Vous êtes sur la page 1sur 6
A Busca da Solidao e a Difusao da Leitura Beténia Goncalves Figueiredo" Abstract ‘This article focuses on the spread of literacy in modern times, a process that was accompanied by a strengthening of the concept of individuality. Those who leamed how to read wanted to be alone and practiced a form of solitary reflection which was possible even in the Presence of others. The evolution of the modem indivdual occurred in part because of this new ‘way of reading, slentseading. Key Words:Reading. Resumo objetivo deste artigo & mostrar que a difusto da lsitura, no perfodo moderno, velo acompanhads de transformapSes que indicavam 0 fortalecimento da individualidade. Aqueles ‘que se habilitavam 3 letura desejavam estar sés, buscavam a reclusio interior, possivel mesmo diame da presenca de outros. A consttuigdo do individuo medemo relacions-se com amnove tipo de leitura: a leitura silencioss, Palavras-Chave: Leitura, Piblico/Privado, Histéria Modem, Cultura “Se queres aprender a rezar, vai para o mar” (Palavras de Sancho Pancha) © cone temporal proposto neste trabalho visa abordar mais detida- mente o momento considerado crucial para a constituigao da nogao de iden- tidade no perfodo modemo. Para tanto niio ser4 nosso objetivo determo- nos cm um autor especifico, mas nas transformagtes culturais, mentais, politico-econdmicas que conformaram estas mudangas ¢ que, posterior * Prof. do Departamento de Hisiéria da UFMG, doutoranda em Historia Social do Trabalho pela USP. LOCUS: rere de hse uc de Fem vl Dt pita 8 a en Gaps Fees mente, tomaram-se objeto de anise e tecrizagio de fildsofose cientistas socials Entre estas madangas 20s intressa de modo especial omovimento {que modifi © habito da letra. £ na constiuigho do perfodo modemoem que se efetiva o movimento entre a leitura coletive, ealizada em voz alta, publica para a leitura individualizada, Ieitura silenciosa. Neste percurso em diregao ainteriorizagio da leitura pressupve-se um novo posicionamento Go sujeito diante do mundo e sd0 0s vincalos entre a buses da solidéo © @ interiorizagio Ga letra nosso interesse de reflexso. ‘Se buscartos identificar, em linhas gerais, 0 censrio que compde ¢ em que se desenvolve a constituigdo do murdo moderno, podemos perce- ber, entre outros aspectos, uma nova definigao da esfera privada e da publi ca, Oshomens passam a reverenciar o proprio pensamento - ocogito (Des- cartes) - como definidor dasua histéria. Huma delimitagdo entre 0 espaco religioso ¢ o espago laico, que pode ser evidenciada tanto na esfera politica como na forma de conhecer @ natureza. A secularizago do conhecimento bre os horizontes do mundo com uma nova possibilidade de investigaga0 {do cosmo: o longo trajeto, muitas vezes perizoso, entre 0 mundo fechado e © universo infinito!. ‘Uma das caracterfsticas fundamentais de todas as mudangas apon- tadas anteriormente baseia-se na constituigao da individualidade. Os sujei- tos se rebelam contra a vida regrada da religiio que paura os modos de pensar, viver, inguirir a natureza etc. Os limites impostos pela sociedade feudal, um mundo restrite ao espago do feudo, marcado pelo tempo da natureza - quando se iniciam as chavss, 0 tempo da colheita, ou a medida eclesial (05 dias dos santos, as badaladas dos sinos, as horas das missas, 0 tempo do nascimento e da morte) comegam a ser alargados, tanto simboli- ccamente como nas atividades cotidianas, Espagos intermedidrios comecam a ser formadosirequisitados. O ‘espago das florestas € um destes, procurado por aqueles que buscam um espaco/refigio do mundo coletivo que, andam como errantes - as vezes consideradas loucos ou perturtados - que precisam evadir-se do espago tradicional, precisam da reclusio, do isolamento. £ o espago por onde tran- sitam os her6is dos romances, cavaleiros errantes que vagam solitéios, ‘no por loucura, mas por escolha. O espago das florestas passa a ser ut ‘zado como um refigio tempordrio para aqueles que necessitam fugir,esca- par do espago coletivo e insistentemente pablico. Sdo indicios de que a separagto ene 0 espaco pablico eo privado vai, aos poucos, definindo-se mais nitidamente, Ocorrem mudancas em face da religioso fundamentsis para esta nove atitude. A introspecco passa a fazer parte dos movimentos TROYRE A Damundofechadeao universe infinio 2ed Rio de Janere: Frense Universit- ‘i; So Paulo: EDUSP, 1986, ‘AB de Sb io eta 6s de encontro com Deus. O caminho da salvagao no é alcangado apenas pela participagdo em rites, numa pessividade submisse, mas também por uma transformaciiode si mesmo*, Entre estas mudangas, uma especialmente nos chama aten¢ao, por colaborador para o desenvolvimento ou aprofundamento da idéia do indi- viduo, qual soja: a difusdo da leitura com os seus crescentes leitores e ou- es e, concomitantemente, © aumento do atimero de impressos (a partir da invengo dos tipos méveis). Todo este movimento nio ocorre de modo isolado. A demands dos novos leitores, évidos por informagoes que ultra~ passassem 0 mundo no qual estavam inseridos, € fic de ser,constatada entre os séculos XV e XVI. Como boa parte da populagio européia nio estava habilitada a leitura, os ouvidos so apurados para se ouvir melhor: relatos, hist6rias de aventuras, misses, livros de hora, serm@es, a ponto de um autor respeitével? chamar o século XVI como *o século da audigao”. 0 interesse por ouvir historias desperta o interesse por lé-tss. ¢ aponta um dos caminhos para que 0 individuo se constitua como tal, pois uma das formas de ler éretirando-se para um espaco fntimo; que possibiliterecothi- ‘mento ¢ reflexde, © mundo coletivo vai se reestruturando e apresentando cespagos para o registro do individual. Neste sentido a arte do retrato na pintura ¢ exemplar. Hé toda uma preocupagdo em reproduzir nfo uma cena ‘andnima, com personagens que podem situar-se em qualquer lugar: agora 0 interesse esté em retratar 0 individuo, valorizd-lo em toda a sua gléria € splendor. ‘Os homens, valorizando sua individualidade, ambicionam a gléria. Para Hobbes, mais do que bens e fortuna, a busca da gléria ¢ de honra sio bjetos do desejo e interesse do homem renascentista. Hobbes almeja gl6- ria e honra individuais. Estes mudangas interferem no forma de se lidar com 0 saber, 0 c0- nhecimento. Para os antigos, a contemplagio desinteressada da verdade, dda naturoza, bastavam. Arquimedes néo encontrava neahum inceresse em divulgar as suas observagies. O mesmo nio podemos observar em Galileu, {ue enfrenta problemas com a Inquisigdo justamente porque divulga seus cconhecimentos ¢ descobertas. Os seus problemas se iniciam ao se tornarem, pliblicas suas aventuras pelo mundo da pesquisa e do conhecimento. Ele insiste em continuar publicando ¢ os seus problemas com a Inquisiglo se ayolumam’, Uma das primeiras punigdes que a igreja impie a Galileu "DUBY, C, RemeeenGEGeInANAiue tn: DUB, G (ow). Hise da vica pavata da Europa ‘feudal ARerascenga. Sto Paulo: Compashiadas Letras, 1290. (vel. I. FEBVRE, Lacie. Ohemem do século XVI. Revstade Hsia 220 Io" janfmargo 1950. SP: USP “RIBEIRO, Renato Janine, Hobbes: o melo ea esperana. In: WEFFORT, Francisco (org). slissicosdapoltica 3'ed Si Paulo: Ata. 1991, vol I *REDONDI,P. Galle hectice. Sto Paulo: Comparhia das Leras, 1991 6 ‘ean eos Fide proibir a reimpressio de todas as suas obras. Hd uma mudanga na concepeio do saber A biblicteca medieval, - tio bem reproduzidanas imagens consiruidas por Umberto Eco em “O nome da Rosa” - é. os pouces, incendiada. Na obra citada,literalmente, e no perfodo ‘moderno, simbolicamente. O espazo do saber sacerdota, inacesstvel para ‘muitos, & substitaido por um saber que conecebe a idéia de progresso, de trabalho coletivo, retoma-se a nogio de laboratério juntamente com uma discussio que tende a positivar o trabalho manual, as artes mecfnicas. O cconhecimento vai, 208 pouces, tornando-se bem publica. Neste contexto, a difusio da leitrae dos textos impressos garham importincia, Dentio desta ‘nova concepgio de saber, a circulagdo das informagées - pela imprensa - colabora para um saber qve so acredita cumalativo, Para Palissy, ceramista francés no século XVI, mesmo aqueles que rio se tivessem habilitado a ler os cldssicos ¢ que ado tivessem passado por ‘uma formagdo clissica, podiam contribuir para o conhecimento da nature +a, pois detinham um coniecimento prético € exatamente nisio consistia 0 ‘valor do seu conhecimento: praticidade*. A natureza volta a ser compsre- ddacom um livro, mas um livro aberto a espera dos homens para fotheé-1o, investigi-lo ¢ conhec€-1o. Se antes a imagem do saber e do conhecimento ‘construfda no perfodo medieval se e(etivava pela intermediagao diving, ‘sia interferéncia se ameniza, se modifica. O conhecimento laiciza-se, Dentro deste contexto € que gostarfamos de investigar os vinculos centre a difusdo da leitura ¢ a constituigao da individualidade. A nova pos- sibilidace de leitura do perfodo modemo - aleitura silenciosa -caminha de ‘mios dadas com uma nova posigdo do sujeito diante do mundo. $6 a partir {da conquista de maior espago privado ha a possibilidade do desenvolvi- ‘mento da leitura ‘ntims, pessoal, reclusa. Os pos moveis de Gutemberg’ e, conseglientemente, a invengio 4aimprense vieram substituir, nfo completamente, o trabalho dos copistas ampliando as possitilidades de reprodugao dos textos. As iluminuras, 0: livros manualmente transcrites continuam circulando nos séculos seguin- tes ao da invengo dos tipos méveis e de seus aprimoramentos. Mais do ue possiblitar um maior nimero de Ieitores, este avango técnico permitiu satisfazer uma necessidade de reclusdo que ja vinha dando sinais da sua existéncia. Agora qualquer pessoa que tivesse proximidade com a leitura Podia retirar-se para refletir silenciosamente. O ato de ler, mesmo na pre: senga de outras pessoas, transforma-se em um ato fntimo, uma leitura si- lenciosa, s6 para si. As medidas dos indices de alfabetizagio sto bastante “ROSS, POs Dlalercasaimalnas: 1400-1700, Sto Paulo: Compania das Letas, 198 "Amoiangstéoncas recess parnadfsto ds textorimpresoe nos string penis ‘vate dostpos moves todo ummovimentonete sentido cme, preempt sth. twig dos pergaminhos por papel, nudangas ma tina, proferagSo des taduore:e copitas Aba Sie Di data o falhas, mas a presenge das assinaturas nos alos juridicos € um des sinsis ‘procarados pelos historiadores que desejam canhecer, porexemplo, as pes- ‘soas alfabetizadas ou com familiaridade com aleiturae escritaentre os sécu- JosXVIKVIM. A taxa de lfabetizagdo na Inglaierm saltade aproximadamen- te 30% em meados do século XVI para quase 70% em meados do século seguinte, isto entre 0s homens. A mesma proporgio pode ser observada no ‘mesmo perfodo na Inglaterra © na Franga*. ( saber ler, incluindo-se aia possibilidade de acesso ao material de leitura proporcionado pelo advento da impressio, vem responder a todo uum movimento que se dirige para 0 individuo. Saber ler € ter mais uma forma dispontvel de estar s0, fugit da intermediaga0 dos homens da Igreja as interpretagdes dos textos religiosos ou de qualquer outra pessoa Ou grupo que detivesse esta habilidade/poder, € estar livre do controle do gru- po. Saber ler é um forma de conguistar a individuslidad, afirmar aliber- dade diante 60 grupo. “Montaigne, filésofo (séculos XVU/XVID, escreve na primeira pes- soa nfo por acaso, pos para ele oconhecimento de si ¢o mais necessario e ‘o mais Gul ao homem, além de ser condigio de uma vida virtuoss”. No perfodio moderno papel que o homem desempenaé de sujeito, ‘data possibilidade de conbecer e fazer sua histria, ctuar no seu destino. Esta nog de sujeito € localizada no perfodo mederno, enquanto na filoso- fia cristo sujeito é Deus e na filosofia grega o sujeito est fundamentado a ordem do todo oder ler e escrever. dispor de livros, de informagées que aio se restriger aos relatos orais e 2s regras transmitidas pela tradi indicam tum dos momentos marcantes desta mudanga. Neste campo, poder-se re20- ther para escrevere ler & um exercicio de privacidade € assim surgem os idsiog fotimos, as antobiografias, 1 confissfo inividualizada. Apesar do fumento no nimero de letores que ocorren apés a invengio da imprensa (barateando os custos dos livros) é interessante observar que este aumento se localizava nos textos religiosos. Eatretanto, a forma de se re: com # religifo sofreu mudangas vertiginosas, todas elas indicardo imrospécyao € solid3o. O “best-seller” do século XVI foi a byblia, nfo sé em latim, mas tradusids em diversas Vnguas, acompanhada por temas re Tigiosos como missais, breviérios, livros de hora, obras mistias. ‘Bvidentemente 0 movimento literério nio se restringiu ao material: religioso. Houve um verdaeico esforgo de divelgesto dos textos em latim ¢ dos autores da antiguidade, camino este facilitado e enceminhado pelos "CHARTIER, Roger As pres da ecra. ln: isin da vida iva Sto Paslo: Compania ‘is Laas, 1992. Voll "BIRCHAL, Tela de Seuza. Mongar ea Modemidade, KRITERION. Delo Horizwat, FAPICHAUPMG,»86,p:7702, agosto devembro!1992 p73. Uren debi Fl pot 6 Buln Gus Resse shumanistas. Jem meados do século XVI, os manuscritos eram consultados apenas por eruditos. A partir daf o mimero de bibliotecas no péra de aumen- tar, ¢0 pablico leitor, como jé era de ser esperar, ndo se restringe aos togados eclesidsticos. Os Ieitores de calendétios, livros dc piedade, almanaques, livros de hora e romances de cavalatia s80 outros. O trabalho dos traduiores <écada vezmals requisitado. Hé fore de leitura. Como estes “famintos” em € outrahist6na, O caso pesquisado por Guinzburg™ do moleiro de um luga- rejoitaliano no “quinkentos”, que foi perseguido pela Inquisigio,ilustra um ponto fundamental: cada um, cada individuo é ¢ interpreta como quer € pode. No caso do moleiro do lugarejo Uldine as interpretagdes encaminkam- se para uma nova cosmologia: o mundo teve sua origem na putrefacdo. A partir dai é possivelimaginar as complicagbes do pobre moleiroitslianocom a Inquisigio, Ele no se continhae divulgava, entre as pessoas que o procu- ravam, suss divagagSes, muito pouco convencioaais mas extremameate pes- soais/individuais, sobre a origem do mundo. Por que o pobre moleiro nfo se caloa, pensou alto com os outros para os outros, comentou as leituras que realizava soltasiamente, tomou pablica sua interpretagio pessoal Mesmo tratando-se da leitura dos textos religiosos convencionais, a possibilidade de live interpretagio estava dada. Lutero, a0 divulgar as suas teses, langa mao de um procedimento costumeiro para as questdes polémi- cas: afixa as suas 95 teses na porta da igreje em 1517. As portas da igreja cram 0 espago para a publicidade de questdes eruditas, polémicas. Isto ro inicio do século XVI, mesmo século dos avancos que possibilitaram a ex- traordinéria ampliagéo do niimero de leitores: 2 invencéo da imprensa. Com este movimento de afixar suas idsias que eriticavam a Igreja Cat6li- ca, Lutero sinaliza uma das idéias contidas no movimento ds reforma: os homens devem interpretar (ndo livremente) 0s textos sagrados. Para tanto devem saber ler néo s6 para acompanhar, de forma diferenciada, os eultos religiosos como também para, quando recolhidos em seu isclamento, dar ontinuidade aos atos reigiosos. (O que € marcante neste perfodo, dentre outros aspectos que indicam uma disposigdo e ao mesmo tempo uma imposigo da privacidade no seu sentido moderno, é 0 movimento ds leitura e da sua difusfo como um dos ccaminhos para o encontro consigo mesmo, para o estabelecimento do mun- do privado e fntimo, A magica de se poder estar s6 mesmo na companhia de outros. Esta idéia é fundamental na constituigo do homem modern enquanto sujeito da sia prépria hist6ria. A conquista da leitura silenciosa poder ser considerada um dos sfmbolos deste homem, que sos poucos, lan- 2 as bases para noves movimentos. "OGUINZBURG, Carlo, Qqusiae snes: ocotdano cs idéiasdeummeleirepeseguide pels Inguisigte. Sto Paulo: Companhia das Latte, 1987, LOCUS ried ia i lA pe

Vous aimerez peut-être aussi