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Um e muitos ciberespaços
Suely Fragoso
Unisinos - RS
Resumo
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FRAGOSO, Suely. Um e Muitos Ciberespaços In A. LEMOS e P. CUNHA, Olhares sobre a
Cibercultura. Porto Alegre, Sulina, 2003, pp. 212-231
1 As duas obras seguintes de William Gibson, Count Zero e Monalisa Overdrive, são bastante menos
conhecidas que o primeiro romance da trilogia e muito raramente chegam a ser mencionadas como fonte
de inspiração ou referência para a compreensão do ciberespaço.
2 O texto de Bingham correlaciona, mais genericamente, as abordagens do ciberespaço e a idéia de 'sublime
tecnológico'. Para os fins do presente trabalho, no entanto, pareceu mais adequado explicitar e operar com
esta interpretação, que se crê fiel, dos sentidos que o referido autor confere à noção de sublime no texto
mencionado.
3 James Kneale relaciona uma série de razões para a abordagem abrangente (e o favorecimento de
descrições difusas) do ciberespaço na obra de Gibson, mas assinala sobretudo a hipótese de que o caráter
ficcional da trilogia tenderia a dificultar descrições de outro tipo (2001, p. 208-209).
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Cibercultura. Porto Alegre, Sulina, 2003, pp. 212-231
Rheingold, 1998).
A ausência de corporeidade na existência atemporal e desterritorializada que se
anuncia nas colocações anteriores conduz, também, à suspensão entre o fascínio e o
abatimento. Optando pelo enlevo, os auto-intitulados extrópicos (extropians), por exemplo,
anteviam a possibilidade de “duplicação do self para armazenamento em um banco de
memória digital” (More, 1988, s.p.)4, o que os integraria aos fluxos informacionais nos
moldes sugeridos ao final da trilogia iniciada em Neuromancer. Num movimento
simétrico, Virilio prefere assumir a totalidade de seu desalento:
o globo está cercado pela ronda incessante dos satélites e nós nos
chocamos contra a muralha invisível do espaço habitável, como nos
chocamos contra o invólucro, a carne firme de um corpo em que se
pode viver. Somente homem ou mulher, e unicamente terrestres,
para nós o mundo é atualmente um impasse, e a claustrofobia uma
angustiante ameaça. (Virilio, 1999b, p. 127)
Mas não apenas nós, usuários humanos, estamos inexoravelmente vinculados à
materialidade de nossos corpos. Por intangível que esteja fadado a ser, o espaço
informacional perpetrado pelo trânsito de dados nas redes telemáticas permanece ancorado
à materialidade daquelas mesmas redes.
4 Versões mais recentes dos Extropian Principles não fazem menção a essa possibilidade.
5 Os estudos referenciados atribuem a maior conectibilidade desses países às disparidades entre os PIBs
latino-americanos e aos diferentes níveis de desenvolvimento dos mercados locais de telecomunicações.
A participação brasileira montava a cerca de 50% dos internautas da América Latina. Essa prevalência é
atribuída a políticas bem -sucedidas de indução ao uso da rede e ao baixo custo (em comparação com os
demais países latino-americanos) das tarifas telefônicas e dos provedores de Internet. A mínima
conectibilidade da Bolívia, Paraguai e Peru, por sua vez, é atribuída pelas mesmas fontes à baixa
penetração das redes telefônicas naqueles países (Yankee Group, 2001 e Wired, 2001).
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Cibercultura. Porto Alegre, Sulina, 2003, pp. 212-231
que, com a compressão espaço-temporal, na era das comunicações digitais 'a geografia não
mais importa' contrapõe-se, assim, a “continuidade da história espacial da tecnologia e
industrialização na era da informação: os principais centros metropolitanos em todo o
mundo continuam a acumular fatores indutores de inovação e a gerar sinergia na indústria
e serviços avançados” (Castells, 1999, p. 416).
...o uso de TICs [tecnologias da informação e comunicação] como
agentes globalizantes ainda é dependente da espacialidade fixa do
mundo real – os pontos de acesso, a fisicalidade e a materialidade
dos fios. Além disso, existe um mundo entre as TICs e o
ciberespaço na forma de outras infraestruturas, redes sociais face-a-
face, trabalhadores capacitados, acesso a materiais e mercados
globais e locais. . . . Em outras palavras, embora as TICs trabalhem
para destruir as relações espaço-temporais, para 'desespacializar' as
relações sociais, outras práticas espaciais, formas e forças
trabalham contra esse enfraquecimento” (Dodge e Kitchin, 2001,
p. 14-15)
Embora as fronteiras entre as nações sejam de fato irrelevantes para os dados em
circulação, especificidades regionais afetam significativamente a disponibilidade e
condições de acesso ao ciberespaço. Conversamente, assim como as estruturas
socioespaciais pré-existentes influenciam a distribuição dos investimentos em redes de
telecomunicação, também a divisão internacional do trabalho, viabilizada por aquelas
mesmas redes, afeta, e potencialmente altera, a distribuição das camadas de suporte
material ao fluxo de dados em circulação. Embora a economia informacional permaneça
“organizada em torno de centros de controle e comando capazes de coordenar, inovar e
gerenciar as atividades interligadas das redes de empresas” (Castells, 1999, p. 405), a
distribuição espacial em larga escala das funções 'de apoio', “ou seja, o processamento em
massa das transações que executam as estratégias decididas e projetadas nos centros
empresariais das altas finanças e de serviços avançados” (Castells, 1999, p. 411) induz à
alocação de infra-estrutura capaz de alcançar as 'telecentrais de comutação' (concentrações
espaciais de computadores em rede usualmente localizadas em regiões com maior
disponibilidade de mão-de-obra barata e semiqualificada). Políticas locais e peculiaridades
culturais têm sido fatores importantes para a atração desses investimentos capazes de
agregar regiões aos fluxos da economia internacional. Vale lembrar, no entanto, que a
manutenção desses interesses 'includentes' depende da permanência dos fatores locais de
atração, caracterizando uma tendência à manutenção da divisão espacial hierárquica do
trabalho a partir da localização, em regiões distintas, de diferentes funções.
A irrelevância da distância no ciberespaço implica a possibilidade
de organização do trabalho em 'times' capazes de colaborar global e
continuamente. . . . Um padrão similar pode ser visto na realocação
de muitas funções de apoio das grandes corporações, cujos call
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A mera conexão entre servidores e terminais não basta para deflagrar o ciberespaço,
que só é efetivamente criado “pela comunicação entre agentes dotados de intencionalidade,
os quais, para todos os fins e propósitos, no presente, são humanos” (Batty, 1997, p. 343).
Milhares de arquivos e programas de tipos diversos e destinações igualmente distintas,
muitas vezes contrapondo-se ao movimento instituído na macro-escala dos grandes
poderes, circulam por entre os múltiplos espaços informacionais, construindo uma 'outra'
esfera de interação cujo impacto sobre a vida social e cultural não pode ser desprezado.
Operando na fronteira entre o ciberespaço e o mundo que nos acostumamos a denominar
'real', a capacidade de intervenção dos usuários introduz significativas doses de
imprevisibilidade nos fluxos informacionais.
Paradigmáticos perturbadores da ordem centralizadora das grandes instituições, os
hackers tornaram-se símbolos da resistência ao controle do ciberespaço, conquistando uma
reputação que oscila entre a romântica figura do herói ciberpunk e o indesejável
adolescente socialmente inapto que dissemina vírus destruidores. O 'manual' que os
organizadores da conferência hacker do ano de 2001 (HAL 2001) providenciaram para os
participantes resume bem as implicações dessa dualidade:
Polícia, Crimes e HAL 2001
Nós sentimos que coisas importantes estão acontecendo no mundo
hoje. Coisas que vale a pena lutar contra. Governos e grandes
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6 Um ataque DDoS (Distributed Denial of Service) visa tornar um serviço online inacessível a seus
usuários. O atacante 'escraviza' múltiplas estações de usuários, inoculando em cada uma delas o código de
ataque. Coordenadas (em tempo real ou conforme uma programação anterior), as estações infectadas
deflagram um ataque descentralizado e múltiplo ao provedor do serviço em questão.
7 Os autores indicados exemplificam estudos de base empírica.
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8 O Mosaic foi desenvolvido pela equipe do National Center for Supercomputing Applications da
University of Illinois e disponibilizado pela universidade em 1993 (NSCA, s.d.).
9 Conforme se depreende dos resultados de uma investigação quantitativa sobre os usos da Internet por
cidadãos norte-americanos realizada por Howard e Rainier, 2000. Embora os pesquisadores reportem
igual quantidade de usuários utilizando email e acessando a WWW, é importante notar que a pesquisa
restringe a categoria 'uso da Web' à busca de informações e realização de transações financeiras e
comerciais, excluindo, por exemplo, o uso de Webmail e Webchat.
10 Aqui, como em passagens subseqüentes, a palavra 'real' e suas derivações, entre aspas simples,
correspondem ao inglês actual e correlatos.
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11 De acordo com o Nielsen Netratings, em dezembro de 2002, por exemplo, os cinco sites com maior
frequência, alcance e tempo de permanência no Brasil foram, em ordem decrescente: UOL; IG;
Globo.com; Yahoo! e Terra (Nielsen Institute, 2002, s.p.)
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Dissonância
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