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ARTIGOS DOUTRINÁRIOS

Minority Report
Uma Nova Lei, Velhos Paradigmas.
Virgílio de Mattos
Túlio Lima Vianna

O novo trabalho do cineasta Steven


Spielberg pode não ser uma obra-pri
ma da ficção cien-tífica, mas tem o
grande mérito de nos fazer repensar velhos
paradigmas do direito penal e suas ameaça-
cegar o Leviatã cibernético por meio de um
clandestino transplante de olhos que, se
mal-sucedido, cegará o próprio paciente.
O cirurgião-plástico - ele próprio um
egresso do sistema prisional, com abusos
dico...
Quanta distância de nossos mestiços
miseráveis e banguelas...
Nosso herói parece ter saído de uma
indústria de roteiros pré-fabricados made
doras implicações em um futuro não tão dis- sexuais, violência e corrupção - é extrema- in usa. Teve um filho vítima da criminalidade,
tante. mente ético e bem-sucedido. Duro de acre- separou-se da mulher e se tornou um vicia-
O cenário é uma Washington no ano ditar! Sua partner enfermeira é uma russa do em uma estranha droga futurista.
de 2054, onde o reconhecimento de íris pa- feia. Mas a guerra-fria não teria acabado em Um potente anfetamínico? Algum alu-
rece ter se consolidado como sistema de 1989? Steven pode ter feito uma volta ao cinógeno? Seria importado da Colômbia? Da
identificação digital e se encontra passado. Ele não é genial? Bolívia? Do Brasil? Parece vir do Iraque
onipresente. O longus oculus do Estado faz O que irrita profundamente é a aquela droga tão poderosa que não altera,
de nossa cidade futurista um eterno reality avalanche de anúncios publicitários na área em nada, o comportamento de nosso herói
show televisivo. O gosto é um pouco duvi- nobre da cidade, que contrasta com a po- bom-moço. Ele apenas divaga em soluçantes
doso. Os efeitos especiais fazem "releituras" breza dos prédios onde a polícia caça nos- saudades do filho desaparecido. Onde com-
(que é a maneira eufêmica de se "chupar so protagonista. prar essa droga do futuro? Nos becos, em
uma idéia"). Não foi necessário um mandado judi- locais sombrios onde homeless habitam.
O ferro em brasa - marca de um direito cial para que os pequenos robôs invadis- Traficantes que enxergam sem ter - literal-
penal bárbaro e ultrapassado - ressurge nos sem as residências dos suspeitos e realizas- mente - olhos. Que sabem tudo da vida de
olhos daqueles condenados à permanente sem o reconhecimento de suas íris. Velhos seus "clientes", inclusive de nosso policial
vigilância. A única esperança de alforria é alvos do Direito Penal. Todos passivos. O bom-moço, habitue.
marido maltratador que pára de bater na es- Não obstante seu pequeno vício, nos-
posa. A mãe que manda o filho obedecer. so herói luta com todas as suas forças con-
Todos submissos, até que a batida policial tra a criminalidade, comandando uma equi-
acabe. pe de policiais que, com base nas previsões
Novas tecnologias. Velhos hábitos. de três sensitivos - com o sugestivo nome
A fala imposta pela Lei Miranda con- de precogs - evita que homicídios se con-
tinua: "você tem o direito de permanecer sumem, prendendo seus potenciais autores
calado, qualquer coisa que você disser po- momentos antes do golpe final.
derá ser usada contra você em juízo". País Nem nos piores delírios de Nelson
democrático esses Estados Unidos... Na Hungria poder-se-ia prever o imprevisível:
vida real, a taxa de encarceramento qua- julgado, condenado e excluído pela prisão
druplicou em 20 anos. Um, a cada 147 perpétua antes mesmo de cometer qualquer
cidadãos, está na cadeia só no Estado crime.
da Califórnia. Negros, hispânicos e Nossos criminólogos televisivos (e
underclass são fritados no Texas. O também inúmeros bons moços da academia)
sistema penal é privado e tem ações adorariam: a pena antes do crime, o pensar
vendidas na bolsa de Wall Street. criminoso elevado à categoria de conduta
País formidável, admirável, povo típica. Paraíso terreno das sogras de
democrático, trabalhador, tão nór- anedotário.

30 - Justilex - Ano I - N° 9 - Setembro de 2002


ARTIGOS DOUTRINÁRIOS

O leitor não precisa ser um precog para próprio de todo ser humano e volta a sepul- temente migra do corpo à alma. Sempre para
imaginar que um dia nosso mocinho passa- tar Lombroso e seus discípulos partidários sempre.
ria para o rol dos potencialmente culpados de uma criminologia geneticista em que não Detalhe que quase escapa: apenas os
e finalmente confrontar-se-ia com um iter precisaremos de astros ou cartas para pre- homicídios podem ser previstos. O tráfico -
criminis sem saída. ver homicídios, mas das bases nitrogenadas endêmico nas underclass -, os estupros e
O domínio da causalidade componentes de DNAs humanos. roubos continuam a conviver "pacificamen-
naturalística é problematizado e, ainda que, Todos culpados a priori. Todos ex- te" na sociedade do futuro.
muita vez, se tenha a impressão de que nos- cluídos sem possibilidade de que venham a No final - do filme - o bem vence o
so iter nos levará à apologia do "causar dano à sociedade". Risco zero. mal. A mocinha, grávida, fita o infinito. God
determinismo, no final assistimos aliviados Enfim, nosso protagonista liberta-se bless America!
à consagração do livre arbítrio humano com definitivamente de sua prisão individual na Nova lei, velhos paradigmas.
a morte da personagem que personifica o qual seria mantido em permanente estado
direito penal máximo do total control. de coma até sabe-se lá quando.
Vitória do bem sobre o mal. Bom que se diga: cadeia sem Virgílio de Mattos
Curioso, o personagem "do mal" não superlotação. Espaço mínimo onde enfiado, Coordenador da Frente de Saúde Mental do Programa
Pólos Reprodutores de Cidadania da UFMG, Douto-
tem traços árabes, hispânicos ou africanos. para todo sempre, o criminoso que não co-
rando pela Universidade de Lecce (IT)
É um bom nórdico, que vive em uma boa meteu crime nenhum, impedido que foi pelo e Mestre em Ciências Penais pela Universidade
casa e tem um bom emprego. Povo bonzi- direito penal máximo do futuro, onipresente, Federal de Minas Gerais.
nho esse que vive "lá nos Estados Unidos", onisciente. Luxo futurista: um carcereiro
meu Deus. facies de oligofrênico, toca um cravo super Túlio Lima Vianna
O triunfo do Direito Penal de Culpabi- bem temperado. Professor de Direito Penal da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais e Mestre em Ciências Penais
lidade sobre o Direito Penal de E o auge do que Foucault já descre-
pela Universidade Federal de Minas Gerais
Periculosidade reafirma o direito de escolha vera no antigo milênio: o suplício terminan-

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