégrafo chega a publicar retratos de homens que conheceu e gostou, mas o faz com consideravel relutancia como se 0 poder emotivo da foto, sendo estraho a seu propésito, embarassasse-o” (1987-107). Isto pode explicar o desapontamento criado pelos retratos, mas nao resolve a questio do desaparecimento crescente da imagem fotografica no retratistica. Este desvanzcimento ocorreu primeiro nas paginas dos jornais académicos e depois nas monografias etnogréficas, tornando- se cada vex mais normativa a existéncia de paginas densas com texios escritos sem interrupcao. Uma explicagio para a eliminagio par- cial da imagem fotogrifice (como prove indexical de “estar ai”) no periodo do pés- guerra estaria na vit6rla da pesquisa de campo € no fato de que a antropologia 9 in pen fie nica Ter Seeecane se pe ‘nee pa Neve 901 ae so omen Gonder ‘pra om neu ve arnt so Sao batis con Freja aa tne deste (es ‘nieraae Srexupenesaee seh om, se epotioia nt. [30, absorveu to profunda ¢ subliminarmen- te 0 idioma da fotografia dentro da pro- dugio de seus textos que esta tornou-se invisivel, como uma gota de 6leo expan- dindo-se sobre uma superficie de aguas claras. J& mencionei a tendéncia re-pla- tonizadora da antropologia do século vin- te, € uma outra explicaglo para isto pode estar na tentativa sem tréguas que @ disci- lina faz para se distanciar de outros gé- eros imaginrios tais como a fotografia de viagem € a “fototexto" emergente (ver Pratt 1986 para um argumento semelhan- te). Mas sera possivel que a fotografia, € uma metaforizagio de seus procedimen- tos técnicos € rituais, tenha influido tanto na determinagio dos rascunhos e das marcas sobre a superficie das paginas das -monografias etnogréficas, que tenha as- segurado sua propria redundincia a pon- to da superficie do registro fotogrifico $6 poder ser justificada, na antropologia, quando aliada a algum outro impulso como a “narrativa’, a qual permite que ela se constitua em “filme”? Como isso pode ser? Uma linha de especula¢ao pottica proporia o seguinte: © novo & herdico antropélogo/etndgrafo pesquisador de campo localizou o “de lon- ge" que Rousseau havia identificado, des- de muito, como essencial para o estudo do “Homem, como um lugar definido (‘o campo") ao qual 0 antropélogo tinha de se expor indexicalmente por um determi- nado periodo (cerca de dois anos, no modelo de Malinowski). Uma combina- io da énfase de Durkheim na importin- cia do distanciamento como garantia dos “fatos sociais", com a situac2o dos antro- pologos como membros da metr6pole im- perial e colonial significou que, quase sempre, “o campo" era um lugar caracie- rizado como “remoto" (Ardener 1987), in- versamente 2 sociedade do eindgrafo, uma periferia adventicia. Assim, a exposi¢ao do antropblogo aos dados ocorria duran- te um periodo de inversto da sua realida- de normal, uma situag2o que é formalmen- te andloga 2 produgio'do negativo foto- grffico, quando os raios de luz essenciais que garantem a verdade indexical da ima- gem incidem sobre a emulsto do negati- vo (esta analogia foi sugerida primeiro por David Tomas em comunicag2o pessoal). * A fotografia revela-se, assim, muito menos € muito mais importante do que haviamos pensado. O antropélogo trouxe para sua propria pessoa as fungbes de uma placa de video, ou de uma tira de filme’* que, tendo sido preparada para receber € registrar mensagens em forma de negativo

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