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Aquilo que é comum

Há muito tempo atrás, comecei um projeto que ainda não


terminei. Um poema-objeto que não fiz. Surgiu da idéia de juntar um
verso do poema “Un Coup de Dès”, ‘Lance de Dados’ de Mallarmé –
“Um lance de dados jamais abolirá o acaso”, com a frase de Einstein –
“Deus não joga dados”.

O poema seria uma caixa preta, um cubo apoiado num expositor.


Eu o chamei de ‘Imago Dei’.

A imagem de Deus para alguns, no caso os fundamentalistas, é


exata – você consegue dimensionar quem como porque etc. de Deus.
Eles acreditam que podem saber de Deus. Que Deus é uma coisa
concreta, justamente por poder-se definí-lo. Mensurável como o cubo.

Quando as pessoas tocassem o cubo negro, ele se abriria


revelando, uma cruz – todo cubo aberto é uma cruz. Dentro desse
espaço aberto haveria espelhos quebrados, e você poderia se ver
partido, uma imagem distorcida – outra Imago Dei.

Quando não se aceita esse simplismo de achar que se pode saber


de Deus, quando se permite chegar perto e tocar Deus, ele se abre e o
que você vê é a cruz e um rosto humano, sempre distorcido, porque não
podemos ver como o ser é. Mas compreendemos com o coração, nos
comunicamos com Ele, porque tocamos o comum entre humano e
sagrado. Não é saber de Deus, mas é saber Deus, saborear,
experimentar.

“é verdade que a maior parte do modo de experimentar vem com dor,


mas também é verdade que esse é o modo inescapável de se atingir o
único ponto máximo, pois tudo tem um único ponto máximo, e cada
coisa tem uma vez, e depois nos preparamos para a outra vez que será
a primeira vez - e se tudo isso é confuso, nisso tudo somos inteiramente
amparados pelo que somos, nós que somos o desejo.” (Clarice Lispector)

Depois, aquilo derivou para um diálogo filosófico “Um Lance de


Dês”, para brincar com o nome em francês do poema mallarmaico.

Cada personagem era uma face do dado. Um D do dado fechado: Deus,


o Diabo, a Dúvida, o Desejo, e o centro que modulava as falas, a Dor. A
face do dado que ficava apoiada era o Desconhecido. Este não falava
nem aparecia, mas se fazia sentir. Esse projeto ainda está em processo.
Hoje eu soube que uma criança morreu pouco antes de nascer. O
filho de um amigo. Neste momento, a dor fala e cala todas as vozes e
presenças. A dor mobiliza o desconhecido, aquilo que não é possível ter
conhecimento sobre, que não tem explicação. Mas se faz sentir. O
sentido daquilo que não faz sentido, o vazio pleno da condição humana,
sua limitação. A Desrazão, o Deslimite. Um Devir.

Kafka declarando o corpo como um processo, um processo vital de


desenvolvimento que nos faz experimentar todo o tipo de dor. Clarice
dizendo que vir-a-ser é uma lenta e lenta dor boa.

Acabamos de sair do feriado que é a Páscoa, a passagem.


Sabemos da passagem do anjo da morte, da passagem pelo deserto. Da
paixão, da ressurreição. É preciso atravessar. E não se atravessa
sozinho, sempre se atravessa junto, como um povo.

Há muito tempo atrás eu resolvi colocar a palavra vida ao lado da


palavra morte e descobri que isso dá origem a uma nova palavra, entre
ambas: vidamorte cria o amor. Essa é a passagem. A condição humana
se faz desse diálogo, surge nesse confronto, na conjunção das forças.

“Nosso tempo, nossos espaços, nossos pensamentos e sentimentos, nossos


atos colocam-se em relação a ele somente; só existe vida segundo ou seguindo
o amor, só tocamos os outros e, talvez, nós mesmos no mais perto dele; e não
saberíamos jamais se morrendo, o amor cessa, ou começa realmente...”(Michel
Serres)

Esse texto fala, querendo que você perceba nele aquilo que o
motivou: uma compaixão, um sentir com, essa comunicação que vale a
pena. Tornar comum nossa vida e nossa morte, nossa dor. Mas também
nossa alegria.

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