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Carole Pateman O contrato sexual Tradugao Marta Avancini PAZ E TERRA © Carole Pateman, 1988, publicado pela Polity Press em conjunto com Blackwell Publishers ‘Traduzido do original em inglés The Sexual Concract Preparagiio Luis H. Nery Revistio da traducéio Jandyra Lobo Reviséo Rinaldo Milesi ¢ Fabio Goncalves Capa Isabel Carballo, sobre pintura de Edgar Degas, 1865 Dados Intcrnacionais de CatalogacSo na Publicaggo (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Pateman, Carole O contrato sexual / Carole Pateman ; tradugao Marta Avancini: — Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1993 1, Feminismo 2. Sexo — Aspectos sociais I. Titulo. 93-0632 CDD 305.3 Indices para catdlogo sistematico: 1. Contrato sexual : Sociologia 305.3 2. Homens e mulheres : Papdis sexuais : Sociologia 305.3 3. Mulheres c homens : Papéis sexuais : Sociologia 305.3 Dircitos adquiridos pela EDITORA PAZ E TERRA S.A. Rua do Triunfo, 177 01212 - Sao Paulo - SP Tel.: (011) 223-6522 Rua So José, 90 - 11.° andar - cj. LLLL 20010 - Rio de Janciro - RJ Tel: (021) 221-4066 que se reserva a propricdade desta tradugao. Conselbo Editorial Antonio Candido Celso Furtado Fernando Gasparian Fernando Henrique Cardoso 1993 Impreso no Brasil / Printed in Brazil 7 O que ha de errado com a prostituicao? No patriarcado moderno existe uma variedade de meios pelos quais os homens mantém os termos do contrato sexual. O contrato de casamento ainda é fundamental para o direito pa- tiarcal, mas o casamento ¢ atualmente apenas um dos caminhos sociais, dentre os aceitaveis, para os homens terem acesso sexual aos corpos das mulheres. Ligagdes de sexo casual ¢ “viver juntos” nem de longe implicam as sangGes sociais de vinte ou trinta anos atrds, e, além dos arranjos privados, h4 um enorme e miliondrio comércio de corpos femininos. A prostituigdo é parte integrante do capitalismo. Nao se colocam mais as esposas em um leilao publico —- embora na Austrdlia, nos Estados Unidos e na Gra- Bretanha seja possivel adquirir mulheres filipinas pelo correio —, mas os homens podem comprar o acesso sexual aos corpos das roulheres no mercado capitalista. O direito patriarcal esta clara- mente corporificado na “liberdade de fazer contratos”. As prostitutas esto facilmente acessfveis, em todos os niveis do mercado, a qualquer homem que possa pagar por seus servi- gos e elas comumente sfo oferecidas como parte de transagdes cometciais, polfticas e diplomaticas. Apesar disso, o cardter pii- blico da prostituigao ¢ menos explicito do que poderia ser. Como outras formas de empreendimento capitalista, a prostituigao é encarada como um empreendimento privado, e o contrato entre 279 diente e prostituta € visto como um acordo particular entre com- prador e yvendedor. Além disso, a prostituigao € mantida em s+ gilo, apesar de sua escala industrial. Em Birmingham, uma c- dade inglesa com aproximadamente meio milhao de habitantes, cerca de 800 mulheres trabalham como prostitutas de rua, ou ems casas e hotéis, “saunas”, “casas de massagem” e “agéncias de acom- panhantes”. Quase 14 mil homens compram seus servicos a cada semana, ou seja, cerca de 17 homens para cada prostituta.” Uma demanda quase igual foi registrada nos Estados Unidos, e 0 nu- mero total de clientes por semana, em todo o pais, numa estimz tiva conservadora, é de 1500 000 homens.” Calcula-se que cerca de US$ 40 milhdes-sdo gastos por dia com a prostituigao nos Estados Unidos.’ O sigilo existe, em parte porque onde 0 ato da prostituigao em si n4o é ilegal, as atividades associadas a ele, tais como o aliciamento de homens em locais puiblicos, freqiient2- mente o séo. Grande parte do carter criminal do negécio ca prostituicao nao ¢, no entanto, o tinico motivo para o sigila. Nem todos os homens querem que se fique sabendo que eles compram esse tipo de mercadoria. Ser descoberto tendo relagdas com uma prostituta ainda pode, por exemplo, ser a ruina dos politicos. Dados empfricos demonstram que 3/4 dos clientes das prostitutas sio homens casados. Certamente, as prostitutas de Bir- mingham percebem uma diminuigSo das transagdes nos periodos de férias, quando os homens esto fora da cidade, com suas mu- lheres e filhos.* A sujeigao sexual das esposas nunca deixou de ser defer- dida, mas até bem recentemente era diffcil encontrar uma defesa incondicional da prostituicdo. Esta era encarada, por exemple, como um mal necessdrio que protegia as jovens do estupro ¢ protegia o casamento ¢ a familia dos desvarios do desejo sexual dos homens; ou como uma conseqliéncia lamentdvel da pobreza e das restrigdes sociais enfrentadas pelas mulheres que tinham de se sustentar; ou era aceita como nio sendo pior, mas mais ho- nesta até, do que a “prostitui¢do legal”, como Mary Wollstone- 280 craft chamou o casamento em 1790.’ Como prostitutas, as mu- theres comercializam abertamente seus corpos e, como trabalhadoras — mas diferentemente da esposa —, recebem por isso. Assim, para Emma Goldman, “é simplesmente uma questo do grau em que uma mulher se vende a um homem, dentro ou fora do casa- mento, ou a varios homens”.® Simone de Beauvoir encara a es- posa como “contratada pela vida toda por um homem; a prosti- tuta tem varios clientes que pagam a ela pelos seus servigos. Uma é protegida por um tinico homem contra todos os outros; a outra é defendida por todos contra a tirania exclusiva de cada um”.’ Cicely Hamilton observou, em 1909, que embora as mulheres fossem impedidas de barganhar livremente no tnico comércio legitimamente aberto a elas, o casamento, clas podiam exercer essa liberdade em seu comeércio ilegitimo; “a classe das prostitutas [...] levon ao seu resultado légico o princfpio de que as mulheres existem em virtude de um saldrio pago em troca da posse de suas pessoas”. Uma mudanga radical acontece atualmente nas discussdes sobre a prostituicio, que ¢ defendida indiscriminadamente pelos contratualistas. Os termos da defesa ilustram mais uma vez a fa- cilidade com que algumas discussdes feministas ocupam o ter reno contratualista. Muitas discussdes feministas recentes concor- dam que a prostituigio ¢ simplesmente um trabalho e que a prostituta é uma trabalhadora, como qualquer outro trabalhador assala- riado, As prostitutas deveriam, portanto, ter direitos sindicais, e as feministas freqiientemente encaminham propostas para que as trabalhadoras controlem a indiistria sexual. Argumentar dessa maneira nao € necessariamente defender a prostituigao — pode- se defender os direitos sindicais, a0 mesmo tempo em que se reivindica a abolicio do trabalho capitalista assalariado — mas, na falta de um argumento contrario, 0 que se sugere implicitamente em muitas discussdes feministas é que, se a prostituta é uma sim- ples trabalhadora, dentte outras, a conclusio adequada é que nfo hé nada de ettado com a prostituigfo. Em tiltima instincia, a discus- 281 sio deixa implicito que nao h4 nada de errado com a prostituigio que no seja errado da mesma forma em outros tipos de trabalho. Essa conclusio depende dos mesmos pressupostos da defesa contratualista da prostitui¢io. Os contratualistas argumentam que uma prostituta contrata um certo tipo de capacidade de trabalho, durante um certo perfodo, em troca de dinheiro. H4 uma troca voluntdria entre a prostituta ¢ o cliente, ¢ o contrato de prostitui- gao € exatamente como — ou ¢ um exemplo de — 0 contrato de trabalho. Da perspectiva do contrato, a prostituta detém a pro- priedade em sua pessoa e contrata parte dessa propriedade no mercado. Uma prostituta ndo vende a si mesma ou mesmo seus érg’os sexuais, como normalmente se admite, mas contrata o uso de servigas sexuais, Nao hd diferencas entre uma prostituta e qual- quer outro trabalhador ou prestador de servigos. A prostituta, como outros “individuos”, esta numa relagio de exterioridade com a propriedade em sua pessoa. A teoria do contrato, por tanto, parece dar uma resposta convincente As famosas criticas e objegSes & prostituigao, Por exemplo, para os contratualistas, a objegao de que a prostituta é desonrada ou degradada por causa de seu negécio nao apreende a natureza do que ¢ negociado. O corpo ¢ o ser da prostituta nao séo oferecidos no mercado; ela pode contratar o uso de seus servicos sem danos para ela mesma. Pode-se dizer, agora, as feministas que argumentam que a prosti- tuta € um exemplo tfpico da sujeicio das mulheres aos homens, que essa viséo € um reflexo de atitudes antiquadas em relacio ao sexo, difundidas pela propaganda masaulina e pelo antigo mundo da subordinacio feminina.” Os contratualistas proclamam até que as “pessoas tém o direito humano de se engajarem no sexo comercial”.” Os defensores da prostituic¢ao admitem que sfo necessdrias algumas mudangas na industria tal como ela existe atualmente, a fim de que um mercado propriamente livre de servicos sexuais funcione. Contudo, eles insistem que a “prostituigio segura” ¢ possivel — a expresso é de Lars Ericcson.’* A idéia de prostitui- gao segura ilustra a mudanga radical que aconteceu nas discus- 282 sées sobre a prostituicao. A defesa contratualista é agora um ar- gumento universal. A prostituigio é defendida como um comércio de que qualquer um pode participar. A liberdade de contratar ¢ a igualdade de oportunidades exigem que o contrato de prostitui- ¢Ao esteja aberto a todos e que qualquer individuo possa comprar ou vender servicos no mercado. Qualquer um que necessite de servigo sexual deve ter acesso ao mercado, seja homem ou mu- ther, jovem ou velho, preto ou branco, feio ou bonito, aleijado ou deficiente. A prostituigio funciona como um tipo de terapia — “é natural o papel da prostituta como um tipo de terapeuta”” —, ou como um tipo de servigo social ou de enfermagem (cui- dando “da higiene intima de pacientes incapacitados”).” Ninguém ser4 deixado de fora por causa de uma postura inadequada erm relagZo ao sexo. Uma corcunda ou um corcunda sempre encon- trarao um prestador de servicos.'* Uma defesa universal da prostituigio pressup6e que um prostitute pode ser de ambos os sexos. As mulheres devem ter as mesmas oportunidades que os homens de adquirir servigos se- xuais no mercado. Quem se prostitue ¢ normalmente retratado como uma mulher (“a prostituta”) ¢, de fato, a maioria dos pros- titutos constitui-se de mulheres. Entretanto, para os contratualis- tas, essa ¢ uma caracteristica acidental da prostituigio; para que a prostituigio segura fosse institufda, o status e a definicSo sexual atribufda as duas partes — o homem como comprador ¢ a mu- lher como prestadora de servicos ~— seriam substituldos pelo con- trato, por uma relacdo entre dois “individuos”. Uma pequena reflexiio sobre a histéria do contrato sexual sugere que h4 um problema fundamental na tentativa de universalizagao da prosti- tuicéo. As vezes aparecem relatos em que, em grandes cidades como Sidney, trabalham alguns prostitutos heterossesexuais — a velha figura do gigold pertence a um contexto muito diferente .-, mas eles ainda so poucos. Prostitutos homossexuais, por outro lado, nio sio incomuns, e, segundo a perspectiva do con- trato, eles n30 sao diferentes das prostitutas. A histéria do 283 contrato sexual revela que hd um bom motivo para “a prostituta™ ser uma figura feminina. A histéria € sobre relagdes heterossexuais — mas ela tam- bém fala da criacdo da fraternidade e de suas relacSes contratuais. As relagSes entre os membros da fraternidade esto fora do es- copo dessa discussio, mas, como Marilyn Frye observou, “ha uma espécie de ‘tabu do incesto’ construfdo dentro da masculini- dade normal”.” O tabu ¢ necessdrio; dentro dos vinculos da fra- ternidade existe sempre a tentacSo de transformar 2 relaco em algo mais do que camaradagem. Mas se os membros da irman- dade ampliassem seus contratos, se eles contratassem a utilizagdo sexual de corpos entre eles préprios, a competicio poderia abalar os fundamentos do contrato original. Da petspectiva do con- trato, a proibigao dessa forma especifica de exercicio da lei do direito sexual masculino é puramente arbitraria, e o fervor com que ela € mantida pelos préprios homens é incompreensivel. A histéria da criacdo origindria do patriarcado moderno ajuda a diminuir a incompreensio. Os contratualistas que defendem um individuo sexualmente neutro, universal, e a prostituigio segura nfo levaram, até onde sei, a Idgica de seus argumentos as ultimas conscqiiéncias. A der- rota final do status e a vitéria do contrato deveriam levar a elimi- nagio do casamento em favor do acordo econdmico da prostituicio generalizada, no qual os individuos participariam de contratos curtos de uso sexual, quando necessdrio. A tinica restricio legf- tima a esses contratos seria a nfo disposicgo da outra parte em tornar esses servigos disponiveis; o sexo desta parte setia irrelevante. A idade também nio consistiria numa limitagdo, mas 20 menos um con- tratualista se apoiaria no antipaternalismo verdadeiro, nesse aspecto, 6 Qualquer discussio sobre a prostitui¢io estd repleta de pro- blemas. Embora os contratualistas neguem atualmente qualquer importancia politica ao fato de a maioria dos prostitutos ser de mulheres, um grande problema é que, em outras discussdes, a prostituigao é invariavelmente encarada como um problema rela- 284 tivo & prostituta, um problema relative as mulheres. A apreensio da prostituigio como um problema relativo as mulheres esta tio profundamente assentada que € provavel que qualquer critica 4 prostituigiio provoque as acusagdes que os contratualistas con- tempordneos fazem contra as feministas; a critica da prostitui¢éo revela o desprezo pelas prostitutas. Argumentar que hd algo de errado com a prostituigao ndo implica necessariamente um julga- mento desfavoravel das mulheres que fazem esse trabalho. Quando os socialistas criticam © capitalismo e o contrato de trabalho, eles nao o fazem porque desprezam os trabalhadores, mas porque eles sio os defensores dos trabalhadores. Contudo, o recurso 4 idéia de falsa consciéncia, comum ha alguns anos, sugeria que 0 pro- blema do capitalismo era um problema com os trabalhadores. Reduzir o problema do capitalismo as deficiéncias de consciéncia dos trabathadores desvia a atengao sobre o capitalista, o outro participante do contrato de trabalho. Do mesmo modo, a supo- sigfo patriarcal de que a prostituicio seja um problema referente as mulheres garante que o outro participante do contrato de prostituigao nao seja analisado. Uma vez que a histéria do contrato sexual ¢ contada, a prostituigao pode ser encarada como um problema referente aos homens. O problema da prostituigao torna-se entfo envolvido na questao de por que os homens rei- vindicam que os corpos das mulheres sejam vendidos no mer cado capitalista. A histéria do contrato sexual também dé a res- posta; a prostituigao faz parte do exercicio da lei do direito sexual masculino, uma das maneitas pelas quais os homens tém acesso garantido aos corpos das mulheres. A critica feminista 4 prostituigao é, as vezes, rejeitada atual- mente sob a alegacdo de que as prostitutas exploram ou enganam seus clientes do sexo masculino; os homens séo apresentados como a parte que sofre os danos, e nfo as mulheres. Para se protegerem, as prostitutas freqiientemente conseguem ter 0 con- trole da transagZo com seus clientes por meio de varios artificios e artimanhas na negociagio. Entretanto, exatamente como acon- 285 tece nas discussdes sobre o casamento, que recorrem ao exemplo dos maridos benevolentes ¢ nfo conseguem diferenciar a relagZo espectfica dos cénjuges da instituiggo do casamento, o mesmo acontece nos casos especificos do contrato de prostituicio — quando a prostituta explora um cliente —, os quais devem ser diferenciados da prostituigio come instituicio social. Na estru- tura da instituigio da prostituicao, as “prostitutas” estZo subme- tidas aos “clientes”, exatamente como as “esposas” esto submeti- das aos “maridos”, na estrutura do casamento. Ha uma vasta bibliografia sobre a prostituigio, incluindo muitos relatos oficiais, ¢ j4 se dedicou bastante atenglo A psicolo- gia e 4 psicopatologia da prostituta. Em 1969, um panfleto am- plamente difundido por oficiais de justica na Gri-Bretanha fa- lava sobre a “prova de que a prostituicgo € uma manifestagic tegressiva € primitiva”; e um relato do Departamento de Imigra- 40, em 1974, afirmava que “o modo de vida de uma prostituta é uma fejeigio tao grande aos costumes sociais normais que pode ser comparado ao do viciado em drogas.”"” Também se presta muita ateng3o aos motivos pelos quais as mulheres se tornam prostitutas. As’ evidéncias sugerem que nfo hé4 nada de misteriose sobre os motivos pelos quais as mulheres se prostituem. Jn extre- mis, as mulheres podem vender seus corpos por comida, como a joven desempregada do século XIX, a quem se perguntou (a autor de Minha vida secretd): “Por que voc deixa os homens foderem vocé?” Ela respondeu que “por pies de lingiiica”, mas que também o permitiria por “tortas de carne e massas”.'* Mais genericamente, a prostituicio possibilita que as mulheres ga- nhem mais do que ganhariam na maioria dos trabalhos abertos 2 elas no capitalismo patriarcal. Entre 1870 e 1880, as mulheres, em campanha contra os Atos das Doengas Contagiosas na Asso- ciagio Nacional das Senhoras, na Gri-Bretanha, argumentavam que a prostituigdo era a industria que melhor remunerava as mu- theres pobres. Em 1980, uma pesquisa empirica mostrou que as prostitutas brit4nicas ganhavam muito mais do que a maioria das 286 | trabalhadoras, ¢ estavam na faixa de saldrios médios e altos, dentre os trabalhadores homens.” O filme americano Working Girls ilustra a atragdo que a prostituigdo exerce sobre as mulheres jo- vens de classe média com educagao superior, € que querem ga- nhar muito dinheiro em pouco tempo. As prostitutas também se relacionam o grau de independéncia e a flexibilidade que o tra- balho permite, e a relativa facilidade com que a prostituigdo pode ser combinada com o trabalho doméstico e com o cuidado das criangas. O vicio em drogas também é um importante motivo por que as mulheres se tornam prostitutas. As causas pelas quais as mulheres se prostituem sao relativa- mente simples, mas o que se qualifica de prostituiggo é menos claro. A maioria das discussées da por certo que o significado de “prostituigéo” é claro; “nés temos uma idéia do que queremos dizer com esse termo”.”° Tracar a linha entre amadoras e mulhe- res engajadas na profisséo, em nossa sociedade, nfo é sempre facil, pois perfis especificos e situados em diversos periodos histéricos acabam por ser reunidos num mesmo conglomerado. A respeito, uma das idéias mais persistentes é que a prostituigio (como o patriarcado) constitui um trago universal da vida humana em sociedade, entendimento muito bem expresso pelo cliché, “a mais antiga profissio”. O cliché ¢ usado para se referir a um largo espectro de processos culturais, abrangendo desde tempos re- motos até o presente e reunindo tudo o que se convencionou. chamar de “prostituigéo”. Assim, por exemplo, um. contratualista defensor da prostituiggo pergunta o que “a prostituigdo comercial, no sentido modemo”, desenvolveu desde 0 antigo templo da prosti- tuigdo sagrada.”* O mesmo significado social € atribuido a ativi- dades tio dispares quanto, digamos, a prostituigio religiosa na Antiga Babilénia, a venda de corpos de mulheres carentes em troca de comida para elas préprias ¢ seus filhos, a “escraviddo branca”, os bordéis para as tropas, a oferta de mulheres aos des- cobridores brancos, as maisons dabattages ou a prostituigao ma- laya, cm Nairdébi.” Nao é evidente que todas essas praticas so- 287 ciais tenham a mesma importdncia que o contrato de prostituicéo do capitalismo patriarcal. De fato, estudos recentes feitos por his- toriadoras feministas mostram que a prostituigio, no sentido contemporaneo — a forma de prostituiggo que tora possivel a defesa contratualista da prostituigao segura — ¢ um fendmeno histérico e cultural distinto, que se desenvolveu na Gri-Bretanha, nos Estados Unidos e na Austrdlia, por volta do final do sécule XTX e do final do século XX. Nao ha nada de universal na prostituigio como um grupe espectfico de trabalhadores assalariados especializados em. deter- minado tipo de tzabalho, ou na prostituigéo como uma ocupacao ou uma profissio especializada, dentro da divisio capitalista do trabalho. Até o final do século XIX, nesses tras paises, as prosti- tutas faziam parte da mio-de-obra pobre temporaria. As mulhe- res dessa classe entravam e safam da prostituicdo, como entravam e safam de outras formas de trabalho. As prostitutas no eram encaradas como um tipo especial de mulheres, nem eram isola- das dos outros trabalhadores ou de outras comunidades da classe trabalhadora; nao existia uma “profissio” especializada da prostitui- gao. Na Gra-Bretanha, por exemplo, a prostitui¢io, no sentido contemporaneo, derivou dos Atos das Doengas Contagiosas (1864, 1866, 1869). Nesses Atos, as mulheres das cidades militares po- diam ser classificadas como “prostitutas comuns” por policiais & paisana, eram submetidas obrigatoriamente a exames ginecolégi- cos por causa das doencas venéreas e, se estivessem infectadas, eram confinadas em hospitais de isolamento. Uma grande cam- panha politica, na qual as mulheres se destacaram, foi feita em reptidio aos Atos. Recusando a idéia de que a defesa da higiene publica exi- gisse a inspegio regular de marinheiros ¢ soldados, bem como das mulheres por causa das doengas venéreas, o relatério de uma Comissio Real sobre os Atos afirmava que “nfo se pode compa- rar as prostitutas e os homens que tém relagSes com elas. No Primeiro sexo, o delito ¢ cometido por dinheiro; no segundo, ¢ 288 um prazer nfio-ortodoxo de um instinto natural.”** As militantes, tais como Josephine Butler, reconheceram que havia muito mais em questéo do que as “duas medidas” da moral sexual, a tinica moral compativel com o contrato sexual. Ela argumentava que todas as mulheres estavam envolvidas nos Atos, ¢ que elas nado deveriam aceitar que a seguranga e a respeitabilidade privadas da maioria das mulheres dependessem de um “tipo de escravas’, de prostitutas disponiveis publicamente. Butler escreveu mais tarde para sua irm& que “mesmo que n&o tenhamos a solidariedade que nos faca sentir que as correntes que aprisionam nossas irmas escravizadas também nos prendem, nao podemos fugir ao fato de que somos um tinico sexo, solidaire, ¢ que, enquanto elas estive- rem presas, nés nao seremos completa ¢ verdadeiramente livres”.” Para as feministas que lutavam contra os Atos, a prostituigZo rep- resentava a mais violenta forma de dominagio sexual das mulhe- res pelos homens. Entretanto, as quest6es feministas desapareceram em meio ao movimento social puritano desenvolvido na Gré-Bretanha a par- tir de 1880, e colaborou para a aprovacdo do Ato de Emenda da Lei Criminal, em 1885, que deu a policia maior autoridade sobre as mulheres pobres. Na mesma época em que os Atos das Doen- cas Contagiosas foram revogados, mais precisamente em 1886, o carater da prostituigio j4 estava mudando e o negécio estava se “profissionalizando”. Foi dificil para as mulheres classificadas nos Atos como prostitutas de rua terem seus nomes removidos dos registros, ou, conseqtientemente, encontrarem empregos. As mu- theres normalmente alugavam quartos em bordéis ou estalagens de alta rotatividade, ditigidos por mulheres com familias para sustentar, que também aceitavam outros locatdrios, além das prosti- tutas. O Ato de 1885 deu & polfcia poderes para fechar os bor- déis, os quais foram sistematicamente fechados entre 1890 e 1914, e poderes coritra 0 aliciamento publico de homens. As prostitutas recorreram aos c4ftens pata se protegerem. A prostituicio deixou de ser controlada por mulheres e passou a ser controlada por 289 homens; como Judith Walkowitz observa, “havia entéo uma ter- ceira parte com grandes interesses no prolongamento da perma- néncia das mulheres nas ruas”,** Em Nova Gales do Sul, Austrdlia, a climinagdo da prostitui- ¢4o independente tomou um outro caminho. Diferentemente das outras colénias britanicas, a Nova Gales do Sul n&o sancionou uma legislacio contra as doengas contagiosas, nem seguiu o Ato de 1885. A legislacio foi introduzida em 1908, visando o alicize mento de homens nas ruas, a caftinagem ¢ a manutencdo de bordéis e, de acordo com Judith Allen, o objetivo da estratégia policial era a abolic&o dos aspectos mais vislveis da prdstituicio. O resultado foi a impossibilidade de as prostituras independentes continuarem a trabalhar; “o trabalho da prostituta tornow-se es- truturalmente proletarizado”.”’ As prostitutas foram forgadas a se voltarem para redes de crime organizado ou para ciftens empre- gados por esses criminosos. Uma conseqiiéncia semelhante foi provocada pelas grandes campanhas contra a prostituicao durante 2 era progressista nos Estados Unidos. Ruth Rosen sintetiza as mu- dangas, que inclufram a transfertncia do controle do negécia “das madames e das préprias prostitutas para os caftens e os sindicatos do crime organizado. [...] A partic de entao, a prostituta rara- mente trabalhava como agente independente. Além disso, ela en- frentou o aumento da violéncia, nao sé por parte da policia, mas também de seus novos ‘patrées”.* Uma vez ptofissionalizada, = prostituigéo se transformou numa importante industria capita- lista, com a mesma estrutura de outras indtistrias capitalistas, com as ptostitutas trabalhando em uma ocupacio controlada por ho- mens, Por exemplo, em Birmingham, a maioria das prostitutas tem um rufidéio — cdften — e as “saunas” e outros estabelecimen- tos do tipo geralmente pertencem a homens ou sio ditigidos por eles. Poucas prostitutas se tornam gerentes ou “fazem empreendi- mentos comerciais com outras mulheres para o beneficio muituo”” A alegacao de que a prostituiczo é uma caracterfstica uni- versal da sociedade humana nfo se apéia unicamente no cliché “a 290 mais antiga profissio do mundo”, mas também no pressuposto amplamente mantido de que a prostituigdo se origina da necessi- dade sexual natural dos homens. Existe um instinto natural (masculino) e universal que, supde-se, necessita, ¢ sempre neces- sitara, da valvula de escape fornecida pela prostituigdo. Atual- mente, quando os argumentos de que o sexe fora do casamento é imoral perderam a forga, os defensores da prostituigio freqiiente- mente a apresentam como um exemplo de “sexo sem amor”, ou de satisfagio dos desejos naturais.” O argumento, no entanto, é um non sequitur. Defensores do sexo sem amor, ¢ do que jé foi chamado de amor livre, sempre supuseram que a relagdo estivesse baseada na atragao sexual mitua entre um homem e uma mulher e envolvesse a satisfacdo fisica mtttua. O amor livre e a prostitui- ¢ao sao pélos distintos. A. prostituigao é a utilizagao do corpo de uma mulher por um homem para sua prépria satisfacio. Nao ha desejo ou satisfagdo por parte da prosticuta. A prostituigao nao ¢ uma troca ptazerosa e reciproca da utilizagao dos corpos, mas a utilizacio unilateral do corpo de uma mulher por um homem, em troca de dinheiro. Que a instituigo da prostituigdo possa ser apresentada como uma extensSo natural do instinto humano, e possa ser equiparado o sexo sem amor A venda dos corpos das mulheres no mercado capitalista, sé é possivel porque uma ques- tio importante estd presente: por que os homens reivindicam que a satisfacio de um desejo natural tome a forma de acesso puiblico aos corpos das mulhetes no mercado capitalista, em troca de dinheiro? No raciocinio que vé a prostituigao como mera expressao de um desejo natural, é inevitdvel a comparagdo entre a prostituigao e o fornecimento de alimentos. Afirmar que “todos nds precisa- mos de alimentos, portanto os alimentos tém que estar disponi- veis para nds. [...] E desde que nossos desejos sexuais sfo tio essenciais e tio fortes quanto nosso desejo por comida, isso tam- bém se aplica a eles”, nao é levantar um argumento em favor da prostituigao nem em favor de qualquer forma de relacionamento sexual.! Sem um minimo de comida — ou agua, ou habitagdo 291 — aS pessoas morrem mas, ao que eu saiba, ninguém ja morrex por ter desejos sexuais ou em conseqiiéncia deles. Também hi uma diferenca fundamental entre a necessidade humana de co mida e a necessidade de sexo, As vezes nao existe alimento dispo- nivel, mas todas as pessoas tém os meios para satisfazer seus dese- Jos sexuais a mao. Nao h4 uma necessidade natural de se envolver em relagées sexuais para aliviar aflicdes sexuais. Obviamente, tal- Vez existam restrigdes culturais & utilizacio desse meio, mas 0 que se entende por comida também é culturalmente varidyel, Em ne- nhuma sociedade 0 modelo de produgiio e de consumo dos ali- mentos, ou o modelo de relagdes entre og sexos, derivam direta- mente — sem mediag&o cultural — do fato natural de que todas os humanos sentem fome e tém instintos sexuais, A conseqiién- cia das restrigSes e proibicdes sexuais geralmente sio menos de- sastrosas do que os interditos alimentares, Outro problema em se discutir a Pprostituigao no final de século XX patriarcal ¢ que geralmente se supGe serem ébvias as atividades que se enquadram no rétulo “prostituiggo”. A prosti- tuigao faz parte atualmente de uma indiistria internacional do sexo que inclui a difuséio em massa de livros e filmes pornografi- cos, a ampla oferta de clubes de Sirip-tease e peep shows e a venda, a homens, de excursGes sexuais a patses pobres do Terceira Mundo. A exposigéo generalizada dos compos e Srgfos genitais femininos, scja em representacdo ou ao vivo, é fundamental para a industria do sexo ¢ lembra continuamente aos homens — e¢ 2s mulheres — que os homens exercem a lei patriarcal do direira sexual masculino, e de acesso aos corpos das mulheres. A histériz do contrato sexual original ajuda a classificar quais dentre a varie- dade de atividades da industria do sexo sio corretamente chama- das de “prostituicéo”. Por exemplo, a satisfagio de um simples desejo sexual nao exige que o homem tenha acesso ao corpo de uma mulher; qual ¢, entio, a importancia do fato de que entre 15% e 25% dos clientes das prostitutas de Birmingham pedirem © que é conhecido no mercado como “alivio manual”?* 292 A histéria do contrato sexual sugere que essa ultima de- manda faz parte da construgao do que significa ser homer, parte da expressio contempordnea da sexualidade masculina. A satisfa- cio dos impulsos sexuais masculinos tem que ser obtida por meio do acesso a uma mulher, mesmo se seu corpo nao for utilizado de forma direta. Seja ou nao o homem potente e queira ou néo encontrar alivio por outras formas, ele poderd exibir sua masculi- nidade ao contratar a utilizagdo do corpo de uma mulher. O contrato de prostituigéo ¢ outro exemplo de um contrato sexual “original” concreto. A exibicio modelar da masculinidade ¢ 0 engajamento no “ato sexual” (portanto, a venda des corpos dos homens para fins homossexuais n3o tem o mesmo significado social). A instituigio da prostituigdo assegura que os homens pos- sam comprar “o ato sexual” e assim exercerem seu diteito patriar- cal. As atividades que, acima de tudo, podem ser corretamente chamadas de prostituigao sio “o ato sexual” e as atividades a ele associadas, tais como “o alfvio manual” e o sexo oral (felagao), pelas quais hé uma grande demanda.” Algumas das confusdes mais comuns nas discussédes sobre a prostituigio poderiam ser evitadas se outras atividades fossem encaradas como parte da in- ctistria mais ampla do sexo. O mercado abrange uma grande demanda por “servidao e disciplina”, ou contratos imagindrios de escraviddo. A difusio comercial em massa da maioria das relagdes de forga e dos stmbolos de dominag’o ¢ uma evidéncia do poder e do génio do contrato, o qual proclama que um contrato de subordinagio é liberdade (sexual). Desde os anos 70 as prostitutas tém-se organizado nos Esta- dos Unidos, na Gra-Bretanha e na Australia — e o Comité Inter nacional dos Direitos das Prostitutas fez o Segundo Congresso Mundial das Prostitutas em 1986 — a fim de melhorar suas con- digdes de trabalho, combater a hostilidade e a violéncia, e tam- bém para pressionar em favor da descriminalizagao da prostitui- cdo. Em suma, as prostitutas esto lutando para ser reconhecidas como trabalhadoras numa ocupag’o que n&o tem garantia e pro- 293 tegZo sindical. A prostituta é uma mulher e, portanto, compar- tilha com todas as mulheres em empregos remunerados uma po- sig incerta como “trabalhador”. Mas a prostituta néo é exatamente como qualquer outra mulher que trabalha; sua posig&o é ainda mais incerta. A prostituigdo € encarada como sendo diferente das outras formas de trabalho feminino e, particularmente na extre- midade inferior do mercado, as prostitutas sao diferenciadas das outras mulheres que trabalham —- quase todo mundo ¢ capaz de visualizar “a prostituta” aliciando homens nas ruas, com suas roupas, sett comportamento e coraco de ouro caracterfsticos. As defesas contratualistas da prostituigio atribuem a nao-aceitagio da prostituta como uma trabalhadora ou prestadora de servicos a hipocrisia e as posturas distorcidas em tomo das relacGes sexuais. Certamente, a hipocrisia ¢ grande ¢ as atitudes irracionais sido abundantes em torno da questao da prostituicio, como A profis- so da sra, Warren, de George Bernard Shaw, revelou h4 algum tempo. Entretanto, a refertncia & hipoctisia é incapaz de apreender as emog6es com as quais alguns homens encaram as prostitutas. As prostitutas so assassinadas porque elas sio encaradas como fonte de sujeira e os assassinos podem se tornar famosos, como Jack, o estripador. Menos dramaticamente, as prostitutas correm todos os dias 0 risco considerdvel de sofrer danos fisicos por parte de seus clientes, especialmente se elas trabalham nas ruas. Eileen McLeod concluin que, em Birmingham, “quase sem excegao, as prostituras com quem tive contato sofreram algum tipo de violéncia fisica grave por parte de seus clientes”. As prostitu- tas ndo s4o, obviamente, as tinicas trabalhadoras que enfrentam riscos fisicos em seus trabalhos. Faz-se pouca publicidade sobre o grande ntimero de trabalhadores que so mortos ou acidentados, a cada ano, nos locais de trabalho, por causa da auséncia, da inadequagio ou da nao-aplicacio das regras de seguranga, ou pela realidade de acidentes profissionais. Esses acidentes, contudo, ndo ocorrem porque o trabalhador é uma mulher. Os contratua- listas nao esto sozinhos na negacao da importancia do fato de as 294 prostitutas serem mulheres. Além de alguns estudos ferninistas, é dificil encontrar discussdes que reconhegam que a prostituicao faca parte da estrutura patriarcal de nossa sociedade. A esquerda ea direita, bem como algumas feministas, compartilham o pres- suposto de que o trabalho da prostituta é exatamente como qual . quer outro trabalho remunerado. A prostituta simplesmente tra- balha cm uma profissie diferente e oferece um tipo diferente de servigo — tipo de capacidade de trabalho — daquela oferecida por um mineiro cu um eletricista, uma secretdéria ou um monta- dor de produtos eletrénicos. Assim, nfo surpreende que a critica & prostituigZo seja ent4o expressada em termos econdmicos. Por exemplo, o argumento de que as prostitutas sdo forgadas por ne- cessidades econémicas a ingressar no negécio é muito antigo. O ptoblema da prostituigdo ¢ comumente apresentado como decor- réncia da participacdo involuntdria das mulheres, em contraposi- cdo as condigGes de participagdo nos contratos de trabalho ou de casamento. Portanto, Alison Jaggar afirmou que “é a coergSo eco- némica subjacente & prostituigao [...] que garante a objegio femi- nista basica A prostituigao”. Outro argumento comum, desta vez apresentado pela di- reita religiosa e pela esquerda, entende que o equivoco da prosti- tuigdo esté no fato de permitir a degradagdo e a explorag4o das mulheres engajadas nesse mercado, como ocorre com muitas ou- tras categorias de trabalhadores no sistema capitalista. Nova- mente, o problema da subordinagao é ignorado. Essa compara- cio aparece freqiientemente nas discussées em torno da coergio econémica e da exploragao; em vez de as prostitutas serem enca- radas como trabalhadoras exploradas, supde-se que os trabalha- dores estejam nessa mesma situagao. Criticos marxistas da prosti- tuic¢io tomam como seu lema a afirmag3o de Marx de que “a prostitui¢fo é somente uma expressio especifica da prostituicao geral do trabalhador”.** A prostituicio representa, entdo, a coer- go econémica, a explorago e a alienagio do trabalho assala- tiado. Como disse um critico, “a prostituigio encarna 0 avilta- 295 mento do cidaddo moderno enquanto produtor”.”” © contrato de prostituigfo nao é simplesmente um exemplo do contrato dz trabalho; pelo contrdrio, o contrato de trabalho se torna um con- trato de Prostituigdo. A figura da prostituta pode, portanto, sim- bolizar tudo 0 que estiver errado com o trabalho assalariado. Encarar as prostitutas como um exemplo tipico da explora- go capitalista nao deixa de ser uma ironia. “O trabalhador” ¢ de scxo masculino — embora sua degradagio seja simbolizada por uma representacio feminina, eo capitalismo patriarcal seja retra- tado como um sistema de prostituicao generalizada. O fato de a Prostituta aparecer como simbolo tao ébvio da degradacio de trabalhador assalariado levanta a suspeita de que o que ela vende nao € exatamente a capacidade de trabalho contratada pelos ou- tros trabalhadores. Se a prostituicio é um trabalho exatamente no mesmo sentido de qualquer outro emprtego remunerado, entZo a condi¢ao atual da prostituta sé pode ser atribufda, como insis- tem os contratualistas, A proibicio legal, & hipocrisia e as idéias ultrapassadas sobre o sexo. A histéria do contrato sexual d4 uma outra explicagdo para a diferenca entre a prostituigéo ¢ os outros trabalhos remunerados, nos quais predominam as mulheres. O contrato de prostituigio é um contrato feito com uma mulher €, portanto, nfo pode ser igual ao contrate de trabalho, um con- trato entre homens. Apesar de o contrato de Prostituicdo ser selado no mercado capitalista, ele ainda difere em alguns aspectas significativos do contrato de trabalho. Por exemplo: 0 trabalhador sempre entra em um contrato de trabalho com o capitalista. Se a prostituta fosse um trabalhador qualquer, 0 con- trato de prostituig¢io também envolveria sempre um capitalista embora normalmente o homem que participe do contrato seja um trabalhador. Seria possfvel supor, como objegao, que a prostituta de uma “casa de massagens” seria uma trabalhadora assalariada, que ti- vesse ingressado no contrato de trabalho. Verdade, mas 0 con- trato de prostituigio nao € um contrato de trabalho. E um diente 296 de sexo masculino que participa do contrato de prostituigao, € nao um patrao. A prostituta pode ou nfo ser uma empregada assalariada (trabalhadora); algumas prostitutas podem ser “mais apropriadamente descritas como pequenas empresdtias”.”* A dife- renga, entretanto, é irrelevante para o problema da caracterizagio da prostituig%o; cla seria um trabalho e uma troca voluntarios, ou uma exploragio ou um tipo especifico de subordinagio? Seja a prostituta uma trabalhadora ou uma pequena empresdria, ela deve ser encarada como alguém que contrata a sua capacidade de trabalho ou de servigos para que o contrato de prostituigéo tam- bém seja encarado como um contrato de trabalho. Da perspec tiva do contrato, o contrato de trabalho € infinitamente ¢ldstico, abrangendo desde a escraviddo civil pela vida toda até 0 contrato de prostituigao de curta duragéo num bordel para tropas milita- res ou trabalhadores imigrantes. Nao importa se a prostituta € uma trabalhadora livre ou explorada, ou uma pequena empresd- ria, mas sim que a capacidade de trabalho ou os servigos sejam contratados, Como Ericcson afirma, uma prostituta necessaria- mente tem que vender “nao seu corpo ou sua vagina, mas servigos sexuais. Se ela realmente vendesse a si mesma, ela nao seria mais uma prostituta e sim uma escrava sexual”? Mais precisamente, ela se assemelharia a uma escrava da mesma maneira que um trabalhador — um escravo assalariado — se assemelha ao escravo. A capacidade de trabalho ¢ uma fic- co politica. O capitalista nado contrata e nfo pode contratar a utilizacio dos servigos ou a capacidade de trabalho do proletdrio. O contrato de trabalho dé ao patrao o direito de controlar a utilizacio do trabalhador, ou seja, o ser, a pessoa e 0 corpo do trabalhador durante o periodo estabelecido no contrato de tra- balho. Do mesmo modo, os servigos de uma prostituta nfo podem ser prestados a nZo ser que ela esteja presente; a propriedade na pessoa, diferentemente das proptiedades materiais, nao pode ser separada de seu dono. O “john”, o “cliente”, o homem que con- trata a utilizacio dos servigos da prostituta, tal como o emprega- 297 dor, adquire 0 dom{nio sobre a utilizagdo de sua pessoa ¢ de seu corpo pelo perfodo de duracio do contrato de Prostituigio — mas nesse ponto sucumbe a comparagio entre a escravidio assa- lariada ¢ a prostitua, 0 contrato de trabalho e 0 contrato de prostituigao. O capitalista nao tem um interesse inttinseco no corpo e ne ser do trabalhador ou, pelo menos, nfo o mesmo tipo de inte- resse que o homem que participa do contrato de prostituigao. O patrao esta intetessado principalmente nas mercadorias produzi- das pelo trabalhador, isto é, no lucro. O cardter peculiar da rela- g40 entre o dono da capacidade de trabalho e sua propriedade implica a necessidade de o Ppatrao organizar trabalhadores (corpo- tificados) e forcd-los ou induzi-los a trabalhar, a fim de que pro- duzam as mercadorias com suas maquinas e outros meios de pro- ducio. Mas 0 patrio pode substituir o trabalhador por mdquinas, e freqiientemente o faz ou, nos anos 80, pode substitut-lo por robés ¢ outras mdquinas computadorizadas. De fato, os patrées preferem as mdquinas aos trabalhadores porque as mdquinas sic escravos totalmente fiéis; elas sdo incapazes de se insubordinar, de resistir As ordens do patrio ou de se reunir em sindicatos e em associagGes revoluciondrias. Por outro lado, se o patrio substituir todos os seus empregados por mquinas, cle se tornar4 um mere proprietario. O patréo tem interesse nos trabalhadores como seres pois, sem eles, deixard de ser um senhor e perdera o prazer de dominar os subordinados. Diferentemente dos patides, os homens que participam do contrato de prostituigdo somente 1¢m um tnico interesse: a Ppros- tituta e seu corpo. Existe um mercado de substitutos dos corpos das mulheres, em forma de bonecas inflaveis, mas, diferente- mente das mdquinas que substituem o trabalhador, as bonecas séo anunciadas como “iguais as reais”. As bonecas sZ0 um substi- tuto literal para as mulheres, ndo um substituto funcional como a maquina instalada no lugar do trabalhador. Até um substituto de plastico da mulher pode dar ao homem a sensagio de ser um 298 senhor pattiarcal. Na prostituigio, o corpo da mulher e o acesso sexual a seu corpo sAo os objetos do contrato. Ter corpos a venda no mercado, enquanto corpos, é muito parecido com a escravi- dao. Representar a escravidao assalariada através da figura da prostituta, em vez da figura do trabalhador de sexo masculino nao é, portanto, totalmente inadequado. Mas a prostituigao di- fere da escravidio assalariada. Nenhum tipo de capacidade de trabalho pode ser separada do corpo, mas somente por meio do contrato de prostitui¢io o comprador adquire o direito unilateral de utilizagao sexual direta do corpo de uma mulher. Um contratualista responderia, neste ponto, que se est4 en- fatizando demais o corpo. Mesmo que considere o corpo, ern vez dos servigos (como deveria ser), a liberdade moral pode ser man- tida quando a utilizagdo do corpo, ou de drgio do corpo, € con- tratada. O ser ou pessoa n’o sio idénticos ao corpo, de modo que © ser no é prejudicado se a propriedade no corpo € utili- zada. David Richards discorda de Kant, dos marxistas e das femi- nistas, que ele acredita estarem seguindo Kant, nessa questo. Kant condena a prostitui¢ao como um pactum turpe, alugar um érgio do corpo para fins sexuais é transformar-se numa proprie- dade, uma res, por causa da “unidade indissocidvel dos érgaos de uma pessoa”. Kant observa que o homem nfo pode dispor de si mesmo como quiser: Fle nao ¢ propriedade dele mesmo: dizer que ele o € seria contraditério em si mesmo; pois enquanto ele for uma pes- soa ele é um sujeito a quem a posse das coisas pode ser conferida, e se ele fosse propriedade dele mesmo, cle seria uma coisa que poderia possuir [...] ¢ impossivel, ser uma pessoa ¢ uma coisa, o proprietario ¢ a propriedade. Richards argumenta que a condenagio A prostituigao feita por Kant é incoerente, com sua visao mais ampla da autonomia. Eu no tentaria avaliar se ela é mais incoerente do que sua visio 299 do trabalho assalariado ou, particularmente, do contrato de casa- mento, j4 que Richards nao percebe que Kant sustenta o direito patriarcal e, assim, tem que negar que as mulheres sejam pessoas e, portanto, aut6nomas. A incoeréncia de Kant est4 no fato de ele querer restringir 0 cumprimento dos termos do contrato se- xual ds relagSes conjugais; os corpos das mulheres podem ser uti- lizados como uma propriedade por seus maridos, mas as mulhe- tes nfo podem vender seu produto no mercado e receber pelo uso sexual dessa mercadoria. Richards nota que argumentar contra a prostituigao ¢ limitar deliberadamente a liberdade se- xual. A corporificagio do ser nfo impGe restrigdes 4 autonomia moral do individuo. A discussio de Richards est4 baseada numa versao das entidades racionais nao-corporificadas que habitam (um aspecto da) teoria kantiana do contrato e a condicao origi- naria de Rawls. A autonomia é simplesmente “a capacidade de as pessoas avaliarem suas vidas e suas vontades atuais [...] A autono- mia acontece em um certo corpo, fazendo com que a pessoa considere criticamente esse corpo e suas capacidades de decidir sobre o seu tipo de vida.” Em suma, a liberdade é a capacidade ilimitada de um proprietdtio (entidade racional), relacionado ex- teriormente com a propriedade em sua pessoa (corpo), de julgar como contratar essa propriedade. Os sexes humanos possuem a capacidade de autoctitica ~ e essa capacidade pode ser compreendida como se abrangesse nada mais que a avaliaco racional de cada individuo perceber como a propriedade pode ser utilizada para atingir um grau maximo de beneficio. Se uma capacidade multifacetada e complexa nfo pu- desse ter sido reduzida a esse triste empreendimento espectfico, histérica e culturalmente, a sociedade patriarcal civil nao se teria desenvolvido, A “autonomia” de Richards foi sintetizada nas li- nhas de Richard Lovelace: Stone walls do not a prision make Nor iron bars a cage 300 [Muros de pedra nao fazem uma prisio E nem barras de ferro uma gaiola] Nem est4 em questo essa noc¢do injusta e socialmente tan- gencial (embora em algumas circunstancias, herdica) de liber- dade moral — ou espiritual — na prostituigio ou em outras formas de subordinagio civil. A subordinacao civil é um problema polftico e nfo uma questio moral, embora as quest6es morais estejam envolvidas no exercicio do poder. Tentar responder 4 questao do que estd errado com a prostituigao é se envolver numa discussdo acerca do direito polftico na forma do direito patriarcal, ou a lei do direito sexual masculino. Subordinados de todos os tipos exer- cem sua capacidade de auto-reflexdo critica todos os dias — é por isso que os senhores sfo contrariados, frustrados e, as vezes, derruba- dos. Mas a no ser que os senhores sejam derrubados, a nao ser que os subordinados se envolvam em atividades polfticas, nenhuma refle- x4o critica por fim 4 sua sujei¢ao ou lhes dard a liberdade. Garantir que a corporificagio do ser humano seja mais do que uma mera contingéncia ou uma circunstancia casual para a liberdade € a sujeigdo pode nfo parecer suficiente para diferenciar a profissio da prostituigo de outras formas de trabalho, ou para demonstrar que hd algo de errado com a prostituiga0, que nZo se nota em outras formas de trabalho remunerado. O corpo de uma prostituta est4 A venda no mercado, mas também hd outras pro- fissdes em que os corpos est4o 4 venda e nas quais os patrdes tm um. interesse intrinseco nos corpos dos trabalhadores. Por exemplo, agora que o esporte faz parte do capitalismo, os corpos dos es- portistas profissionais de sexo masculino e feminino também esto disponiveis para ser contratados. Orlando Patterson discute 0 caso do beisebol nos Estados Unidos, onde, até 1975, os joga- dores podiam ser comprados e vendidos como qualquer outro bem material, segundo a vontade e visando o lucro dos donos de seus times., Patterson salienta que os jogadores de beisebol nao eram e nfo sKo escravos mas cidadaos juridicamente livres, e nos 301 dias atuais ttm algum poder sobre a sua venda — mas seus cor pos ainda sfo comprados e vendidos. Patterson comenta que os patrSes nfo exigem que os trabalhad ores [...] fiquem nus num leildo, sendo tocados e inspecionades pelos patrées e seus médicos. Mas quando um patrio exige um certificado médico de um trabalhador ou de um atlecz profissional antes de empregé-lo, ele no sé est solicitanda © mesmo tipo de informagao que o senhor de escravos que inspeciona a mais nova carga de corpos, mas também esta revelando o absurdo inerente a separagio dos “corpos em si” e os servicos feitos por tais corpos.* Entretanto, h4 uma diferenca quanto 8 utilizago que se faz dos corpos quando eles sao vendidos. Os donos de times de bei- sebol tém autoridade sobre a utilizagao dos corpos de seus joga- dores, mas os corpos nfo sio utilizados de uma forma direta- mente sexual por aqueles que os contrataram. Hi uma relacao essencial entre 0 corpo e o set. O corpo ec ser nfo 40 idénticos, mas os seres sio insepardveis dos corpos. A idéia de propriedade na pessoa tem o mérito de chamar atencSe para a importancia do corpo nas relagGes sociais. O dominio civil, tal como o dom{nio do senhor de escravos, nio é exercido sobre entidades meramente biolégicas que podem ser utilizadas como bens materiais (animais), nem é exercido sobre entidades pura- mente racionais. Os senhores nao esto intexessados na ficcio n&o-corporificada da capacidade de trabalho ou dos servigos. Eles contratam a utilizagao de seres humanos corporificados. Justa- mente porque os subordinados sfo seres corporificados, eles sio capazes de fazer o trabalho exigido, de se submeterem 4 disci- plina, de dar o reconhecifnento e ptestar servigos figis que trans- formam um homem em senhor. Os corpos e os seres humanos também sio diferenciados sexualmente: so ou masculinos ou femi- ninos. Um exemplo da relacao essencial entre o corpo e o ser é a tho 302 difundida utilizagéo de termos vulgares designadores dos érpios sexuais fernininos para se referirem 4s mulheres em si, ou a utili- zagio de uma giria para o pénis, que faz uma referéncia aviltante aos homens. A masculinidade e a feminilidade sio identidades sexuais; o ser ndo est4 completamente subsumido na sua sexualidade, mas a identidade ¢ insepardvel da construgdo sexual do ser. No patriar- cado moderno, a venda de corpos femininos no mercado capita- lista envolve a venda do ser de uma maneira diferente, e com um sentido mais profundo, do que a venda do corpo de um jogador de beisebol ou a venda do dominio da utilizagio do trabalho (corpo) assalariado. A histéria do contrato sexual revela que a construgio patriarcal da diferenga entre masculinidade e femini- lidade é a diferenga politica entre a liberdade e a sujeigfo, e que o dominio sexual é 0 principal meio pelo qual os homens afirmam a sua masculinidade. Quando um homem participa do contrato de prostituigdo ele nao estd interessado em adquirir servicos des- corporificados, sexualmente indiferentes; ele faz um contrato de aquisi¢fo do uso sexual de uma mulher por um dado perfodo. Por que outra raz%0 os homens ingressariam no mercado e paga- tiam pelo “alfvio manual”? Obviamente, os homens também podem afirmar sua masculinidade de outras formas, mas, nas relacdes entre os sexos, a afirmagao inequivoca € obtida pelo engajamento no “ato sexual”. A feminilidade, também, é confirmada pela ati- vidade sexual, e, portanto, quando uma prostituta contrata a uti- lizagio de ’seu corpo por outra pessoa, ela esté vendendo a si mesma, num. sentido bastante concreto. Os seres das mulheres estio envolvidos na prostituigao de uma maneira diferente do envolvimento do ser em outras ocupagSes. Trabalhadores de todos os tipos podem estar mais ou menos “envolvidos com o seu tra~ balho”, mas a relagSo essencial entre a sexualidade e 0 sentido do ser implica que, para se autoproteger, uma prostituta tem que se distanciar de si mesma para ser utilizada sexualmente. As mulheres envolvidas no negécio desenvolveram uma va- 303 riedade de estratégias para se distanciar ou, numa linguagem pro- fissional, para lidar com seus clientes. Tal distanciamento cra problemas para os homens, um problema que pode ser encarada como uma variante da contradicdo do dominio e da escravidaa. O contrato de prostituigio permite que os homens se estabele- gam enquanto senhores civis durante um tempo e, como outros senhores, que eles queiram obter o reconhecimento de seu stam. Eileen McLeod. conversou com clientes, bem como com prosti- tutas, em Birmingham e, observando que suas conclusdes coinci- diam com pesquisas semelhantes feitas na Gri-Bretanha e nos Estados Unidos, ela conclui que “quase todos os homens que entrevistei reclamaram da frieza emocional e da abordagem met- cendria de muitas prostitutas com quem tiveram contato”.“! Um senhor exige um servico, mas ele também exige que 0 servico seja feito por uma pessoa, um ser, e nao simplesmente uma proprie- dade (descorporificada). John Stuart Mill observou, acerca da su- bordinacao das esposas, que “seus senhores exigem delas algo mais do que o servigo real. Os homens no querem somente a obe- diéncia das mulheres, eles querem seus sentimentos. Todos os ho- mens, exceto os mais violentos, desejam ter ndo uma escrava por imposig’o, mas uma que pretenda ser a escrava ‘favorita”.” Um patrao ou um marido podem obter com mais facilidade 9 servigo fiel e o reconhecimento de sua autoridade do que um homem que participe do contrato de prostitui¢io. O contrato de esctaviddo civil e os contratos de casamento e de trabalho criam relagSes de subordinagSo de longa duracdo. O contrato de prosti- tuigéo liga-se, como se poderia dizer 4 atividade espectfica, em vez de ser intermindvel como 0 contrato de trabalho e, em alguns aspectos como o contrato de casamento. Hé ainda outras diferen- gas entre 0 contrato de trabalho e o de prostituicio. Por exemplo, a prostituta sempre est4 em clara desvantagem na “troca”. O cliente faz uso absoluto do corpo da prostituta e nfo hé critérios “objeti- vos” pelos quais se pode julgar se 0 servico foi realizado satisfato- tiamente. Os sindicatos negociam o pagamento e as condig6es de 304 trabalho para os trabalhadores, e os produtos de seu trabalho tém um “controle de qualidade”. As prostitutas, diferentemente, podem n3o receber dos homens se eles alegarem — e quem pode contestar sua avaliago subjetiva? —- que suas exig&ncias nfo foram atendidas.* A natureza do contrato de trabalho também garante o es- copo do reconhecimento da autoridade de maneiras muito sutis, bem como de modos diretos, abertos. O trabalhador é homem, e os homens tém que reconhecer reciprocamente sua igualdade civil e a fraternidade (ou © contrato social néo poderd ser man- tido), ao mesmo tempo em que criam relagSes de subordinagao. A curta duracio do contrato de prostituigio deixa menos espago para sutilezas; mas, neste caso, talvez elas nao sejam tao necess4- tias. Nao precisam existir tais ambigitidades nas relagdes entre homens e mulheres, muito menos quando o homem comprou o corpo de uma mulher para sua utilizagio como se fosse uma merca- doria qualquer. Nesse contexto, o “ato sexual” em si da o reco- nhecimento do direito patriarcal. Quando os corpos das mulhe- res esto & venda como mercadorias no mercado capitalista, os termos do contrato original nao podem ser esquecidos; a lei do direito sexual masculino ¢ afirmada publicamente, e os homens recebem um reconhecimento ptiblico enquanto senhores sexuais das mulheres — e ¢ isso que esta errado com a prostituigo. Também vale a pena observar outra diferenga entre o con- trato de prostituicao € os outros contratos com que estou preocu- pada. Argumentei que os contratos que envolvem a propriedade nas pessoas tomam a forma de uma troca de obediéncia por pro- tecao. Um escravo civil e as esposas — em princfpio —- recebem protecio pela vida toda, 0 sal4rio-familia inclui a prote¢io, e as complexidades organizacionais da extragdo da capacidade de tra- balho e de sua utilizagdo na producao capitalista levaram 4 garan- tia da protecio além do salério. Mas onde estd a protegio no contrato de prostituigio? O céften esté fora do contrato entre prostituta e cliente, exatamente como o Estado estA fora, mas regula e faz cumprit os contratos de casamento e de trabalho. O 305 contrato de curta duragSo da prostituicdo nao inclui a protecia existente nas relagdes de longa duragao. Nesse aspecto, © com trato de prostituicio reflete o ideal contratualista. O individus, enquanto proprietério, nunca se compromete por um perfode muito longo; fazer isso ¢ abrir mao de si mesmos como refém do interesse préprio de outros individuos. O indivfduo faz troces simultdneas, uma ttoca impossivel para a utilizagio da proprie- dade nas pessoas. A troca do dinheiro pelo uso do corpo de uma mulher nos contratos concretos tanto se aproxima de uma troca simultdnea quanto é vidvel dessa forma. Para Marx, a prostitui- G40 era a metdfora do trabalho assalariado. A analogia mais ade- quada é ainda mais divertida. A idéia contratualista da venda generalizada da propriedade (servicos) € uma viséo da utilizagio reciproca livre ou prostituigdo generalizada. O argumento feminista de que as pfostitutas sao trabalha- doras exatamente no mesmo sentido dos outros trabalhadores as- salariados, e a defesa contratualista da prostituigéo, dependem do pressuposto de que as mulheres sio “individuos”, dotados da posse integral da propriedade em suas pessoas. As mulheres ainda esto proibidas de contratar a propriedade de seus 6rgaos sexuais em algumas jurisdigSes legais, nos trés paises com os quais estou preocu- pada. Contudo, enquanto estava terminando este capitulo, um juiz de Nova Jersey, no inédito caso do Baby M., julgou que as mu- lheres podem contratar uma outra propriedade, seu ventre, e que elas tm que cumprir esse contrato. O contrato da chamada “ges- tagdo de aluguel” ¢ novo, e consiste em exemplo dramitico das contradigSes que envolvem as mulheres e os contratos. O contrato de gestacio de aluguel também assinala que uma importante trans- formaco do patriarcado moderno pode estar acontecendo. O diteito paterno estd ressurgindo numa forma nova, contratual. Minha discussao, conforme salientei, nao é sobre as mulhe- Tes enquanto mes, ja que a gestacao significativamente chamada “de aluguel” tem pouco a ver com a maternidade, tal como ela ¢ geralmente entendida, As implicacées politicas deste contrata de 306 aluguel somente podem ser avaliadas quando ele ¢ encarado como uma outra condi¢ao do contrato sexual, como uma nova forma de acesso e utilizacdo dos corpos das mulheres pelos ho- mens. Uma mie de “aluguel” contrata para ser inseminada artifi- cialmente com o esperma de um homem (geralmente o esperma pertence 20 marido de uma mulher estéril), para dar & luz uma crianga, e renunciar a ela em favor de seu pai genético. Em troca da utilizaco dos servicos, a mZe de aluguel recebe um pagamento em dinheiro; 0 prego de mercado parece ser US$ 10 000. A inseminago artificial est4 longe de ser nova — a primeira gravidez humana por esse meio foi obtida em 1979 —mas a gestagao de aluguel é freqiiente e confusamente discutida junto com. uma variedade de progressos, tais como a fecundagio iz vitro, que resultou de novas tecnologias.” (A fecundagio ia vitro é vendida no mercado capitalista atualmente; nos Estados Uni- dos o mercado esti estimado aproximadamente em US$ 30 ou 40 milhées por ano, apesar de a taxa de resultados positivos dessa tecnologia ser muito baixa.) Novas tecnologias também tornam posstveis outras formas de “aluguel”. Por exemplo, o évulo eo es- perma de um casal séo unidos e desenvolvidos in vitro, e o em- brido é entio inserido no titero de uma mie de aluguel. Nesse caso, o bebé ¢ o produto genético de um marido e uma esposa, ¢ tal contrato de aluguel difere significativamente do contrato que envolve a inseminagio artificial. Enfocarei este ultimo a fim de fazer uma teflexiio sobre a paternidade 20 patriarcado, ‘mas os desenvolvimentos tecnolégicos e a fecundagio in vitro ainda le- vantam alguns problemas muito importantes e gerais acerca do contrato e do uso dos corpos das mulheres. Em meados de 1987, nao existia ainda um consenso legal acerca da legitimidade ou do status dos contratos de mae de alu- guel. Nos Estados Unidos, 0 julgamento do Baby M. — que surgiu de um desentendimento em torno do contrato, quando a mie de aluguel se recusou a renunciar ao bebé — confirmou claramente o status de compromisso legal de tais contratos (atual- 307 mente 0 caso est4 sob apelagio na Suprema Corte de Nova Jersey". Muito antes disso, entretanto, as agéncias de aluguel foram mon- tadas e noticias publicadas pela imprensa afirmam que cerca de 600 contratos foram feitos, e pelo menos uma mulher patticipou de dois contratos e os cumpriu. As agéncias so lucrativas; noti- cla-se que uma chegou a ganhar US$ 600 000 brutos em 1986. Na Austrdlia, apenas Vitéria legislou sobre a questo proibindo c aluguel comercial de maes ¢ negando aplicabilidade legal de acor dos informais. Na Gra-Bretanha, uma lei de 1985 proibiu dz uma maneira cficiente os contratos comerciais de gestacdo de aluguel. Uma terceira parte que se beneficie de um contrato de gestagao de aluguel estar4 cometendo um crime; e pagar a uma mae de aluguel, ou ela receber como mie de aluguel, pode ser um crime enquadrado no Ato de Adogao. Acordes nio comer- ciais de gestagao de aluguel nao so ilegais.“* Nesse ponto, a antiga discussio sobre a prostituic¢io e 2 ptostituigio legal (casamento) se faz presente. Um contrato em que se troca dinheiro por servigos ndo seria mais honesto que < posicéo da mulher sobre o casamento, ou a gestagio de aluguel informal? © Relatério do Comité Waller, que resultou na legisla- gio de Vitoria (e que considerou a gestagio de aluguel no con- texto da fecundagao in vitre), recomendava que a gestagio de aluguel, comercial ou néo comercial, nao fizesse parte dos pro- gramas in vitro. Mas uma doagéo dos servicos de “aluguel” ¢ mais aceitével do que uma troca desses servigos por dinheiro? A legislagio britanica claramente sugere que sim. Encarar a gesta- ¢do de aluguel como uma relagao de doacio é, entretanto, levan- tar o problema de para quem esses servicos so executados. A gestacdo de aluguel ¢ um exemplo de uma mulher que doa um servigo a outra mulher, ou ela é um exemplo de uma mulher inseminada com o esperma de um homem para dar A luz seu filho em troca de dinheiro? A prostituigao ¢ freqtientemente de- fendida como um tipo de servigo social ou de terapia, e, do mesmo modo, a gestagio de aluguel é defendida como um ser- 308 vigo oferecido no mercado por compaix4o pela situag&o das mu- lheres estéreis. Questionar 0 contrato de gestagio de aluguel nZo implica negar que as mulheres que participam de tal contrato sintam compaixio pelas mulheres estéreis, nem negar que as mu- lheres possam ser infelizes por causa da esterilidade (embora nos debates atuais freqiientemente se esquega, ou até implicitamente se desconsidere que as mulheres estéreis ¢ seus maridos podem conviver com a situagio ¢ terem uma vida feliz). Como em mui- tas discussdes sobre a prostituicéo, o argumento da compaixao supde que qualquer problema em torno da gestacSo de aluguel seja um problema relative 4s mulheres ¢ 4 prestagdo de um ser- vico. O cardter da participagdo dos homens no contrato de gesta- cdo de aluguel e o car4ter da demanda por esse servigo sac trata- dos como nfo sendo problematicos. Na controvérsia sobre gestagio de aluguel, fazem-se fre- qiientemente comparagdes com a prostituicso. Como o impor- tante historiador feminista Lawrence Stone comentou acerca do caso de Baby M., “os contratos deveriam ser cumpridos. Con- cordo que esse € um contrato um tanto quanto estranho. Vocé est4 alugando seu corpo. Mas espera-se que uma prostituta cumpra 0 contrato”.” A maioria dos argumentos usados para defender ou condenar a prostituico reapareceu no debate sobre a gestacao de aluguel. Obviamente, os contratos de gestacdo de aluguel levan- tam problemas acerca das condicg6es de participagio no contrato e das coergdes econdmicas. A diviséo sexual do trabalho no capi- talismo patriarcal ¢ a “feminilizagao da pobreza” fazem com que contratos de gestacao de aluguel parecam ser financeiramente atraen- tes para as mulheres da classe trabalhadora, embora o pagamento seja pequeno, considerando-se o tempo envolvido e a natureza do servico. Questées de classe também so levantadas. No caso de Baby M., por exemplo, a mae de aluguel abandonou o se- gundo grau e se casou, aos 16 anos, com um homem que atual- mente é um faxineiro e ganha US$ 28 000 por ano. A renda do homem que participou do contrato, somada A de sua esposa, 309 ambos com titulos de doutos, ¢ de cerca de US$ 91 500 por anc.’” Entretanto, a énfase nas diferencas de classe e nas coergSes eco- némicas para se participar do contrato desvia a atengao do pro blema sobre o que exatamente est4 sendo contratado, e de como © contrato de gestagSo de aluguel se parece ou difere de outros contratos que envolvem a propriedade na pessoa. Em Vitéria, a gestagfo de aluguel foi rejeitada sob a alege- gao de que “acordos remunerados s4o, na realidade, acordos de compra de criangas, e nfio devem ser estimulados [...] A compra e a venda de criangas séo condenadas e proibidas h4 gerages. Nao se pode permitir que elas reaparegam”.” A adogo € contro- Jada rigidamente a fim de impedir que as mulheres pobres —-~ ou, pelo menos, mulheres brancas pobres — sejam encorajadas 2 vender seus filhos. O problema dessa linha de argumentagao nao é 0 fato de o senso comum ser um orientador inadequado, mas o fato de as referéncias 4 comercializacio de bebés nao coincidirem com a defesa dos contratos de gestagio de aluguel derivados da teoria do contrato. Da perspectiva do contrato, falar em comer- cializagio de bebés revela que a gestacio de aluguel é mal com- preendida, exatamente no mesmo sentido em que a prostituicéo o é. Uma prostitata nfo comercializa seu corpo, ela comercializa servi- gos sexuais. Nos contratos de gestacio de aluguel no est4 em ques- tao a venda de uma crianca, mas simplesmente de um servico. O qualificativo “de aluguel” indica que a questo do con- trato € tornar a maternidade irrelevante e negar que a “alugada” seja mae. Uma mulher que participa de um contrato de gestacio de aluguel nao esti sendo remunerada por (dar 4 luz) uma crianga; fazer um contrato desse tipo seria o mesmo que comer- cializar bebés. A mie de aluguel esta sendo remunerada por par- ticipar de um contrato que permite que um homem utilize seus servicos. No caso desse contrato é para utilizar a propriedade que uma mulher tem em seu titero Da perspectiva do contrato, o fato de a prestagao do serviso envolver a maternidade é puramente acidental. O ventre nfo tem 310 um stdtus especial enquanto propriedade. Uma mulher poderia contratar igualmente a utilizacio de uma outra propriedade em sua pessoa. Além disso, o fato de a rentincia A crianga estar em questéo nao tem um significado especial. Contratos para 0 uso de outros tipos de servigo, notadamente os prestados pelo con- trato de trabalho, também tém como conseqiiéncia a jurisdic¢ao de uma Unica parte sobre uma propriedade. O trabalhador nao tem direito sobre as mercadorias produzidas por seu trabalho; elas pertencem ao capitalista. Do mesmo modo, o bebé que é produzido por intermédio dos servigos de uma mie de aluguel é propriedade do homem que contrata a utilizaco de seus servi- gos. O juiz do caso Baby M. deixou essa questéo bem clara. Na sua sentenga ela afirmou que: o dinheiro a ser pago 4 me de aluguel nfo est4 sendo pago pela entrega da crianga ao pai [...] O pai biolégico paga pela disposigio da mae de aluguel em ser fecundada e de cuidar do seu filho durante a gravidez. No nascimento, 0 pai no compra a crianga. Ela é seu prdprio filho, genética e biolo- gicamente aparentado a ele. Ele néo pode comprar algo que ja é dele. Nas discussdes sobre a gestagao e de aluguel freqiientemente se fazem referéncias a dois precedentes biblicos, no livro do Ge- nesis. Na primeira histéria, Sara, incapaz de ter um filho, diz a seu marido Abrado: “Imploro a vocé, v4 4 minha criada; talvez eu possa ter filhos através dela”. Entfo Sara “tomou sua criada Hagar, a egfpcia [...] ¢ a entregou a seu marido Abrafo para que ela fosse esposa dele”. Na segunda histéria, Raquel, outra esposa estéril, entrega a Jacé sua criada Billah, para ser sua esposa, e Jacé a possuiu.” ® Nas histérias btblicas, a mae de aluguel € uma criada, uma serva, uma subordinada — e ela é serva da esposa. As histé- rias parecem reforcar, entio, a objegio que sempre se fard a minha caracterizacio da gestagio de aluguel como um contrato, 311 no qual os servigos da mie de aluguel séo utilizados por um homem. Ao contrdrio, a objegao serd restringida, pois as histérias biblicas demonstram que o contrato de mae de aluguel foi repre- sentado erroneamente; o servigo € utilizado por uma mulher. O contrato ¢ feito por um marido e uma esposa para a utilizagao de servigos de mae de aluguel. A esposa estéril do homem, ¢ nfo o préprio homem, é quem verdadeiramente usa o servico. Ela éa mae por quem os servigos de gestacio de aluguel s4o contratados. Uma mulher faz um contrato de gestagio de aluguel com outra mulher — embora o esperma do homem seja necessdrio para 2 inseminago. As ironias nunca desaparecem no que se refere 4 quest3o das mulheres e do contrato. Depois de uma longa histéria de exclu- séo das mulheres do contrato, o contrato de gestacio de aluguel é apresentado €omo um contrato feminino; as mulheres parecem ser encaradas agora como partes em um contrato. A questo da reivindicagio do servico pelo homem é, portanto, ocultada, jun- tamente com a natureza da “troca” que acontece. A questo de quem exatamente utiliza os servicos de uma mie de aluguel é complicada, por causa da enorme pressio social na Gra-Bre- tanha, na Australia e nos Estados Unidos em favor da restrico dos contratos de gestacdo de aluguel — e do acesso a novas tec- nologias de reprodugdo — aos casais. Mas nao hé necessidade alguma de a esposa se envolver. A comparacio com a Pprostituigfo é esclarecedora aqui — mas nao da maneira que sempre se pre- tendeu. Da perspectiva do contrato, a demanda pelo uso das Prostitutas é sexualmente indiferente, e assim o € a demanda pela gestacao de aluguel; os homens podem contratar o uso da mie de aluguel sem a mediagao de outra mulher. ‘Tudo o que estd acon- tecendo € a contratagiio do uso da propriedade de alguém por um individuo. Uma esposa é desnecesséria para tal contrato — embora, socialmente, sua presenga legitime a transacdo. Uma es- posa pode ser uma parte formal do contrato de gestacio de alu- guel, mas a esséncia de sua posicio ¢ bem diferente da de seu 312 marido. Uma esposa nfo contribui com nenhuma propriedade para o contrato; ela simplesmente espera o produto. A troca, no contrato de gestagio de aluguel, se dd entre parte da propriedade de um homem, isto ¢, seu esperma ou seu stmen, e parte da propriedade da “alugada”, seu utero. Um con- trato de gestagao de aluguel difere da prostituigao no que se re- fere ao fato de o homem nfo fazer um uso direto do corpo de uma mulher; ao contririo, seu uso ¢ indireto, via inseminagao artifi- cial. O s¢men de um homem, para utilizar a linguagem de Locke, é misturado ao titero de uma mulher e, se ela executar seu servigo fielmente, ele pode reivindicar a propriedade produzida desse modo como sua. A linguagem de Locke traz 4 tona 9 sentido em que o contrato est4 sendo revivido. O contrato transformou o patriarcado classico em moderno, mas, com a invengao do con- trato de gestacao de aluguel, um aspecto do patriarcalismo clds- sico reapareceu. Se o titero de uma mulher ndo passa de uma propriedade A qual ela esta exteriormente relacionada, ele é and- logo ao vaso vazio de sir Robert Filmer, Mas agora 0 vaso vazio pode ser contratado para uso de um homem que o preenche com seu sémen, num outro exemplo de capacidade criadora mascu- lina; ele cria, desse modo, uma nova propriedade. Talvez o homem que participa do contrato de gestagio de aluguel possa ser comparado ao patrao que, na doutrina contratual, é 0 princi- pio criador que transforma a capacidade de trabalho em merca- dorias. Mas ele pode fazer muito mais agora; numa volta espeta- cular do parafuso patriarcal, © contrato de gestacio de aluguel permite ao homem dar & sua esposa o maior presente — um filho. A capacidade de trabalho ¢ uma ficgao politica, mas o set- vigo feito pela mae de aluguel é uma ficgao ainda maior. O traba- lhador contrata o direito de dominio de seu corpo, ¢ a prostituta contrata o direito de uso sexual direto de seu corpo. Os seres do trabalhador e da prostituta sio colocados, de diferentes maneiras, para alugar. O ser da mae “de aluguel” estd em questao num 313 sentido ainda mais profundo. A mae “de aluguel” contrata o di- teito sobre a capacidade criadora, emocional ¢ fisiolégica exclu- siva de seu corpo, ou seja, dela propria como mulher, Durante nove meses ela tem a relagSo mais intima possivel com um outro ser em desenvolvimento; esse ser ¢ parte dela mesma. O bebé, quando nasce, é um ser distinto, mas a relagdo da mae com o filho é qualitativamente diferente da do trabalhador com os ou- tros produtos derivados dos contratos que envolvem a proprie- dade em suas pessoas. O exemplo de um contrato de gestagao de aluguel cumprido sem problemas, como os exemplos dos mari- dos que renunciaram a seu direito patriarcal, ou das prostitutas que exploram seus clientes, diz muito pouco sobre as instituipoes do casamento, da prostituiggo, ou da gestacao de aluguel. O con- trato de gestacdo de aluguel é outro meio pelo qual a subordina- s40 patriarcal é assegurada, Num aspecto, o contrato de gestacio de aluguel é bastante parecido com o contrato de trabalho. oO patrfo adquire o direito de dominar o uso dos corpos dos traba- Ihadores a fim de, unilateralmente, ter poder sobre 0 processo pelo qual suas mercadorias so produzidas. Nao ha motivo para 9 contrato de gestacao de aluguel nio permitir que o homem garanta — pela limitagdo do uso que a “alugada” faz de seu corpo — o fiel desermpenho do servigo contratado até que este tenha sido cumprido. O fato de as mulheres quererem fazer parte de um contrato que transforme outras mulheres em subordinadas patriarcais nao é surpreendente. Ainda se nega a feminilidade plena a mulheres que nao podem ter filhos, A doutrina contratual implica a inexis- téncia de limites & legitimidade dos usos que se fazem das pro- priedades nas pessoas, desde que eles estejam estabelecidos em um contrato, Por que, ent4o, numa ¢poca em que © contrato prevalece, as mulheres que nao tém filhos néo tiram proveito desse nove contrato? O uso que um casal estéril faz de uma mie de aluguel para ter um filho é freqiientemente comparado a ado- 40 — anteriormente 0 tinico recurso legitimo caso os pais nZo 314 aceitassem sua situagdo —, mas hd uma diferenca crucial entre as duas praticas. O casal que adota uma crianga nao é, a nao ser em circunstAncias raras, geneticamente relacionado com a crianga. Mas o filho da mie de aluguel também ¢ filho do ma- tido. A esposa € quem mais deveria ser propriamente chamada de mie substituta, exatamente como nos casos de adog’o em que 0 casal é formado pela mae e pelo pai substitutos. A esposa, obvia- mente, criard o filho “como se fosse dela prépria” mas, inde- pendentemente da felicidade do casamento ¢ do quao bem a crianga se desenvolve e seja deles préprios, em ultima andlise, o filho é do pai. A histéria do contrato original fala sobre a derrota politica do pai e de como seus filhos, os irmios, estabeleceram uma forma especificamente nfo-paterna de patriarcado. A emergéncia da gestagéo “de aluguel” sugere que o contrato esteja colaborando para dar origem a uma outra transformagao. Os homens agora esto comecando a exercer o direito patriarcal novamente como o direito paterno, mas de novas maneiras. A Idgica do contrato, tal como apresentada pela gestagdo “de aluguel”, demonstra muito duramente como a extensio da condigao de “individuo” as mulheres pode reforgar ¢ transformar o patriarcado, bem como desafiar as instituigdes patriarcais. Estender 4s mulheres a concep¢io masculina de individuo como proprietdtio, e a con- cepcao de liberdade como capacidade de fazer o que se queira consigo mesmo, ¢ abolir qualquer relacio intrinseca entre a pro- prietdria, seu corpo e sua capacidade reprodutora. Ela ocupa em relagZo 4 sua propriedade a mesma relac’o de exterioridade que 0 proprietario de sexo masculino tem com sua capacidade de tra- balho ou seu esperma; nao hé nada para distinguir as mulheres. Da perspectiva de contrato, nao sé a diferenca sexual é irre- levante para as relagGes sexuais, mas a diferenga sexual se torna irrelevante para a reproducio bioldgica. O antigo status da “mae” e do “pai” se torna portanto inoperante através de um contrato, e deve ser substituido pelo status (aparentemente neutto) de “pa- 315 rent”. Ao menos no caso do contrato de gestagao de aluguel, o termo “paren? esti longe de ser sexualmente indiferenciado. A sombra de sir Robert Filmer Paira sobre a gestacao “de aluguel”. No patriarcalismo cldssico, 0 pai € 0 parent. Quando a proprie- dade da mae “de aluguel”, seu vaso vazio, é preenchida com a sémen do homem que fez o contrato com ela, ele também se torna © parent, a forga criadora que waz a nova vida (proprie- dade) 20 mundo. Os homens nao deram valor 4 capacidade cor- poral exclusiva das mulheres, apropriaram-se dela, e a transmuta- tam na génese politica masculina. A histéria do contrato social a maior histéria dos homens dando 4 luz a polftica; mas, como o contrato de gestagao de aluguel, o patriarcado moderno entre numa nova fase. Gragas A capacidade do meio criador do con- trato, os homens também podem se aptopriar da génese biold- gica. O poder criador do sémen masculino transforma a pro- priedade vazia contratada por um “indivfduo” numa nova vida humana. O patriarcado, no seu sentido literal, retornou com uma nova aparéncia. Até hoje, a feminilidade tem sido vista como insepardvel da maternidade e até subsumida nela. Durante pelos menos trés sé culos, as feministas se esforcaram muito para tentar mostrar que as mulheres, como os homens, tém uma multiplicidade de apti- dées que poderiam ser exercidas além da capacidade exclusiva de criar a vida biolégica. Agora a maternidade foi separada da femi- nilidade — ¢ a separacdo amplia o diteito patriarcal. Aqui esté outra variante da contradicio da escravidao. Uma mulher pode ser uma mie “de aluguel” somente porque sua feminilidade foi considerada irrelevante, sendo ela declarada um “indivfduo” prestando um servigo, Ao mesmo tempo, ela pode ser uma mie “de aluguel” apenas porque € uma mudber. Do mesmo modo, a importante propriedade do homem no contrato de gestacao de aluguel pode ser somente a de um homens é essa Ppropriedade que * © vocdbulo inglés parent designa, indiferentemente, tanto 0 pai como a mae. Nao Ad palavra correspondente em portugues, (N.E.) 316 pode fazer dele um pai e o esperma é propriamente © tinico exemplo de propriedade na pessoa que nio é uma fico politica. Diferen- temente da capacidade de trabalho dos érgios sexuais, 0 titero ou qualquer outra ptopriedade que € contratada para o uso de outro, o esperma pode ser separado do corpo. De fato, o esperma pode ser utilizado na inseminagdo attificial, e o esperma de ho- mens superiores pode ser guardado até que se encontre uma mu- Iher adequada, somente porque ele pode ser separado da pessoa. Até que o contrato de gestagao de aluguel fosse inventado, a peculiaridade do sémen masculino tornava a paternidade gené- tica instrinsecamente problematica; a paternidade sempre se ba- seou no testemunho de uma mulher. A maternidade, entretanto, sempre foi certa e, de acordo com Hobbes, na condicio natural a mie era quem dominava, com direito politico sobre seu filho; um homem tinha que fazer um contrato com uma mie para adquirir a autoridade de pai. Gragas ao poder do contrato, atual- mente a paternidade genética se tornou certa e se juntou & criativi- dade politica dos homens. Pelo contrato, os homens podem ao menos ter certeza da paternidade. Uma mudanga significativa aconteceu, portanto, no (num aspecto do) significado de “pater- nidade” ¢ no poder da paternidade — ou patriarcado no sentido tradicional. E muito cedo para se dizer exatamente qual serd a impor- tincia da gestagdo de aluguel nos desenvolvimentos futuros da dominacio patriarcal. Em 1979, quando publique, juntamente com Teresa Brennan, minha primeira andlise da teoria do con- trato sob uma perspectiva feminista, o termo nos era desconhe- cido. Hé4 outros indicios que apontam na mesma diregio da ges- tacao de aluguel — por exemplo, os homens, enquanto pais, tém entrado com ac6es legais na Gra-Bretanha, na Australia e nos Estados Unidos para impedir que suas mulheres facam abortos e para manter os corpos das mulheres artificialmente vivos enquanto eles carregatem um feto. Os pais também esto lutando pela cus- tédia dos filhos. Atualmente, por uma mudanga da pratica no B17 século XIX, a mae normalmente tem a custédia de qualquer filho quando um casamento acaba. De fato, a prdtica de atribuir a custédia As mies levou Christine Delphy a argumentar que 0 divércio ¢ somente um prolongamento do casamento, no qual os homens mais uma vez estio isentos de responsabilidade pelos filhos. Agora que as feministas conquistam algumas reformas le gais extremamente necessdrias, e agora que, em varias questGes, as mulheres e os homens esto sendo colocados na mesma condicae civil, as mes no podem. supor que elas obterfo a custédia. As mies solteiras também nao podem ter certeza de que 0 pai no conquistard o acesso e os direitos sobre o filho. Alguns ventos, contudo, sopram numa diregio diferente. Por exemplo, a insemi- na¢ao artificial permite 4s mulheres tornarem-se mies sem ter relagdes sexuais com homens. A sujei¢io contratual das mulheres est4 cheia de contradi- g6es, paradoxos e ironias. Talvez a maior ironia de todas ainda esteja por vir. Normalmente se acredita que o contrato derrotou a antiga ordem patriarcal, mas, ao eliminar os tltimos resquicios do antigo mundo do status, 0 contrato introduziu uma nova forma de direito paterno. NOTAS 1. E. McLeod, Women Working: Prostitution Now, Londres ¢ Canberra, Croom Helm, 1982, pp. 12-3, quadro 1.1. 2. Numero citado em M. A. Jennings, “The Victim as Criminal: A Consideration of Californias Prostitution Law”, California Law Review, vol. 64, n° 5, 1976, p. 1251. 3. Citado em San Francisco Examiner, 3 fev.1985. 4. E. McLeod, Women Working, p. 43. 5. M. Wollstonecraft, “A Vindication of the Rights of Men”, iz B. H. Solomon ¢ BS. Berggren (orgs.), A Mary Wollstonecraft Reader, Nova York, New American Library, 1983, p. 247. Ela também utiliza a expressio em A Vindication of the Rights of Woman, Nova York, W. W. Norton e Co., 1975 [1792], p. 148. De acordo com sua bidgrafa Clair Tomalin, Wollstonecraft foi a primeira a utilizar a expressio “prostituigio legal” para se referir a0 casamento. 6. E. Goldman, “The Traffic in Women”, in Anarchism and Orher Essays, Nova York, Dover Publications, 1969, p. 179. 318 7. S. de Beavoir, The Second Sex (trad. H, M. Parshley), Nova York, Vintage Books, 1974, p. 619. 8, C. Hamilton, Marriage as a Trade, Londres, The Women’s Press, 1981, p. 37. 9, Elas so informadas por J. Radcliffe Richards, The Sceptical Feminist: A Philoso- phical Enquiry, Harmondsworth, Penguin Books, 1980, p. 246. 10. D. A.J. Richards, Sex, Drugs, Death, and the Law: An Essay on Human Rights and Decriminalization, Totowa — NJ, Rowman and Littlefield, 1982, p. 121. 11. O termo é utilizado por L. Ericcson, “Charges Against Prostitution: An At- tempt at a Philosophical Assessment”, Ethics, n.° 90, 1980, pp. 335-66. 12.D.A.J. Richards, Sex, Drugs, Death and the Law, p. 115; também p. 108. 13.L. Ericcson, “Charges Against Prostitution”, p. 342. 14. O exemplo foi retirado de M. McIntosh, “Who Needs Prostitutes? The Ideo- logy of Male Sexual Needs”, in C. Smart e B, Smart (orgs.), Women, Sexuality and Social Control, Londres, Routledge and Kegan Paul, 1978, p. 54. 15. M. Frye, The Politics of Reality: Essays in Feminist Theory, Trumansburg — NY, The Crossing Press, 1983, p. 143. Nos lugares em que os homens esto confina- dos juntos ¢ impedidos de ter acesso a mulheres (como a priséo), o “tabu” nao é observado; a masculinidade ¢ entio exibida por meio do uso de outros homens, ente jovens, como se eles fossem mulheres. 16. L. Ericcson, em “Charges Against Prostitution”, p. 363, argumenta — nao convencendo — que o “paternalismo” nao entra em conflivo com sua defesa con- tratual da prostituicao segura e adulta, e que a prostituigéo de menores deveria ser evitada. Fle aborda o problema como uma das causas —- 0 suprimento — da prostituigao infantil, mas nfo menciona o problema da demanda. Por que os ho- mens querem ter selagSes sexuais com criangas (as vezes muito novas)? Por que existem recursos como o Pagsenjan, nas Filipinas, para atender a essa demanda? A questo estd fora do campo de minhas preocupages aqui, mas uma pesquisa re- cente sobre o “incesto” (a forma mais comum é entre pai e filha) observa que, nas relagées conjugais, “muitos homens esto acostumados com a experiéncia de fazer sexo com um parceiro mais fraco ¢ que participa de m4 yon dessas relagSes impostas”, W. Breines ¢ L. Gordon, “The New Scholarship on Family Violence”, Signs, vol. 8, n.° 3, 1983, p. 527. 17. Citado em E, McLeod, “Man-Made Laws for Men? The Street Prostitutes’ Campaign Against Control”, ix B. Hutter e G. Williams (orgs.), Controlling Women: The Normal and the Deviant, Londres, Croom Helm, 1981, p. 63. 18. Citado em E. M. Sigsworth e T. J. Wyke, “A Study of Victorian Prostitution. and Venereal Desease”, in M. Vicinus (org,), Suffer and Be Stilk Women in the Victorian Age, Bloomington, Indiana University Press, 1972, p. 181. As prostitutas contemporaneas ainda recebem, ds vezes, comida dos “clientes habituais” se, por exemplo, ele for um padeiro; ver McLeod, Women Working, p. 6. 19. McLeod, Women Working, pp. 17, 20; tabclas 1.2(a), 1.2(b), 1.3. 20. L. Eticcson, “Charges Against Prostitution”, p. 348. 21. D. A. J. Richards, Sex, Drugs, Death, and The Law, p. 88. Para uma visio diferente do templo da prostituico, ver G. Lerner, The Creation of Patriachy, Nova York, Oxford, Oxford University Press, 1986, cap. 6. 22. Sobre as maisons d'abbatages ver K. Barry, Female Sexual Slavery, Englewood Cliffs, Prentice Hall, 1979, pp. 3-4; 80-3. O tipo mataio, difundido em Nairdbi antes da Segunda Guerra Mundial, é discutido por L. White, “Prostitution, Iden- tity and Class Consciousness in Nairobi during World War II”, Signs, vol. II, n.° 2, 1986, pp. 255-73. Os trabalhadores de Nairdbi nao conseguiam sustentar suas 319 mulheres se elas deixassem suas fazendas para viver na cidade com seus maridas. ¢ a administragao colonial n4o fornecia acomodacées suficientes aos trabalhadores. Os homens visitavam prostitutas malzias que “lhes davam um lugar na cama — roupa lavada, comida, 4gua para o banho, companhia, refeigGes frias e quenzes ché, e [...] os homens que com elas passavam a noite [...] recebiam o café da manha” (p. 256). Como classificar esses servigos: como um contrato de prostine ¢4o ampliado ou um contrato de casamento parcial? 23. Sobre a Gra-Bretanha, ver J. R. Walkowitz, Prostinution and Victorian Sociere Women, Class and the State, Cambridge, Cambridge University Press, 1980; sobre os Estados Unidos, ver R. Rosen, The Lost Sisterhood: Prostitution in America 1900-1918, Baltimore e Londres, The John Hopkins University Press, 19825 sobze a Nova Gales do Sul, ver J. Allen, “The Making of a Prostitute Proletariat in Ear‘ Twentieth-Century New South Wales”, i K Daniels (org,), So Much Hard Were Women and Prosvitution in Australian History, Sydney, Fontana Books, 1984. 24, Citado em M. Trustram, “Distasteful and Derogatory? Examining Victoriaz Soldiers for Venereal Disease”, i’ The London Feminist History Group (org.), The Sexual Dynamics of History, Londres, Pluto Press, 1983, pp. 62-63. Acualmente 2 Aids tem provocado uma reagdo parecidas por exemplo, foi apresentado um pro- jeto de lei 4 legislatura de Nevada permitindo que as prostitutas que tém a doenca € continuam trabalhando sejam acusadas de assassinato. Nao h4 nenhuma mengic a seus clientes na noticia que lino Washington Post, 14 abr. 1987. 25. J. E Buder, An Autobiographical Memoir, 3.” ed., Londres, J. W. Arrowsmith. 1928, p. 215. 26. J. Walkowitz, Prostitution and Victorian Society, p. 212. 27. J. Allen, “The Making of a Prostitute Proletariat”, p. 213. 28. R. Rosen, Lost Sisterhood, p. 12. Rosen (p. 172) também atenta para os noves riscos enfrentados pelas prostitutas norte-amacricanas, hoje em dia, tals como serem utilizadas pela CIA para a obtencao de informagées, ou em experiéncias com drogas, 29. E. McLeod, Women Working, p.51. 30. Para esta utilizagio da expressio, ver, p. ex. J. R. Richards, The Scepsical Femi- nish p. 244. 31. L, Ericcson, “Charges Against Prostitution”, p. 341. Compare com D. A. J. Richards, Sex, Drugs, Death, and the Law, p. 49. 32. E. McLeod, Woman Working, p. 69. Os homens dio v4rios motivos, todas Jevantando a questo da virtude capitalista do esforco pessoal. 33. Nos anos 30, nos Estados Unidos, somente 10% dos clientes pediam o ‘sexo oral; por volta dos anos 60, quase 90% o faziam, em substituiggo ou além do ato sexual (mimetos citados por R. Rosen, The Lost Sisterhood, p. 97). Pode-se dizer que a tio difundida demanda dos homens, que compram os corpos das mulheres, de penetrarem em suas bocas, esteja relacionada com a revitalizagio do movimento feminista ¢ a exigéncia por parte das mulheres de falar? 34. E. McLeod, Women Working, p. 53. 35. A. Jaggar, “Prostitution”, iz A. Soble (org.), The Philosophy of Sex: contempo- rary readings, Totowa - NJ, Rowman and Litdefield, 1980, p. 360. 36. K. Marx, Economic and Philosophic Manuscripts of 1844, D. G. Steuik (org,), Nova York, International Publishers, 1964, p. 133, nota de rodapé. 37. J. H. Reiman, “Prostitution, Addiction and the Ideology of Liberalism”, Con- temporary Crisis, n.° 3, 1979, p: 66. 38. L, Ericcson, “Charges Against Prostitution”, p. 351. 39 . Ibidem, p. 341. 320 40. I. Kant, The Philosophy of Law (trad. W. Hastie), Edimburgo, T. and T. Clark, 1887, 3? seco, § 26, p. 112; CEL Kant. Lectures on Ethics (trad. L. Infield), Nova York, Harper and Row, 1963, pp. 166. 41.1. Kant, Lectures on Ethics, p. 165. 42. D. A.J. Richards, Sex, Drugs, Death, and the Law, p. 109. 43, O, Patterson, Slavery and Social Death: A Comparative Study, Carabridge, MA e Londres, Harvard University Press, 1982, p. 25. 44, E. McLeod, Women Working, p. 84. 45. J. S. Mill, “The Subjection of Women”, in A. $, Rossi (org.), Essays on Sex Equaliry, Chicago e Londies, University of Chicago Press, 1970, p. 141. 46. Agradeco a Mary Douglas por ter chamado minha atengdo para esta questo. 47. Ver V. Stolcke, “Old Values, New Technologies: Who Is the Father?” — ensaio apresentado no Kolloquium ara Wissenschaftskolleg zu Berlin, margo de 1987, p. 6 (agradego a Verena Stolcke por ter-me enviado uma cépia do ensaio). 48, Informagoes retiradas de D. Brahams, “The Hasty British Ban on Commercial Surrogacy”, Hastings Center Report, fev. de 1987, pp. 16-9 (Lionel Gossman gen- tilmente me forneceu uma cépia deste ensaio). 49, The Committee to Consider the Social, Exhical and Legal Issues Arising from in Vitro Fertilization, Report on the Disposition of Embryos Produced by in Vitro Fertili- zation, Vivdtia, agosto de 1984, § 4.17. Agradego a Rebecca Albury por ter me enviado uma cépia da parte mais importante do Relatério. 50. The New York Tames, 5 abr. 1987. 51, Informagao retirada de The New York Times, 12 jan. 1987. 52. Committee to Consider Ju Vitro Fertilization, Report on the Disposition of Embryos, § 4.6; § 4.11. 53. Citado em excertos da sentenga do juiz Harvey R. Sorkon, publicados no The New York Times, 1 abr. 1997. 54. Genesis, 16:2; Genesis, 30:4. 321

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