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Público • Sexta-feira 9 Julho 2010 • 39

Doutrina de um filósofo antidemocrático e teórico do autoritarismo que aderiu ao nazismo inspira acção do primeiro-ministro

Tudo está bem desde que seja Sócrates a mandar

S
e Portugal tivesse ganho à Espanha na África e do parlamentarismo da República de Weimar que como as de energia e telecomunicações, os direitos
do Sul era bem provável que, no dia seguin- se tornou num entusiasta do regime hitleriano, de- especiais dos Estados (…) são uma boa forma, uma
te, o Governo se tivesse abstido de utilizar a fendia que o poder soberano é aquele que decide nos forma light, de preservar o interesse geral”, para, na
golden share na assembleia geral da PT e não casos de excepção – exactamente o sentido da golden quarta-feira, Teixeira dos Santos vir anunciar que
estivesse montada toda a actual trapalhada. share tal como Sócrates o interpreta. Como Schmitt não haverá golden shares no processo de privatiza-
Mas como, infelizmente, Ronaldo não esteve à altura escreveu em “Da Ditadura”, o soberano, o governan- ções da GALP, da REN ou da EDP.
de Eduardo, José Sócrates farejou a oportunidade te, “tem o monopólio da decisão final”. Sócrates não De resto, a própria noção que Sócrates tem dos
José de cavalgar uma causa “patriótica” e armou-se em diria melhor: a sua golden share não é mais do que poderes e deveres da maioria em democracia, assim
Manuel “Padeira de Aljubarrota”. Pelo caminho mostrou os o “estado de emergência” ditatorial teorizado pelo como a sua relação com o Parlamento, enquadram-
Fernandes seus piores instintos – tal como pelo caminho o país jurista alemão. De resto, o nosso primeiro-ministro, se bem na doutrina de Schmitt, para quem o Fuhrer
também mostrou a sua menoridade política. com o seu soberano desprezo pelo compromisso e “era a lei”, e para quem a lei era “a expressão da
Extremo A principal razão porque digo que a golden share pelo Parlamento, também poderia subscrever a visão vontade do povo” e não dos seus representantes
ocidental podia não ter sido utilizada é simples: os argumentos que Carl Schmitt tinha das democracias abertas e li- parlamentares (não por acaso este Governo tem
dados para não vender a Vivo não fazem sentido. Até berais: “A sua essência é a negociação, a meia medida uma enorme tendência para legislar por via de au-
hoje ninguém procurou fundamentar o “interesse cautelosa, na esperança de que a disputa definitiva torizações parlamentares).
estratégico” da Vivo para Portugal, sobretudo de possa ser transformada num debate parlamentar e a Ao dar-se a si próprio o lugar central e, no limi-
qual o interesse estratégico em manter uma em- decisão fique suspensa de uma discussão sem fim”. te, único em todos os eventos políticos, ao confun-
presa no Brasil a meias com um sócio hostil. Só se Num estilo menos sofisticado e mais de pegador de dir – como confunde no texto que escreveu para o
for para destruir valor. Para além de que é patético touros, foi isso que Sócrates disse ao El Pais: “Não PÚBLICO – o Estado com o Governo e o Governo
dizer que sem a Vivo a PT deixaria de ter estímulo tenho medo da solidão na hora de com ele próprio, o primeiro-ministro facilmente vê
ou dimensão para investir em investigação e desen- Ao dar-se a si próprio o tomar decisões”. Ou seja, ele deci- o seu interesse particular como sendo o interesse
volvimento. E também nunca disse que a venda da lugar central e, no limite, de, não discute. geral. Daí que, no momento em que o seu interes-
Vivo pelo preço oferecido pela Telefónica não era Toda a sua retórica, neste ca- se particular foi lançar uma cavalgada patrioteira,
um bom negócio, tanto mais que traria liquidez a único em todos os eventos so como em tantos outros, segue nem sequer se interrogou sobre as consequências
uma empresa altamente endividada, traria liquidez também a visão de Carl Schmitt perniciosas para o interesse geral do veto à venda
aos seus accionistas e permitiria ao Estado encaixar
políticos, ao confundir o desenvolvida em “O Conceito do da Vivo. E, neste momento, Portugal está a perder.
uma importante receita fiscal. Estado com o Governo e o Político”: “A distinção à qual pode- Jornalista (www.twitter.com/jmf1957)
Não fosse o tradicional nacionalismo serôdio – mos reduzir todas as acções e mo-
predominante à direita – e o nosso não menos tra- Governo com ele próprio, tivações dos políticos é a distinção PS1 Querer reabrir a discussão sobre a regionalização
dicional ódio, e inveja, face ao investidor privado o primeiro-ministro entre amigos e inimigos”. De facto, numa altura destas é demencial e só se compreende
– predominante à esquerda –, e a argumentação a forma como, neste conflito como para agradar a certas clientelas políticas. É mesmo
oficialista não teria passado incólume. Pior: não terí- facilmente vê o seu em quase todos os conflitos, Sócra- disso que o país necessita quando enfrenta uma situ-
amos assistido ao triste espectáculo da convergência
de todos – repito: todos – os partidos portugueses
interesse particular como tes distinguiu entre “os seus” e “os
outros”, definindo círculos de ami-
ação em que tem de fazer diminuir drasticamente a
despesa pública. Para mim, não há nada a discutir
na condenação de um negócio que não lhes dizia sendo o interesse geral. Daí gos a quem exige fidelidade total e enquanto o Estado não devolver aos cidadãos pode-
respeito. Exacto: não lhes dizia respeito. Como não de inimigos a quem não reconhece res e funções que usurpou e exerce com inutilidade e
lhes diria respeito uma eventual venda pela Jeró- que, no momento em que quaisquer direitos, aproxima-o de desperdício.
nimo Martins dos seus activos na Polónia, ou pela o seu interesse particular novo deste teórico do autoritaris-
Sonae das suas fábricas na Alemanha, ou pela EDP mo. Até a forma como atacou a Co- PS2 Lê-se e não se acredita: só o motorista da viatura
das suas operações nos Estados Unidos. foi lançar uma cavalgada missão Europeia encaixa bem nesta em que seguia, a alta velocidade, o secretário-geral
As divergências da liderança do PSD relativamente forma de olhar para a política. do Sistema de Segurança Interna foi acusado na se-
à utilização da golden share – um sinal de bom senso
patrioteira, nem sequer Por fim, em Sócrates tudo é ins- quência do acidente de há oito meses na Avenida da
a que a decisão do Tribunal Europeu veio dar razão se interrogou sobre as trumental e o que é verdade hoje é Liberdade, em Lisboa. Tramou-se o mexilhão. O alto
– foram o único ponto de dissensão numa paisagem mentira amanhã. Só assim se com- responsável que lhe deu ordem para acelerar para
uniformemente patrioteira que atingiu o paroxismo consequências perniciosas preende que tenha dito, domingo, chegar a tempo a uma cerimónia inútil de tomada
do desnorte e da imbecilidade nas declarações de para o interesse geral no El Pais, que “em muitas das de posse de inutilidades (alguns governadores civis)
Vitalino Canas. Como maestro na vaga populista empresas que desempenham um safou-se, como é tristemente habitual em Portugal.
destacou-se José Sócrates que, neste episódio, re- do veto à venda da Vivo papel importante nas economias, Revoltante, no mínimo.
velou de novo até que ponto a sua acção política ADRIANO MIRANDA
se inspira nas lições de um filósofo que apoiou o
nazismo, Carl Schmitt.

V
ejamos quais foram, em última análise,
os argumentos de fundo do veto governa-
mental. Estão na entrevista de Sócrates ao
El Pais: “Os accionistas não podem violar
a vontade do Estado”; “Telefónica devia
ter-nos ouvido”; “um primeiro-ministro não pode
deixar-se encurralar”; ou “nenhum Governo gosta
que lhe torçam o braço”. Em suma: tudo teria sido
diferente se os accionistas privados – que negocia-
ram entre eles à exaustão – tivessem envolvido José
Sócrates nas suas negociações. Como ele escreveu
no dia seguinte, “o Estado limitou-se a não permitir
que os seus interesses fossem desconsiderados e ig-
norados”, sendo que como o Estado nunca afirmou
outros direitos estatutários que não os da golden
share, a “desconsideração” resumiu-se a não ter feito
passar as negociações por São Bento. Apesar de ser
extraordinário que alguém que passou os últimos
meses a dizer que não sabia do negócio entre a PT
e a TVI reivindique agora o direito a conhecer tudo,
o que está em causa no conjunto destas declarações
é uma visão do Estado profundamente iliberal e
antidemocrática, na linha de Carl Schmitt.
Schmitt, um adversário da democracia “burguesa”

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