Vous êtes sur la page 1sur 19
A CAPITANIA DO PIAUI (*) CARLOS STUDART FILHO Apenas uma area mui restrita do atual territério piaulense in- tegrou o Estado do Maranhdo, quando éste se constituiu, em 1621, c, ainda assim, de manetra indireta, porquanto as aludidas terras pertenciam ao Ceara, cujos limites ocidentais aleangavam, entéo » rio Parnaiba, A poredo territorial em aprégo, ene compreende hoje 0 parto de Luis Correia e chaos circunjacentes, s6 passou realmente a fazer parte do Piaui, em 1880, época em oue the foi cedidn pelo Ceara em troca da regiéo de Cratets. Destarie, tornaram-se mais naturais og limites entre as duas provincias, ficando o Piaui como pérto de mar de que tanto carecia. (1) ‘A grande massa continental, que viria a constituic, posteriormen~ te, a parte mais importanie da Capitania do Piaui, e para onde, des- Ge os inielos do 29 século, costumavam refluir os indigenas em bus~ ca de reftigio e protegdo contra os desmandos dos alienigenas bran- cos, tendo-se povoade & revelia da gente da costa setentrional, con- () © presente trabalho, escrito pela alturss de 1988, destinera-sc a constitute ‘um capltuio ap iiveo Intitalado Fundamentes Histéricos ¢ Geogréfices do Estalo do Memmhio ¢ Gre Pari. Por motives siipervententes nao fol, porém, dado s lume. Intoressedos em que, de tod, ndo se percam os conceitos néle emitidos, resol- vemos aycra pnolied-lo. Vai reproauzinde tal qual salu da pena do autor e. assim, sem ucréscimos nem correctes. Hstard talvez, por isz0 mesmo, algo incompleto, diante das pesquisas nistOricas reallzadas neste wittmo decento. Née vemos, porém, om que tal fete se possa constituir om razio bastante para que seja esquecido @ Interessunte escrito de um dos zesponsivels pela Revista. (2) © antigo territério ¢e Crates, comarca do Principe Imperial, até o advento da Repibliea, @ hoje comarca do Crateus, — compreendendo Crateus @ Indepen- dénela, 8 antiga povoagéio de Pelo Sinal, clevades, aquela, por lel de 6 de yauhe de 1832 sendo desmempraca do Munteipio de Morvéo, e éste, em yirtude da Lel R2 436, de 24 de futho de 1857, ¢ Instalade a 1.9 de marco do ano seguinte, até 1880 pertencen a Comarea a Provinola do Piaui, mes a Lel n.0 3 012, de 22 de outubro, anexou ao Cearé, dando-se em troce ao Piaul a freguesta de Amacraca2. Dests sorte, tornendo-so mais netureis os Umites das dues provinelss, ficou o Piaui com um pérto de mar (Baréo de Studart). 14 REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA Servou-se, por isso mesmo, durante muitas décadas, por inieiro fora da esfera administrativa do Estado do Maranhéo. Pode dizer-se até que, nos primeiros tempos da colonizacéo do Meio-Norte, o interior e o litora) piauicnse permaneceram praticu- mente alheios um ao outro; mantinham, na verdade, apenas as li- gagdes ocasionais, resuliantes de efémeras visitas de alguns serta- nistas que, descides das praias maranhenzes, embrenhava desas- sombradamente pela hinterlandia piauiense, atingindo, alguns, o3 seus limites meridionais. Heréis, guase sempre anénimos, buscavam, por inictativa propria ou por ordem expressa das autoridades capi- taniais a que estavam sujeitos, estabelecer ligagdes, sertao adentro, entre S40 Luis e a eldade do Salvador, capital da Colénia. (2) Todos ou quase todos tinham pois em mira descobrir “o cami- nhbo do Brasil", como lhe charmam os documentos da época, objetivo cujo conseguimento tornou-se por vézes uma das preacupagées do- minantes de muitos dirigentes dos dois Estados em que ent&o se par- tia a América Portuguésa. (3) (2) Téo pouco familiares eram entre to sertio @ = prala ainda em 1865 que. por aquela épora, dizis © governador Gomes Freire néo se tarem ainda averiguado “as noticias que deva uma naco de tapwias 20 Capltiomer Baltazar de Selxas Coutinho com quem se comuniesya, de que a muito poucas jomadas desta Copt- tanta viviam outros brancos, que x60 cram os do Ceara", “Tem-se entendido (aereseentava Gomes Sreire de Andrade) que os do Cearé de que dA noticias cctio sttuados no rlo 8&0 Franctsco.” Revista do Instituto do Gears, Tomo BEXV!. (2) © primelro paso neste sentido, di-lo Capistrano de Abreu. pode considerar- 82 a explorngio do Punaré ou Parrcibn, roalizeda em 1670, por Vitel Maciel Paren- te, fitho natural do famigeredo e feroz Bento Maciel Parente. NSo deve igualmen- te ficar esquecico 0 notével feito ao padre Pedro Barbosa de Pedrosa em 1675. roteando nums simples canoe ns costas do Maranhfo para o Cearé a fim de re- conhect-las. Tal empreendimento teve, nltis, um contimuader na pessoa do Padre Superior da missio jesuita de Sio Lufs que, em companhis do capltio Afonso de Mounroy, iri tentar por mer o descebrimento do rlo Perauacy, ‘Outro que empenhou fecuo estérco para astabelecer lgacées mals Tfcele entra 2 terres do Meto-Norte ¢ & cldade do Salvador, diz o mesmo histeriader, fot Gomes Frere de Andrade (1635-1637). Preocupado em soluclonar o grave proble- ma das comunicagses, 0 govertedor ordenou, finde a revolta de Bequiméo, a quatro ctdadios de Sio Luis, um piléto, um engenhelzo e alguns scldades, que numa “eanoa navegada a cosia para a parte do Ceard féssem sondanda tOdas as boias, enseadas © Tos que doscobrissom 0, sinalades os balxios, penetrascem sque~ las barras em que sem perigo de serem acometides dos bérbares pudessem surgir. Procurando examinar as qualtdades do pais e achando altio acomodadc a Tunda- ‘go de uma vila © decenhassem no lugar que parece:se aos moredores melhor de- feustivel 20s socortos muis facil” Dessas ¢ doutras exploracées resultaria (rugur-se uma estrada entre © Cenc € 6 Marenh&o elo Moni ¢ Itapicura c de cuja existéncla tems noticia pela carta escrita @ el-rel ce Portugal por Gomes Fratre, em 23 de agaste de 1635, Reoulteria igualmente um outro {ato de muito malor importincla politica © tnealeuldvel pzoveito para o desenvolvimento materiel da Coldnia. Abriu-se co- muntcagho direta entre es sedes des governos de Sic Luis ¢ do Brasil, gragas as vingens exploradoras de Joho Velho do Vale. Forcejendo por cumprir a determi- nagio superior que The mandave verificar se o Parauacu, de que falavam os iD- dics maranbenses, era, como 2¢ suspeltava, 0 Sho Francisco, Velho do Vale em- preendeu dues expedigdes ce reconhecimento acs campos sulloos do Parnaiha. Na primefra periongou a iblapaba, por sdbre cujo dorso deizou trés estradse, co- REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA 115 Agentes do govérno maranhense, homens de armas e indios de escolta, freqiientavam também a serra da Ibiapaba, desde 1662, seja em incursdes escravistas, seja em visita & missio de Sao Francisco Xavier, ai fundada pelos padres jesuitas, em julho de 1654, O exame désses e doutros fatos que veremos @ seguir impde a conclusio de que a conquista e ocupagdo definitiva do Piaui se pro- cessaram gracas ad desenvolvimento e final interpenetragéo de ondas de povoamento origindrias de dois centros demogrAficos auténomos sttuados, um, ao norte e outro no extremo meridional de seu vasto territério. As yagas, oriundas do sul, caminharam eéleres para o setentriao ¢ lograram dominar cérea de dois tergos do solo piauiense, enquanto que as outras, de menor vitaiidade e importancia, mal ultrapassa- Tam & orla do sertéo nordestino, Incluso na 4rea de expansio dos dominios latifundiérios de Francisco Dias D’Avila, unanimemente havido como o maior ses- meiro que conheceu o Brasil Colonial, a hinterlandia piauiense rece- bea seus primeiros imigrantes, formadores do niicleo sul da regiao do médio S40 Francisco, rio em cujas margens tinham suas posses mals vultosas a casa da Torre de que era chefe aquéle sertanista-fa- zendeiro. A maneira um tanto singular pela qual se realizou a colonizagéo Gefinitive do Pisui (4) explica-se, pois, em grande parte, pelo ré- nhecidas, informa Capistrano, apenas pela afinnativa vaga de um contempo- rineo, Da segunda consegulu levar a pom térmo a tarefa que Ihe tmpusera o gover Hador, eleangando » capital da Habla provavelmente por Cabrend e Geremoano. Na cldade do Salvador, escreve fret Domingos Teixeita, a0 relatar a vida de Gomes Tretre depots Ge dar, em larga relacso, noticia exata dor sertdes que penetrou, assl« Uglando pelos graus a altura do pélo, "mals gasto dos trabalhos que dos anos, velo & acabar Jobo Velho oo Vale em henef{cio da patria com servigos matores cue gratidée”. (© rotelro de Jcka do Vale, continua © nosso tnformante, fot para Portusal, ¢ (© el-rel confiou-o a Gomos Freire. Talvez por 1ss0 néo produsiu logo efetto nem Re Bohs, nem no Maranhio. De S80 Luis, em 18 de julho de 1694, Anténio de Albuquerque ecorevia sdbra ‘© possibilidade do ceminho entze as duzs capltanias, uma carta que Antonio da Cunha Souto Mator entrecoa na Bahia @ D, Joic de Lencastre a 19 de abril do ano srgvinte. “Dols dias denols, alndz © insigne historlador cearense quem tala, chegava o sargento-mor Francisco dos Santos com quatro soldades » vinte indios que tinham acabado de descobrir o caminho, ¢ trouxersm ume carta de Antonio Ge Albuquerque datada de 17 de dezempro. Pera retribuir a fineza © ver se podia encurtar o caminko, © governador geral smandou 0 capliéo André Lopes 80 Maranhéo com carte para Antonio de Albtt- quarque, datada de 21 de mato, André Lopes chegou a seu destino em novembro, ses tere de demorar-se até que o governador daquete Fatada viesee do Pars. Com respostn de 15 de marco de 1696, chegou & Bahle em 24 de setembro.” (4) Esse modo da povoamento, malgrado afirmativas em contririo, nio 4, toda- ‘ia, exegéo tinica nos anals da terra brasileira. Foto semelhente genio idéntico, scorreu, contorme se vé cos tradelhos de Irineu Joffily e outros, om relagho uo interior da Paraiba, do Bio Grande do Norte @ também do MaranhBo, 116 REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA pido ineremento da pecudria na capitanla da Bahia e, em menor escalz, também pelo seu desenvolvimento em Pernambuco. Recordemos que, afastado da orla praieira do Atlantico pela expansio dos valores agricolas e encaminhado ao interior do pais no interésse dos proprios eriadores a quem Ja nao bastava a nesga litoranea para campo de suas atividades pecuaristas, 0 gado vacum avancou resolutamente a caminho do Oeste desconhecldo, Em tédas as povoagdes a costa oriental dessas duas capltanias levantinas, assim como em Pérto Seguro, Ilhéus e S40 Cristévao, cujos arredores pontilhavam-se de pequenos estabelecimentos rurais que realizavam com éxito o aproveitamento da terra por intermédto da criag&o e da lavoura, ocorreu o fenémeno do éxodo pastoril, trato da superpopulacdo bovina, sempre to perigosn para os plantadores. Foi todavia, nas areas que circundam a antiga capital da Co- Iénia e também a velha Olinda, onde o fendmeno teve lugar mais cedo e atingiu suas maiores proporcées. Inaugurado por Tomé de Sousa ao raiar da segunda metade do século XVI, realizagio benemérita a que se reporta o proprio Go- vernador-Geral em sua carta de 18 de julho de 1551 ao rei de Por+ tugal, (5) 0 centro peeudrio do Recéncavo estava em plena floresci- mento, quando Gandavo redigiu sua Histdria da Provincia da Santa Cruz, depois publicada em Lisboa, em 1576, com claro objetivo de fazer propaganda imigratéria. Passados alguns anos, havia na capitania baiana, conforme assi- nalam outros informantes fidedignos, grande abundancia “do va- eum", de éguas e cavalos e as reservas de gado mitido cresciam sa- tisfatoriamente, Depois de propagar-se pelas cercanias da vila do Salvador, a eriagdo bovina assenhoreou-se das terras ribelrinhas dos grandes tributarios da baia de Todos-os-Santos, Insinuando-se por entre os Togados que, abertos na portentosa mata atlantica. ostentavam enor- mes plantagdes de fumo, cana, e algodao, Realizada a conquista de Sergipe, gracas a valentia de Criste- vio de Barros, e subjugados os terriveis Caetés, 0 gado vai aié o baixo Sé0 Francisco. Ao romper a guerra holandesa, diz-nos Capistrano, déle esta- vam ineadas as duas bandas do rio em seu curso inferior, E acres- centa: “Nem por outro motive as incorporou Mauricio de Nassau ao territério da Companhia das fndias Ocidentals e os patriotas das Nberdades divinas com tanto afineo as defenderam.” (5) “Bete are reio a osta cidade a carnvela “Galea”, de V. A., com o gado yacum que € u mslor nobreza e farlura que rede aver nestas partes © eu a mandel tornsr & catrogar ao Cabo Verde do mesmo gado para ternar agui que isto ers © que Iho @ Casa de fndia dava por regimento e a mandel carregada de madelra porque Vale muita no Cabo Verde.” Mistéria da Colonizagie Portuguésa do Brasil, Tome TI. pwd, V, Coréa. REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA ut As reses € seus condutores, embora contrariados pela resisténcia dos nativos, sobem os rios, invadem afoitamente o scrtao, caminhan- do alravés de veredas ja antes aplainadas por grupos de homens ar- mados que, na fase prodrémica da expansio curraleira, haviam des- bravado a terra, limpando-a em parte de gentios rebeldes. Entreaberto o interior, a penetragdo realiza-se no sentido de todos os quadrantes e o rilmo cada vez mais acelerado das conces- sdes de sesmarias denuncia o rapido incremento da colonizacio. Enchem-se de gado as bandas dos rios das Velhas, das Ras, do Paramirim, do Jacuipe, do Itapieuru, do Real, do Vasa-Barris, do Sergipe e de muitos outros cursos d’gua que cortam os sertées baia- nos € nos quais se contariam em 1700, para mais de seiscentas fazen- das criadoras. Marcha © povoamento, “a que serviu os bovinos de vanguarda”, pelo rio S. Francisco, bastante explorado ja no govérno de Inis de Brito e que é agora o cendrlo preferido das atividades pecuarislas de fazendeiros baianos como Aranha Pacheco, Damiio da Rocha, Baltasar de Farias ¢ outros. Nas margens de quase todos os cursos d’agua da vertente atlan- tica abrolham, a partir désse momento, numerosos pequenos agre- gados humanos que vivem entregues ao exclusivo labor da criagao. %, porém, o 8. Francisco que, pela multidéo de seu armentio, a todos sobreleva em importancia e que por Isso mesmo seria, com 0 tempo, chamado “rio dos currais”, denominacao, por volta de 1700, aplicada, alias, também ao Verde, ao Jequitinhonha e até ao baixe Rio das Velhas ‘Tendo praticamente comegado ao declinar o século do descobri- mento, é, porém, no decorrer da segunda metade da centiria se- guinte que a marcha invasora dos vaqueiros e das reses de Teprodu- ao adguire na Bahia t6da a amplitude ¢ significado, Nesse periodo no cessa, ainda, a tragédia sempre viva ¢ crnenta dos conflitos luso-americanos que se reacendem, por vézes, com grande intensidade, As habituais desordens, promovidas pelos gentios do Jaguaripe, Camamu, Rio das Contas, Uhéus, Pardo e Jequitinionha, como revide & atuag&io dos brancos, tomam particular yulto no ano de 1651 e a interferéncia de varios grupos de sertanistas baianos, chefiados por Francisco da Rocha e Gaspar Rodrigues Adérno, é impotente para conté-las. Pouco trutuosa também a bandelra do paulista Domingos Barbosa Calheiros, realizada em 1658, Nao logram melhor éxito pacificador os outros calgdes de couro para isso requisitados & Camara de S40 Vicente e que, nos anos de 1657 e@ 1660, vieram até &8 cereanias de Salvador, sob 0 comando de Braz Rodrigues Arzio, de Estévao Ribeiro Baido Parente ¢ do filho déste, Amaro Maciel Parente, Os consideréveis danos e os marticinios por éles feltos nos sel- vagens sublevados nem os aquietaram, nem impediram que participas- 118 REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA sem com grande ousadia da chamada confederagio dos Guerens que os proprios paulistas citados teriam também de combater. Desde os seus inicios e, mais particularmente, na sua fase de maior intensidade, 0 movimento para a conquista do sertéo baiano estéve ligado de modo estreito ao nome de duas familias pioneiras euja histéria se identifica com a propria histéria do desbravamento e eolonizagao do Leste-Setentrional brasileiro, em seus primérdios. Referimo-nos As casas senhoriais da Ponte e da Torre. A esta estava reservada a grande empreitada de dominar todo o Noroeste ¢ boa porcdo da parte central de capitania; enquanto dquela o de representar papel de alta relevancia no povoamento do Sudoeste e do Oeste baianos, A Antonio Guedes de Brito, chefe da Casa da Ponte, regente do S40 Francisco e o segundo maior proprletério de terras na Bahia, pertenciam, diz-nos Borges de Barros, os sertées criadores, a contar-s¢ do Morro do Chapéu até as nascentes do Rio das Velhas, Quanto aos Avilas, eram ¢les os donos ¢ scnhores de todas as terras da ca~ pitania situadas entre Jacobina e o rio Séo Francisco. ‘Tais afirmativas basciam-se, alias, na palavra autorizada do autor de Cullura e Opuléncia do Brasil por suas Drogas e Minas quando lembra que, nio obstante ser o sertio da. Bahia to dilatade, quase todo pertencia a duas das principais familias da cidade do Sal- vador que eram 9 da Torre e a do mestre de Campo AntOnio Guedes de Brito. Esclarece 9 mesmo autor que & Casa do Torre “cablam duzentas e sessenta léguas pelo rio Sdo Francisca acima A mao diretta, indo para 0 Sul e do mesmo rio para o Norte chega a oltenta leguas” e nue os herdeiros do Mestre do Campo Antonio Guedes de Brito possuiam os chéios do morro do Chapéu 4s nascentes do Rio das Velhas, numa extensio de cento e sessenta léguas. As primeiras tentativas empreendidas pelos Avilas e sua gente no sentido de deixarem o Reconcavo, tentativas que consubstanciam os mais remotos ensaius de interiorizagéo do chamado ciclo baiano de penetragio geogréfica, datam da segunda metade do século XVI; sio do tempo em que Garcia D’Avila, desvendados os sertbes, obteve sesmarias nos campos de Pidagacatuba, conseguindo, logo depois, em 1659, para seus filhos Catarina Fogaga, Francisco Dias D'Avila e Bernardo Pereira Gago, doagées ainda mais amplas no rio 8. Francis- co e no Salitre. Este curso d’4gua que, no pensar de alguns historiadores baianos, tol o centro do movimento de penetragio que rompeu direto para o Piaui, ja havia, alias, sido explorado 27 anos antes por Francisco Dias D'Avila, o primeiro detentor do Morgadio da Casa da Térre, morgadio instituido, como se sabe, pelo velho Garcia D’Avila, em be- neficio dos descendentes legitimos. Fixados as margens do S40 Francisco e do Salitre, onde receberam outras sesmarias, os Avilas expandiram espantosamente seus tatifan- REVISTA DO INSTITUTO DO CHARA ito dios criadores que povoaram com estancias de gado ou dividiram em totes, geralmente de uma légua, que arrendavam, dizem os cronistas, ao prego de 10 mil réis anuais, Irrequietos © empreendedores, os homens do S40 Francisco nav Hearlam por muito tempo adstritos & beira-rlo, Empolgados pelo desejo de correr mundo, de explorar terras para eonquistar novos dominios, ou presos da amsia de dar combate e apresar o incola silvicola das redondezas, éies deixavam com relativa freqiiéncia as fazendas ribeirinhas, onde residiam, realizando, pela hinterlandia, expedicées cada vez mais demoradas e distantes. Dilatande, num movimento espiralar de crescente amplitude, campo de atividades guerreiras e desbravadoras, acabaram por vin- gar os divisores de dguas que correm nas extremas ocidentais de Per- nambuco e da Bahia, e atingir o coracio do Piawi, onde pervagavam. trlbos Incontavels de gentios tapuias. Criadores, sentiram-se naturalmente tentados a aproveitar o solo fértil, as pastagens ricas e o clima propicio daqueles longinquos paramos para néles situarem novas fazendas curtaleiras e, assim, para J4 voltaram com © propésito de eslacionar definitivamente. Apesar das indagacdes exaustivas, feitas em térno da matéris, permanece duvidosa a época em que ao sul do Piaui chegaram asses primelros colonizadores Mso-brasileiros. Incertas sio também, as veredas tortuosas ¢ intricadas pelas quais trotearam suas reses para invadir e conguistar a regiéo meridional daquela eapitania. (6) Tem-se, n&o obstante, por averiguado que os Avilas e scus apani- guados andaram perlustrando os invios sertées do Parnaiba em época antericr a 1668, (7) ou seja, entre 1662 e 1663, consoante a opinifio de F. A. Pereira da Costa, opiniao com a qual concordam Basilio de Magalhies e outros historiadores de nomeada. Parece igualmente certo que as mais remotas correntes pioneirus chegaram aos grandes formadores do Parnaiba fluindo através das gargantas da Serra Vermelha e da Serra dos Dois IrmAos, — nome (8) As divorgéncins ¢ incertezas em torno de épaca exate do descobrimento do Piaul vém se avolumando de longa data Frei Domingcs ao Loreto Couto ¢ Rocha Pitts, entre outros, locallzam 9 aconteclmento em 1671, fste fitime escreve ein sua Historia da América Portuguesa que no ano de 1671 deccodriratn of sftios da Pingui. Ao paseo que Alencastre, muito mais modarno dé o falo como tendo ecor- vido quatro anos depois, ol seJa, em 1674, aDcindo, alias, segundo gags proptlag Patayras em Warden, Consténcic e Ferdinand Denis ¢ outros que tumbem preferem este data. Diz #ie: “Quando & época da descoberte do Piaui, escolhemos a mais moderns ou mats proxims de data das concoss6es das primoins sosmarins.” (3) Conclui-se 1ss0 do fate seguinse: Trés anos mats tarde, em 1571, Francisco Dias D'Avile que, derde 1668, cubstituira Garola D'Avila II na obefin geral deo bandeiras de Torre, obteve, atirme F. Borges de Barros, grandes sesmattas no Plaut, da opde apriva uma estrada para a Bala, com @ ajuda do pal, contorme petichu. deste xo Senada da Camara do Salvador. (PF, Borges de Barros A Margem da His- tiria da Bahia, pée. £3) 120 REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA éste que, segundo se afirma, advelo, & iillima das elevagdes eitadas, do fato de ter sido descoberta pelos dois irmdos Mafrenses. Q estudo da localizacao das primeiras fazendas piauienses suge- re, outrossim, a possibilidade de que uma outra corrente de povoado- res, alimentada exclusivamente por baianos das terras do médio Sao Francisco, tenha seguida 0 vale do rio Préto para atingir o Gurguéia, depois de transposto o serio de Parnagua. ‘Transitaram éles pelos sertdes dos Rodeleiros, entio dominado pelos indigenas do mesmo nome, pelos Macoazes e Acrois. (8) Estabelecidas na bacia dos altos rios, em chaos de aguas fartas, as primeiras fazendas de gado, scja com a tacita anuéncia das tri- bos marginais, seja pelo total ou parcial exterminio dos gentios me- nos acomodados que ali se aglomeravam, a expanséo dos currais piaulenses continuou rio abaixo pelas orlas ribeirinhas dos afluentes mais volumosos do Parnatba cujas margens acharam-se também, logo a seguir, parcialmente avassaladas pela gadaria. Dominados alguns wrechos dos campos piaulenses e metidos né- les a8 primeiras manadas, entraram, desde logo, os interessados a requerer aos governadores da Bahia e de Pernambuco 9 dominio te- gal cos latifimdios de que se iam assenhoreando. “De volta os eonquistadores da, emprésa arriseada a que se tinham aventurado, surpresos do muito que tinham visto pelas desertas regioes e que até ali nao havia sido comunicado, euidaram logo de ti- rar désses vastos terrenos o mais real e duradouro proveito”, escreve uma autoridade no assunto. As mais remotas posses de terra deviam, pols, caber aos desbra- vadores da regifio e assim sueedeu, com efelto, Consoante J. Perelta de Alencastre que recolheu, nos livros de Provisoes e Patentes, os dados por éle consignados em seus Anais de Corografia ¢ Historia do Piaud, as primeiras seamarias do Piaui foram coneedidas, em 12 de outubro de 1676, por D. Pedro de Almeida, governador de Pernambuco, ao capitao-mor Francisco Dias D’Avila, A seu irmao Fernando Pereira Gago, ao capitéo Domingos Afonso Sertao e @ seu irmfo Juliéo Afonso Mafrense, que requereram 10 1é- guas em quadra cada um na ribeira do Gurguéia. (8) © engenhelro agenor Augusto de Mirande que, no desempenho de seus de- veres profisstonais, perlustrou demoradamenie a regiac , Julga ter sido 0 saguinte © caminho scguide pelos enticos sertanistas para atinglem 2s margens do Gur- guéla: “Da verre do Rio Grande, pelo Rio Grande ackma até 2 foz do rie Préto; por éste acima até 2 Bartinha, ebalxo de Sante Rita 29 km: pela vereda, que ai Cesigua @ tem 0 nome geuérico de Sapé; acima da fazenda da Bos Viswe, no sope da serta dlvisora, lugar de grandes brejos e étlmas pastagens, € atravessanco 9 serra por estteilo chapadio as Sas do riacho Fresco, 2 17 king, de Boa Vistn; € pelo nacho Fresco abalxo até a Lagoa do Parnagué, formade pelo rio Paraim; e por este abaixo até so Gurguéls logo adiante, De Barina & Bos Vista slo $0 kin, de Boa Vista 20 riacho Fresco, 17 kms., déste a Parnagua 55, 0 que tide coma 123 kms, de distdneia entre os exiremos dessa antiga trayesste.” VeJa-se Agenor A. de Miranda “Pelo Brasii Interior’. Rev. da Sociedade de Geografia do Rio de Janelto, Tomo REXIX — 1034. REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA 12 Em 17 de setembro de 1681 foram dadas a Francisco Dias D'Avila & outros requerentes, também moradores na Bahia, as terras do Parnagua entre as cabeceiras do Paraim e, em 1686, aos mesmos gsdclos. eram feitas novas doacdes nas margens do Parnaiba. (9) De todos os grandes sesmeiros e criadores citados foi, porém, Do- mingos Afonso Mafrense o que, nos anais histéricos da colonizagado do Meio-Norte, alcangou maior preeminéncia. Era natural de S. Domingos de Tanga de Fé, concelho de Mafra, donde lhe adveio 9 cognome de mafrense que éle trocaria pelo de sertéo ou sertam, — ja constante, alias, de sua patente de 1674, “ce bem mais préprio a lhe caracterizar o temperamento andejo e con- quistador". Chegando ao interior balano em época no sabida, estabelecera-se © destemido aventureiro portugués, inicialmente como rendeiro da casa da Torre, no sitio chamado Sobrado, entre Juazeiro e Xique-Xi- que, Nas Margens pernambucanas do S40 Francisco. onde adquiriu também 0 sitio Alagadico. (10) A seguir, por ambigéo ou por temer os maleficios decorrentes das calamidades climaticas que intermitentemente ali assolam as terras, arrebanhou parte de seus gados e com éle passou sos campos do Piaui, fudando importantes fazendas de criagdo nos vales do rio do mesmo nome e no do Canindé. A primeira estancia criada por Domingos Afonso na regiao do alto Piaui foi, esclarece o douto Jodo Ribeiro, a que teve o nome de Porgies de Baixo, e era localizada no rio Canindé, Do lugar Brejo-da-Moxa, sito na acta désse curso d’Agua, onde fixou depois morada definitive, féz éle, porém, o centro de suas ati- vidades de sertanista e criador, atividades decerto muito intensas mas que permanccem ainda hoje envéltas em brumas impenetraveis. Da leitura do testamento que redigiu pouco antes do falecimento, ecorride na cidade do Salvador em junho de 1711, depreende-se, ape~ has, que conseguiu obter amplos dominios territoriais na hinterlandia norcestina com a ajuda pecunidria de seus sécios, 0s senhores da Casa da Torre, e que, para isso, teve de travar muitas Iutes armadas com o gentio da regiao. Sabe-se mais que sustentou contra vizinhos, tao ambiclosos quanto éle, demandas juridicas sem fim nos foros da Colénia, (1D (9) Correndo, giz Alencastre, peta Bahia a nova da deseoverta de Diogo Afonso, nfo houve quem nko quisesse possiir terras proprias ou para cultura ou para eniar, © por tna0 JA em 1624 era erescidiselme o nuimero do sesmarins dadas tam- bém por diversos governadores de Pernambuco, (10) “Declsro, iz Domingos Afonso no testamento, que tenho dias fezendas de Sado, sites, a onde chamam Sobrade ne belra do zlo 8, Francisco nas terms de Garcia D'Avila Perelra thdas fabriendas com eseravos @ cabalos o que constaTé dos escritos de entega, passados pelos eurraleires,” (11) “Declazo, dizia le no alidido documento, ave sou senhor e possuider ta metade das terms que pedi, no Piel, com o coronel Pranclsco Dias D'Avila, as quois terrae descobri © povoei com erende risco de minha pessoa e consiaeravel despesa, com adjutérie des solos." 122 REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA Passando a0 dominio das conjectures, pode presumir-se igual- mente, dada a sua condic¢éo de grande potentado sertanejo, que, en- quanto viveu, “ditasse a sua lei aos parceiros” e fésse 0 ttnico distri- buidor de terras aos povoacores recém-chegados do rio Sdo Francisco ou do litoral do Recéncavo e que, como de hdbito, se tornavam ren- deiros dos primeiros ocupantes. Morrendo solieiro e sem herdeiros forgados, foram os seus bens, constantes de trinta fazendas, que se derramavam por sdbre ums Srea de quase cem iéguas quadradas, e mais a gadaria imensa que as povoava, cérea de 30 000 cabecas de vacum, j4 ent&o por éle ins- tituides em “Morgado” ou “Capela”, entregues, em virtude do seu testamento, & administragao dos fithos de Lotola, com encargos ¢ obrigagées diversas. Isso “vinculou, escreve o padre Serafim Leite, em sua monumen- tal e muito citada Historia da Companhia de Jesus, os jesuitas & cultura pecuniéria no territério do Piaui Gurante meio sécnlo. Para favorecer 0 povoamento, continua éste autor, repartiram-se as fazendas em 50 sitios que se arrendaram @ particulares ao preco de 10$000 por ano. (12) Outro ptoneiro de destacado reléyo na historia colonial do Piaui foi Francisco Dias D’Avila, “o capitalista da grande emprésa do Nordeste”, como o denominarla Basilio de Magalhaes, ou sim- plesmente, “o homem ce muito pouca estatura” que, no dizer do B. de Studart, “embora possuindo 50 mil libras de rendas, poucas peias punha & sua avareza e cobica e por isso tantos atritos teve com 0 missionario capuchinho padre Martim de Nantes, encarregado de catequizar os indigenas das terras ribeirinhas do 8. Francisco”. Como epiceniro de suas atividades sertanistas adotou o rio Salitre cujos sertées desvendara e de onde partia com destino as terras do Meio-Norle em expedigdes de guerra ou de conquista. Francisco Dias D’Avila, informou Alencastre, crlow nas margens do Gurguéia um arraial de indlos domésticos trazidos da Bahia com os quais protegia suas fazendas e prosseguia na conquista dos selvagens. A contribuigho déste balano para o avassalamento das terras in- teriores do Nordeste-Ocidental é atestada pelas numerosas fazendas eurraleiras que ali povoou e possuiu e que, por sua morte, ocorrt- da entre 1700 e 1702, passariam & espésa, D. Leonor Pereira Marinho. Nao apenas os Avilas e os rendeiros da Casa da Torre tiveram papel destacado no devassamento e incorporacdo definitiva da interlandia piauiense A civilizagao ocidental. Cooperaram nessa em~ (12) Taig fazendas foram depots ceqitestradus @ expostas @ venta no tempo de Pombal, quande do decreto de expuleéo da benemérite Companhia de Jesus, Nao Naverdo quem as sadquirisse, passeram elas a fazer parte Gos bens pa- trlmoniais da coroa lusitana © io hoje we fazendas nacionais do Piaui. REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA 123, présa ingente e benemérita sertanistas de S. Paulo e milhares de posselros andnimos a quem, pela Intdepides, pela tenacidade e aco de presenca, coube, decerto, o éxito aleangado ma conquista da terra. (33) Encabegados por Domingos Jorge Velho, o caminheiro incansi- vel que seria mais tarde um dos herdis da Guerra-dos-Barbaros ¢ das lutas cruentas dos Palmares, e por outros caledes de coiro de igual valor e projecio, os paulistas estiveram, no Piaui, em viagem de reconhecimento ou combatendo os Cariri sempre indomados ¢ muitos ai se afazendaram. Cabe-Ihes a primazia no desbravamento e ocupagéa da bacia do Poti cujas terras virgens vieram a receber por sesmaria. Obti- veram, segundo um documento datado de 3 de janeiro de 1705, des- coberto @ dado & publicidade por Perelra da Costa, “desde a nas- cente do dito rio dos Camardes até onde éle se mete no da Paraiba, com trés léguas de largura de uma e de outra banda déle da sua (33) A questo da priorldace no devassamento © ceupagio da bacin Orlentat do Parnulba permancce cm aberto. Afonso ce Taunsy, Basillo de Magaindes, Handelmam e Varnhagem, entre outros, atribuem 9 notéyel feito n Domingos Jorge Velho. Barbosa Lima Sobriihe, Borxes de Barros, Pedro Celmon 9 Salomfo Vasconcelos vem, nos sertantstes halahos, 05 ploneiros de heréica investida que levou sos confins do Plaul © Maranhio 0 colonlzador luso-braslleire, No nos parece que o assunto deva ser ventllsdo aqui ¢, Hor isso, chstemo-nos de insistir sobre © mesmo. Observemos, porsin, qué a possibilldade de terem, settanistas baianos e reindls, entrado em contato no proprio territério co Plauf cor os paulistas de Domingos Jorge Velho, tem sido também de longa data aveninda @ aptecinda sob Angulos 05 mais desenconteados. Cronlatas € Mistotindores antigos como Ales do Oneal e Roche Pita, entre outros, pretendem que, excurslonand> pelos altos serties pinulenses, Domingos Afonsns kvistou-se com Domingos Jorge Vetho que também elt oe schava entrogue a habitus ceupacio de dar combate © epreser os indigenss locals, ‘"Viram-so ambos, diz aquéle historiador @ dando um ao outro notiola do que tinhem obrado e descoberto, so ajustaram no que havie de prossesulr ¢ dividindo- -s por diferentes partes Tol cada um pela aur parte conguistands.” A nipétese em aprégo é igualmente sustenteda por J. ©, R. Millie: de Saint Adolphe, a0 trabalne que publicou em 1845, por Southey e outros. Southey narra o fato menctonado por Aires do Casal com igual singeleza, “Tinha-se = portida (de Domingos Gertéo) extrenhado muito pelo serté adentro, rompendo caminho & forga ce armas ¢ levando adiante de si os na- turais, quando fo! topar com uma tropa de Paulistes, capttaneada por Domingos Jorge @ seguida dos auxilinres de contume, Alegre encontro tot sste. Comuntes- rom-se o2 dois bandos win so outro mins aventursa © doscobertas. Cheasve para snbos a terra e éles sepatarem-se seguindo Clfereates rumos @ completar a con- quisia do pals ¢ lmpt-lo de selvegens.” Basilio de Magalies pensa que Domingos Jorge Velho penetrou na retro- term pieulense a comvite @ de parceria com Francisco Dias D’Avila “para expur- gar de indios bravios ag viberos pactagens de além Sho Francisco ¢ ali montarem Juntos, varias esténclas de criagio™. ‘A hipétese proposta por Basilio de Magelhtes parece-nos perfeltaments plnu- sivel de yea que se arrima na parte do texto de carta de doscSo firmada pelo governador ge Pernambuco Francisco de Castro Morais em favor de Jorge Velho, © descoherto por F. A. Percira da Costa, que diz: “entrou (Jorge Velo) © povaou todo o Piaut e Ganindé em compenbia da Casa da Torre de D'Avila e defendendo 05 frontetras do Maranhéo” 14 REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA barra por aquela da Parnaiba abaixo na mesma largura da banda de ca seis keguas”. Sabe-se mais que Domingos Jorge Velho e oficiais subalternos de seu térco passaram 4s terras do Piaui pelas alturas de 1663 9 fim de “obrarem melhor” contra as stibitos e diuturnos ataques dos tapuias bravios que infestavem a regido. Por morada, erigiram as mareens do Poti e do Parnaiba nelas plantando os primeiros micleos demograficos, eriando gado “tanto vacum como cavalares, ovelhum e cabrum, e também lavouras”. “O documento, assevera Pereira da Costa, informou também que o mestre-de-campo extrau e poveou todo © Piaui ¢ Canindé em companhia da casa da Torre de Garcia D'Avila ¢ defendendo as fronteiras do Maranhao e ficara até que fora cha- mado e requerido do Governador Joio da Cunha Souto Maior de des- cer com a dita sua gente ¢ oficiais em estado de guerra aos negros fugides e rebeldes dos Palmares.” A partida de Jorge Velho e acompanhantes do Piaui para sertées de Pernambuco ocorrey, ainda segundo 0 mesmo documento, no ano Ge 1687, tendo éles para isso abandonado terras, criagdes © la- vouras. (14) A expansio dos currais piauienses que, conforme ficou dito, se processou, @ principio, ac longo dos rios Gurgueia, Piaui e Canindé pa- Fa, Cepois de decorrido pouco mais de um decénio, passar também aos vales do Poti e do Paraiba — foi como alids em todo 0 Nordeste, cons- tantemente embaragada pelas brutais arremetidas dos Tapuaias de corso. Os terriveis Pimenteira, Acroi e Guegué que, desde os albores da conquiste, se haviam oposto tao ferozmente & marcha dos estran- gelros usurpadores, ecntinuavam irredutiveis, Unidos a outras tri- bos indigenas de igual ferdcis, lutavam agora com redobrada encr- gia em defesa de seus dominios, praticando, nas terras agora em poder dos brancos, largas depredagdes e grandes morticinios. Contra as tribos sublevadas intenveio mesmo, em 1692, Francisco Dias D'Avila por insinuacdo do Govérno Gerai do Brasil que Ine ace- nara com a possibilidade de présas abundantes; essa intervencdo teve, porém, pouca influéncia no desenrolar dos acontecimentos sub- seqiientes, ligados &s lutas em que, no Brasil Norte-Oriental, viviam empenhados brancos e nativos. Também o desenvolvimento da co- Jonizagio do Médio e Baixo Parnaiba era sériamente prejudicado por essas contantes correrias de indigenas rebeldes, No cltado ano de 1692, tropas paulistas, chefiadas pelo capitio- mor da conquisia Franciseo Dias de Siqueira, 0 mesmo que se em- (44) A localtzarso, em terras plaulenses, dag doacées, feltus em 1105, 8 vitva do mestre-de-campo Domingos Jorge Velho ¢ oficiais de scu térco que ai havinm re- querido muitos anos antes, fol, com mutta felictdade e brihantismo, contestada Por Barhosa Lima Sobrinho em sou trabslhe intitulado “Devassamento do Pisut™ Aludindo, em perte, & firmeza de teses anteriores Tormutadas, éle as loeailzou, por sua Yes em chins slagoanos, REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA 125. penhara com particular afinco em estabelecer ligacdes terrestres entre Sdo Luis e a cidade do Salvador, foram contratados para fa- zer-lhes guerra de exterminio sem resultado apreciivel, alias, como se vera depois. Ligado intimamente & regio do Médio So Francisco, o interior piaulense dencminava-se sertao de Rodelas e sé passou @ jurisdicdo do govérno do MaranhSo em fins do século XVII, ou mais precisa- mente, em 1696, Anos antes do fato, andando Antonio de Albuquerque Coelho de Carvalho empenhado, conforme ordem da Metropole, em abrir caminho seguro para a capital do Estado do Brasil, cometimento de magna importancia de que fora precursor Joo Velho do Vale, pelas alturas de 1686 — encontraram seus emissirios nas “cabeeciras” do rio Parnaiba, em terras de jurisdi¢ic da Bahia, umas fazen- das de que era administrador Antonio da Cunha Souto Maior. (15) Hste vagueire ou criador, no anseio muito natural de se estabe- lecer por emnta propria, aproveiton o ensejo e solicitou, a0 Gover- nador maranhense, em nome do rei, uma data de seis léguas para situar os rebanhos que possuia. O pedido, alids trivialissimo para a época, teve repercucdes imprevistas nos dominios da geografia e da histéria das capitanias do Meio-Norte brasileiro, Tulgando-se, aquela autoridade, incompetente para deferir 0 pedido por ignorar se as terras solicttadas Ihe estavam ou nao su- bordinadas administrativamente, apelou para o Monarea que, solu~ cionando a questéo em carta de 25 de Janeiro de 1696, determinou que a regido ficasse, dai por diante, na dependéncia do Estado do Maranhéo eujo govérno teria autoridade para nela conceder ses+ mavias e perceber impostos. Els o documento: — “Carta Résia a Antonio de Albuquerque Coelho de Carvalho. 3 de dezembro de 1692. Anténio de Albuquerque Coeiho de Carvalho Amigo, Eu, El Rey vos envio mu!to saudar. Vendo o que me eserevestes em carte de 21 de jumho deste anno, em ave me dais conta do que abrastes com a noticia de andarem as tropas dos Paulistas vizinhos aos distritos da capitania do Pard eficés remedio pera a extingdo dos Tapuyas do ©urco ¢ de se conseguir 0 deseobrimento do caminho do Brazil, o que se verificou com a cara que recebestes do capitao-mor da conquista Francisco Dias de Siqueira, que por ordem do governador geral do Estado do Brazil andava na mesma deligencia e com a noticia que vos dé 0 sargento-mér das tropas que fizestes vir 4 vossa prezensa a quem propuzestes os meyos pera se conseguirem estes intentos, em que me faziam grande servico mandando um cabo com quatro sol- (45) Esse Antéalo da Gunna Souro Mator cu Soutomayor que figura na deseri- séo do Pini felta, em 1097, pelo padre Miguel do Couto come dono da tazenda Craibas, ao longo do rio Canidé, perto de sua conflueneia com o Paraiba fol, segundo Berredo, provide no poste do Mestre-de-Campo-de-Conquista de Caplta— ala (?) do Pinui ¢ morte pelos indies que o accmpahavam a guerra. 126 REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA dados © alguns Indios a impedir-Ihe o intento que se prezomio havizo os ditos Paulislas as serras de Iguapeba na costa do Ceara pera le~ varém della Indios d’aquellas aldeas, ha muito tempo domesticados pelos Padres da companhia Me pareceo dizervos continuels na rezo~ Tugéo que tomastes de se conservarem os Indios naquelle lugar em que estéio cituados ensinuando aos Paulistas quanto convem ao Meu servigo e bem desta conquista o bom tratamento delles, por serem 4 prinetpal diferenga, ¢ de que depende a sua conservacéo ¢ que assim de nenhua maneira os divirtao nem apartem das suas aldeas como se ve foy de penetrar os cerloens seja de se empregarem em meu servigo que me podifio seré em que se empregarem na extein- ¢0 dos de Corco por screm os mais damnozos aos moradores desse estado de cujos repentinos assaltos se tem experimentado tantas ruinas, que nesta guerra devem de poro o seu mayor culdado pols no bom sucesso della consiste o susego dos meus vassalos ¢ pera esse efeito Thes fareis dar nio sé os mantimentos necessarlos mas mo- niedens convenientes segurando-Ihes 0 muito que me darei por bem servido delles tomarem 4 sue conta a expedigao desta guerra, pera folgar de Ihes fazer tada mereé quando se houver de tratar de seus particulares, e do que nisto se obrar me dareis conta com toda a individualidade e a0 governador geral do Brazil mando fazer esta recomendag&o escritta em Lisboa a 8 de Dezembro de 1692.” Rey. Desde 1696, e no desde 1695, come afirma Alencastre, principiou, Bois, o Capitéo-General do Estado do Maranhéo a ter tegitimamen- te algada administrativa sébre as terras interiores do Piaui entéo desmembradas de Pernambuco, a que estavam anexas. Semethante resolucio régia parece, todavia, 56 ter sido oficialmente comunicada a0 govérno pernambucano cinco anos depols, por C. R. de 3 de margo de 1701. No coméeo do século XVIUI institulu-se também, de ordem do bispo frei Francisco de Lima, a freguesia de Nossa Senhora da Vi- téria do Piaui, com sede no povoado de Moxa. (16) A béneSo da nova Capela, que teve idéntica denominacio de N. 8. da Vitoria, e a posse do respectivo paroco, padre Tomé Carvalho da Silva, ocorreram a 2 de marco de 1697. A freguesia recém-criada foram adjudicadas terras que confinavam, segundo ag informacées (16) Coube o encerso de fundar nova pardauin ao padre Miguel Cervatho, vigé- rio da vara de Pernambuco, que por teterminagtio do set preindo, prontamente Se transportou go alto sertio plaurense onde ceu cumprimento & Incumbencla recebida malaredo os obstéeulos que Ihe opds Dominges Afonso Sertéa, na époce, ainda todo poderoso naqueles ermos e destendidos rincoes. O truculento poten- tado matuto chegcu mesmo ao extrema de induzir a um seu sobrinhs, chamado Domingos Afonso Serra, que Ihe tolhesse por todos 03 metios a agiio do vigtrlo ¢ der- ruisse oa Tanchos porventura loventados para a eregdo da igroja paroquial, fatos que constam da carta enderegada pelo bispo ao rel de Portugat, em data de 23 de Junho de 1700. Domingos Afonso Serf deve ser o mesmo Domingos do Carmo cujo nome figura no testemento de Domingos Afonso Mafrense como stu sobrinho © herdatro. REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA 2 que nos deixou o padre Couto, pela parte do Nascente “com os ser- i6es desertos que correm para Pernambuco pelos quais se nao tem descoberto caminho nem se vadciam em razdo dos gentios bravos que néles habitam; para o Poente, confina com os matos desertos que correm para as indias de Espanha pelos quais nfo hi caminho nem se sabe de seu fim; para o Norte, confina com a costa do mar, cor- rendo do Ceara para o Maranhéo, para o qual tem dois caminhos, abertos ambos em o ano de 95, um vai a0 Maranhdo e outro & serra da Ibiapaba”, “Para 0 Maranh§o, continua o mesmo documento, ha também caminho que dizem tera 90 léguas. Para a parte Sul, confina com 0 rio 8. Francisco pata o qual tem dols caminhos com distancias iguais de 40 \éguas cada um por entre matos desertos em que se nao acha agua no tempo de sécn.” Como se vé, a hinterlandia piauiense em fins do século XVIT achava-se em comunicagio com 0 Itoral nortista por dois caminhos; um, pouco seguro, levava &s praias maranhenses; € outro, a serra da Ibiapaba, onde os jesuitas tinham missdes de catequese, e dai seguia até o fortim de N, 8. d’Assuncio, sede da capitania do Ceara. Podia-se, também, atingir 8. Luis diretamente por uma estrada de cérca de 90 Iéguas, aberia ao trafego comercial desde 1697. No rumo do sui, duas estradas sofriveis igavam o Piaui acs sertées do S. Francisco. A mais antiga, ladeando o leito do Piaui, ia ter & fa- venda Sobrado, situada 10 léguas acima do lugar Santa Sé; a outra, seguindo pelas nascentes Go Canindé, alcancava a eachoelra do Sido Francisco, entio chamada cachoeira de Domingos Afonso {Sobra- dinho?), Seguindo-se essas estradas chegava-se aos centros povoa- dos da costa Leste: Recife, Salvador e Penedo. Na ultima década do século XVII, muitos dos principais torma- dores do Parnaiba estavam, assim, semeados de estabelecimentos pas- toris onde igualmente se criavam os primeiros valéres agricolas. Re- fere 9 padre Miguel do Couto em sua “Descripcio” que, em margo de 1697, bavla no sertéo do Piaui, a beira dos rios, carregos e olhos d’agua mais importantes, aproximadamente 129 fazendas, onde mora- vam 441 pessoas civilizadas, entre brancos, negros, indios, mulatos © mamelucos. “De tédas essas terras, esclarece o Padre, sio senhores: Do- mingos Afonso Sertio e Leonor Perelra Marinho, que 2s partem de meias; tem nelas algumas fazendas de gados seus, as mais ar- rendam a quem Thes quer meter gados pagando-lhe 10 rs. de féro por sitio, e desta sorte ent&o introduzidos donatérios das terras, sendo s6 sesmarias que as povoarem com gados seus...” Entrementes, os paulistas de Francisco Dias de Siqueira, a quem Ja nos referimos antes, continuavam em seu arraial das ter- ras dos alongases, Cercados de muitos tapuias cristéos, mas em con- digdes bastante precarias. Viam-se impossibilitados de “extinguir 128 REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA Q gentio de corso que infestava a capitania’, conforme haviam prometido em contrato firmado com o govérno, por se terem agre- gado “muitos dos seus as guerras e tropaS que andam na cong ta dos Palmares” como se vé da CR. de janeiro de 1697 ao governa- dor e capitao-general do Estado do Maranhao. Turidicamente as comunidades rurais piaulenses estavam ainda Sujeitas as decisbes do féro secular balano pois sé por carta régia de 30 de julho de 1712 a povoagio da Moxa teve, segundo Alencastre, os foros da vila, sendo na mesma data criada a comar- ca do Piaui © lugar de ouvidor virla, porém, a ser provide em époea muito posterior a 28 de janeiro de 1723, na pessoa do Dr. Vicente Leite Ri- pado, Em 1714 era o ouvidor do Maranhéo quem decidia questées referentes a sesmarias naquele territorio, (17) Subordinado a0 Maranhéo sob o ponto de vista juridico e ad- ministrativo, a retroterra piautense permaneceria ainda présa es- pirttualmente a Pernambuco em cuja diocese féra, como vimos, in- cluido desde a fundagéo de sua primeira capela. Mesmo depois de lgado ao Bispado do Maranhio, iam os Jesutias de Pernambuco em missées volantes de catequese ao sert&o piauiense para assistir seus moradores. Entrementes, as chés piauienses continuavam a se encher d> rebanhos mereé do alto poder nutritivo das gramineas forrageiras que nelas vicejavam. No limlar do século XVIII, a0 tempo em que o douto Antonll escrevia. suas hicidas paginas sébre a questéo do gado no Brasil, pastavam soltos pelos campos nas grandes estancias curraleiras das bacias do Poti, Canindé, Gurguéia e Urugui para mais de 30000 bois. Bsse extraordinario desenvolvimento das fazendas que }4 entio invadiam, no Meto-Norte, todo 0 largo dominio das palmaceas, nao se fazia, como ja tivemos oportunidade de dizer, sem a opusigao sis- tematica e resoluta dos habitantes natives cuja resisténcia crescia a medida que Jhes minguavam os primitivos territérios de caca. Recordemos gue desde os ultimos anos do séeulo XVII uma re- volta, de singular amplitude e violéncia, concertada por um consi- 7) A resolueao régio, referente & anexacho das verras plauienses 20 Estado to ‘Maranhio e Gréo-Pard, renovada, alids, pola CR. de 3 de mareo de 1701 ao go- YeTnador de Pernambuco permaneeau letra morta durante um perlodo de cérca de 19 anos no reste do Brasil. Ainda em 1713 0 Governacor-Geral do Brasil, pouco !nctinada ceriamente de perder sua furledicho s$bre @ zona sertancja do alto Parneiba, onde haviasn roqueride scamarlas muitos potentades bainnos, cujos interéssas decojava defen der, declarava, em ooumente piblieg, ignorar a evlsténea do decreto que 1n- corporara o Plau! ao Maranhao, Clentificadc, pela provisko de 11 de jagetro de 1715, de que © Plaui fazia patte realmento do Estado Nortista, o Marqués de Angein, 3.° vice-Rei do Brasil © seus sucessores imediatos sempre se mostraram relutantes em estar a orden em apréco. REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA 129 derével nimero de tribos tapuias, viera colocar os criadores piauien- ses em graves aperturas materiais, obrigando-os a cuidar sériamente de sua defesa pessoal. Alastrando-se sem medida, a guerra que paralisara a ado de Dias Siqueira, multiplieava ruinas e desbaralos por téda a regifo. Fizera crescer também assustadoramente o nimero de vitimas. Nao eram poupados pelo bando bulhento e helicoso dos rebeldes nem eriangas, nem mulheres, nem mesmo os velhos colonos. Tampouco Tespeitavam éles os préprios ecleslasticos, pois entre as vitimas sa- erificadas & sua ferdela figuraria o padre Amaro Barbosa, sacerdote eujo térax os rebeldes abriram para retirar o coracéo, que, 2 seguir. conduziram como um rubro troféu. A espantosa taganha, entre as centenas de outras que deyem ter ocorrido naqueles agrestes ser- t6es, bem patentela a truculénela dos nativos, preocupados tio-s6 em se desatrontarem das Injarlas ¢ vexades recebidas dos conquls- tadores. Depois de oprimir com seus crimes as terras do Me‘o-Norte, a horda desenfreada desceu' para o Nascente, fazendo razias nos ter- ritérios do Ceara, Rio Grande do Norte e Paraiba que na-época se encontravam também conflagrados. Sendo mister pér cébro a tantos desatinos, para que os mora- dores nao féssem langadcs fora das tertas que tao penosamente haviam conquistado, resolveram as altas autoridades ca Col6nia confiar o efieargo de acometer os rebeldes e jugular a revolta a Ber- nardo Carvalho de Aguiar, famoso sertanista, a quem foi concedida a patente de Mestre-de-Campo-da-Conqulsta do Maranhao e Plawi. ag) Como isso ndo parecesse bastante, fol, pelo Governador da Bahia, também designado para dar combate aos amotinados o coronel Fran- cisco Gomes de 84, morador nas margens do 8. Francisco. fste ofi- cial “devia organizar a sua tropa com o auxilio do governador dos indios e das aldelas” daquela regiao, que eram, na, época, dirigidas por capuchinhos italianos ¢ missionarlos franciscanos, e com ela partir sem demora para o teatro da luta. Seguiram-se, com igual propésito, as nomeagées de Francisco de Brito, comissionado no pasto de cabo da conquisia do “gentio barbaro do Piawi”, de Miguel de Abreu Sepulveda, fazendeiro nas cabeceiras do rio Agu, ¢ de mul- tos outros sertanistas de igual fama e valor, alguts dos quais ji de jonga data radicados na bacia do grande rio baiano, © proprio Garcia d’Avila Pereira, senhor da Casa da Térre, es- timulado como os demais lutadores, pelas perspectivas dos lucros resultantes da venda de indigenas apresados nessa guerra, que fora oficialmente proclamada justa, entraya na campanha contra o inl- (8) Carlos Studart Filho “A Missdo Jesuitica da Tbiepaba”, em Revista do In~ titute do Ceard, tomo IX, Fortaleza, 195. 130 REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA _———$——<——— migo comum, Fé-lo depois de ter obtido do governador Pedro de Vasconcelos lcenga para combater “& sua custa os ditos barbaros”. ‘Ao longo do litoral maranhense a reagéo contra os rebeldes nao serla menos enérgica e pronta, De 8, Luls saiu, com efeito, em 1715, para entrentar as trlbos revoltadas uma tropa dirigida por Cris~ téviao da Costa, tropa que, diz Barbosa Lima Sobrinho, deu ¢x- tensa batida na zona do Itapecuru, onde pervagavam os silvicolas gue haviam matado Souto Malor e seus companhetros. Outro con~ tingente partiu, no ano seguinte, sob as ordens de Francisco Ca- valeante de Albuquerque, Indo, depois, agir de parceria com os ho- mens do Mestre-de-Campo Bernardo Carvalho de Aguiar. A intervengao de tanta gente armada na Iuta nfo logrou, porém, dar aos brancoa vitéria pronta e retumbante. Esta 86 viria depois de uma campanha demorada e renhida que reclamaria muitos anos de pesados sacrificios. Carvalho de Aguiar exereeu 0 pésto de Mostre-de-Campo-da- -Conquista do Piaui de 1716 até 1730, quando veio a falecer. No correr désse largo periodo de quatorze anos recebeu o au- wilio de numerosos contingentes de indios mansos do Ceara, des- cidos da Ibiapaba, onde estavam aldeados sob a direcio de missio- nérios jesuitas; agiu quase sempte com energia e felicidade no de- sempenho da missio que recebera do Govérno. Tanto que, pelas altures de 1782, estava o Plaui em sosségo, conscante nos informa o Provedor-mor da Fazenda da época, Matias da Costa e Sousa. Assinale-se a existéncla de um edital de Manuel Francés, Ca- pitéo-mor da Capltania do Ceara, datado de 8 de margo de 1726, mandando retirar, por determinacio de Sua Majestade, para o Ma- ranhao, a ordem do Mestre-de-Campo-da-Conquisia, Bernardo Car- valho de Aguiar, os tapuias Jenipapo, Ieé e Quixerarli que se t~ nham feito parciais dos Montes e dos Feitosas, grupos rivais entao empenhados em luta de morte nos sertées interiores do Ceara. A crueza ¢ intensidade da guerra, as largas depredagdes e os morticinios praticados pelos nativos nfo lograram, como depois se viu, nem destruir a fortuna particular da Capitania, nem abalar o &nimo de seus moradores. Amainada em parte a tormenta, a populacdo que, nos maus dias, desamparara a terra, a cla retorna agora reforcada. por novos grupos de colonos e degredados portuguéses para ali mandados pelo Go- vernador do Maranhio, edo refazem-se, pois, os rebanhos e as Javouras abandonadas; reconstitul-se a ordem econdmica, social e politica, renasce a pros- peridade em todo o interior ptauiense, n&o obstante prosseguissem alguns grupos de nativos em sua obra de desbarato. A Capitania do Piau{ tornou-se independente do Maranhio em virtude da C.R. de 29 de julho de 1758, sendo seu primeiro gover~ REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA 131 nador Joio Pereira Caldas, nomeado a 21 de agésto. (19) Trés anos depols 0 Decreto Rea} de 19 de junbo de 1761, renovando as ordens anteriores contides particularmente na G.R. de 29 de junho de 1759, determinava que as aldeias piaulenses de origem missiondria fdssem elevadas a categoria de vilas, Com © firme propésito de dissimular as origens indigenas daguelas pequenas comunidades abafando intelramente as reminis- céncias jesuiticas © a elas ligadas, era também ordenado que Ihe f0s- sem mudados os topdnimos barbaros, para outros de lugares ¢ vilas do reino; 4 vila de Moxa, a maior e mais importante da regio, de- Veriam ser, conforme 0 mesmo documenta, conferidas as honras de cidade-capital, sede da administraggo de téda a Capitanla. A 18 de novembro de 1762 Jodo Pereira Caldas, saindo a cumprir © Alvaré Réglo do ano anterior, erigiu em vila sob nomes diversos a olto localtdades da Capltania sob o seu govérno; Capltania a que deu a denominagio de 8. José do Piaui, em atencao a0 monarca D, José 1. Simulténeamente, a cidade de Moxa recebia, em virtude do préprio plano de substituigses ordenado pelo rei, o nome de Oeiras, Era mais uma homenagem prestada a0 poderoso minisiro Sebastido José de Carvalho, entao Conde de Oeiras. (20) (19) Segundo o bistoriador Rocha Pombo, o Plauf fot ertgiao em capitanin por D, Jodo V. em Alvaré de 1718, que, diz-nos ainda o mesmo cscrltor, feos. nem execugio pelo espaga de 40 anos. Noguela data era, conforme esclasecey Loureto Couto, fundada por ordem do mesmo soberanc, a vila de Moxa com © nome de vile de N. S, aa Viténa, (20) Teresina, a atual capital do xstsdo do Plauf, fo mandada construir pelo Presidente de Provincia, Dr. José AntOulo Saraiva, com o nome de Vila Nova do Pott, vendo depols clevada a cidade com a denominacdo de Teresina, como Preito A Imperattlz D. Teress Cristina Maria, pela Let Provinclal no S15, de 29 de Julho de 1852, (Bscober.) Bm 1823, tendo aderido A independéncls, tornou-se o Plau{ provincia do Impérlo, Mais tarde, com a Proclamagho da Repiblica, passou e ser um dos Estados da Uniéo.

Vous aimerez peut-être aussi