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ANGP: a Nova Gestao Paradoxal’ Vincent de Gaulejac A New Public Manager (NPM), ou Nova Gestiio Piiblica (NGP),? exerce uma pressio psicol6gica intensa sobre os trabalhadores. Muitos socidlogos, particu- Iarmente entre os elinicos, analisaram esse fendmeno, que vimos se desenvolver primeiro nas empresas privadas e em seguida nas empresas puiblicas ¢ que surge v aalmente no setor nao comercial, como os hospitais, as administragbes, as coleti- ‘Jidades locais, as insttuigdes educacionais ou sociais, Nesse contexto, a questo da catide mental no trabalho torna-se inescapavel. A queixa a respeito do sofrimento, a multiplicagao dos sintomas depressivos, o sentimento generalizado de assédio, a hiperatividade, o esgotamento profisional e 0 aumento de swicidios no local de trabalho séo sintomas de um mal-estar ‘profundo. “Nem todos enlouqueciam, mas todos estavam feridos.”® As causas desse fendmeno so miltiplas. Os trabalhos de Ieborat6rio sobre mudanga social contribuiram para explicitéLas. Neste capitulo, ‘Aigo inédto,Tradugo de Marka Helena Tylnsh erevisioténica de Pedro F.Bendassoll 2. No temos espago, no ambito deste capitulo, para expor as carnctristcas desta nova ‘gover: hang’, onginia do stor privado das multinaconss,rransportda para gestao das Yet iehe® eae ores Eatads a pretexto de “modeznizagio". Podemos recorrer & obra “a société malas aereacion® (Pars, Seu 2008. Tadurida em porragus 0 o titulo de Gest come doenga soe se recog poder geencaista eragmentaze social So Paulo, Ietas Letras, 2008), 2 cbra coer, Seeee: Marie Dominique Perrot e Jean Noel DuPasquler ‘Ordre désrdrs de esprit gestions” Fee er Latins Réaltés Sociales, 2008) e & obra de Michel Chawvitre “Trop de gestion te Te social” (Paris, La Découverte, 2007), > para paratrasear a célebre fébula de Jean de La Fontaine: “Nem todos morriam, mas todos cestavam ferides”, Les animaucx malades de ta peste. pretendemos avar organizagées em Em 0 poder d (AUBERT; GAULE atticulados um so + Enquant tivos pa e mais « contrad funcion coldgice a identi de perd + Enguan saoea vos fun process macio. gia libi belecit Neste capitu a mediagao, ton tem com um sis injungées parad em um grupo de «que caracterizar os que os viven evocaremos as pedimento indi 1 Adupla 0s psicdlos (1971), mostra fazer “perder a dupla coagio ( dominagéo a pa se refere & rela mie Ihe oferec ANG: ova Get Pracosal 85 Pretendemos avancar essas anélises insistindo no processo de transformagio das organizages em sistemas paradoxais, Em O poder das organizagdes (PAGES et al., 1979) em Le coiit de Vexcellence (AUBERT; GAULEJAC, 1991), tinhamos analisado a organizagao em dois registros, articulados um sobre 0 outro, isto é, sobrepostos: * Enquanto sistema de mediaglo, a organizacdo concebe e utiliza disposi- tivos para permitir a coexisténcia de elementos necesstirios & producio € mais ou menos incompativeis ou antagénicos. Ela é atravessada por contradigées econdmicas (particularmente entre o capital e o trabalho), funcionais (entre a légica financeira, comercial, jurdica, técnica) ¢ psi. colégicas (entre desejo de obter sucesso e o medo de fracassar, entre 2 identificacao narcisfstica com o poderio da organizagio e a angtistia de perda de objeto). Enquanto sistema sociopsiquico, a organizagdo favorece a interpenetra- $0 e articulagio entre, de um lado, procedimentos, normas, disposit- vos funcionais, regulamentos, ferramentas de gestio e, do outro, entre Processos psiquicos como a projecao, a introjecdo, a idealizacéo, a subli- Macao... Mostramos, assim, como a organizacao podia canalizar a ener- gia libidinal para transformé-Ia em energia produtiva por meio do esta- belecimento de um contrato narcfsico entre @ empregado e a empresa. Neste capitulo, gostariamos de levar adiante essas reflexdes mostrando como # mediacdo, tornando-se menos operante, faz com que os individuos se confron. fem com um sistema paradoxal, isto é, uma organizacdo que os coloca diante de injuncées paradoxais (conflitantes). A partir de uma situago clinica trabalhada em um grupo de implicagao e de pesquisa, descreveremos os diferentes elementos que caracterizam a implantagao desses sistemas, as consequéncias que tom para 65 que os vivenciam, particularmente seus efeitos sociopsiquicos. Finalmente, evocaremos as reagbes defensivas que eles provocam e os mecanismos de desim. edimento individuais e coletivos. 1A dupla coagao como sistema de empresa Os psicélogos da escola de Palo Alto, na esteira dos trabalhos de Bateson (1971), mostraram como um sistema de comunicagio paradoxal contribula para fazer “perder a razdo” (WAZLAWICK; HELMICK-BEAVIN: JACKSON, 1967). A Gupla coagéo (double bind) consiste em instalar um processo de subordinagéo/ dominacao a partir de injungdes paradoxais. Um exemplo, frequentemente citado, se refere a relacio entre uma mae e seu filho. Para o aniversétio de seu filho, a Ihe oferece uma gravata verde e uma gravata vermelha. O rapaz, contente {86 clink do Trabalho + Bendasol Sobol! por ter recebido um presente, imaginando com orgulho que sua mae esta contente de vélo crescer, vai até seu quarto, pée a gravata verde, e volta para junto de sua mée, “Por que vocé colocou a verde, vocé nao gosta da vermelha?”, ela Ihe pergunta. O rapaz, um pouco confuso, volta para seu quarto, coloca a vermetha, ¢ volta para se mostrar para sua me: “Por que vocé colocou a vermelha, vocé ndo gosta da verde?” 0 fitho ndo sabe mais muito bem que atitude adotar. Ele volta para sou quarto e pe as duas gravatas, uma sobre a outra. Sua mée o olha com um ar desolado, dizendo-the: “Vocé vai me enlouquecer.” O que quer que faga, 0 rapaz.é pego em erro. “A dupla coagio gera sequéncias insoliveis de experiéncias las” (WILDEN, 1980). A mie o coloca numa situacao louca, e é ela que 0 recrimina por isso. O rapaz & encurralado em um sistema de comunicagio no qual ele se encontra condenado a ser inadequado, insatisfatério e impotente e, além disso, é considerado responsavel por essa sittiago. Ha af um mecanismo de dominacgo. Tal sistema aprisiona os individuos em uma submissao permanente. A dupla dependéncia objetiva e afetiva na qual cada crianga se encontra é mantida e reforgada por uma dependéncia psicoligica A situago de dupla coagéo se instala a partir do momento em que varias pessoas so envolvidas em uma relagio intensa que possui um grande valor para elas no plano afetivo, psiquico ou material, de tal modo que elas nao podem, € ndo querem, desvencilhar-se dela. Hla se caracteriza por um sistema de comuni- cacao no qual mensagens séo emitidas sob a forma de injungées contraditérias acompanhadas de um terceito termo que impede qualquer escapatéria. Forgado a obedecer a duas demandas totalmente incompativeis (jé que é preciso desobede- cer para obedecer), 0 sujeito & colocado em uma situagao de derrota, carregando a responsabilidade por sua incapacidade de responder de maneira satisfatéria as demandas que lhe so dirigidas. Ble se encontra ent&o em ma situagao sem saida ¢ insustentvel, na impossibilidade de optar entre exigéncias ao mesmo tempo obrigatdrias e antagnicas. O que quer que faca, ele pode ser pego em erro, 0 que destr6i no seu intimo qualquer possibilidade de reagao para sait da dominagéo de seu interlocutor. Dependéncias desse tipo atuam em um grande niimero de organizacdes. Nao se trata apenas de uma dominacio psicolégica em uma relacdo afetiva, mas de tum sistema de dominagao organizacional que utiliza 0 paradoxo como ferramenta de gestio, que leva 0 conjunto dos agentes a aceitar coletivamente modalidades de funcionamento que eles condenam individualmente. A partir de uma situagio vivida em uma institui¢ao encarregada da reinsergao de pessoas em dificuldade, iremos decodificar a atuagao de um sistema paradoxal que ilustra as ra7es plas ‘quais se torna tdo dificil existir na empresa. 2 Exemplo de Acena se dese situagao de exclus ‘Tr€s pessoas s convocou Chantal Chantal nao est participar de outr feicoar. Jacquelin compreender para doria. Como telefo chefe do departam com sua atitude, d esse curso. & prec 0 telefone foi ult: funcio deve se ad Diante das res no quer aceitar”) ‘mente implacével. discusso abrir w ciondrias. Os emp contribuintes, deis “Deve-se trabalhar economia. Tenho téncia, Jacqueline Aspera do diretor: “voc estava deser Nao a desperdice” Jacqueline tr avaliagées sto bo: ‘com a informatica principalmente po de telefonista. A d formacdo. Na vésp 4 Oexemplo fo tirad sujeito no trabalho” q ores sociais, educador setores médicossoctal, dados 2 encenar contl ‘uma apresentagio te6r ANGE Nowa Getto Pcadoeal 87 2 Exemplo de paradoxo organizacional* Accena se desenrola em um servico social encarregado de ajudar pessoas em situagao de excluséo. ‘Trés pessoas so reunidas em torno de uma mesa. O chefe do departamento convocou Chantal e Jacqueline, que acabaram de fazer um curso de informatica. Chantal nao esta preocupada. Ela nao apenas gostou do curso como solicita participar de outro. Hla deseja se inscrever em um segundo médulo para se aper- feicoar. Jacqueline encontra dificuldades. “Tenho dificuldade, diz ela, € dificil compreender para que isso (a informatica) serve. Estou a dois anos da aposenta- doria. Gomo telefonista, nao vejo muito bem o que isto pode trazer para mim.” A chefe do departamento a coloca diante de argumentos implacéveis. “Fico surpresa com sua atitude, diz ela. Eu pensava que vocé tinha as aptidées para acompanhar esse curso. B preciso se habituar com 0 computador para ndo ser ultrapassada. O telefone foi ultrapassado, é preciso dominar o e-mail e a Web. Cada um na sua fungiio deve se adaptar a mudanga. f preciso que vocé seja empregavel!” Diante das resisténcias (a “mé vontade”) manifestadas por Jacqueline (“que no quer aceitar”), a chefe procura o diretor da instituicdo. Este se mostra igual- mente implacdvel. Jacqueline deve “seguir estritamente as regras”. Est fora de discusséo abrir uma excegdo, 0 que nao seria justo em relagdo As outras fun- cionarias. Os empregados sao pagos pelo Estado, ndo seria correto, perante os contribuintes, deixar de produzir um servico de qualidade, racional e competitivo. “Deve-se trabalhar do mesmo modo, da mesma maneira. Pedem-nos que fagamos economia, Tenho por politica ser justo com todo o mundo.” Diante de tanta insi téncia, Jacqueline responde timidamente: “vou tentar”. O que Ihe vale esta resposta spera do ditetor: “eu nao Ihe digo que tente, mas que consiga’. E ele acrescent “voe® estava desempregada quando a empregamos, nés Ihe demos uma chance. Nao a desperdice”. Jacqueline trabalha hé seis anos no departamento como telefonista. Suas avaliagées so boas. Ela ¢ querida por todos. Sua tinica falha ¢ ter dificuldade com a informética. Apesar dos cursos e da ajuda de seus colegas, “est travada”, principalmente porque nao vé a vantagem dessa nova ferramenta em sua fungaio de telefonista. A diregdo a inscreve automaticamente em um segundo estdgio de formacao. Na véspera do estagio, ela telefona para informar seu chefe de depar- + Oexemplo foi trado de um grupo de implicacdo e de pesquisa sobre o tema “trabalho do sujeito, sujeito no trabalho” que promovemos em 2005. O grupo era constituido de 15 pessoas, trabalha- dores sociais, educadores, formadores, interventores, consultores, responséveis por instituigbes nos setores médicossocial, educativo, judicial e de insergao profissional. Os participantes eram conv ddados a encenar conflits vivides em sua instituigio conforme a metodologia “organidrama”. Para ‘uma apresentagao tedrica e metodolbgica desse trabalho, ver . 88 clinias do abso + Benassi eSobell tamento que esté doente. Dois meses depois ela entraré em licenga de longa duragio, esperando a aposentadoria. O diretor de Jacqueline estima ter dado uma chance a cla. Ele ndo eta obrigado a ficar com ela a partir do momento em que ela nao se adaptava a nova gestio piiblica. “Nao somos um CAT”,° diz ele, para encerrar o assunto. Jacqueline sentiu- se perseguida. Ela nao compreende a obstinacao da diregéo em fazé-la seguir um carso que nao tem sentido para ela. Ela executava corretamente seu trabalho e nunca recebeu uma adverténcia. Bla ndo percebe porque precisaria utilizar um computador quando é tao simples responder ao telefone ¢ ir ver as pessoas diretamente quando se tem alguma coisa a Ihes dizer. A chefe do departamento vé que Jacqueline esta em plena depressdio, que ela ndo dorme mais & noite. Ela sabe que, a dois anos da aposentadoria, ndo lhe resta sendo uma safda ~ entrar de licenca por doenga, o que ndo representa uma dificuldade particular jé que ela estd realmente deprimida. 0 circulo esta entao posto. De um lado, um processo de exclusio “objetivo” que leva a instituicdo a colocar de lado uma funcionéria considerada inapta & modernizagio, Do outro, um processo de invalidacéo “subjetivo” que leva a fazer com que a prépria funciondria carregue a responsabilidade por esta excluso, a fazer com que a prépria funcionéria nao tenha querido aproveitar sua oportunidade. Ela da provas de mé vontade diante das propostas de cursos para facilitar sua adaptagio. Ela resiste as diretrizes decididas pela direco para melhorar o servico fornecido aos usudrios. Fla faz pesar sobre seus colegas suas proprias dificuldades e sua incompeténcia. Bla nao domina as novas ferramentas de comunicacéo, no entanto indispensaveis ao bom andamento do servico. Por causa de sua fragilidade psicolégica, de suas auséncias repetidas, ela desorganiza a divisdo das tarefas e obriga os outros funciondtios a substitui-la. A modemizagéo é necessdria para melhorar a qualidade do servigo, para responder a uma demanda do conselho de administracéo, que zela pelo bom uso das subvencées recebidas pela instituigéo. Nao seria entio aceitavel que o esforgo exigido de cada agente no seja compartilhado por todos. Jacqueline néo deve se tornar uma carga para 08 outros. Todos devem colocar em pratica a linha definida pela diregao porque ela é equitativa 3. fator “humano” ainda incomoda! Jacqueline esta claramente desadaptada as mudangas de nosso mundo. A mudanga é natural, é fator de progresso, é necessdria. Seu questionamento € a © Centro de Adaptagiio no Trabalho, Esses centros recebem pessoas com deficiéncias fisicas ou em. situagio de dificuldade social. expresstio de uma nizadores nos exp séo refratérios a0 problema. f ela q cagio evita exami acompanham. Dois elemento drama”. Ninguém um se sentisse in simbolo de progr se inscreveram no similares & de Jac: mente com Jacqui de produgo. Con No plano individi zando. Quando n institucional que, std, com efeito, ¢ de se adaptar a m resistir & exclusio Aexclusio do lugao incontestav consiste em gerar Jacqueline vai pa estivesse a dois an se reinserir no me pregavel. Caindo ‘uma assistida soci trar no campo mé O custo econdmic ais alto que o sa instituigéo, o cust uma consequénci lico é importante ces dessa violénci ‘que a instituicdo I institui¢éo produz para'si as feridas ¢ panham 0 medo ¢ entanto, Jaequelin da empresa e quer ANG, 4 Nove Gesto aradoral 89 expressfio de uma vontade, de uma “resisténcia & mudanga”. Os gestores moder- nizadores nos explicam qual ¢ a sorte que desde sempre cabe a todos aqueles que so refratdrios ao progresso. , entdo, o comportamento de Jacqueline que causa problema. £ ela que é responsével pelas disfung6es do departamento. Tal expli- cacdo evita examinar a natureza dessas mudangas e os métodos de gesto que as acompanham. Dois elementos serdo colocados em evidéncia na discussio prevista no “organo- drama”. Ninguém ousou colocar em discussio a “linha de gestao”. Como se cada um se sentisse impotente para discutir a sensatez dessa nova gestdo ptiblica, simbolo de progresso e de modernizacdo. No entanto, muitos dos participantes se inscreveram no seminério porque haviam sido obrigados a enfrentar situagées similares & de Jacqueline. Tudo se passa como se eles se identificassem subjetiva- mente com Jacqueline e sua situaco, mas resignando-se 8s condigées objetivas de produgdo. Como se a capacidade de resisténcia coletiva estivesse embotada. No plano individual, nos protegemos, seja nos adaptando, seja nos marginali- zando. Quando nos mantemos afastados, torna-se dificil denunciar a violéncia institucional que, de cima, nos levou a fazer essa opcao. Nessa situagéo a pessoa est4, com efeito, duplamente anulada: em ptimeiro lugar por ndo ter sido capaz, de se adaptar a mudanca; em segundo, por nao haver podido, ou haver sabido, resistir & exclusio. Aeexclusio do “elo fraco” é vivida como a consequéncia inelutével de uma evo- lugo incontest4vel, O grupo analisa entéo o patadoxo que, para uma institui¢ao, consiste em gerar uma exchisdo que ela supostamente combate. Decididamente, Jacqueline vai passar da situagdo de funciondria para a de usuéria. Se ela nao estivesse a dois anos da aposentadoria, sem duivida the proporiam um curso para se reinserir no mercado. A no ser que ela se encerre em sua situaciio de ndo em- pregavel. Caindo doente, Jacqueline vai “escapar” dessa logica. Ela nao se tornard ‘uma assistida socialmente visto que ela sai do campo social da inser¢ao para en- tar no campo médico da satide. O custo humano disto é sem duivida desasiroso. custo econdmico para a coletividade é igualmente muito pesado, certamente mais alto que o saldtio que eta pago a Jacqueline quando ela estava bem. Para a instituigdo, o custo simbélico é minimizado pela direcio, que ndo vé nisso sendo uma consequéncia menor da mudanga necesséria. No entanto, esse custo simbé- lico é importante para os colegas de Jacqueline, que so mais ou menos ciimp! ces dessa violéncia “inocente”. Como continuar a dar sentido ao trabatho social que a instituigdo Ihes pede para executar quando eles constatam que a gesto da instituigéo produz a excluséo dos mais vulneréveis? Cada funcionério vai guardar para si as feridas do constrangimento de Jacqueline. A culpa e a vergonha acom- Panham 0 medo diante de uma ameaca que pode atingir cada um deles. E, no ‘entanto, Jacqueline realizava bem seu trabalho. Ela era apreciada pela hierarquia da empresa e querida por seus colegas... 90 tices do-etalho + Rendall eSoblt 4 Produzir a exclusio para melhorar a produtividade A hist6ria de Jacqueline ilustra algumas tendéncias importantes que vemos consolidar-se no mundo do trabalho. Nés as conheciamos do setor privado, onde elas pareciam ligadas de uma maneira natural a légica do lucro. A logica da rentabilidade jamais foi to poderosa, gerando uma pressio crescente sobre a produtividade dos trabalhadores, No entanto, esse contexto no impede os trabalhadores de existirem na empresa, ds vezes mesmo de maneira prazerosa, na medida em que eles compreendem e aceitam as regras do jogo. Quando a rentabil dade é considerada como um dado de base necessdrio & sobrevivéncia da empresa, no surpreende que ela exija uma melhoria da produtividade, uma adaptacéo as exigéncias da empresa, uma flexibilidade para responder A demanda de um mer- cado em evolucio permanente. Independentemente das opinides “politicas” que se nutre pelo capitalismo, que se esteja de acordo ou se seja eritico desse sistema, 0 sentido do trabalho no capitalismo é claro. Trata-se de produzir, frequentemente a0 menor custo, um bem ou um servico perfeitamente identificado. A produtivi- dade se mede pela “melhoria” das cadéncias ou pelo aumento da qualidade do servico prestado. O trabalhador sabe perfeitamente quando ele realiza uma “bela obra”. Ele sabe igualmente resistir As coagées e negociar com o poder quando esse iiltimo & demasiadamente exigente ou mal-intencionado. No exemplo proposto, esse “sentido” se encontra em suspenso. Estamos em um “servigo social” cuja missio é favorecer a reinsergdo de pessoas em dificuldade. Na medida em que cle coloca seus préprios agentes em um processo de exclus social, hd uma contradi¢o considerdvel entre as finalidades da organizacao e os meios que ela emprega. Mostramos na “luta por posigdes” que a exclusao era prin- cipalmente gerada por uma combinagio de processos econdmicos, sociais e sim- bélicos que se apoiam mutuamente arrastando os individuos em uma espiral de degradacao dos lacos familiais e sociais (GAULEJAC; TABOADA-LEONETTI, 1994), § ao menos paradoxal constatar que instituicbes encarregadas de proteger essas pessoas, de lutar contra a “desfiliagio”, produzem, elas mesmas, a excluséo. Como tal paradoxo pode-se estabelecer sem suscitar uma oposigao radical por parte das pessoas que, via de regra, escolheram trabalhar no segmento do trabalho social porque no aceitam a ideia de que uma parte da populacio seja deixada de lado pelo “progresso” social? ‘A ideologia gerencial banaliza e legitima Idgicas funcionais que parecem imperiosas. “E preciso que isso funcione”, declara o diretor submisso as exigéncias de seus comanditérios, que esperam resultados. A funcionalidade impée sua lei as outras consideragées, sejam elas sociais ou existenciais, até a revisio das finalida- des institucionais. Decididamente, os motivos da organizacio tomam a dianteira diante dos motivos da instituigdo. O operatério néo é mais um meio de ago, mas sua finalidade. A que “isso” funcion do inconsciente, n recursos humanos. da organizacao, er institucionais, no A ideologia g um sujeito. 0 indi financeiros, opera © fazem perder a interna entre 0 in as exigéncias de s instrumentalizaca evita uma luta per cimento em um “t 5 Resisténcia Todavia, Jacq comportamento d Ela no quer fingi executar corretan exigir um investi a0 que no tem ceufsos e mudangal légica. Jacqueline descompasso pate dade cotidiana (a interno e o exterr lo é construlda s enquanto 0 senti¢ a atividade. Qu encontra submet real, a necessidad “mentalmente si 0 discurso ge sistas desemboca elas sio defendic modernidade, do em uma represen ANGP: a Nova Gesto Paradonal 91 sua finalidade. A racionalidade instrumental é soberana. O agente existe para que “isso” funcione. Esse “isso” ndo remete, nesse caso, & concepgio freudiana do inconsciente, mas a uma exigéncia organizacional — imagem da ideologia dos recursos humanos que considera o humano como um meio para o desenvolvimento da organizacéo, embora a organizacao devesse se mobilizar a servico das misses institucionais, no caso, favorecer a insergao social. A ideologia gerencial considera 0 individuo como um recurso, ao invés de ‘um sujeito. O individuo é, entdo, instrumentalizado para serventia dos objetivos financeitos, operatétios, técnicas que o fazem perder o sentido de sua ago, que o fazem perder até o sentido de sua existéncia. Instala-se entéo uma ruptura interna entre o individuo — recurso que aceita se submeter para corresponder as exigéncias de seu empregador, e a porcio do individuo — sujeito que resiste a instrumentalizagao. A aceitacdo é psiquicamente mais facil na medida em que ela evita uma luta permanente contra “o sistema” e concede um mfnimo de reconhe- cimento em um “trabalho” que permite ao individuo assegurar sua subsisténcia. 5. Resisténcia ao sujeito, resisténcia do sujeito Todavia, Jacqueline decidiu resistit. Ela no espera o reconhecimento de um ‘comportamento dinamico, motivado, adaptado, como o de sua colega Chantal. Ela no quer fingir, ela ndo quer dar mais do que sua tarefa cotidiana. Ela julga executar corretamente sett trabalho. Na sua opiniao, a empresa nao tem que exigir um investimento psiquico e mental suplementar. Ser sujeito é resistir ao que nao tem sentido para istir sem se curvar a injuncdes, cursos € mudaigas que so Impostas sem que o agente perceba nels uma razio logiea. Jacqueline poderia aceitar a demanda de setis chefes, se Tiz0 houvesse um descompasso patente entre a prescricéo (se formar em informatica) e sua ativi- dade cotidiana (atender ao telefone, facilitar a comunicagio entre o ambiente interno e 0 externo, estabelecer relagdes amistosas ete.). A prescrigao de forma- 40 é construida sobre uma visio abstrata de mudanca (é preciso se modefnizar), enquanto o sentido do trabalho é construido em cima cde uma experiéicia concfeta a atividade. Quando a l6gica funcional nao & mais operacional, quando ela se éncontra submetida a prescrigdes ideais que nao se escoram mais no trabalho real, a necessidade de operacionalidade, perfeitamente clara para qualquer agente “mentalmente sao”, é percebida como irracional. O discurso gerencial escorado em paradigmas objetivistas, funcionais e utilita- ristas desemboca em exigéncias insensatas, disfuncionais e imtiteis. E, no entanto, elas sdo defendidas pela diregio, pelos quadros e alguns agentes em nome da modernidade, do progresso, da racionalidade técnica. Esses apoiadores se apoiam em uma representacao dominante segundo a qual o progtesso tem um custo, as 92. clinica do'natalho + Bendsslle Sobol resisténcias & mudanca sto reflexos “naturais” que é preciso superar. Jacqueline representa 0 arquétipo do passado, da rejeicdo a adaptacao, das formas de resis- téncia que € preciso quebrar porque elas freiam inovagoes necessérias. Nao se trata mais de saber se a mudanga é judiciosa ou oportuna, trata-se de saber como fazer para eliminar os que a obstaculizam. O problema nao esté em saber se o dominio da informatica é indispensével para a tarefa. E a resisténcia de Jacqueline que se toma problemdtica, sua md vontade evidente, especialmente porque em volta dela todos se esforgaram por apoid-la diante das mudangas. Em iiltima andlise, o “verdadeiro” problema, para os gestores da instituicao, vem da pretenséo de Jacqueline de ser um sujeito no trabalho, sujeito que precisa, para existir, dar sentido ao que The pedem que faga. “E preciso seguir a linha definida”, exige o chefe. O poder impoe normas, prescricées, disciplina para tornar 08 corpos produtivos e os espiritos déceis (FOUCAULT, 1975). Se o sujeito resiste, ele deve ser eliminado. Para existir, Jacqueline fica doente. Encolhida na contr: digo entre se submeter ou demitir-se, adaptar-se ou ser excluida, set reconhecida como agente ou ser anulada como sujeito, ela encontra uma saida na doenga, Esta Ihe permite, a0 mesmo tempo, cuidar de sua depressdo, consequéncia da pressao que sofreu durante varios meses, ¢ obter um status social intermedi, isto é, um status entre 0 de assalariada e o de aposentada (CARRETEIRO, 1993). Ela pode, desse modo, continuar a existir como sujeito, objetiva e subjetivamente, Objetivamente, ela tem um status que the permite manter os “apoios” necess4- rios para ter uma existéncia social (direitos, rendas, uma posigéo institucional, um reconhecimento social). Ela evita, por conseguinte, o risco de anulagio que espreita todos aqueles que so caracterizados por uma identidade negativa (desempregados, sem renda, sem status, sem atividade...). Ela pode, dessa forma, escapar da espiral da exclusio social. Subjetivamente, ela desenvolve um sintoma, a depressao, que paradoxalmente a alivia: ela escapa da press4o para se instruir, da incapacidade de se adaptar, da culpa por nao fazé-lo e da vergonha de sua incompeténcia. Jé que Ihe asseguram que o problema est4 nela, ela vai assumir o que lhe atribuem por meio da depressio: “sou eu que nao consigo”. Interiorizando a imagem negativa que Ihe é enviada, ela se apropria dos meios para sair da tensao de ter de se con- formar com um ideal normativo que ela ndo pode nem quer atender (DUJARIER, 2006). Ela escapa dessa forma ao duplo processo de instrumentalizacéo (diante da organizago) e de estigmatizacao (diante de seus colegas) Pode-se interpretar sua doenca como uma derrota do sujeito que se identifica com 0 agressor ao tomar a seu cargo os ataques de que é objeto. A depressao corresponde a um sentimento de desapreco do “eu” diante das exigéncias de seu ideal: a interiorizagdo do sentimento de nao ter valor, de ser incompetente, incapaz. F 0 fato de obter uma licenga por motivo de doenea ¢ igualmente um modo de sair desse paradoxo, Assumindo o fato de que o problema esta nela, Jacqueline se dé um meio de mesina, ela sai de v HA nessa situagio sua existéncia. A al submeter a exigénc corre-se 0 risco de 6 Violéncia pa Ficcdo ou reali social (CASTORIAI dominagio fundac qual por suposto ¢ induz é “inocente soffem se sentem Cada qual ten impedidos de exe trabalhar bem, ou coisas. Entra-se er ‘modo possivel ain até sua eliminaga Ninguém é indiset produzir esse siste tangiveis. Isso exp car as causas do n cesso: uma violén 6s culpados. Uma a0 defender-se de sensacio experim A pessoa se sente | a impoténcia, Na zacionais do proc comigo”. Como sair d Palo Alto demons passa pela metac¢ através dele, des No exemplo citad mae que ele nfo. As demandas deta [ANGP: a Nove Gest Paradonal 93 se encarrega de si mesma, ela sai de um sistema paradoxal vivido como destruidor. Ela sai viva dele. Ha nessa situagéo uma resisténcia do sujeito, que retoma o controle assumindo sua existéncia. A alternativa é cruel. Para existir na empresa, é preciso aceitar se submeter a exigéncias que a consciéncia moral condena. Para existir como sujeito, corre-se 0 risco de ser excluido. 6 Violéncia paradoxal, paradoxos da violéncia Ficedo ou realidade? A historia de Jacqueline é a expresso de um imaginario social (CASTORIADIS, 1975) no qual o discurso gerencial legitima uma forma de dominagéo fundada no paradoxo. As instituigdes produzem a exclusio contra a qual por suposto deveriam lutar, Essa reviravolta ¢ invistvel, a violencia que ela induz é “inocente”, os que a empregam sao perfeitamente legitimos, os que a sofrem se sentem culpados. Cada qual tenta “fazer bem seu trabalho” em um contexto em que uns so impedidos de executé-lo a seu modo, outros sao excluidos embora acreditassem trabalhar bem, outros ainda procuram “modernizar-se” pensando melhorar as coisas. Entra-se entdo em um sistema implicito no qual cada qual age do melhor modo possivel ainda que “o melhor” de alguns agentes leve ao “pouco” de outros, até sua climinagio. A violéncia induzida nao é facilmente atribuida a alguém. Ninguém é indiscutivelmente responsdvel por ela embora todos contribuam para produzir essé sistema. Ha uma abstracao das causas ainda que 6s resultados sejam tangiveis. Isso explica o sentimento difuso de assédio, a dificuldade para identifi- car as causas do mal-estar sentido, a impressiio de impoténcia diante desse pro- cesso: uma violéncia surda, difusa, imprecisa pela qual ndo se consegue apontar 0s culpados. Uma violéncia de que todos sabem, confusamente, que participam ao defender-se dela. Esta inversio permanente das causas é uma das razdes da sensacéo experimentada de incapacidade de lutar contra esse tipo de violéncia. A pessoa se sente tolhida em sua reacéo, o que reforca a culpa, a interiorizagao e a impoténcia. Na impossibilidade de compreender as causas sistémicas e organi- zacionais do proceso, o assalariado diz, para si mesmo: “hé alguma coisa errada comigo”. Como sair desses entrelacamentos de paradoxos? Os adeptos da Escola de Palo Alto demonstraram que a saida de um sistema de comunicagio paradoxal passa pela metacomunicacdo. E possivel livrar-se desse sistema comunicando-se através dele, desmontando seus mecanismos, analisando por que ele é paradoxal. No exemplo citado como introduco, seria preciso que o filho possa dizer & sua mie que ele nao procura deixé-la louca, mas que ele nao sabe como responder as demandas dela porque ela o coloca permanentemente em contradigio. Via de 94 cline do Tabalho » Bendasslle Sobol regra, a crianga nfo dispée de recursos para fazer essa andlise, a ndo ser no qua- dro de uma terapia. Em uma organizacio, os processos empregados sao similares, porém o contexto é diferente. E a propria organizacdo que é paradoxal (AUBERT; GAULEJAC, 1991). Entao, nao basta desmontar a légica da comunicagao. Convém analisar como sistemas paradoxais se estabelecem, como as pessoas contribuem, para implanté-los e, na sequencia, reproduzi-los, a fim de facilitar os processos de desvencilhamento ~ individuais e coletivo ~ até “desmontat” suas engrenagens, in- telectualmente em um primeiro momento, para depois desmantelé-los na pritica. 7 Como sair de um sistema paradoxal? A descricdo desse sistema de dominagao (que se fecha em si mesmo a ponto de as reagdes defensivas estabelecidas pelas pessoas para dele se proteger contribuirem, para reforcé-lo) poderia facilmente nos tornar paranoicos. O sentimento de perse- guigéo se correlaciona com esses citculos sucessivos entre a légica organizacional 0s processos psiquicos mobilizados. Esta é uma das caracteristicas de um sistema paradoxal: a presenca de exigéncias incompativeis entre si as quais, entretanto, & absolutamente necesséirio se submeter sem desobedecer ou agir de outra maneira. Tanto é que a violéncia induzida pelo sistema e o risco da loucura obrigam as pessoas a encontrar uma saida “a qualquer custo”, ¢ leva a resisténcias ferozes, para nao afundar na loucura ou na depressio. Nesse ponto, convém distinguir as reagées defensivas dos mecanismos de desimpedimento. As reagbes defensivas so os mecanismos conscientes ¢ inconscientes empre- gados pelo sujeito para suportar a violencia e conviver com o sistema paradoxal. Lembramos algumas, como a negacéo da realidade, o retorno sobre si mesino, a identificagdo com 0 agressor, a aceitacdo passiva da instrumentalizagio. A mais comum é a clivagem. O sujeito, aparentemente, aceita obedecer as exigéncias da organizacao, se “moldar & forma”, aderir ao sistema. Uma parte do “eu aproxima-se da identificagio, porém uma outra parte, escondida, resiste ¢ recusa ser cooptada. O sujeito vive ent&o uma clivagem entre duas partes de sua perso- nalidade. A divisdo pode, em casos extremos, desembocar em um desdobramento da personalidade. O sentimento de esquizofrenia, geralmente evocado na organi- zagio paradoxal, exprime esta tensdo interna entre dois componentes da psique, um que se coloca a disposigao do sistema, outro que resiste a ele, um que se deixa instrumentalizar, outro que tenta preservar a integridade psiquica do sujeito. Em grande parte, estes processos sao inconscientes. E preciso entender que a resis- téncia ativa e consciente é psiquicamente muito custosa, é preciso entender que ela mobiliza uma energia constante, o que é particularmente dificil num contexto de produgio, onde a pressio do trabalho é enorme. A caracteristica essencial das reagées defensiva e dentro” da orga ‘mesmo quando os esses mecanismos participar de sua j (Os mecanismo sujeito vai se livrar tirde dentro, sefa, estd do lado do sul colocard em uma: ficar-se com as exi melhorar sua cond ela percebe que a deixa “cair doente desimpedimento s ela contribui para ciativa para escap: doenca transitéria ‘sso com 0 caso do Diante dos proces despegam progres de do que outros objetivas que thes materiais e sociais boa satide”, condi conforme um mod A questéo mai paradoxal por de interventores, 0s si ¢, em primeiro lu sistemas paradoxa No que nos ¢o pasar para o nivel para demonstrar s éacio. Ea compre geram que permit € outros doentes. voltas com estes p ANGP: a Nova Gostio Paadonal 95 eagbes defensivas reside no fato de que elas facilitam a situagtio de “viver com € dentro” da organizacio, alimentando inclusive seus componentes paradoxais, mesmo quando o sujeito deseja se livrar dela. Desde LaBostie (ENRIQUEZ, 2007), esses mecanismos de dominaggo e de servidao voluntaria, nos quais o sujeito parece participar de sua prdpria sujeicdo, foram analisados muitas vezes. (Os mecanismos de desimpedimento designam os processos por meio dos quais 0 sujeito vai se livrar do sistema paradoxal, seja fugindo, seja transformando-o a par- tir de dentro, seja procurando destrui-lo. No exemplo de Jacqueline, a domindncia estd do lado do subterfiigio. Fla nao aceita entrar em um proceso que sente que a colocardé em uma situago instavel em relagdo a ela mesma. Ela ndo aceita identi- ficar-se com as exigéncias de “modenizacio” que sente que nao foram feitas para melhorar sua condigéo, melhorias de que ela contesta o cardter racional. Quando ela percebe que a diregéo da empresa nao voltard atrés em suas posicées, ela se deixa “cair doente” para poder sair do sistema, Reacdo defensiva e mecanismo de desimpedimento se misturam em sett comportamento, A presséo exercida sobre ela contribui para que ela realmente adoeca e, ao mesmo tempo, ela toma a ini- ciativa para escapar da depressio. Esperando a aposentadoria, ela entra em uma doenga transitéria. Encontramos muitos casos similares. Fabienne Hanique ilustra isso com o caso do guiché de correio que ela observou durante mais de dois anos. Diante dos processos de modernizacao, os atendentes de guiché mais antigos se despegam progressivamente (HANIQUE, 2003). Alguns deles tém mais facilida- de do que outros para empregar estratégias de escape em funcio de condigdes objetivas que Ihes permitem partir sem renunciar a suas rendas, a suas garantias, materiais e sociais, e contam com condigdes subjetivas que permitem partir “com boa satide”, condigées que Ihes permitem pelo menos viver esta situacéio menos conforme um modelo de fracasso e mais conforme um modelo de libertacéo. A questéo mais dificil concerne as possibilidades de transformar um sistema paradoxal por dentro. E 0 desafio ao qual, atualmente, os pesquisadores, os interventores, os sindicatos, os departamentos de recursos humanos se confrontam e, em primeiro lugar, com que se defronta 0 conjunto dos atores “pegos” em. sistemas paradoxais. No que nos concerne, estilo e a descri¢ao do sistema constituem meios de se assar para o nivel da “metacomunicacao”, ou seja, de comunicar em um sistema Para demonstrar seus efeitos paradoxais por meio da andlise dele. Aqui a reflexo € aco. Ea compreensao das contradigées organizacionais e dos conflitos que elas geram que permite se desvencilhar de um contexto que torna alguns impotentes © outros doentes. Desde que esta andlise possa ser recuperada pelos que esto as voltas com estes paradoxos. ANGP: a Nova Getto radoeal 95 reacdes defensivas reside no fato de que elas facilitam a situagio de “viver com € dentro” da organizacao, alimentando inclusive seus componentes paradoxais, mesmo quando o sujeito deseja se livrar dela, Desde LaBoétie (ENRIQUEZ, 2007), esses mecanismos de dominagio e de servidao voluntaria, nos quais 0 sujeito parece participar de sua prépria sujeigao, foram analisados muitas vezes. ‘Os mecanismos ce desimpedimento designam os processos por meio dos quais 0 sujeito vai se livrar do sistema paradoxal, seja fugindo, seja transformando-o a par- tir de dentro, seja procurando destru‘-lo. No exemplo de Jacqueline, a domindncia estd do lado do subterfiigio. Bla ndo aceita entrar em um proceso que sente que a colocard em uma situacdo instavel em relacdo a ela mesma. Bla néo aceita identi- ficar-se com as exigéncias de “modernizagéio” que sente que néo foram feitas para melhorar sua condigéo, melhorias de que ela contesta o carter racional. Quando ela percebe que a diego da empresa nao voltaré atrés em suas posigées, ela se deixa “cair doente” para poder sair do sistema. Reacéo defensiva e mecanismo de desimpedimento se misturam em seu comportamento. A presséo exercida sobre ela contribui para que cla realmente adoeca ¢, ao mesmo tempo, ela toma a ini- ciativa para escapar da depresséio. Esperando a aposentadoria, ela entra em uma doenca transitéria. Encontramos muitos casos similares. Fabienne Hanique ilustra isso com 0 caso do guiché de correio que ela observou durante mais de dois anos. Diante dos processos de modernizaco, os atendentes de guiché mais antigos se despegam progressivamente (HANIQUE, 2003). Alguns deles t8m mais facilida- de do que outros para empregar estratégias de escape em fungo de condigées objetivas que Ihes permitem partir sem renunciar a suas rendas, a suas garantias, materiais ¢ sociais, e contam com condigées subjetivas que permitem partir “com boa satide”, condigées que Ihes permitem pelo menos viver esta situacéo menos conforme um modelo de fracasso e mais conforme um modelo de libertacéo. A questéo mais dificil concerne as possibilidades de transformar um sistema paradoxal por dentro. £ 0 desafio ao qual, atualmente, 05 pesquisadores, 08 interventores, 0s sindicatos, os departamentos de recursos humanos se confrontam e, em primeiro lugar, com que se defronta o conjunto dos atores “pegos” em sistemas paradoxais. No que nos concerne, 0 estilo e a descricao do sistema constituem meios de se passar para o nivel da “metacomunicagao”, ou seja, de comunicar em um sistema para demonstrar seus efeitos paradoxais por meio da andlise dele. Aqui a reflexiio é agio. £ a compreensiio das contradicdes organizacionais e dos conflitos que elas geram que permite se desvencilhar de um contexto que torna alguns impotentes ¢ outros doentes. Desde que esta andlise possa ser recuperada pelos que esto as voltas com estes paradoxos. 96 clicks do Trabalho + Boodaeol eSobat 8 Conclusio Neste capitulo, propusemos uma problemética para fundamentar esta andlise colocando 0 foco em uma hipdtese central: as modalidades de gestao que atual- mente esto sendo introduzidas no mundo do trabalho levam a produgao de exigéneias paradoxais (conflitantes) que engendram um sistema. Da perspectiva da sociologia clinica (GAULEJAC; HANIQUE; ROCHE, 2008), partimos do “mais proximo possivel da vivéncia dos atores”, expondo um caso que ilustra a transfor- magdo progressiva de uma organizacao submetida a pressio de légicas gerenciais, destinadas a “melhorar a produtividade”. Essas pressdes levam a direcdo e o ambiente a produzirem a exclusto em seu funcionamento real, mesmo se sua finalidade, enquanto instituicdo, for justamente combater a exclusio. A partir do momento em que 0 individuo é considerado como um recurso a disposigao da organizaciio, seu potencial para acontecer como sujeito é neutralizado. A ordem gerencial, dominada por uma racionalidade instrumental, torna o humano um objeto, torna o pensamento concordante, aprisiona os comportamentos dentro de preocupacées utilitaristas. Como resistir a esse poder? Alguns aprendem a viver com ele, outros tentam inventar modos de se desvencilhar desses sistemas para- doxais, outros, por fim, tentam fugir, esperando encontrar espacos que escapam A ideologia gerencial e ao culto & alta performance. Como pesquisadores ¢ interventores, precisamos refletir sobre as condigdes nas quais um desimpedimento € possivel. Ndo se cura uma organizagio mesmo quando esta pode tornar doentes os que nela trabaiham. Ao menos podemos propor a estes tiltimos, se nao os meios de sair dessa situacdo, pelo menos os meios de intervir sobre 0 que os torna doentes. O approach clinico permite construir espacos de reflexao coletiva para todos os que no sabem mais para que lado se voltar. E isso, por exemplo, que é proposto nos grupos de implicacdo e de pesquisa que coordenamos, grupos voltados para diferentes teméticas, como “sujeito no trabalho, trabalho do sujeito”, “violéncias do éxito, violéncias do fracasso”, “a Juta dos lugares”, “o que fazer diante do sofrimento no trabalho” (GAULEJAG; LEGRAND, 2008). Para escapar desses paradoxos, um mimero que néo pode ser negligenciado de nossos contemporaneos decide “sair do meio institucional”. Eles se juntam ao grupo dos “herdis obscuros da historicidade”, de todos os que inventam na rotina da vida cotidiana outras maneiras de existir, de estar junto, e que se negam a sacrificar sua vida as ilusbes da cultura da alta performance. Referéncias AUBERT, N. 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