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2 BIZANCIO A Ponte da Antigilidade para a Idade Média Michael Angold BIZANCIO A PONTE DA ANTIGUIDADE PARA A IDADE MEDIA ‘Thuto Orginal Byzantum — The Braye om Antiquity ote Hidde Agos Copyright © 2001 Mice! Angoss Prieta eaeaopubicada na ingiaterra ‘em 2001 por Wedenals& Nelson capa: ‘diana Moreno CIP-Brai,Catalogacto-na tote ‘Sidieate Nacional ds Etores de Los, Ri ‘Bunci. a ponte da antglidade par a dade Mela Mechae! Argos ‘radueao: Alda Porto Santos — Rio e Janevo. Image, 2002 185 “Tradugb de: Byzantum: the brige om Antu othe Mile Ages Ineis atone ISBN a5.312.0807-5 1. Inparo Bzantna — Covitzae80 |. Tl 2.0468 coo —s405 cou sas, Reservas odos os dretos. Nenhuma p- {e dota oor podera ser reprocuis por fo tocépia, merotime, process folomecdnica 4 eletnico som permiso expresss da Esters 2002 Tel: (21) 2242-0677 — Fan: (21) 2024-0960 us da Qutanda,52/&* andar — Centro 20011-020— lo ge tanevo — RU Ema imagogmagoedtor com br ‘ue imagoediora com be Imoresso no Bras Printed i Brae Sumario Lista de Nustragies Notas aos Viajantes Mapas A Cidade de Constantino Bizfincio A Divisio dos Caminhos A Formagio da Cultura Islimica O Feonoclasmo Bizantino Bizincio ¢ 0 Ocidente Triunfo da Ortodoxia A Sicilia Norman¢ Glossirio Bibliografia Indice 9 13 "7 28 4 38 68 87 106 124 139 Mt 145, | A cabega de Constantino, o Grande } Mostico de Gonstantino/Justiniano em Sta. Sofia, Istambul 4 Relevo de obelisco mostrando Teoddsio I nos jogos 4 As muralhas da cidade de Constantinopla 5 Mossico da Rotunda, “Tesslonica Interior de. Sérgio eS. Baco, Istambul Interior de Sta. Sofia, Istambul Mosaico da abside de Sta, Cararina, Sinai Teone de Cristo de Sta, Catarina, Sinai Maxfim do Arcanjo Miguel Justiniano e sua corte ‘Teodora sua corte lustragio do Skylitzes de Madri feone *A Escada da Vireude” de Sta. Catarina, Sinai Prato de Davi mostrando Davi matando Golias } ua Exterior do Domo da Rocha, Jerusalém ‘do Domo da Rocha, Jerusalém ANCHO 20° Entrada para 0 mifrad, Grande Mesquita, Cordova 21 Interior de Sta. Irene, Istambul 22 Cristo em Majestade, manuscrito de Godescale Evangelistiary 23. Estétua-relicario de Sainte-Foy 24 Mosaico de Sta. Sofia, Istambul 25. Mosaico da Igreja do Dormitio, Lznik 26 Mosaico de Sta. Sofia, Tessalonica 27. Vista do interior da céipula de Sea. Sofia 28-Ilustragio do Saltério de Paris 29 Ilustragio do Saltério de Paris, 30 Paincl de Gonstancino Rorfirogencea 31 Extremidade ocidental da Capela Palatina, Palermo 32 Mosaico da Catedral de Cefalu 33. Campanstio da Igreja da Martorana, Palermo ‘O autor € 05 editores gostariam de agradecer as seguintes instituigées a per- missio para reproduzir as imagens: AKG, Londres, 7; AKG, Londres/Etich Lessing, 14, 16; Ancient Art and Architecture Collection, 9, 10, 19, 26; Art Archive/Dagli Orti 2,3, 11, 12, 20, 32; Art Archive/Bibliothéque Nationale, Paris, 225 Bridgeman Arc Library, 30; Lauros-Giraudon/Bridgeman Art Li- brary, 23; Metropolitan Museum of Art, Nova lorque, 15; Werner Forman Archive, 27. —— ll eee Notas aos Viajantes diterraneo. A methor época para viajar é na primavera ou no outono. Podiem aventurar-se em margo, mas é com freqiéneia um més fro € abril e maio sio upostas mais seguras. O outono enconcra-se em sua melhor fase em outubro, mas, com um poueo de sorte, 0 veranico dura is vezes até bem adentrado novembro. Os monumentos do inicio da Idude Média acham-se em geral muito dispersos, porém varios dos mais bem pre- servaclos ¢ evocativos concentram-se nas cidades de Roma, Ravena, Tessalo~ nia Istambul Acivilizagdo bizantina foi muito mais original e criativa do que em geral Ihe ereditam. Suas igrejas abobadadas desafiam em originalidade e ousadia (0s templos clissicos ¢ as catedrais goticas, enquanto os mosaicos competem. "no supremas obras de arte com a escultura clissiea ea pintura renascen= tista. A civilizagio bizantina foi em grande parte criagio da cidade de Bizin- cio, ou Constantinopla, que é de ance precisamas comegae. A i impressionante transformagdo por que passou a cidade nos séculos posterio- Fes « 1453 — quando se tornou Istambul, capital do Império Otomano — hilo ctiminou a cidade bizantina. Como poderia? A justiniana Igreja de Sta, Sofia continua a dominar. A nave com sua gigantesca cGpula ainda nos ator- doa. Muito se tem feito para preservar 0 que restou dos mosaicos bizan nos. © mostico da Virgem com 0 Menino Jesus na abside permanece entre tas maiores obras da arte bizantina. A uma cazoavel distancia de Sta, Sofia, Jocalizam-se outras igrejas justinianas. Nao se pode perder lgreja de S, Sér- io € S. Baco (Kaigik Ayasofya Camii), pela ousadia do plano e pela beleza dos detathes arquicetdnicos. Em contraste, hia Igreja de Sta. Irene (Aya Irini Kilisesi), que impressiona pela austeridade, Observem a eruz icono~ laste na abside, A igreja hoje fica nos reeintos do Palicio Topkapi. Essa tesi= déneia dos sultdes oromanos sobrevive intacta, mais do que se pode dizerdo. palicio imperial bizantino, que se ergue no lado oposto de Sta Sofia. Quave s6-restou um famoso piso de mnosaiens, que ve Cransformou no Museu dos ry rande parte dos fatos descritos neste livro ocorre em tomo do Me- chuvos aie! Movsaicos (Mosaik Msesi), mas o trabalho arqueolbgico na drea promete revelar mais dos eyplendores do pakicio. Junto ao palicio ficavao hipédromo (At Meydani), onde se faziam as corridas de bigas. Em muitos aspectos, cra ‘centro da vida da cidade. Hoje € um parque, onde continuam de pé alguns dos antigos monumentos, em particular um obelisco egipcio, montado pelos bizantinos numa base que exibia cenas do hipédromo (ou circo). Ainda mais evocativos da primeira cidade bizantina sio os monumentos piblicos. Pr6- ximo A Igreja de Sta. Soffa fica a grande cisterna da Basflica (Yerebatan Saray), construida por Justiniano, Era abastecida por agua trazida pelo Aqueduto de Valente (Bozdogan Kemeri), acima da Atatiirk Bulvari a prin- cipal artéria da moderna cidade, As muralhas de Constantinopla nio devem ser perdidas. Construidas no inicio do século V, sio a suprema realizagio da cengenharia militar romana. Vale a pena fazer uma viagem especial a ponta do mar de Marmara para ver a fortaleza de Yedikule, que abriga o Portio Dourado— hoje trancado —, entrada cerimonial da cidade de Constantino- pla. A pouca distancia, fica o mosteiro de S. Joio Studita (Imrahor Cami) Embora hoje apenas 1uma casea, foi durante mil anos 0 mais espléndido dos ‘mosteiros bizantinos. Ravena ¢ ‘Tessalonica complementam a Constantinopla inicial. A pri meira gaba-se de ter 0 maior conjunto sobrevivente de prédios eclesifsticos do século VI, € conserva intacta a maioria de sua decoragdo em mosaico. Vé-se ai San Vitale, com seus famosos mosaics das cortes de Justiniano € ‘Teodora, ¢ muito mais; San Apollinare Nuovo, com suas procissdes de mart res ¢ virgens — nao percam 0 pequeno retrato de Justiniano como um velho escondido na ponta geste. San Apollinare in Classe, com as lindas colunas de mérmore cinzenta, e a famosa abside em mosaico da Transfiguragie, mos- ‘rando 0s apéstolos como ovelhas e Cristo como uma cruz. Hé os batistérios © 0 mausoléu de Galla Placidia, com o teto cobeito de reluzentes estrclas. Longos trechos das muralhas medievais contintam intactos. Na Via de Roma, vizinha a San Apollinare Nuovo, ainda se pode deduzir a fachada do palicio do governador bizantino. Vale o esforgo da curta viagem ao mausoléu do Rei Teodorico nos arredores da cidade. salonica ndo tem cxatamente a mesma concentragio dos primeiros prédios ¢ monumentos medievais, mas abriga a Igreja de S, Demétrio, de intensa peregrinagio ¢ ainda o nticleo da cidade, que remonta a meados do século V. Sobreviveu a terremotos ¢ a uma sucessio de incéndios. De algum modo, preservou algumas de suas antigas obras medievais em mosaico.A fi «il aleance de S. Demétrio ficarn a lgreja da Virgem Acheiropoietos (arqueo- Poctas), uma primitiva basilica cristd de impressionantes dimensoes; a Catedral de Sta. Sofia, construida em meados da Idade Média — desajei- 0 — da may intensamente sélida, com vigorosos mosaicoy na ubside € na edpus las © a Rotunda, vicina do terremoro de 1978. A vltima foi restaurada e cal= Vex logo seja aberta ao pablico, Embora construtda originalmente por volta de 300 d.G, como mausoléu do Imperador Galério — not6rio perseguidor ada numa igreja, quando se aereN= eentaram 0s mosaicos de ouro exibindo um calendirio dos sanco los cristios —, foi mais tarde transfor ao longe, entre as serpeantes alamedas que levavam até a véese a pequena Igreja de Osios Davi, famosa pelo mosaico da abside mos {rando Cristo em sua gléria, Data do século V ¢ 6, se nfo o primeiro, o mais ‘nitigo dos mosaicos de abside a ter sobrevivido, Uma ingreme subida os levarii ao circuito superior de muros que datam mais ou menos da mesma época. F quase imposstvel fazer justiga a Roma em poucas palavras. A antiga cidade medieval [4 est, mas yoeés precisam procuri-a, porque € obseure- cia por acréscimos posteriores. Uma maravilhosa excegio sio as ruinas de Santa Maria Antiqua, no sopé do Monte Palatino. Seus suntuosos afrescos dio uma indicagio da riqueza da primitiva decoragio medieval. Foram pre- servadas porque um deslizamento de lama as cobriu no séeulo IX, sendo ‘mil anos depois. Vocés na certa hao de visitar o Pancedo, mas que sua sobrevivéneia foF conseqiiéncia de haver sido transformado inta Maria ad Martyres (Rotunda), que se tornou uma das grandes igrejas de peregrinagio da Idade Média. Os pereginos aflufam para venerar um icone da Virgem Maria, doado por um imperador bizantino fi inicio do século VI. Igrejas como Santa Maria em Cosmedin e, em parti= ‘cular, San Prassede, que pouco foram alteradas, Ihes dario uma boa impres= dos templos de peregrinagao da época. Nao deixem de visitar as criptis, {quias recothidas das catacumbas. Mas hé muito ore redescoberta onde se deposicaram as r mais Vio encontrar, mais que em qualquer outro lugar, antigos locais © pré= dios: medievais espathados em torno da Siria, da Palestina © de Israel embora menos acessiveis. Pakicios, aldeias, cidades de feira desertas ¢ cid Jas ostentam inGimeras igrejas, Todos os que se interessam pelo inicio do islamismo nao devem perder a Grande Mesquita em Damasco ¢ 0 Domo da Rocha em Jerusa ina no sopé do Monte Sinai. Construido pelo Imperador Justi- ‘iano como mosteito fortificado, preservou seu mosaico da abside mostran= doa Tiansfiguragao, Foi um importante local de peregrinagio, « prinelpio ‘por eausa de suas associagbes com Moisés, mais tarde devido ao culto de Sta, Catarina de Alexandria, famosa por ter sido torturida na roda. des arrui ém. Se tiverem oportunidade, visitem 0 mosteito HrzANEHO A Sicilia normanda dé-nos a oportunidade de rever as mudangas que ‘ovorreram no inicio da Idade Média, A maioria dos monumentos se concen- tra dentro ©em tomo do centro de Palermo, O Pakicio Real € 0 ponto de par- tida, S6 uma dependéncia do palicio normando — a Sala di Ruggero — foi preservada, mas vale ser vista. F imperdivel a capela do palicio. Mistura ‘mosaicos bizantinos, arquiverura italiana ¢ artesanato mugulmano, criando lum conjunto estonteante, Nao percam o arruinado mosteiro de San Gio- vanni degli Eremiti, préximo. Saindo do palicio, fica a catedral, Embora construida em fins do século XII no local da principal mesquita, foi desde ento muito alterada, Abriga os vimulos de pérfiro dos reis normandos & seus sucessores. Continuem descendo até a principal rua de Palermo ( Maqueda). Logo & dircita, fica uma praga dominada pelas igrejas de San Cataldo e Santa Maria dell’Ammiraglio (a da Martorana). A primeira pode ser apreciada por sua austera arquitetura, a dltima por seu campandirio ¢ des- lumbrantes mosaicos. Saindo do Palicio Real acima, na Piazza Indepen- ddenza, tomem um dnibus que os levaré num eurto traictoa La Cuba, um dos palicios mouros dos reis normandos e, mais distante, a Monreale — cerca de meia hora de 6nibus —e sua estupenda catedral. Impressionante, a decora- «gio original em mosaico esté quase intacta. Nio percam o claustro. Ha muito mais ao lado para se ver em Palermo e ao redor da cidade, incluindo vérias igrejas no caracteristico estilo siciliano normando, Sem a menor divids, vale 0 esforco de ir até La Zisa, o mais impressionante ¢ bem-con- servado pakicio mouro dos reis normandos. Mas, acima de tudo, é impres- cindfvel ver Cefalu — a uns quarenta minutos de trem de Palermo: um maravilhoso cendrio no litoral ¢ uma catedeal que de algiim modo harmoniza @ arquitetura francesa do norte com os mosaicos bizantinos. 2 Bich. pte pit a sou de nian em SE (Eh craps beni XI V IIA SOTNOE: OFNVAAALIGAW OGN. alee ee ——°= — expituLo uM A Cidade de Constantino tém a chave do desenvolvimento dos primérdios do mundo medieval, queviu a unidade ceder divisio; que viu Bizincio perdera predomi= ‘ninela cultural so enfrentar novos adversdrios em forma do Isla € do Oci= dente latino, Para entender como perdcu sua sobcrania cultural, precisamow |wimeiro determinaro modo como a obteve desde 0 inicio. O ponto de pale ‘tld € @ cransformacio do mundo clissico que preparou o caminho: ‘Maile Média. Bizdncio era o cadinho, ¢ scu desenvolvimento, portant, wi “7 Bizineio cra uma antiga polis grega, ou cidade-cstado, as margens do Wistiro, jamais de grande importancia na antigiiidade. Mas isso mudou quai Woo tmperador Constantino, o Grande (306-37), a restabeleceu como a n= ‘Ws cupital imperial e a rebatizou como Constantinopla—a cidade de Cons (iting —em sua propria homenagem. Devia servir como uma nova Rom Jwtir da qual © Imperador podia inspecionar as mais vulnerdveis fronceiras dy impeério, que se estendiam ao longo do Danabio ¢ do Eufrates. A decistio de situar o nécleo da aucoridade imperial as margens do Bésforo teve dbvias ‘{iiiplicagies pari o relacionamento cntre as duas metades do império. Se no. {in apontou para a divisio, « prineipio deu esperangas de que w cidade $e {oMmssse um novo centro de unidade para o mundo romano, Esse foi 0 ideal {ve inspirov mais tarde Justiniano I (527-65), mas realizado apenas em pars (we Em-vez de unidade renovada, @ transformagio da ordem romana em: twmo de Bizdncio criow uma nova entidade, a qual € adequado referienos ‘como Império Bizantino.’Trata-se de uma denominagio que visa a destacar ‘que ranto.o Lmpério Romano quanto 6 proprio povo eram diferentes de seus Ifs0"es fomanos — nao importa que os bizantinos © chamassem quase ‘de Império Romano, ea si mesmos de romanos. Acsséncia da distine fomano ¢ bizantino deve ser encontrada na sede do governo; # de Bizincio, onde se forjaram deantigos elementos uma novacultura mia politico. . B iniincio, em todos os seus sentidos, esta no centro deste livro, Gone aHeANCIO. O primeiro ¢ essen il passo foi a fundago de uma nova capital. O que foi complementado pela obra de Justiniano, ao mesmo tempo como legisla- dor e construtor, € simbolizado pela Igreja de Sta. Sofia, que apac 0 indel vel selo justiniano em Bizancio. A capital ea civilizagdo assim criadas extra tam importincia adicional da forma como eram vistas, uma agradecida ofe- renda a Mae de Deus, que, segundo a fervorosa crenga, as salvaguardava. Os bizantinos eram 0 povo eleito do Novo ‘lestamento, os novos israelitas; Constantinopla, a cidade guardada por Deus, a nova Jerusalém. A civilizagio bizantina era impregnada da crenga no favor ¢ vigilancia divinos. Em seu Jimago, havia um processo de reagio e interagio entre a capital, o cargo imperial e a Igreja e FE cristis. Os padrdes constituidos determinaram a forma adquirida por elementos herdados do passado cristo, romano e helé- nico: 0 que seria preferido ou descartado, que combinagdes seriam feitas. A civilizagao bizantina era imperial, crista e metropolitana, Mas essa civilizagdo nao brotou plenamente formada da cabeca de Cons- tantino. Ele muito fizera para fortalecer © componente cristao na ordem romana em termos de organizagdo e bem-estar material, mas por ocasido de sua morte, em 337, sua realizacdo ainda parecia vulnerivel. O cristianismo revelou um talento para a divergéncia que a perseguigio ocultara, além da relutancia em aceitar toda a intimidade do abraco imperial. Individuos podem dar inicio a uma dristica mudanga, mas esta precisa de instituigdes — estados ou cidades — para levi-la at€ 0 fim. A cidade de Constantino & que levaria sua obra de cristianizagao do império a um desfecho bem-su- cedido, Contudo, quando ele morreu, construira-se apenas metade da cidade; 0 foro ¢ as ruas em arcadas tinham sido erguidos as pressas; € conce= bivel que seu verdadeiro cariter, ainda nfo definido com clareza, houvesse mortid com ele. 0 fato de isso no ocorrer foi obra de seu filho Constancio (337-61), a ‘quem haviam sido legadas Constantinopla e as provincias orientais por oc sido da morte do pai. Seus dois irmaos receberam respectivamente as pro- vincias ocidentais e centrais do império. Foi a receita para uma série de guer- ras civis, das quais Constincio emergiu vitorioso. A vit6ria confirmou Cons- tantinopla como a capital imperial. Constancio ampliou os planos do pai para a cidade, Aumentou suas pretenaées de ser a nova Roma, dando-Ihe um senado equipardvel ao de Roma. Coneluiu a Igreja dos Santos Apéstolos, que foi o mausoléu do pai. Enfatizou 0 aspeeto cristo da cidade, construindo a primeira Igreja de Sta. Sofia para servir de catedral da cidade. Em 360, a cidade atuou como anfitrid de um Coneflio Geral da Igreja convocado por Constiincio, que buseava com isso elevara Igreja de Constantinopla ao status patriarcal, Acabou-se revelando prematuro, pois o coneiio foi mais tarde - w A CIDADE DE CONSTANTIN repudiado, sob a alegagio de que ele 0 usava para promover uma forma de outrina ariana, jd condenada como heresia por impugnar a total divindade de Grist. ‘Aimorte de Constincio, em 361; seguiu-se um perfodo de confusio que ou a posigio especial de Constantinopla. Constancio foi sucedido pe- Jo sobrinho Juliano, um pagio que odiava a nova ordem erista, para ele sim bolizada pelos lacaios da corte imperial em Constantinopla. Antioquia satis- fazia mais seu gosto, embora ele morresse em 363, em campanha contra a Wo de ser Alexandre, 0 Grande. Em conseqiéneia de sua hhouve uma divisio do império, com as provineias orientais acabando nas mos de Flavio Valente (364-78), outro que ndo tinha 0 menor amor por Constantinopla. Também ele fez de Antioquia a sede do império, melhor para controlar fronteira persa. O que significou deixi-lo sem contato coma sitwagio ao longo do Dandbio, onde o repentino aparecimento dos hunos levara 0s visigodos em panico a procurar refigio em solo romano. O assenta- ‘mento deles foi mal administrado. Os visigodos s¢ rebelaram c capturaram Valente e seu exércico em Adrian6polis, em 378.0 Imperador foi morto. Um desastre total, que impeliu os visigodos até bem proximo de Constantinopla € wmeagou suas pretensdes de ser a capital imperial Mas a obra de Constantino ndo fora em vio, Forneceu a base em que pode trabalhar o homem enviado do Ocidente para salvar a situagio, Chama- va-se Teodésio (379-95). De origem espanhola, era um bom general ¢ um catolico devoro. Sua primeira medida, assim que conteve a ameaca visigoday {oi eonvocar:a Canstantinopla um Concilio Geral da lgreju em 381. O principal objetiva era confirmar que o ramo earélico do cristianismo era a ortodonia accita, A forma ariana foi proscrita e Teodésio depois decretou uma lei que tornava a nova ortodoxia a religido do Império Romano. Dai em diante, ‘romans © Christians catholcas passaram a sex intercambidveis, Mas 0 concilio de 381 fez mais que impor o catolicismo a Igreja universal, Na verdade, ele vou a Igreja de Constantinopla a0 status patriarcal, Recebeu a mesma classi- ficagio da lgreja de Jerusalém, acentuando que Constantinopla no era ape= iw a nova Roma, mas também a nova Jerusalém. Apesar da falta de origens apostOlicas estas terium de sercriadas,em forma da lenda de Santo André =, Constantinopla inismo. feodésio fez mais que apenas garantir que a Igreja de Constantinopla Aivesse status patriarcal, Recomegou a obra de construgio, deixada mais ov ‘menos suspensa desde a morte de Constincio, vinte anos antes. Como Constantino, construiv pati mesmo win foro. Inavgurado ao longo da "Aves frida Imperial, a Mesa, wns quattientos mecros a leste do de Constantino, = icluiu-se na categoria de tim dos prineipais centros do a. foi embelezado com uma grande areada de triunfo. No centro do foro, ‘erguia-se uma imensa coluna, no topo da qual se fixou uma estitua de prata de Teodésio, Outra forma de apor seu selo em Constantinopla foi a ampliae <¢io do hipédromo, onde 0 imperador e os eidadios se uniam no prazer da corrida de bigas. Teodésio mandou trazer um obelisco de Karnak no Egito e instalou-o no cixo central, a sping, do hipédromo. E mandou decorar a base com varias cenas, como o imperador € sua familia assistindo a corrida do camarote imperial ¢ recebendo tributo de povos derrotados. O hipédromo proporcionava um palco no qual se podiam renovar continuamente os lagos gue vinculavam o imperador ao povo: em pé no camarote imperial cle apre~ sentava-se a0 povo e recebia aclamagdes. O papel da populaca no era intei- Famente passivo, pois 0 imperador as vezes tinha de ficar em pé € ouvir 0 relato de suas queixas, sendo imprudente ignoré-las. Levaria tempo para que relacionamento doimperador com o pavo ficasse claro, ma atengio para a importincia do hipédromo, Teodésio ajudou a ini e880 pelo qual o cargo imperial se enraizou na sociedade da capital, Sob 0 patrocinio de Teodésio, inaugurou-se um novo periodo de cresci- mento. Um orador da corte da época observou que a frca construfda entre as, muralhas comegava a exceder os espagos abertos, e passou-se a recuperar a terra do mar para fins de construcio. Afinal, em 412, 0 governo do neto € homénimo de Teodésio construiu uma fileira de muros, que continua de pé, cerca de um quilmetro ¢ meio a oeste das muralhas de Constantino. Talvez se tenha acrescentado um ergo area da cidade. Um contemporinco obser- You que a populagio da nova Roma comegava entio a ulerapassar da antiga. Portanto, podemos pensar em termos de uma populagio de pelo menos um ‘quarto de milhio. aoatraira 0 pro ACIDADE ADQUIRE FORMA Constantinopla comegava a assumir sua forma caracteristica, Era cortada por duas avenidas principais. Partindo do Portio Dourado, a entrada cerimonial a cidade, préxima a extremidade norte das Muralhas de Teodésio, ¢ 0 Por- to de Carisio, perto da ponta sul, encontravam-se no Foro de ‘Teodésio © continuavam a leste pelo Foro de Conscantiny avé a Augustaion. Essa praga «rao centro do império. Dominava-a uma coluna de pérfito ostentando uma estdtua da Augusta: mae do Imperador Constantino, Sta. Helena, descobri- dora da verdadeira cruz. A entrada, ficava 0 milion, ou marco milidrio, Em forma de arco de triunfo, dali eram medidas as distancias para todos os pon- ‘0s nos limites-do império. Todos os caminhos Ievavam entio a nova Roma, —ATDADE DH CONSTANTINO como enfatiza 0 mapamdndi posto no milion por ordem de ‘Teodésio UL (408-50), Disteibuidos em torno da Augustaion, erguiam-se a Catedral de Sta. Sofia; a casa do Senado; 0 Portio Chalke, ou Metilico, a entrada cerimoe ‘nial do palicio imperial; e, perto, o hipédromo. Todas as principais institul= bes do Império ficavam ao redor da praca. Os visitantes oficiais de Constan- ‘inopla percorriam a grande avenida da Mesa, que se abria a intervalos em imensas pracas, até acabarem. aps uma viagem de quase seis quilimetras, fentrando no sancusirio final da Augustaion. Causava imensa impressio mes mo nos anos dle declinio do império, quando os grandes monumentos se uwchavam em ruinas e grandes trechos da cidade abandonados. Mas no séeulo V, quando tudo era original, o efeito devia ser esmagador. Se tentarmos foeriar na mente a cidade de Constantinopla, as grandes pragas pablicns, ‘com suas colunas, estituas, arcos de triunfo e arcadas, lembrariam uma fane istica paisagem urbana neocléssica. Os aspectos caracteristicos de Constantinopla eram suas arcadas eo js Cescadas monumentais. Um inventério oficial dos monumentos dit eidade feito no inicio do século V relaciona nada menos que 52 arcadas € 117 ‘escadlas. A configuragao de Constantinopla — um cume central precipitant do-se dos dois lados em abrupto declive para a gua — exigia escadatlis Jeyundo de um patamar a outro. Sua importancia para a vida da cidade ef sseentuada pelo fato de serem o ponto de distribuigio da ragio de trigo: cans sistia cm uma assisténcia didria de seis formas de pio a que tinha direito cada cidadio livre. A parte as principais avenidas, as pragas piblicas, as areas {das comerciais ¢ as monumentais escadas, pouco havia em termos de planeé= Jjamento. Via-se um acentuado contraste entre a ordem que caracterizava a face publica ¢ cerimonial da cidade e falta de ordem evidente no desenvol= vinento privado. Igrejas, mansbes, cortigas ¢ lojas eram construfdos aleatos fiamente num labitinto de vielas que desembocavam nas prineipais vias pdblicas. Leis proibiam a construgio de prédios privados em espagos public ‘808, ou tegulamentavam a alcura permitida dos blocos dos eortigos, © a diss tinjeia permissivel entre cles de algum modo realcava o ca6tico desenvolvi= mento de uma grande cidade, que por volta do inicio do século V exescia ‘organicamente; deixara de ser a criagao artificial de um grande imperador, Constantinopla cra uma cidade de bairros. Estes surgiram muito répido desde a época de Teodosio 1. Um surpreendente némero deles tomou 0 ‘nome de homens que se haviam projetado no governo de ‘Teodésio I, © nos de seu filho e seu neto. A origem desses bairros na certa deve ser encontrida ‘04 propricdade pertencente bs pessoas em quescio. Talver se teatasse de iia preocupacio de tornara terta luerativa pela construgio, mas é mais pro- vivel que esses baitros Nir Wo redor day residéncias das gran: a... wakneve, des familias respectivas. Podemos ter uma idéia de como eram por um inventirio, feito em cerca do ano 400, das propriedades que pertenciam a uma das herdeiras de uma das mais influentes familias da época. Chama- va-se Olimpia € era neta de um ministro de confianga do Imperador Cons- tancio. Hetdou propriedades perto de Constantinopla, além de outras di persas pela Tracia € pela Anatétia, que Ihe forneciam a maior parte de sua renda, © que ela administrava de sua residéncia préxima a Igreja doa Santos Apéstolos em Constantinopla, Também era proprietéria de outro complexo de iméveis na capital, junto a Igreja de Sta. Sofia. Consistia nao apenas em uma tesidéncia com banhos privados e uma padaria, mas também nos pré- dios circunvizinhos, alugados como oficinas, lojas © cortigos. Grande parte dda atividade da drea era voltada para o suprimento das necessidades de sua esidéncia, Um detalhe revelador sugere que os habitantes do lugar viam Olimpia como uma protetora: ela controlava varias cotas da assisténcia de piio que, com o passar do tempo, fora ficando cada vez mais sob o controle dos ricos e poderosos. Isso indica os lagos de clientelismo como um aspecto da criagio dos novos bairros. No caso em particular, o complexo foi usado por Olimpia para fundar um convento, 0 que explica como em alguns exemplos as fundagdes mondsticas surgiram no centro de varios bairros. Outro bom exemplo € 0 mosteieo de S. Joao Studita, ainda de pé,em estado de ruinas, no longe do Porto Dourado. Foi fundado em meados do século V por Stu- dita, homem imporcante o bastante para ter sido cdnsul. A partir do reinado de Teodésio, os mosteiros desempenharam conside~ rivel papel na criagio da estrutura da cidade. Monges © mosteiros se torna- riam uma caracterfstica da cidade cristd medieval, mas Constantinopla pa- rece nese aspecto ter-se antecipado aos fatos. Os primeiros monges de Constantinopla se haviam inspirado num ideal que os diferencia dos mon- ges do deserto egipcio: nao desejavam levar vidas que 0s isolassem da vida quotidiana; a0 contririo, visavam a manter viva a ética erista na sociedade secular, © meio mais pritico que thes possibilitou fazer isso foram as obras de caridade. Esse ideal ajudou a moldar 0 cardter do monasticismo de Cons- tantinopla. Embora com muita frequéncia fundados pelos ricos e poderosos, (0s mosteiros da capital cuidaram das necessidades dos pobres e permanece- ram como agentes do ideal de caridade crista. Sua obra ajudou a favoreeer a estabilizagio da sociedade numa época de répida expansio, quando imigran- tes procedentes das provincias aflufam em massa a cidade. Era “uma cidade nna'Tricia que enriquece com o suor das provincias”, segundo um contempo- rineo de Antioquia, Por(intetmédio dos mosteiros, desviava-se uma parte da Fiqueza das grandes familias para fins de assisténcia social. Os mosteiros tiveram, desde 0 inicio, uma funcio fundamental em Gonstantinopla, como 2 i. en | CIDADE DE CONSTANTINO, mediadores entre 0s reas © 0s pobres. Os monges sempre foram uma pode ‘os forga na capical, capazes de opor-se a imperadores e desafiar patriarcas. Horam parte integrante do crescimento de uma nova capital erist, onde a autoridade imperial adquiriu um cardter mais rico € eomplexo pela asso- ‘einglo. com uma sociedade viv ‘A etiagio de uma nova capital inverteu as tendéncias em andamento sesde o século IIT cm virtude da negligéncia imperial de Ruma. O progres- sivo abandlono de Roma como o centro de operagdes imperial significara a perda de definigio da cultura oficial de fins do Império Romano ea conse- ‘liente dificuldade de entendé-ta, Os efeitos sio dbvios na arte imperial da poea, que tentou desvincular a autoridade imperial do espago e do tempo. Sem uma pr6pria, « auroridade imperial perdeu contato com a reali shase. Esse contato foi aos poucos restaurado a partir da virada do século IVa ‘medida que a autoridade imperial passou mais uma vex a enraizar-se numa ‘capital nava, mas fervorosamente crista. Isso exprimiu em termos draméti« ‘605 um importante problema: coma a eristianisme nutoridade imperial? RELIGIAO E POLITICA (Os imperadores romanos haviam cada vez mais adotado a idéia helenistica le que o imperador participava do divino. Era o ponto de intersegao entre a divindade suprema ca sociedade romana, A conversio ao cristianismo exigiu algumas modificacdes. Constantino, o Grande, reve de definir com mais cla- posigia. Afirmava ser “igual aos Apéstolos” e “amigo de Jesus Cris- to". Queria injetar uma dimensio pessoal em seu relacionamento com Gristo. Alguns estudiosos detectaram um elemento de auto-identificacio. Sem ddvida, houve um qué de escandaloso no plano de Constantino para seu mausoléu na Igreja dos Santos Apéstolos, onde ele seria enterrado, ro- tleado por reliquias dos discipulos de Jesus. Uma pretensio ao status de se- Inidivinoajuda a explicara oposigfo que Constantino teve de enfrentar den- {ro da Igreja,liderada por Atandsio, Patriarca de Alexandria (328-73). Atand- sio era um paladino da autonomia da Igreja, e ressentia-se do que via como uma interferéneia em scus assuntos. Embora mandado para 0 exilio, conti- ‘uow sua oposigio sob os sucessores de Constantino, com base em que cles haviam adotado o arianismo, uma forma herética de cristianismo com que Constantino andara brincando em seus Gitimos anos. Teodésio | abandonou ‘4 posigio religiosa de seus antecessores © accitou a linha ortodoxa, ou caté- lies, que fora defendida por Atwnisio, Aprendeu a prépria eusta 0 qui es §5§_—santi significava quando the recusaram a comunhao por agées julgadas prejudi- ciais& Igreja, No ato talvez mais alijador de todos, Ambrosio, Bispo de Mili, Fecusou-the a comunhdo depois que o Imperador ganhou uma grande bata- tha, que libertou o Império do Ocidente de um regime paganizador. O Bispo disse que Teodésio devia expiar o sangue humano que derramara. Foi uma demonstragio de que nem um imperador era imune a autoridade moral e aos poderes de disciplina exercidos pela Igreja, 0 que deve ter apressado a morte de Teoddsio alguns meses depois. Atelagio entre autoridade imperial e espiritual ia ser sempre intratavel A experiéncia de Teodésio sugeriu que 0 cargo imperial se achava entio sujeitoa supervisio moral e espiritual da Igreja, e nio mais podia arvorar-se a star em contato direto com o divino. Por um momento, pareceu proviivel que 0 Imperador ia perder toda a iniciativa nas questoes eclesidsticas. Se isso nio ocorreu, foi em conseqéncia da alianga que se estabcleceu entre 0 Imperador e seu patriarca em Constantinopla. Nao era exatamente tio sim- ples quanto o patriarca atuar como o agente do Imperador nas questies rel ‘giosas ou o Imperador agir como o protetor do patriarca. Sempre existiu um elemento de ensaio c erro na relagao entre o imperador eo patriarca, que no inicio do século V concinuava tendo de ser trabalhado. O patriarcado de Joao Griséstomo (398-404) foi crucial nesse aspecto. Estabeleceu um padrio de cooperagio, contlito € reeriminagio. Criséstomo foi uma figura carismética, o maior pregador de sua era. A in= flugneia que exercia na cidade confirmou-se quando, em 399, cle sublevoua plebe contra os mercenérios godos aquartelados em Constantinopla. A pre- senga deles era um insulto a ortodoxia. Era um dever do povo sublevar.se © rechagé-los. Foi a primeira demonstragdo de uma caracteristica da histéria de Constantinopla: a estreita relagao entre religido e politica. Nao foia nica forma pela qual Crisésromo indicou 0 caminho para o progresso. As exigen- cias de status patriarcal de sua jgreja haviam surgido do Coneilio de 381, mas grande parte dos privilégios que recebeu ainda era honorifica. Foi ele quem tratou de transform-los numa coisa mais concreta. Estendeu a urisdigao de sua igreja a Tracia a Anatélia, Também tencou intensificar sua forga finan- ceira, procurando conquistar o controle das ricas instituigées de caridade da cidade, O que Ihe rendeu a inimizade dos monges que proviam esses lugares de pessoal, Criado na ascétiea tradigao do monasticismo sirio, Crisdstomo aachava as atividades dos monges de Constantinopla uma perversio do ideal ‘mondistico. Queria-os expulsos da cidade. O desfecho dessa luta mostrou ‘que: 0s monges represcntavant uma forga independente na vida da capital. ponto de partida foi uma disputa no patriareado de Alexandria, sub- ‘metida ao debitro do Imperador Areddio (395-408). O Imperador mandow u _,. aia. _— 111 CONSTANTIN ke ‘chamar Gris6scomo para uma decisio, Arcddio parecia supor que a igreja da ‘capital imperial se tornava um cribunal de apelagio para os casos vindos de ‘outras igrejas. A implicagao era a de que a Igreja de Constantinopla exigia uma primazia dc jurisdigio sobre a Igreja em geral. Criséstomo opds-se 108 sdesejos imperiais ¢ com muita corregio recusou a miss, alegando que esta fin exeedendo seus poderes. Logo perdeu o apoio da corte imperial, que viu su ago como uma eraigéo de confianga. Gragas ao apoio dos monges, prevaleceu avantade imperial. Os monges foram entdo fundamentais para destituir Crisdstomo do cargo. Exilaram-no um drama que foi ainda mais intensificado pela completa destr ‘Sta. Sofia por um incéndio. O curto patriarcado de apenas seis anos de Ci séstomo antecipou quase rodos os aspectos das relages Igrcja-cstado em Biéincio. Um relacionamento dinimico, muitas vezes explosivo, que envol- via tanto © povo quanto os monges da capital. Contudo, as tempestuosas jenas que cerearam a deposigio de Criséstomo revelaram os perigos de um confronto entre o imperidor eo patriarea, ¢ enfutizaram como eta necesséria ‘1 eooperagio deles para um correto governo imperial, Isso passou a ser ‘essencial para a ideologia do Império Romano cristio, que eontinuava em plena claboragio. Um importante passo foi tomado em 415, quando o impe- rador © 0 patriarca se uniram para mais uma vez consagrar a fecém-cons- truida Igreja de Sco. Sofia, Havia, ¢continuou havendo, muitas contradigées na idéia de um Impé- rio cristio, Bram atenuadas pela maneira como o imperador mostrava uma face diferente segundo o censrio. Na patriarcal Igreja de Sta. Sofia, o impe- rador e 0 patriarca reconheciam suas obrigagdes miituas. © lado secular da autoridade imperial era exibido no hipédromo, onde o imperador se unia a seu povo em comemoragdes de vitdria, No pakicio imperial, cle era a perso- ilo da majestade terrena, a encarnagao da lei, o herdeiro do Imperador Augusto, mas também 0 legatério da conversdo de Constantinopla aoc nismo. Bra a que se via com mais obviedade o imperador como o vice-re- gente do Deus cristo na terra. O palicio imperial de Constantinopla rece- ‘eu, portanto, um cunho cristao especial, Sob a Imperador Teodésio Il (408- Fia.a $e tornar uma cesouraria de reliquias. O espirito instigador mi do Imperador, Pulquéria. Bla trouxe a Cruz de Constan- ‘ino para dentro do palicio como um palidio de vit6ria, e mandou que se depositassem as reliquias de Sto. Estévio numa capela que construira espe- cialmente para isso. Transformaro palicio imperial num santudriocristdo foi lum meio de adaptar a auroridade as suscetibilidades cristas. A arte imperial extrala grande parte de seu poder do cerimonial, que oferecia o sentido ¢ 6. contesto, ‘Timber podia plasmar a autoridade impe- Hal em um momento importante. Desse modo, era possivel usar a arte pa disyemind-la em favor das finalidades do império, Os retratos imperiais foram eolocados em locais piblicos por todo o império, ¢ era normal prestar ‘4s mesmas honras tanto a imagem quanco & pessoa imperial, Usava-se a arte para concentrar transmitir o poder imperial. Era um meio de comunicat a Complexa ideologia imperial que enfatizava a aprovagio divina, 0s cidadios de Constantinopla onguthavam-se da magnificéneia da pac cio imperial, que cra um sinal do favor divino. Isto se achava no amago da identificagao entre o império ea capital que era um aspecto tao importante «du ideologia bizantina, Nutriao senso de importancia pessoal dos cidadios ¢ fra a causa de ressentimento em outras partes. Suscitava a questio do novo ‘Matus ba nova capital em relagdo nao apenas ao impétio, mas também a lgreja «em geral. Os antigos centros estabelecidos do eristianismo, como Antioquia, Alexandria © Roma, viam a Igreja de Constantinopla potencialmente como lum instrumento de controle imperial da Igreja universal, Seu prestigio ficou ‘to momento limitado pela fala de boas origens apostélicas e por nio conse~ ‘uit estabelecer qualquer posigdo doutrinal distinta, em contraste com Ale- xandria, Antioquia e Roma, na chamada disputa eristolégica. Esta girava em {orn da questio de como se relacionavam as naturezas divina e humana de risto, Alexandria favorecia uma solugio monofisista, que admitia em Cris- to. fusdo das duas nacurezas em uma 56. Roma ¢ Antioquia queriam manter uma distingdo, para que a humanidade de Cristo néo devorasse sua divin- dade. A lgreja de Constantinopla viu-se colhida no meio, Em termos teol6 Bicos, cla valia muito pouco em comparagio com Roma e Alexandria, Em 451, 0 Papa Ledo I (440-61) usou todo o peso da influéncia de Roma para convener a corte de Constantinupha a convocar outro Goneilio Geral da larejaa fim de resolver 0 problema. O encontto realizou-se em Caleedénia, bem defronte de Constantinopla, do outro lado do Bésforo. Cristo, deci, diu-se entdo, existia “em duas naturezas, distintas mas insepariveis”: a de hhomem perfeito e a de Deus perfeito. Isso correspondia aos ensinamentos do Papa Ledo L ¢ foi uma vitéria para Roma, Calceddnia resolveu muito pouco em longo prazo. F ficil remontar as Aivisdes posteriores do mundo medieval i origens dessas disputas do inicio ddo século V. O Ocidente, sob a lideranga de Roma, parecia estar assumindo Juma determinada identidade religiosa, assim como as provincias onientais sob Alexandria, Até entio, Constantinopla nio tinha qualquer voz distintva, Ciava, em vez. disso, uma fungio distintiva. Seu papel era conciliar promo Vet a unidade eclesiéstica comp um fundamento essencial da autoridade imperial. Purecia de certa forma correto que o patriarca de Gonstantinopla assuumisse o titulo de patriarea ecuménico. 26 © A TIDADE DE CONSTANTINO: Fm meados do séeulo ¥, Constantinopla jf surgira como uma grande cidade, em termos de tamanho ¢ influéncia, provavelmente o mais poderoso ‘centro do mundo romano. Lembrando-se de que um século: ein ein 7 ‘obscura cidade da Tracia, sua emergéncia como a capital imperial foi he sentidos perturbadora. Era uma criagao artificial. $6 na virada do século IV Constantinopla adquiriu cxisténcia propria, baseada numa ombinagio de erescimento organic com sim papel ideolégico. Comecou a ¢tiar um dinamismo capaz de transformar a ordem romana, embora a natu- fez wextensio dessa transformacio continuassem ainda longe de ficarcla- ‘us. O ideal era preservar a unidade do mundo romano em torno dessa nova ‘capital, mas, diante das divisoes neces eda ber do ee do cidente para os barbaros, parecia que Constantinopla talvez nio tivesse 0 ‘ucessores, o legado de Constantino continuava vulnerivel. E possivel vis Jumbrar em meados do século V as feigdes de Bizdncio, mas ainda Ihes falta clara definigto. CAPITULO DOW Bizancio POM AGAG BA CULTURA ISEAMICA como sugeria o titulo Rel dos Reis, se estendiam por todo o vitoumene — 0 mundo civilizado —, incluindo as terras entio ocupadas pelo Isla sxatamente assim que o calif omiada ‘Abd al-Malik (685-705) entended a reforms. No decorrer de 691-92, informa-nos o cronista ‘Teofa- ‘ies que o califa mandou moedas com um novo tipo de estampa como paga- ‘mento do tribute devido 20 Império Bizantino. Justiniano recusou-se a acei- Lubas. Do mesmo modo, 0 calfa deixou claro que nao podia aceitara circula- lo das moedas bizantinas em seus dominios. Sabia que seus siditos ‘ristios aponcavam para a imagem do imperador na moeda e a usavam como prova da vontinuago de sua autoridade sobre as terras do Isla. Assim come- {gow 0 que André Grabar, historiador do iconoclasmo, chamou “da guerre des symboles” entre Bizancio co Isl Foi uma luca do Is para encontrar um voca- bulirio religioso a fim de manifestar sua superioridade a custa do poder mai ‘antigo. Uma luta em que as moedas desempenharam um grande papel, sem Miivida no infeio, A cunhagem mugulmana inicial baseou-se em grande parte has emissdes bizantinas, mas esterilizadas com a retirada do brago da cruz, ‘As experiéncias com moedas que exibiam simbolos mugulmanos, como a Junga do Profeta, nao foram satisfatérias. Mas a nova iconografia de Justinia- ‘no II, com sua afirmagdo do imperialismo de Cristo, foi um desafio ao Isha, que ‘Abd al-Malik aceitou. Por volta de 696-7, jé aprimorara o que deveria ser 0 padrio na cunhagem muguimana até hoje. Obverso e reverso mostra- vyam os textos bisicos do Corio. Foi um das primeiras demonstragoes do poder da caligrafia aribica, Fssa reforma da maeda fer parte da tentativa, iniciada por ‘Abd al- Malik © continuada por seus sucessores, para criar um sistema de imagens especificamente mugulmano que desafiasse o elaborado por Bizancio. Tal- ‘vee se possa ver da perspectiva atual que em fins do século VII Bizancio estava fora do jogo e nio representava nenhum tipo de ameaga 20 flores- conte Isla. Nao é 0 que devia parecer na época. Por baixo da superficie das onquistas, que jé se haviam espalhado por quase toda a metade do mundo, havia uma fragil ¢ desconjuntada constituigio politica. Nio dife- fence de outros impérios némades, que tenderam a entrar em colapso com 1 uido, absorvidos por seus povos ‘onquistados. ‘Abd al-Malik parece ter comprcendido que, seo Iski queria feter seu cariter distintivo, teria de desenvolver uma cultura politico-reli- igiova € uma ideologia tio sofisticadas quanto as de seu maior adversirio, ‘que continuava sendo Bizincio, Seu programa foi descncadeado pela amea- gi apresentada por Justiniano H. Ae. ‘quaye tanca rapide quanco s¢ lsavian maAKOIO OS GASSANIDAS E OS OMIADAS Sob ‘Abd al-Malik e seu filho al-Walid (705-15), 0 Isli surgiu como uma lizagdo distinta. O drabe substituiu o grego como a lingua da administraga Foi a culminagdo de um processo que se iniciara antes de Maomé comegar a regar sua mensagem. Em termos superficiais, pelo menos, as conquistas muculmanas do Crescente Fértil obedeceram a um antiqifssimo pura, que viu as tribos drabes do centro ou do sul da peninsula se mudarem para esas terras. Houve uma perturbagio inicial seguida de certo grau de assimi- lagdo. O movimento anterior desse tipo ocorreu no do século VI, quando os gassinidas se mudaram para as bordas do deserto sirio. Torna. ram-se clientes de Bizincio © converteram-se ao cristianismo. Justiniano Usou-os para defender sua fronteira do deserto ¢ vigiar os do outro lado, os lahhmidas, hd muito clientes estabelecidos dos sassinidas. (Os gassiinidas concrolavam a fronteira desde Resafa, logo ao sul do Eufra- tes, até Bosra, nas terras além do Jorclio, Resafa era uma grande eidade no século VI. um dos principais centros do culto dos Suntos Sérgio e Baco, pro- movidos pelos gassinidas. Fora dos muros da cidade, tinham a cimara de audiéncia, onde os chefes recebiam os clientes. A principal residéncia da tribo ficava muito mais a0 sul, perto de Damasco, nas Colinas de Golan. A supervi- ‘io de uma érea tio grande significava que os gassiinidas sempre tinham de viver dum lado para outro, mas no eram, em termos estritos, ndmades, Eram grandes construtores € patronos de igrejas e mosteiros. Apesar da conversio a0 cristianismo, jamais esqueceram suas ratzes ou cultura drabes. Junto com seus rivais, os lahhmidas, foram os principais patronos dos poetas frahes, que thes louvavam a generosidade c modo de vida. A poesia era fundamental para ‘a cultura érabe pré-istamica; 0s poctas davam o tom da sociedade. Os centros de cultura drabe em fins do século VI, portanto, seriam encontrados nas bor- das do Crescente Fértil, em cortes familiarizadas com a cultura bizantina e a corte sassdnida. Pode-se explicar parte do sucesso inicial do Isté pela facili- dade com que conseguiu substituir a cultura dos gassdinidas ¢ dos lahhmidas, \Nisso, os omfadas foram um importante fator. (Os omiadas eram uma familia de Meca que, apés a conquista, passaram a dominar a Siria, onde fizeram de Damasco sua capital. Conheciam bem a cidade: ja haviam sido proprictérios ali antes da conquista muculmana, ‘Tiveram suficiente poder para desafiar Ali, genro do Profeta, pelo califado, ou chefia, do islamismo, Seu lider, Mu’awiya (661-80), saiu vitorioso dessa {uta e romou-se califa em 661. O califado continuou na familia até a chegada dos abissidas em meados do século VIII. As responsabilidades dos omiadas como califas determinavam sua face pablica, mas o estilo de vida privada 60 —_— A FORNAGAG 4 CULTURA ISLAMIOA devia muito aos gassiinidas, Via-se isso com mais clareza em seus *pakicios do deserto”, rermo meio impréprio, pois ficavam, na melhor das hipéteses, ‘6M apenas uma borda do deserto muitas vezes nos centros de atividades 1geloolas, em que a irrigagao era um importante elemento. O aspecto domi ante era a camara de audiéncias. Fazia parte da maneira como os principes ‘omnfadas lidavam com seus clientes, dos quais os mais importantes eram as {tibor que se haviam assentado ao longo das bordas do deserco da Siriaapés a Conquista mugulmana. A decoracdo dos palicios do deserto, uma fusio de {Genivas € motivos bizantinos e sassinidas de grande sofisticagio, destina- ‘Yiese em parte a ostentar poder principesco ¢ a celebrar uma vida princi jiesea. A adogio pelos omfadas, por meio dos gassiinidas, da arte e arquite- {ta prineipeseas fazia parte de uma experiéncia para criarum ambiente que ombinasse com suas ambigbes e realizagées. Embora talvez Ihes tenha ren ido mi reputagio, o estilo de vida hedonista iria continuar sendo uma da cultura principesea mugulmana, em acentuado contraste ide do Ista. (Os omfadas jamais esqueceram que eram os lideres de um movimento Foliioso. Entenderam a necessidade de criar uma arte e arquitetura que jidissem a identificar € definir o islamismo. A consciéncia mugulmana de ett papel como os portadores de uma nova ¢ mais completa revelagio evi« encia-se na maneira como gostavam que seus lugares de veneragio, ou ‘Mesquitas, nao fossem contaminados pelo contato com lugares anteriores ide culto religioso. A principio, os mugulmanos nao se sentiram inclinados a felas do ‘earacteristi ‘eomn a aust omar as igrejas © transformé-las em mesquitas. Preferiam canst #010. De qualquer modo, as igrejas tinham a forma errada, no alinhamento ‘errado, porque a primeira litungia cristal era dominada pela procissio, en- quanta a licurgia muculmana era mais simples e dedicada a oragio. Exigia lum grande ¢ largo salao, que nos primeiros dias poderia acomodar, em ter- fos ideas, toda a comunidade mugulmana. A gibla, ou direcio da oragio, siynificava, além disso, que a mesquia tinha de ser alinhada com Meca, € ‘Who apenas para o leste, A mancira das igrejas cristas. As primeiras mesquitas Hontruidas nos grandes campos do Isla em Fustat, Kufa e Basra diseribufam- fe uo lunyo do lado da yibla de um espaco fechado © eram simples saldes. “Tomaram como modelo a Casa do Profeta em Medina. Em sua forma or fil, # mesquira era um grande espago murado, com um telhado de meia- igus wo longo de um lado, onde se reuniam os seguidores do Profeta. Pussou # flear-cada ver, mais elaborada quando os mugulmanos nos terrivérios tecém-conquistados comegarum # empregar as técnicas de construgio © ‘aracteristicas arquitetdnieay que ali eneontravam, — MANEIO Até 0 reinado de ‘Abd al-Malik, 0s omiadas parecem terse preocupado muito pouco em prover os mugulmanos da Siria de prédios religiosos ade quados. Em parte porque as circunstancias da conquista haviam significado a presenga relativamente pequena de mugulmanos ali estabelecidos, Os eris= ‘ios haviam-se rendido em termos que thes permitiram conservar as eidades. € 08 lugares de veneragio, ¢ na época ainda eram relativamente poucas as conversdes a0 islamismo. Os papiros egipcios revelam que a conquista isli> mica a principio muito pouco mudou em termos de administragio e eobran= ga de impostos. Foi também o que ocorreu na Siria: continuou sendo uma sociedade de preponderincia cristd ¢ os primeitos omfadas dependiam mui to dos administradores cristios. Assim, paradoxalmente, a capital omiada de Damasco permaneceu uma cidade crista. Quando 0 peregrino franco Arculfo visitou Damasco no inicio da década de 680, ficou impressionado com a ha monia existente entre cristios € muculmanos, e observou que os pri ‘concediam aos dltimos um espaco para oracio na Catedral de Joao Batist Arculfo descreveu Jerusalém como uma cidade ainda inteiramente crista, © DOMO DA ROCHA Esse periodo de convivéncia chegou ao fim em conseqiéncia da detrota ‘omiada sob os muros de Constantinopla, em 678. As atividades dos mardai= tas revelaram como era vulnersvel a ocupagio muculmana na Siria, as pre= tensiosas reivindicagdes de Justiniano II enfatizaram como o islamismo con- tinuava sendo rudimentar em termos politicos e ideol6gicos. Nos grandes campos muculmanos, que foram os motores da conquista muculmana, bas tava a mensagem do Profeta. Na Siria, os omiadas sentiam-se isolados numa sociedade cristd assentada em meio a espléndidos monumentos que procki- ‘mavam sua mensagem. ‘Abd al-Malik tentou remodelar o islamismo para fazer face a0 desafio do cristianismo. Vimos como ele mudou a linguagem administrativa do grego para o drabe e criou uma moeda especifica mugul= mana. Complementou essas medidas a simbélica apropriagio da terra, a comecar pela cidade santa de Jerusalém. Esta continuava dominada pela Igreja do Santo Sepulero ¢ pela adjacente Rotunda de Anastécio, que devia assinalar a sepultura de Gristo. No outro lado da cidade, 0 Monte Morti, local do templo judeu, fora desobstruido pelo califa Mu’awiya e depois aban donado. 'Abd al-Malik ocupou-o para construiro Domo da Rocha, concluido Por volta de 691-92, Nao era uma mesquita, mas um prédio comemorativo, destinado a comemorar a viagem noturna de Maomé; uma forma de infundie em Jerusalém um significado iskimico mais claro, O Monte Moria, ou 0 2 A PRMAGAR (A CULTURA ISEAMIER ‘Templo da Rocha, estavs oFiginalmente associado a Abralio. A nova assox (ilo Gom a viagem nocurna de Maomé dava énfase a alegagio de que o ih Ininmo era a verdadeira religido de Abraao, que os judeus haviam distorcido. ‘Ad mesmo tempo, o Templo da Rocha passou a ser associado as tradigoes nugulmanas dos diltimos dias, quando o Paraiso se abriria acima da cidade. ‘As entrudas do Domo da Rocha — o Porto do Anjo e 0 Portao do Parafso— foferem-se 4 essas tradigdes. Numa antiga tradigio do Profera, Alé procla~ Anouk "Kate € o lugar do meu trono no dia da ressurreigdo dos mortos € re ‘ilo dos meus servos”. Desconfiou-se que ‘Abd al-Malik tentava transfor- mmat Jerusalém no novo centro do Isla, em detrimento de Meca. & verdade {que ha época em que se iniciou a construgio do Domo da Rocha, Meca se lichaya nas mios de rivais dos omfadas. “Abd al-Malik chegou até a por um ‘embargo a peregrinagio a Meca. A competigio com Meca talvez tenha esempenhado um pequeno papel em sua decisio de erguer 0 Domo da Rocha no local do tempo judeu, embora mais urgente fosse a necessidade de imprimira auroridade do Isl na cidade santa ‘© Domo da Rocha foi construfdo como contraponto a Rotunda de Anas- ici; suas dimens6es cram quase idénticas € a arquitetura muito seme- thance. A construgio harmonizava-se com o padrdo dos prédios comemorati- vyos de fins da antigiidade: abobadado e circular. Como tal, inclufa-se muito Inais na arquitecura da época que na do islamismo. Fazia parte da experién- cia dos omfadas, que tentavam ajustar a arte ¢ a arquitetura de fins da anti- siislade as necessidades de uma nova fé, Pode-se ver isso com muita clareza fu decoragdo. Empregava motivos florais ¢ vegetais, intercalados com vasos nucépias, 4 mancira habitual do periodo. Também se viam novas carae {erlsticas: as joins e as coroas concentravam-se em volta do santuério inter- ‘ho, simbolos da vit6ria do islamismo, porém mais importantes eram 08 tex {0s corinicos, que proclamavam a missio € a superioridade do Isla, onde & (nica é na caligrafia, O fiho © sucessor de ‘Abd al-Malik, al-Walid (705-15), complementou at ‘obra do pai no Templo da Rocha, construindo a vizinha Mesquita al-Aqsa. Destinava-se a ser um tinico complexo. Também essa mesquita comemo- Fava a viagem noturna de Maomé. Estava para 0 Domo da Rocha como a Igreja do Sanco Seputcro para a Rotunda de Anastacio. A decoragio original ‘da Mesquita al-Aqsa nao sobreviveu, ¢ a mesquita foi reconstrufda, mas 0 plano basico vestemunha a elaboragdo da arquitetura religiosa associada & ‘obra de al-Walid, incorporando-se as earacteristicas da arquitetura bizantina. O principal eixo se destacava por ima empena elevada acima da entrada principal e por uma eGpula sobre # jancla salience do midrad, ponto central da mesquita, porque indicava a diregio da oragio. Embora os elementos fos: sem bizantinos, a reforrmulagio de sua fungio eriou uma nova arquitetura, AGRANDE MESQUITA DE DAMASCO. Além da Mesquita al-Agsa, al-Walid foi responsdvel pela reconscrugio da Casa do Profeta em Medina e da Grande Mesquita de Damasco. Esses pro- jetos nos dizem que al-Walid requisitou ajuda ao imperador bizantino. Para ajudar na reconstrugio da Casa do Profeta ¢ da Grande Mesquita de Da- ‘masco, o imperador mandou um tributo de ouro, além de artifices ¢ grande quantidade de cubos de mosaico. Nada se diz sobre ajuda para as constru- ges dos omiadas no Templo da Rocha, mas este foi sem divida obra de arquitetos © artesios criados nas melhores tradigies bizantinas. Al-Walid deve ter encarado a contribuigéo bizantina aos seus projetos de construgio como um sinal de seu satus de cliente; o imperador bizantino o terd julgado. com menos justiga, como um exercicio de generosidade. Era um ponto de equilibrio, A necessidade da ajuda de Bizancio confirma que Constantinopla continuou sendo o centro no qual seus sucessores politicos ainda procura- vam comperéncia artistica. Mas foi s6 por um momento. Dai em diante, os governadores muculmanos pouca necessidade teriam de Bizincio, Nao muito depois, como veremos, os imperadores bizantinos iriam recorrer as cortes mugulmanas em busca da tiltima palavra em estilo. O mais ambicioso e dispendioso projeto de al-Walid foi a Grande Mes- quita de Damaseo. Custou-the 0 imposto de renda de sete anos da Siria, sem mencionar dezoito navios carregados de ouro € prata de Chipre e todas as contribuigées que viessem do imperador bizantino. ALWalid precisou pri- meiro comprar da comunidade crista a Catedral de Joao Batista. Logo a pds abaixo, deixando apenas o recinto murado, cuja data remontava ao ocupante original do sitio, um templo de Zeus. Media cerca de 140 por 90 metros. AL-Walid mandou revestir trés de seus lados com colunatas, enquanto a mes- quita foi construfda no muro sul, adquirindo a forma de trés longas naves paralelas & parede, Atravessavs-a o principal eixo do prédio, assinalado por ‘um transepto com empenas € uma cdpula sobre a janela saliente do mibrab, Mais uma vez, punham-se as caracteristicas bizantinas a servigo do isla- mismo, Isso também ocorreu com sua decoragdo em mosaico, que continua sendo a principal gléria da Grande Mesquita. Mostra uma paradisiaca paisa- gem de drvores, rios, moinhos € mansbes, mas hii uma conspicua auséncia de figuras humanas. Esse foi o Gltimo —e talvez maior —floreseimento da pai- sagem ilusionista da antigdidade, Consideram-na como a mais ambiciosa ills. 4 A OUMAGAD fa CULTURA ISLAMIER crluglo da experiéneia dos omfacas. Em poucas déeadas de conclusio, foi saudada como uma das maravithas do mundo, mas, ao contririo da decoragi ‘do Domo da Rocha, nao teria qualquer futuro. Bscritores muculmanos pos {erio(es mio souberam exatamente como incerpreté-la. Estudiosos moder oy nllo tém divida de que se traca da deserigio do paraiso, mas no sabem Wo vert” se é 0 paraiso terrestre ou do mundo por vir. Parece no haver ‘motive para ndo ser ambos, um sendo um distance reflexo do outro. Em todo {neu Koverno, 0s omiadas poderiam afirmar que criavam o paraiso na terry suinpliandoa Casa do Isla, que ndo passava de um antegozo das delicias maio- Fes que aguardavam 0 verdadciro crente. O tema do paraiso era inteirae mente adequado ao momento. Apés os reveses de fins do século VII, o Iski ais uma vez florescia, Carcago ¢ o Norte da Africa haviam sido conquista= tlos, € 08 exércitos islimicos afluiam a Espanha, Em 714, al-Walid e sua corte se feuniram na recém-concluida Grande Mesquita para festejar o conquista dor mugulmano do Norte da Africa. A Grande Mesquita proclamou o triunfo ilo Asli 20 mesmo tempo para os cristdos da Siria ¢ os bizantinos. IMAGENS, SIMBOLOS E CALIGRAFIA Nilo haveria imitadores, porque 0 gosto mugulmano pela arte religiosa soli- Uificava-se. Restava cada vez menos espaco para 0 naturalismo, mesmo nia forma relativamente inécua que assumiu na Grande Mesquita. 0 Corio pouco fala de arte. As tradigbes contavam que quando Maomé purificou 0 santudrio da caaba em Meca, retirando os idolos, abriu uma excegio para as imagens de Cristo € sua mie. Nos primeitos anos, 0 Isla era indiferente & arte figurativa; 0 iconoclasmo nio foi embutido no islamismo desde o princi pio. A desconfianga da arte figurativa foi 0 corolirio de um vocabuléio espe- Cificamente islimico. Embora 0 Corio seja reticente sobre a arte, exalta a caligrafia: “L@ que teu Senhor é Generosissimo, que ensinou através do ou ao homem o que este nao sabia” (Surata 96.1).As tradigbes lo Profta hasearam-se nisso. Descreviam a caligrafia como “uma geomettia epiritual, elaborada por um instrumento material”, Diz.a tradigio que Mao- ind wecomendavaa “beleza da caligrafia (...) pois € uma das chaves do pio de ada dia do homem*. Era inceiramente adequado que os textos do Gordo se tornassem uma caracteristica dominante da arte religiosa mugulmana, Afi- nal, 0 Corio era a palavra de Deus. Vé-se ai um acentuado contraste com 0 ristianismo, onde o proprio Gristo era a palavra de Deus. Um dos maiores iigumentos em favor das imagens religiosas apresentados pelos apolo Cristiios afitmava que eram uma forma de prestar cestemunhiod Encarnagio, “ ie, tile O simbotismo retigioso que o islimnismo e 0 cristianismo desenvolveram ‘efletia suas doutrinas essenciais sobre a natureza da revelago divina, Assim que o Isli comegou a aperfeigoar uma arte religiosa propria, foi-se tornando cada vez mais dificil a aceitagio pelos mugulmanos da arte figurativa para fins religiosos. Isso se refletia nas tradigies do Profeta enquanto se desen- volviam ao longo do século VIII. Uma das mais famosas refere-se ao Juizo Final, onde se desafiaram os pintores a dat vidas suas eriagées. Quando nio conseguiam, cram punidos para sempre pela presungdo de tentar usurpar a fungao criativa de Deus. Essa tradigio mugulmana era conhecida de Teo- doro Abu-Qurta, teélogo cristdo sitio que escreveu em fins do século VIL. Ele tentou defender a vencragio das imagens, que as congregagées comeca- vam a abandonar diante da desaprovacio mugulmana, Muito diferente de Joio Damasceno, cujo tratado contra o islamismo, escrito pr6ximo ao inicio do século, nio contém sequer uma insinuagio sobre a critica mugulmana & veneracio cristd dos icons. O endurecimento de atitudes ocorreu muito de repente. Pode-se remontar sua origem & erescente hostilidade mugulmana a0. simbolos cristivs, cujo infeio coineidiu com o confronto de ‘Abd al-Malik com Justiniano II. Os mugulmanos acharam a cruz extremamente ofensiva. Jem 689, 0 governador do Egito ordenou a destruigdo de eruzes, que culmi- ‘nou numa proibigdo geral 3 exibigo pGblica da cruz, Fato que levou a ata- ques esporddicos a imagens. Sob Yazid II (720-24) ocorreu uma destruicio geral das imagens figurativas, 0 que se pode documentar nas igeejas e nas sinagogas da Siria e da Palestina, (Os reinados de ‘Abd al-Malik al-Walid viram a cristalizagio de uma arte € arquitetura iskimicas, que proclamaram uma nova religiio e uma nova ‘ivilizagiv, Muitos dos elementos basicos vinham de Bizaincio, mas seriam totalmente transformados pela necessidade de criar uma arte e arquitetura ue satisfizessem suas necessidades religiosas. Foi uma época de experi- mentagdes, € grande parte seria descartada. A religido cra o elemento ico, mas o pracesso eriativo era impulsionado pelo desafio do cristianismo, seja.em forma de comunidades cristas sob dominio mugulmano, seja em forma da organizacio social e politica de Bizancio, Estas se reuniram nos Coneilios da Igreja realizados em Conscantinopla,em 680-81 691-92, onde 0s representantes do patriarcado de Jerusalém desempenharam um papel predominante, Celebrou-se 0 poder do Concilio Geral di Iyreja nos mosal= os da Igreja da Natividade, em Belém, Davaa ilusio de que, apesar das con- quistas mugulmanas, a unidade do mundo cristio continuava firme. Foi esse espirito que Justiniano II fez suas pretensiosas exigéncias. O isla- mismo precisava demonstrat seu poder € independéneia sob formas que 0 cristianismo pudesse entender, Diante desse desafio, logo fieau «lato como 66 am - “WERRRANAG 14 Curtuna [SRAM Winincio se achava fraca. Mesmo a solidariedade eelesiistica se revelou parte de uma mirager, A experimentagio omfada transformou-se numa triunfante celebragio ido Isl, De fato parecia possfvel, quando os exércitos mugulmanos tomaram, Posigllo nos desfiladeiros dos Pireneus e nos portdes de Constantinopla, que 9» omfadas pudessem reconstituira unidade do antigo mundo romano numa Hiova foupagem islamica. A conquistaislamica foi, em alguns aspectos, ainda His admiitivel, pois sua 6rbita abrangia uma extensio muito maior que ado Inipérin Romano. Por mais que o cristianismo bizantino e 0 latino houves- em conseguide desafiar 0 islamismo e criar barrciras, fisicas e psicol6gicas, {ie os protegeram da predominancia muculmana, o Isl criara uma eiviliza- 1410 distinriva e, em quase todos os aspectos, superior. O eristianismo latino ‘@stava afastado 0 suficiente dos principais centros do islamismo para ignorar Suineiga que ele representava, Com Bizancio, foi diferente. O golpe atingiu 6 coragio da identidade bizantina criada apds a conversio de Constantino, Wis grande parte da Bizancio do século VII sobreviveu por negacio. Mas no te pogia mancer isso indefinidamente. Em /1/, 0s exéreitos muculmanos ‘sulram mais uma vez sobre Constantinopla. O Império Bizantino parecia em unto de extingao, mas conseguiu sobreviver. Devido em grande parte aos tullentos de um novo imperador, que decidiu restaurar 0 império, dessa vez tom pleno reconhecimento do poder do islamismo, | CAPITULO CINCO O Iconoclasmo Bizantino VIII. O povo parecia mais interessado em suas proprias rivalidades politicas do que em enfrentaro inimigo. Em 715, diante de mais uma Febelido, o imperador da época abandonou Constantinopla c retirou-se para a maior seguranga de Tessalonica. O moral bizantino estava tio baixo que ‘numa cidade provinciana a populagao recorreu 20 sactificio de um bebé para ‘conter os muculmanos. A primeira linha de defesa devia ser 0 exército do ‘thema anat6lio, mas seu governador, um sitio chamado Leio, mais conhecido ‘como Ledo III (717-41), chegou a um acordo com os mugulmanos. Com a co nivéncia deles, Ledo conseguiu garantir o dominio de Constantinopla e a coroa, mas ndo cumpriu seu lado da negociagéo. Em vez de entregar a ci- dade, realizou uma defesa de grande bravura. Os drabes foram derrotados Por volta do verio de 718, quando se rompeu o cerco; Mais uma vez.a Mac de Deus recebeu o erédito. A essa vitdria nao se seguiu nenhum colapso po tico do califado omiada, como ocorrera apés o cerco anterior de Constantino- pla, Em ves disso, os exércitos do Isla continuaram sendo uma forga formi- dvel durante todo o reinado de Ledo IIL. Os ataques a Anatélia prosscgui- ram. Em 726, os mugulmanos conseguiram cercar a cidade de Nicéia, a menos de cento ¢ sessenta quildmetros de Constantinopla, B iaincio parecia ser uma causa perdida nos anos inaugurais do século IMPERADOR VERSUS PATRIARCA Leio Ill pode ter salvado Constantinopla dos drabes, mas scu império ficou ‘em estado de temor. A Anatdlia extava vulnerdvel. O imperador anterior con- tinuava de posse de Tessalonica, ¢ a Sicilia revoltara-se. Leio IIL tratou os Febeldes da mancira implacdvel que marcou scu estilo de governo. O ex-im- perador foi trazido de Tessalonica junto com o arcebispo. Leiio mandou exe- cutar os dois ¢ exibir suas cabegas em desfile por todo o hipdromo durante ‘tcelebragio das corridas, Reprimiu a rebel siciliana com igual determina 68 tea (jlo. Os frabes foram techagados de Nicéia, Aos poucos, a maré ao longo da {ronteira oriental comegou a virar em favor de Biziincio. ANMO MIZANTINO, Leto III seguiu esses primeiros sucessos, impondo conerole mais direto soli us provincias em forma de certa reorganizagio do sistema de shemias © dda reavaliagio de impostos. Isso provocou uma séria rebelido em tomo do Higeu em 727. Os rebeldes requisitaram membros da frota e langaram wm Jiique a Gonstantinopla, que foi rechacado. Na Sieflia e nos territorios ita= Hlanos restantes, as medidas de Ledo nao apenas geraram impostos tials Jpesados, mas também envolveram 0 confisco de propriedades papais nia Sietlis. Em represlia, o papado fomentou considerive! agitagio. Leao {IL ‘wvidou, transferindo a jurisdicdo eclesidstica sobre a Sicilia co Sul da leila = diocese metropolitana de Roma — e sobre a Iiria, que incluia Tessalo- ‘nie de Roma para Constantinopla. Essa agio permaneceu um pomo de di ‘chidia entre as Tgrejas de Roma e de Constantinopla durante séculos. ‘Tam- Im refletiu a suposigio de que os limites politicos eclesidsticos deviam svineidit, O universalismo que fora o cuahw do Império Romano cristo Womegava a ser abandonado. Ledo III via Bizincio como uma comunidade Feuinida, um novo Istacl. $6 retornando as suas raizes do Velho Testamento, Wxincio conseguiria forjar uma forga de propdsito capaz de equiparar-se a sho Isa Sempre se destacou um aspecco da restauragio do Império Bizantino de {clo Il: seu iconoclasmo, E dificil desenredar as origens ¢ 0 carter de sua Politica iconoclasta da teia de preconceito posterior. Nem sequer & certo ‘que 0 Imperador se considerasse um iconoclasta, embora seus adversitios, menor davida, sim, Encontra-sc o primeiro indicio de um movimento iconoclasta em cartas escritas pelo Putriarca Germano I (715-30) aos bispos de Claudiépolis © Nakoleia, lugares situados na borda noroeste do planalto wnacélio, O Patriarca também escreveu 20 superior deles,o Bispo Metropoli- tune de Synada, perguntando por que ele nio os disciplinara. As cartas poxlem ser daradas de meados a fins da década de 720, Revelam que havia cunsiderivel agitagio contra imagens no Oeste da Asia Menor. Um sinal da wublevagio foi que igrciro de Sozépolis — 0 que Teodoro de Sicko supostamente vencrara — deixara de funcionar, Esse desencanta- mento com as imagens deve ter sido relacionado com a desmoralizagio pro- Woeada pelos repetidos ataques drabes, que na Anatélia ndo terminaram com ‘vitria de 718. Sabe-se de um episédio revelador do cerco arabe de Nicéia £m 726, em que um soldado bizantino atirou uma pedra num icone da Mde le Deus, Isso era um sintoma da maneira como os icones haviam singula mente deixado de proteger @ poyo da Asia Menor dos estragos dos mugul- manos. O Pacriarca supds umn coisa meio diferente: que a epidemia de ieo- ee ss WHEANETO: noclasmo era uma reasio a critica mugulmana. Lembrou ao Bispo de Nako» lecia que os mugulmanos podiam criticar os icones como idotitricos, mas que faziam eles? Adoravam uma pedral Os bizantinos eram sensiveis as criticas mugulmanas. Na época do vereo de Constantinopla, ou possivelmente logo depois, Leao III ¢ o califa Omar 11 (717-20) se correspondiam. O califa criticou a veneragdo crista da eruz € de imagens. O Impe: gens no mereciam 0 mesmo respeito, “nio tendo recebido na Sagrada Bscritura qualquer mandamento em relagio a elas”. Contudo, isso nao signi ficava que deviam ser descartadas; cumpriem uma dil fungio, como lem- branga e auxilio a pritica do culto, O Imperador concluiu: “(...) mas quanto madeira es cores, nlo Ihes prestamos nenhuma reveréncia”. A sugestiio é de um ataque a prtica mugulmana de venerar a caaba, o mais sagrado san- tuario religioso em Meca. As idias do Imperador sobre as imagens nao pare- cem nesse estégio tio afastadas assim das do seu pattiarca, Era claro, con- tudo, que, diante da critiea mugulmana, Ihes atribufa um papel inf ‘comparagio com a eruz. Por trés do iconoclasmo, via-se um reconhecimento do esmagador sucesso islimico. idor rejeitou furioso a eritiea, mas admiti que as ima Leto II era sensivel a qualquer agitagio no Oeste da Anatélia. La era ‘onde se achava a casa das méquinas da organizagdo militar. Uma proporgao significativa das fortalezas-chave e dos quartéis-generais do thema concen trava-se naquela drea. A necessidade de chegar a alguma solugio tornou-se ainda mais urgence em 726 com a espetacular explosio da ilha vulednica de Santorini, no Egeu. Era um sinal: 0s mares em volta comegaram a ferver € Pedras-pomes da erupgio foram lancadas de Creta sobre as praias do Oeste , empregando vextos do Coto, mesquita. Este exempl data de nidas do século Xe Cl 2 7 ATER ELANMO MZANTING por exemplo, le Anittwunn, Mindadora e ditecora do duplo mosteito de Mune tingia, e batizow una de nuas filhas com 0 nome de ‘Anthousa 0 tenhi curio de uma cegueita temporatia, iso nio impediy o Imperador, mais tarde, dea a. Consta que um de seus agentes a torturou, despejando-the feones em brasa sobre o corpo. Talvez seja apenas um detalhe hagiogrifico ficticio, porque, fora isso, as agdes de Constanting ceram mais prosaicas. Em Constantinopla, monges e freiras foram exibides em desfile em volta do hipédromo e insultados pela populagio, Depois ob. {guram-nos a abandonar os votos mondstieos e casar-se, Governadores mili res eram estimulados a tratar da mesma forma membros de ordens monigti« ‘cas nas provincias. Ao mesmo tempo, confiscavam-se as propriedades inisticas e reformavam-se os prédios para uso militar, Os adversirios do Imperador associaram esse ataque tos mosteiroy& gua crescente hostilidade ao culto dos santos. Acredita-se que cle tenha destruldo reliquias ¢ alegou-se que os que faziam oferendas aos Santos por causa de sya sadide cram “ameacados de morte, confisco, exilio ou tortura, por heresi" A Gltima agio esta em discordincia com os primeiros eseritos, onde ele teye g cuidado de aprovar a intercessdo da Mie de Deus ¢ dos santos; tio em disor dancia, que suspeitamos de certa exagero de fontes hostis. No fundo da pole ‘ica antimondstica de Constantino, estavaa recusa de algus mongesa aocigap ‘© Coneilio de 754. Os motivos que os levavam a isso s6 em parte tinham a yer com os fcones; a interferéncia imperial no dogma era igualnente importante A.essa altura, os cireulos monésticos jf teriam absorvide as doutrinas de Joie Damasceno. Ele escolheu os icones como essenciais para a tradigio viva do cristianismo, Pode-se afirmar que © monasticismo cambém fazia parte da ‘mesa tadigto,e fieou do mesmo modo vulneravel a pressio imperial, Comg as imagens, 0 satus monéstico nao tinha qualquer base biblica clara, Ym ‘monge nio cra ordenado da mesma manera que um padre, embora mul vezes alegasse possuir poderes espirituais mais profusos. A controvérsia sobre os fcones revelou como eram interligados diferen. tesaspectos da devogio religiosa cristd. Um ataque aos feones tinha implicg goes para o papel dos monges e, em geral, para a ordenagio de um socje. dade crista, Constantino no empreendeu uma perseguicio geral 40s mon aes, embora fosse isso 0 que os adversirios gostavam de transmit; sbades © mostcitos cooperaram com as autoridades imperiais. Tampo provivel que Constantino duvidasse do valor ¢ validade da intercesso don santos. Era multo mais provivel que desejasse reprimie as priticas migiens associadas 4 eps Cult 4je Mita yore ne concentravam ern cones. Oy. rnha-se a que or MonyeK Wendesiern O8 Rervigos dos santos e a que religiogoy recebessem i ghiria Heflatidi dor wuntos, Havia charlataes demais, A pring). —— —_ pal intengio de Constantino bem pode fer sido quebrar a oposigo monds- tiea ao Conetlio de 754, mas ele também quis dar uma diregio mais clara ao ‘deal mondstico, dando énfase & sia uiilidiude — espiritual © benéfiea — para a sociedade, O comportamento mondstico devia se adaptar a teoria da Etica ieonoclasta das imagens. Fazia parte da forma como Constantino ten- tava remodelar a sociedade erista, para que girasse em torno da autoridade corretamente constituida, Foi uma tentativa de reviver a autoridade impe- rial conforme reflerida na legislagio de Justiniano, mas abandonando tacita mente as pretensdes & universalidade. A preocupagio de Constantino era ‘com Bizaincio; scus horizontes mal se estendiam além das fronteiras bizant nas. Sua concepgio de um Império Cristo, que muito devia ao Velho Tes mento, era estreita e voltada para dentro O CONCILIO DE 787 Quando Constantino V morren, em 775, sua realizagio parecia garantida, mas em apenas dez anos seria arruinada. Como explicar essa derrota? ‘Tem muito a ver com a sua nora, Irene, a principal forga por tris da restauragio das imagens. Parece que ela sempre foi uma conviera devota de fcones. Nao «era provivel que isso fosse um fator levado em conta quando Constantino V @ escolheu como noiva de seu filho € herdeiro, Leio IV (75-80). Mais importante era seu lugar de nascimento, Atenas. Isso tinha certa importin- cia estratégica, numa época cm que a gradativa recuperagao das terras gre~ g:8 apenas comegava. Quando Ledo IV morreu, Irene ficou como regente em nome do filho pequeno, Constantino VI. Diante da oposigio dos cunha- dos ¢ de quase todo o cxército, buscou o apoio do palicio e da administragao, ‘onde sempre houve membros simpyiticos 3 restauragao das imagens. No seio da Igreja, o argumento de que Bizancio estava se isolando do resto do mun- do cristo comegou a exercer muito mais peso. O Patriarca Paulo (780-84) Fenunciou por esse exato motivo, € insistiu em que era imperativa a realiza- «20, sem demora, de um concilio ecuménico pleno. O homem escolhide para suceder-Ihe, um funcionério pablico chamado ‘Tarisio, $6 aceitaria 0 trono patriarcal se fosse convocado um concilio ecuménico ¢ reaberta a 4questio dos icones. O que acabou acontecendo em 786, mas 0 encontto foi dissolvide pelos regimentos de guardas, cuja agio recebeu a aprovagio de tos bispos.. Irene tomou providéncias imediatas. Enviou tropas leais a ela e dissol- yeu os regimentos de guardas, Mudou-se 0 local do coneifio da capital para Nicéia, onde se reuniu em 787. Ao encontro, comparecerum representantes 7% —— do bispado de Rone dos putriarcacos oriencais, para dar-the 0 necessario cardcer ecuménica, © Goneiliv de 787 condenou o iconoclasta Conetlio de we 754, mas ni tratou das disputas iconoclastas, com suas implicagdes Gti cristol6gicas. Embora rescindisse o andtema proferido contra Jodo Dam: ceno em 754, nilo eitou suas obras entre as auroridades sele cotroborar a validade das imagens. Os padres do concilio enfati {cones nao eram, como supunham os iconoclastas, invengio de pintores, mas se encaixavam na tradigao da lgreja. Eram um acompanhamento natural da historia do evangelho, com a diferenga de que 0 poder da visio Ihes da maior intensidade. Para refutar a acusagio de que os fcones geravam conus sito entre devogao religiosa e veneragio, o concilio frisou que eles sempre receberam veneraco. Mesmo entdo, era dirigida a representagio da imagem retratada, no aos materiais do icone, pois, segundo os padres do conetlio, “Somos morivados pelo desejo ¢ impulso de chegar aos originals”. Esperava-se que 0 Concilio de 787 fornecesse uma base para reconel= liagdo interna da Igreja. Nao se fez nenhuma condenacio direta aos impera> dores Leda III e Constantino ¥. 0 Bispo Constantino de Nakoleia, morto hi ‘muito tempo, foi julgado culpado como o verdadeiro criadordo iconoclasmo, Compareceram ao Segundo Coneilio de Nieéia (em geral, citado como Nix céia II) dezessere bispos que haviam participado do Concilio de 754. O des tino deles era uma importante reflexio que preacupava grande represent io mondstica no coneilio — pouco menos de um tergo dos presentes era de monges. Estes se opuseram a reintegragdo da maioria dos bispos iconoclas~ tas. Um problema em questao era se algum dos bispos fora obrigndo ase tore nar iconoclasta. Hipacio de Nicéia admiiu que em seu caso nilo se exigira {qualquer coergi0; ele fora ciiado com 0 ivonoclasmo. forga desua confissio atingiu os outros bispos. Concordaram com ele ¢ exclamaram: “Todos pees ‘mos, todos pedimos perdao”. Apesar das reservas dos monges, 0s bispos ico» noclastas foram readmitidos na Igreja sob pressio do Pucriarca ‘Tandsio (784-806). Um lider mondstico, Sabssio de Studios, insinuou que o Patriar= ca estava apenas cumprindo instrugées da Imperatrizs em outras palavrisy rio the devia ser confiada a defesa da independéncia da Igreja ‘Os monges ram uma desconfortavel presenga no Nicéia I. Ainda mais inguietunte eram os monges que se haviam recusado a comparecer ao conc= tiv, alegando que os bispos eram simoniacos, ao mesmo tempo que, eseondi- dos por tris, A espreita, se achavarn os monges que se haviam comprometido com os iconoclastas. A porsoguiglo de Constantino V revelara as divisies entrea ordem | ye continuinram apds o Nieéia Ile tiveram a con seqiéncia de monisticos. Havia uma profunda desconfiangi de Nicétoro (806-15), Os dots eram « prinefpio funciondios pibligos wos «uals se impusera a chefia da Igreja de Constantinopla, Em defesa de eooperaglo € concessio, trabalharam pela econciliagio © aprovaram come inquestionivel 0 culto da eruz, que fora essencial para o iconoclasmo, Alguns entre a ordem mondstica achavam que ‘Tarisio e Nieéforo eram lenientes demais com 0 iconoclasmo, ¢ dispostos demais a accitar as exigéncias imperiais, Do mesmo modo, endassaram a outra idéia iconoclasta: @ teoria ética das imagens. O grande exemplo foi S. Flareto, o Misericordioso, um proprie~ ‘rio de terras da Paflag6nia de espirito caridoso, Sua magnanimidade erista © devogio a caridade haviam-no reduzido a pobreza, da qual foi salvo quando ‘uma de suas filhas foi escolhida para ser a noiva de Constantino VI (780.97), Reinstalado na capital, Filareto continuou suas atividades caridosas; na ver. dade, ninguém melhor exemplificaa ética iconoclasta do leigo devoto dedi- cado as boas agées. Suas atividades levantaram as suspeitas dos monges mais radicais, que deliberadamente substituiram seu incipiente culto na capital por um de um ficticio martir defensor das imagens. Nessa conjuntura, um novo Ider comegou a eriar sua marca. Chama- va-se Teodoro. Vinha de uma familia administrativa ¢ era sobrinho de um dos principais abades que participaram do Nieéia II. Em 794, tornou-se abade do mosteiro constantinopolitano de Studios, talvez o mais poderoso € respeitado da capital, Seu primeito teste veio quando Constantino VI deci- div abandonar-a primeira mulher, filha de Filareto, ¢ casar-se com sua dama de honra, que por acaso era uma das sobrinhas de Teodoro. Foi um escan- dalo: a primeira vez que um imperador cristio se divorciava da imperatriz Houve oposigio, mas o Pacriarca Tarésio acedeu mansamente, diante da ameaga do Imperador de restaurar o iconoclasmo. Teodoro ficou chocado com a pusilanimidade do patriarca ¢ criou um cisma dentro da Igreja. Por isso, foi exilado, mas nao por muito tempo, porque o proprio Imperador foi deposto em alguns meses, Teodoro no entanto se recusow a deixar o assunto morrer€ reviveu o cisma sob o patriarca seguinte, Nicéforo. Mais uma vez o exilaram, SEGUNDO ICONOCLASMO ‘Teodoro seria relembrado apés um dos muitos desastres militares que pon= ‘uaram a histéria bizanting. Em 811, 0 imperador, também chamado Nicé- foro (802-11), foi acuado com seu exército pelos bélgaros nos desfiladciros balednicos, Foi morto © scu exército desburatado. O- chee dos billgaros, Khan Krum, avangou sobre Constantinopla. © genro do Have imperador, =a SS —” WIRANTING Nivéforo, depositou sua eoiflanga nos monges liderados por Teodoro Stur dita, Nao parewit # melhor maneira de enfrentar uma emergéneia militar, ivis e militares ern Gonstantinopla reacenderam a lembranga de Cons tino V, Simpatizantes ieonoclastas arrombaram a porta da entrada das sepul turas imperiais na [greja dos Santos Apéstolos € fizeram culto em seu timulo. Circulou a histria de que Constantino V fora visto deixando 0 t- muloc liderande a defesa da cidade contra os hilgaros. Foi o preliidio de um olpe iconoclasta, com muitos sinais de sublevacio popular, €levou um 60 mandante do exército chamado Ledo ao trono em 813. Assim que Lelio resolveu a ameaga bilgara, voltou-se para.a questio das imagens. O Patti Nicéforo nao se revelou sensivel 4 pressio ¢ foi deposto em 815, pouco antes de um Coneilio da Igreja se reunir e restaurar 0 iconoclasmo de acordo com 0 Concilie de 754. Ledo V (813-20) nomeou um novo patriarea iconoclasta, ‘Teodoto (815-21). {A restauragio do iconoclasmo fundamentou-se na base popular erinda por Constantino V. Parece ter tida uma boa acolhida generalizada. Pouco houve em termos de perseguigéo. O novo regime apenas exigiu comunhii ‘com 0 novo patriarca. A maioria dos bispos e abades se dispds a aquiescer deixando o ex-patriarca, Nicéforo, ¢ Teodoro Studita isolados. Os iconoclay> tas no fizeram quase ou nenhum esforgo para desenvolver as idéiay de Constantino V, Pareceram mais que adequadas © receberam apoio extra do florilegium iconoclasta, ou antologia, compilado por Jodo, 0 Gramdtico, que deu grande parte do peso intelectual por trés da nova fuse do iconoclasmo, Osinteresses de Joao se estenderam muito além da teologia e revelaram que uma controvérsia sobre imagens abordava questoes intelectuais muito mals amplas. Uma das acusagoes levantadas contra Constantino V por seus adver sirios fora a secularizagio da arte e da cultura, Em conseqiéneia do entu- siasmo de Constantino pelo hipédromo, cenas de corrida ¢ corredores hie viam sido introduzidos no repertério da arte imperial. Parece niio ter ido muito além disso, mas na verdade apontou para um problema conereto, identificado pelos iconoclastas: a tendéncia a Jo entre sagrado € pro» fano ficou cada vez mais obscurecida a medida que o sagrado passou a invae dir todas as dreas da vida ¢ da cultura. O iconoclasme tentou entio restaber lecer limites claros ‘Uma vitima dessa tendéneia a confundir sagrado € profano foi o estudo independente do saber seoulit, 04 elissico, Em todos os niveis, grande parte da educagiio se linmitaya a ewtucadas familias da capital, Os primeix "0 de yeu irmio, por exemplo, haviam sido 110, un funcionario pablico, Depois, de {de educagio methorou erm termos — admiriveis. Também a demanda se fornau muito maior, como se evidencia no livro de gramatica de Jorge de Ghoirabuskos, publicado em fins do século, VIII ¢ apresencando de uma forma aeessivel os tratados gramaticais de fins da antigtidade. Jorge era o arquivista de Sta, Sofia, mas suas afiiagies reli= giosas ndo sio claras. Um contemporineo seu entre o clero pacriarcal foi Ind~ io, 0 Didcono, que se tornaria bispo iconoelasta de Nicéia, Indeio afirmava que resgatara 0 saber clissico, ea clegancia de suas cartas mostra que nio se tratava de bazdfia ociosa. A segunda fase do iconoclasmo beneficiou-se desse melhor padriio aper= feigoado de ensino, Sua mais importance figura intelectual foi Leio, o Mate- matico, primo de Joao, 0 Gramatico e, por um breve periodo, bispo icono- clasta de Tessalonica (840-43). Nascido e criado em Constantinopla, dizem que Ledo adquiriu seu impressionante conhecimento cientifico € matem- tico na ilha de Andros. Pode-se conceber que quando jovem fora mandado da capital para a Grécia & procura de manuscritos em mosteiros remotos, ‘mas isso € tudo. A reputacao de Ledo como erudito logo se rornou tal que 0 califa Ma’mun (813-33) 0 convidow a Bagdé, onde ocorria uma revivescéncia dda cigneia clissica. Ledo tinha total conhecimento dos textos cientificos, ‘matemdticos ¢ astrondmicos da antigiiidade. Uma nota a margem que ele esereveu num manuscrito dos Klementas de Euclides sobreviveu. Também possuia um manuscrito da Syuunis, de Prolomeu, sua grande obra sobre astronomia, mais famosa no Ocidente como Almazesto. O famoso Vaticano Prolomeu ilustrado é prova desse redespertar do interesse pela ciéncia gre~ ‘1, mas embora ele possa ser datado do inicio da década de 830, nio per- tence, parece, a Leto, Continua sendo uma obra de imensa realizagio © mais provavelmente feita como um presente oficial, O surpreendente némero de manuscritos cientificos que sobreviveram 440 segundo perfodo do iconoclasmo € testemunho da revivescéncia da cul- ‘ura secular, que aleangou o ponto maximo no reinado de Teéfilo (829-42). Apesar de iconoclista, Te6filo era lembrado como um bom governante, com zelo pela justia. Também foi um grande construtor. Fez anexos ao palicio imperial, que impressionaram os contemporineos com seu prédigo uso de marmore ¢ metais preciosos. Mandou construir autématos — como passaros ‘meciinicos cantando em ramos dourados — para a sala do trono, a fim de rea- Jiaar com a wurte abyissida, na mesma época em que se construia seu palicio suburbano de Bryas segundo as linhas de um domo do prazer abassida, Essa voga do estilo abissida se harmoniza com a secularizagio da corte de Te6filo, mas foi paradoxal porque o imperador teve deenfrentar 0 Gltimo ataque drabe sério a Bizdncio, Erm 838, o califa Mut’assim (833-42) derrotou ‘Te6filo © depois eapturou Amérion, capital do cheme anaéliow Nigar de nas- —— cimento do pai do [mpemdor, Foi um terrivel golpe para o prestigio da dinastia ¢ visto como win sentenga divina ao seu iconoclasmo, E também 0 ‘tema dos Quarentia Dols Mértres de Amérion, uma historia de soldados leva- dos para eativeiro pelo saque da cidade, que se recusaram a abjuraro isla- mismo e foram executados. As derrotas de 838 prepararam o caminho paraa liquidagio do iconoclasmo apés a morte de Te6filo, em 842. O TRIUNFO DA ORTODOXIA Durante 0 segundo periodo do iconoclasmo, os imperadores haviam tido pouca dificuldade para lidar com a oposigio, Os principais adversarios foram 0 Patriarca Nicéforo, morto em 828, ¢ Teodoro Studita, morto em 826. Eram velhos inimigos ¢ se detestavam, O Patriarca deposto comportou-se com muita corregio. Nao fez qualquer tentativa de interferéncia direta em assuntos eclesidsticos, mas gastou seu trabalho de retiro numa refutagdo da teologia iconoelasta, que pouco impacto exerceu na epoca, Teodoro Studita nao mostrou a equanimidade do Patriarca, Tornou-se o centro de total oposi- ‘Go ao iconoclasmo. Gragas a uma vasta correspondéneia, mantéve um cir- culo de seguidores, alguns dos quais com influéncia na corte. Apés anos de exilio, recebeu permissio para passar os Giltimos anos em conforcivel retiro. Embora nao muito herdicos, Nicéforo e Teodoro Studita muito fizeram pela preparagio do caminho para a restauragdo das imagens. Ofereceram uma defesa das imagens que levava em conta nivel mais clevado de realiza- gdo intelectual que entdo existia enere a elite bizantina, Seus argumentos ‘muito deviam a logica aristorélica (embora apresentados como buseados “no poder da verdad”), que Ihes deu o arsenal intelectual para enfrentar a teo- logia iconoclasta de Constantino V. Conseguitam demolir o famoso argu- mento do imperador sobre as conseqiiéncias da limitagdo de Cristo: isto é, ou confundir ow separar as naturezas dele. Teodoro ¢ Nicéfore admitiram que os iconoclastas supunham que o proceso de circunscrever Cristo era ‘obra de um artista, Mas, discordavam, no era nada disso: 0 processo era, a0 contririo, a inevitavel conseqiiéncia da Encarnagao. Como tal, agiam de acorde com a douttina do Concilio de Caleedénia, que insistiu em que Cristo sinha duas naturezas perfeitas, humana e divina, wnidas sem confu ssio nem divisiio. A recusa iconoclasta a representar Cristo era uma negacio dda Encarnagio; de que Gristo era ao mesmo tempo homem ¢ Deus. ‘Nivéforo @’ Teodor Studite discordaram da afirmacdo de Constantino V de q ‘pieeinum ver una identidade essencial. Isso escorou a ‘em que a Bucaristia era a verdadeira —— imagem de Cristo, sempre win de seu mais poderosos argumentos, Nieé~ foro e Teodoro viraram a afirmagho de eabega para baixo, sugerindo que, ao tratarem a Eucaristia como apenas uma imagem de Cristo, 0s ieonoclastas impugnavam a verdadeira presenga. Him todo 0 so, a definigio dos dltimos cra impraticavelmente restritiva, Os dois lideres icondfilos defendiam em ver disso uma identidade relativa, querendo dizer que uma imagem desfru- taria de relativa participagio das honras e virtudes do original. Desse modo, «teoria ética das imagens, que eles nao contestavam, poderia ser aplicada as proprias imagens. Assim como os cristios virtuosos participavam, embora de ‘modo remoto, das qualidades de Cristo e seus santos, uma imagem também podia participar. Além de bem argumentada, era uma visio menos rescrita do papel das imagens, que a0 mesmo tempo se guardava contra os piores excessos da veneracao de icones. Teodoro Studita também fizera muito bem seu trabalho de’butra forma. Ap6s sua morte, a rede de seus seguidores continuow a tradigdo de resistén- cia. O mosteiro de Studios foi um centro de membros descontentes na Igreja € na corte. E bastante irritante para 0 Imperador Teofilo retomar a perseguigao, O pintor Lazaro teve as mios cauterizadas por ordens do Impe~ tador, mas isso no 0 impediu de retornar a pintura de fcones assim que foi solto, Outras vitimas foram os irmaos Graptoi (literalmente “inserivos”), assim chamados porque tinham versos iimbicos tatuados na testa, que os identificavam como “vasos loucos de heresia pervertida”. Mais perigoso foi o nobre Sérgio, exilado em 832 por suas crengas icono- filicas. Era pai do futuro patriarca Fécio; sua mulher era parente por casa- mento da imperatriz de Te6filo, Teodora. Em outras palavras, achava-se no centro da vida polftica bizantina. Como aconteceu com Constantino V, tam- bém houve funcionérios piblicos que se opuseram a Teéfilo na questo das imagens. O motivo disso na certa devia ter alguma coisa a ver com a politica da corte. Os funcionérios pablicos talvez se sentissem em desvantagem sob regimes iconoclisticos, que tendiam a ser militaristas. Também podem ter-se posto 4 medida com que Constantino V e Te6filo recorriam & corte em busca de apoio popular. Sua oposicao ainda devia associar-se aos padres de religiosidade. Os funcionirios publicos eram 0 grupo mais instrufdo do império, por isso podiam apreciar melhor que os demais o debate sobre ima- Zens. Ficou claro que a defesa intelectual das imagens predominara, gragas & claboragao das idéias de Joao Damasceno por Nicéforo ¢ Teodoro. No fim,a restauracdo das imagens em 843 foi uma obra interna, trabalho da Imperatriz. Teodora, apoiada pelos parentes mais préximos. Teodora sim- plesmente reintegrou 0 Nieéia Il € assinalou a ocasifo, eonheeida como o ‘Triunfo da Ortodoxia, com uma nova festividade, a Festa da OrtoWloxla, des- a4 — tinada a comemorar anualmente a vitdria sobre a heresia, Como a restauras gral da civilizacdo bizantina, travada em pequenos dramas que nos escapam, Mas sio claras as principais questdes. O culto das imagens desenvolveu-se a0 longo dos séculos VI e VII, com poues ou nenhuma averiguagio, € amea= (Os etiticos que viram issn coma pouco diferente da idolatria tinham alguma razio, porque as imagens assumiram propriedades magicas ou talismanicas e deixaram Bizsincio aberta A eritic de judeus e muculmanos. A dependéncia de imagens transformou a devogio cristi e tornou indistintos todos os tipos de limites. Ameagou aquele senso de hierarquia que fundamenca a ordem propria da sociedade bizantina, EX iu uma clara definigdo do papel e Fungo das imagens. No fim, fo isso que a controvérsia iconoelasta proporcionou, os adversirios das imagens contri- buindo pelo menos tanto quanto scus defensores. Antes da epidemia do ico» noclasmo, as imagens tnilagrosas exerciam um papel procminente, No Nicéia II, os padres haviam redigido um catélogo das imagens milagrosy, mas apés sua restaunagho definitivaem 843 os icondfilos preferiram encobrit as propricdades migicas dels, A fealizagiio deles foi salvaguardar o papel da arte teligiosa injento necessério da licurgia © como um auxilio a cont la } A civilizagio bizantina uma clara marca que ‘sou monopolizar a devosi —_—_— 4 distinguiw do eristianisme latino © ainda mai do cclasmo foi estéril em termos religioios, Aléin de demasiado literal, no recor nheceu que todos os sistemas religionoy tem de ter a capacidade de desenvolver-se para fazer face a noviy eventualidades. Hoje ¢ facil eritis ‘9s pensadores que veneravam feones, como Jodo Damasceno, por fi rem provas a fim de conferirem aos icones 0 necessirio Novo Testamento ¢ autoridade patristica. Mas a énfase deles na continuagio de uma uadigio capaz de incorporar aovos clemenos era consistente com sua conviegao de que o milagre da Encarnacio continuava funcionando — era a esséncia do le- gado de Cristo, passado adiante por apéstolos ¢ santos. Em curto prazo, 0 iconoclismo foi de imenso beneficio para Bizancio, Leio III ¢ Constantino V usaram-no como um encobrimento para a restau- ragao das bases da autoridade imperial, que ficara comprometida pelo triun- fo do islamismo. Isso permitiu a Bizincio escapar da anarquia politica na qual caira nas primeira décadas do século VIII. Os imperadores iconoclastas deixaram uma autoridade imperial eficaz, que fundamentou as realizagies da dinastia macedtnia em fins dox séculos IX e X. O iconoclaamo também desafiou a dominagio monéstica da cultura, que fora uma caracteristica do século VIL. O. I de educagio elevou-se; 0 ensino secular foi cultivado por ‘si mesmo, ¢ deu-se uma recuperagio de muitos aspectos da cultura clissica. Ele restaurou para a cultura bizantina um equilibrio que se vinha perdendo. BizAncio e 0 Ocidente como uma entidade distinta, mais ou menos cortados 0s lagos com Constantinopla e o cristianismo oriental. Hf muito se considera a coroagao imperial de Carlos Magno em Roma, no dia de Natal de 800, como ‘© evento simbélico que assinalou essa separagio, mas a unidade das duas metades do Império Romano sempre foi artificial, Por mais que possa ter havido inrerfertilizagdes no decorrer Jos xéculuy, por niaiy eomumn que Poss ter sido o bilingdismo entre a elite instrufda, sempre permaneceram duas cculturas distintas; uma latina ea outra grega, Isso foi disfargado pelo criunfo do cristianismo e pela mudanga da capital imperial para Constantinopla, O Ocidente — incluindo ai os reinos birbaros sucessores — encarava 0 imperador em Constantinopla como drbitroditimo. Uma das conseqiéneias da transferéncia da capital para Constantinopla fot que 6 latim se tornow a lingua do exército © da administragao no Oriente, embora 0 grego conti> nuasse sendo o idioma da Igreja e da cultura. ‘Trata-se de um fato que ten= dev um pouco a suavizar a divisd F 1 no curso da disputa iconoclasta que o cristianismo ocidental surgi isdo encre o Oriente e 0 Ocidente. OS LAGOS SE ENFRAQUECEM. Foi nesse ambiente que grande te6logo latino Agostinho conseguiu assimi- lar as novas idéias que emanavam dos padres capadécios no Oriente. Con- tudo, essas idéias foram alimentadas numa perspectiva distintamente oei- dental, para cuja eviagio Agostinho fez. mais que qualquer outro, Providen= ciou para que seus interesses ¢ caracteristicas fossem muito diferentes dos do Oriente. Enfatizoua predestinagio e a comunidade, ndoa intercessio ea perfectibilidade, Kimbota novas eorrentes de pensamento continuassem a ttar-se do Oriente eran # cuidadosa © detalhada averiguagio com-base na Nese processo de troca conceitual © ceulcural dh 0 Ovidente talvex tenha sido 0 — s6clo minoritério, may muito lange dé pasivo. Foi um processo possivel por- que 9 senso de unidade, baseado numa (6 compartithada em lealdades Politicas comuns, durou pelo sécule VIN dentro ¢ foi cimentado no nivel da clite por lagos pessoais, O Papa Greyério, o Grande (590-606), pertencia & familia Anicius, que um século antes gerara Juliana Anicia, uma benfeitora de Constantinopla. O préprio Gregério fora niincio (apocritarius) papal em Constantinopla, antes de se tornar papa, Fases lagos foram reforgados pela reconquista da Italia, da Sicilia e do Norte da Africa por Justiniano ¢, paradoxalmente, fortalecidos pelas inva s6es lombardas, que fizeram com que senadores romanos fugissem apressa- dos em busca da seguranca de Constantinopla. Cxssiodoro foi uma excecao. Permaneceu em Vivarium, 0 mosteiro que fundara no Sul da Itilia, Ali con- seguiu completara obrade seu contemporineo mais velho, Boécio,cujo pro- Jeto era tornar “a sabedoria grega” acessivel ao Ocidente latino. Enquanto Boécio traduziu e comentou a légica de Aristotcles, Cassiodora produziu os ‘stitutes, manval que apresentou o curticul clissico em forma crist3.A pouco Posterior compilagio de Isidaro, Rispo de Sevitha, chamada Ezinobrgias, uz quase a mesma coisa num contexto espanhol. A obra desses homens foi importante para o renascimento da cultura no periodo carolingio. Em forrna lum tanto basica, conseguiram preservar para 0 Ocidente latino os funda- ‘mentos da educagio e cultura gregos, como existiam na era justiniana, Longe de solapar os estrcitos lagos de Bizancio e Roma, a controvérsia monorelista do século VII testemunhou um relacionamento Gentes em Constantinopla reeorreram a Roma em busca de refigio ¢ apoio. No fim, triunfou a posicéo romana. Os lagos que uniam os dois centros soli. ificaram-se quando um némero cada vez. maine de refuygiados do Oriente se estabeleceu em Roma, apés as conquistas drabes. Houve uma série de papas ujo primeiro idioma era o grego. Por algum tempo, 0 grego ameacou tor- ‘arse a lingua da cdria. Por exemplo, quando Wilfred, Bispo de York, foi a Roma, no inicio do século VIII, requerer 0 papado, o sinodo papal discutiu 0 caso em grego. O nGmero de mosteiros de lingua grega em Roma aumentou, € foi neles que os papas dos séculos VII ¢ VIII buscaram muitos de seus specialistas. Teodoro de ‘Tarso, despachado como Arcebispo de Cantudria €m meados do século VII, € 0 melhor exemplo. As vésperas do iconoclasmo, Roma continuava senda uma grande cidade Pelos padres da época, por mais reduzida que talvez se achasse desde seu apogeu imperial. Havia imponentes igrejas de peregrinagio, como Sio Pe~ dro, que remontava 3 época de Constantino, além de uma série de basilicas do século V, construidas pelos papas da época. Alguns prédios elissicos sobreviveram, como 0 Gastelo de Santo Angelo, assim ehamado na [dade aii. —— Média, ov 0 Panteiio, que foi transformado na Igreja de Santa Maria Ro» onda em 609, Paueo antes, una sala de audiéncias do século I foi transfor= mada na Igreja de Santa Maria Antiqua. No inicio do século VIM, 0 Papa Josio VII (705-7) mandara decord-la com uma série de affescos de excelente aca bamento. Se os pintores vieram ou no de Constantinopla, & menos impor tante que 0 fato de esses afrescos demonstrarem que Roma Constantino- pla faziam parte do mesmo mundo. O proprio Papa Jodo VII era filho de um funcionério bizantino. Embora possa ter andado as turras com Justiniano Il sobre 0 reconhecimento dos cdnones do Coneitio de ‘Prullo, em 711 seu segundo sucessor como papa se encaminhou obedientemente para Constan= tinopla, onde foi recebido com honra, € mais uma vez houve certa reconci gio entre Constantinopla e Roma. Esse relacionamento ativo foi comprometido pelas ages do Imperador Leio III. Comegou quando, em 724 ou 725, ele impds taxago sobre os patriménios papais no Sul da Itilia e na Sicilia, antes isentos, Isso se agravou com seu decreto “iconoclasta” de 730, ao qual 0 Papa Greg6rio II e seu sucessor, Gregério III, se opuseram ferrenhamente, Em primeito lugar, grande parte da hist6ria eclesidstiea dos sltimos dois séculos € meio fora, pelo menos na superficie, uma questio de Roma mostrar a Constantinoplt onde estava a ortodoxia. Em segundo, os cones eram parte integral da vida religiosa de Roma, do mesmo modo como haviam passado a ser em qualquer outra cidade bizantina. Usavam-se nas procissdes; 0 feone de Cristo de Latrio se tornou o palidio da cidade e acreditava-se que fosse uma imagem milagrosa, ndo feita por mos humanas. Usavam-se também para promover culros em Roma. Por isso, enquanto o culto da Mie de Deus em Constant nopla se concentravaem reliquias, como ocincurao € o véu, em Roma era nas imagens. O culto da Mie de Deus é um bom exempla de importagio bizan= tina na vida religiosa de Roma. Quando, em 609, se transformou © Pantedlo ‘numa igreja em sua homenagem, um icone de Maria foi mandado de Cons tantinopla para assinalar a acasio. O Papa Sérgio I (687-701) ordenow ue se celebrassem oficialmente com procissbes 0s dias de festa da Natividude, da Anunciacio ¢ da Assungio de Maria. Joao VII foi outro devoro. O (cone conhecido como Madonna della Glemenza mostra beijando o pé de Maria De modo conyeniente, numa iconoxrafia criada em Roma vé-se Maria arte ‘mada como uma impetatri, assim como num mosaico— originalmente em Sio Pedro — também encomendado por Joio VII, em que ele se aproxinva dela, proclimandosse “Servo da Sagrada Mae de Deus”. O Papa usava 0 ceulto para final Anquanto Justiniano 11 se apropriara do ti tulode "Servo! a enaltccida posiglo do pupado na hierarqui dle Deus, Cristo € sua mic eram 0 fovo de grande parte da religionidade eristi. Em Roma, deu-se especial Enfase a isso com um costume que se extabelecia para a Festividade da Assungia. © icone do Cristo de Latrio seria levado na procissio a Santa Maria Maggiore para visicar o feone da Mile de Deus ali abrigado, popular- mente considerado obra de Sio Lucas, O decreto “iconoclistica” de Leto III eausou profunda ofensa a religion sidade romana. ‘Também foi uma grande ameaga ao prestigio papal, porque contestava 0 pronunciamento do Pupa Gregorio, o Grande, sobre a validade da arte religiosa, contido em duas cartas que escreveu a Sereno, Bispo de Marsetha, em 599 ¢ 600. Trata-se de uma das mais importantes declaragbes sobre a arte religiosa num contexto cristdo, quando nada porque se tornou t base das opinides ocidentais sobre arte na Idade Média. Usaram-se e rein: terpretaram-se as cartas de Gregorio repetidas vezes. O Papa soubera que 0 Bispo de Marselha vinha destruindo quadros religiosos em sua diocese, sob a alegagio de que alguns entre seu rebanho estavam adorando-os de uma ‘maneira que se devia reservar apenas i Trindade. Gregério admitiu que, se isso ocorria, era reprcensfvel e tinha de ser reprimido, mas achou que o Bispo demonstrara um zelo excessivo. Os quadros religiosos ocupavam um lugar legitimo no culto cristo. O Papa disse a Sereno que “os quadros so xibidos em igrejas por esse motivo, para que 0s analfabetos possam ler vendo nas paredes 0 que ndo sabem ler nos livros”. Gregério elaborava 0 tema da arte religiosa como os “livros dos analfabetos”, Nao se mostrou preo- ‘cupado com os icones como tais em suas cartas a Sereno — sua discussio concentrou-se nas ccnas narrativas que decoravam as igrejas —, mas suas opinides seriam aplicadas a arte em termos gerais. Ele deixou claro que as imagens nio deviam ser veneradas, mas de especifico nada teve a dizer so- bre se clas poderiam receber formas menores de honta, ¢ 0 grande niimero de imagens votivas introduzidas na principal decoragio de igejas romanas nessa época revela uma veneragio de imagens do tipo que se desenvolvera em Bizancio. A reagio de Roma a controvérsia iconoclistica seguiu um padrao consa- grado pelo tempo. Em 731, 0 Papa Gregério III convocou um sinodo para protestar e condenar as inovagbes impostas unilateralmente pelo imperador bizantino, Adversdrios do iconoclasmo fugiram de Bizancio para a seguranga de Roma. Isso foi simbolizado na histéria do icone conhecide come Santa Maria Romana, que, em cumprimento da ordem do Patriarea Germano I foi ‘a nado até Roma, e fez mais uma vez o caminho inverso assim que terminou © iconoclasmo! Os refugiados bizantinos fortalecerum o monasticismo gre- 0, que se tornou um importante componente da vida tomana, NO século VILL, ralvez um quarto dos mosteiros de Roma era grego, @is80 perwistiu pelo - 90 WOH século IX adentr, Durante 4 yexunda fase do iconoclasmo, os defensores das imagens procururim Roma em busea de apoio. Teodoro Studita achava ‘que 0 papado tinh diteito de condenar um sinodo ilegal. Afirmou que, nessas circunstiincias, “€ concedido ao bispo de Roma 0 poder do concitio ecuménico”. $6 0 papa, na opiniio de Teodoro, tinha a autoridade para resolver o cisma dentro da Igreja de Constantinopla, criado pela revivescén- cia do iconoclasmo. O Papa Pascoal I (817-24) empossou monges gregos quando fundou San Prassede, ao qual anexou a capela Zeno como monu: mento funeririo de sua mae. Destacou-se a iconogeafia dessa capela por seu espitito bizantino, Nao € diditica nem decorativa, mas foi planejada para fazer uma série de declaragdes de principios dogmiticas. A capela contém premonigdes da maneira como a decoragio de igrejas bizantina se desenvol- veria no decorrer de fins do século IX no X. © OCIDENTE © FQUILIBRISMO DO PAPADO. Vemos que persistiram os antigos padres de oposigiio © empatia, ¢ isso apesar das radicais cransformages que ocorreram na Itilia em meados do século VILL. Em 731, Ravena, a capital bizantina na Ica, caiu nas mids dos lombat= dos. Gragas a iniciativa papal, os lombardos devolveram Ravena em 743. Nilo std claro, contudo, se 0 Papa agia pelo bem de Bizdincio ou pelo seu proprio, Em todo o caso, a restauracio foi de curta duragio, Em 751 Ravena foi recla- ‘mada pelos lombardos. Com 0 dominio bizantino na cidade debilitado, © papado teve de se virar sozinho. Negociou com os lombardas em name da “sagrada repuiblica e do exército romano amado por Cristo”, A idéia de que a Roma papal constitufa uma unidade politica independente comegava a tomar forma, Mas a sombra de Bizancio continuava li. O Patgeio de Lato foi remo= delado nessa época em linhas sugeridas pelo pabicio imperial em Constanti= nopla. O Papa Zacarias (741-52) acrescentou um Portéo Chalke na entrada cerimonial do palicio papal, ¢0 Papa Ledo III (795-816) um sakio Chrysotrik- Tinos ao principal salao de recepgio © banquete. Apes dessas pretensics, 0 papado precisou de um protetor contra 0s lombardosO Papa Estévio IH (752-57) atravessou as pressas os Alpes, em fins do outono de 753, para busear 0 apoio de Pepino, soberano dos francos, © encontro dos dois em Ponthied, em jancito de 754, foi decisive. O Papa sagrou Pepino rei dos franeos, K6mn {roc Pepino prometeu recuperat Ravena para o py ‘Véxid, @ chamada “Doagio de Pepino”, confirmou 4) ‘constitufa entio um tertitério papal. O pa \quanito os franeos comeguvann a

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