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Centro de Estudos Sociais

Universidade de Coimbra

União Europeia

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CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS
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CONSELHO DE REDAÇÂO DOS E-CADERNOS CES


MARTA ARAÚJO (Directora)
ANA CORDEIRO SANTOS
CECÍLIA MACDOWELL SANTOS
JOSÉ MANUEL MENDES
LAURA CENTEMERI
MARIA JOSÉ CANELO
MATHIASTHALER
SILVIARODRÍGUEZMAESO

AUTORES
RAQUEL FREIRE, PAULA DUARTE LOPES, PASCOAL SANTOS PEREIRA, CATARINA PIMENTA, LUÍS MIGUEL DA VINHA, FERNANDO
CAVALCANTE, MATEUS KOWALSKI, GILBERTO CARVALHO DE OLIVEIRA, CARLOS MARTINS BRANCO, ANTONIO RAMALHO DA ROCHA

DESIGN GRÁFICO DOS E-CADERNOS CES


DUPLO NETWORK, COIMBRA
www.duplonetwork.com

PERIODICIDADE
TRIMESTRAL

VERSÃO ELECTRÓNICA
ISSN 1647-0737

© CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS, UNIVERSIDADE COIMBRA, 2009


PEACEKEEPING:
PEACEKEEPING: ACTORES, ESTRATÉGIAS E
DINÂMICAS

ORGANIZAÇÃO
Maria Raquel Freire, Paula Duarte Lopes

CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS


2009
2009

3
Índice

Introdução ................................................................................................................... 4
Maria Raquel Freire e Paula Duarte Lopes - A segurança internacional e a
institucionalização da manutenção da paz no âmbito da ONU: riscos e
expectativas ........................................................................................................... 6
Pascoal Santos Pereira - Porque participaram tantos países nas missões do
Kosovo? ............................................................................................................... 24
Catarina Pimenta - Libéria 1993: o “não” das grandes potências militares do
peacekeeping ....................................................................................................... 35
Luís Miguel da Vinha - As Empresas Militares Privadas e o peacekeeping .......... 45
Fernando Cavalcante - Sucesso ou fracasso? Uma avaliação dos resultados da
MINUSTAH .......................................................................................................... 56
Mateus Kowalski - A avaliação das missões de paz na Costa do Marfim ............. 67
Gilberto Carvalho de Oliveira - Relações entre civis e militares nas operações de
paz ...................................................................................................................... .77

@cetera..................................................................................................................... 85
Carlos Martins Branco - A participação de Portugal em operações de paz. Êxitos,
problemas e desafios ............................................................................................ 86
Antonio Jorge Ramalho da Rocha - Política externa e política de defesa no Brasil:
Civis e militares, prioridades e a participação em missões de paz ...................... 142

4
Introdução
Este número temático centra-se nas missões de peacekeeping da Organização das
Nações Unidas. No contexto actual estas missões tornaram-se um elemento central da
estratégia das Nações Unidas para a promoção da paz e segurança internacionais. Esta
estratégia tem evoluído em termos de mandatos, actores envolvidos e cenários de crise.
A amplificação das intervenções envolve um grande número de diferentes actores para
além das Nações Unidas, promovendo novas estratégias. Nesta colectânea são
analisadas diferentes perspectivas: missões específicas, como por exemplo o Haiti ou o
Ruanda e dimensões particulares de operacionalização, como a privatização, a questão
de género ou a relação entre civis e militares. São ainda analisadas diferentes dinâmicas
que suscitam reflexões teóricas ao nível dos diferentes tipos de missões (peacekeeping e
peacebuilding), ao nível do tipo de paz subjacente a estas intervenções (negativa e/ou
positiva) e ao nível das motivações associadas à participação (ou não) de diferentes
estados membros.
A temática em análise resulta de uma reflexão no âmbito do Programa de
Doutoramento em Política Internacional e Resolução de Conflitos (edição 2008-2009)
desenvolvida pelo grupo de doutorandos/as ao longo dos seminários doutorais. Este
Programa reflecte uma preocupação teórica e empírica associada ao trabalho
desenvolvido pelo Núcleo de Estudos para a Paz do Centro de Estudos Sociais. No
quadro das linhas fundamentais de investigação do Núcleo salientam-se as questões
associadas ao modelo de intervencionismo global e às políticas de reconciliação e
resistência resultantes de situações de violência. Estas são expressas na discussão
desenvolvida neste número.

Organização deste número


As contribuições do programa doutoral incluem um texto de abertura de Maria Raquel
Freire e Paula Duarte Lopes sobre a institucionalização das missões de paz, uma
reflexão teórica que serve de pano de fundo aos textos que se seguem. O alinhamento
segue uma lógica de aprofundamento, discutindo questões relacionadas com níveis de
participação (Pascoal Pereira e Catarina Pimenta), com tipos de missões e dimensões
qualitativas das mesmas (Luís da Vinha), bem como com a sua avaliação (Fernando

4
Cavalcante e Mateus Kowalski). Termina com um texto de reflexão teórica sobre as
relações civis-militares (Gilberto Oliveira).
A secção @-cetera inclui duas contribuições de especialistas convidados, as quais
desde já agradecemos, e que debatem a participação e envolvimento de diferentes
países em missões de paz, nomeadamente Portugal e Brasil. O primeiro, da autoria do
General Carlos Martins Branco, do Exército Português, com uma experiência de terreno
reconhecida nacional e internacionalmente, apresenta uma reflexão sobre a participação
portuguesa em diferentes cenários e com diferentes meios, traçando um quadro
referencial da actuação de Portugal nestes contextos. O segundo, do Doutor António
Jorge Ramalho da Rocha, Professor da Universidade de Brasília, apresenta uma reflexão
pessoal sobre o papel do Brasil na missão de paz do Haiti fundamentada na sua
experiência no terreno.
Como organizadoras deste número gostávamos de destacar a relevância deste tipo
de iniciativas na divulgação do trabalho que se tem vindo a desenvolver no âmbito do
programa de doutoramento, agradecendo o empenho e envolvimento dos autores. Por
todas estas razões, consideramos este número temático um contributo importante para
os estudos nesta área.

Maria Raquel Freire e Paula Duarte Lopes

5
A SEGURANÇA INTERNACIONAL E A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA MANUTENÇÃO DA PAZ NO
ÂMBITO DA ONU: RISCOS E EXPECTATIVAS

MARIA RAQUEL FREIRE E PAULA DUARTE LOPES


CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS, UNIVERSIDADE DE COIMBRA

Resumo: A segurança tem vindo a assumir novos contornos em que a manutenção da paz
se tornou um elemento central. A sua importância crescente enquanto estratégia de
intervenção pacífica no quadro das Nações Unidas (ONU) aumenta o seu potencial para
contribuir para uma cultura de segurança internacional mais coerente e flexível. O artigo
discute a relação entre segurança internacional e manutenção da paz, enquadrando a
análise numa reflexão conceptual de paz e violência e as suas diferentes intensidades num
continuum. Entende-se que foi criada uma janela de oportunidade devido à
institucionalização da manutenção da paz, principalmente através de maior participação e
empenho. No entanto existem ainda vários riscos subjacentes a esta dinâmica, os quais
estão fortemente inter-relacionados na forma como restringem ou promovem a paz e a
segurança internacional.
Palavras-chave: manutenção da paz, segurança internacional, Nações Unidas, continuum
de pazes e violências.

“no nosso mundo actual e no futuro próximo não há lugar para


o não envolvimento internacional em conflitos violentos. Em
vez disso, há uma escolha entre o envolvimento legítimo e
outras formas de intervenção mais funestas.”

Kofi A. Annan, 1996: 170

INTRODUÇÃO
Num ambiente de pós-pós-Guerra Fria, a segurança ganhou novos contornos em que a
manutenção da paz se tornou um elemento central de estabilização. Ainda que no âmbito
dos Estudos da Segurança este papel de manutenção da paz seja essencialmente
periférico, uma vez que não é uma questão central na agenda da segurança
internacional, a sua importância crescente enquanto estratégia de intervenção pacífica no
quadro das Nações Unidas (ONU) aumenta o seu potencial para contribuir para uma
cultura de segurança internacional mais coerente, flexível e estável.

6
As missões de manutenção da paz evoluíram ao longo do tempo e as dinâmicas mais
recentes sugerem uma tendência de institucionalização. Esta tendência é o resultado
quer de um número crescente de missões de manutenção da paz das Nações Unidas, o
que reflecte uma participação cada vez maior dos Estados individuais, quer de um maior
comprometimento destes actores em relação a este tipo de missões. Não existe
necessariamente uma relação directa entre esta tendência de institucionalização e a
promoção da segurança internacional. Na verdade, o contributo para a segurança
internacional varia em função das dinâmicas de participação e de comprometimento dos
actores envolvidos nos diferentes níveis de análise (internacional, regional e estatal).
O conceito de segurança internacional sofreu alterações substanciais com o final da
Guerra Fria, alargando a sua abrangência, incluindo dimensões sectoriais para além da
tradicional segurança militar (ambiental, societal, entre outras); e aprofundando a sua
incidência, para além do contexto estatal, incluindo outras unidades de análise, como a
comunidade ou o indivíduo. Assim, a segurança internacional é aqui entendida como
sendo mais do que a simples garantia da integridade física/territorial. Para esse fim, esta
deve estar enraizada em culturas de paz, contribuindo para uma paz holística e
sustentável e, por sua vez, ser sustentada por essa mesma paz. Esta relação dialéctica é
informada pelo continuum de pazes e violências, em oposição à dicotomia simplista entre
paz e violência. Em diferentes contextos a segurança ganha contornos diferentes em
resultado das intensidades variáveis das pazes e das violências entendidas no âmbito do
continuum, uma vez que estas não são auto-excluíveis. A abordagem das Nações Unidas
tem sido informada pelos Estudos da Paz no seu comprometimento para a promover, não
apenas através da manutenção da paz (paz negativa: ausência de guerra/violência), mas
também pela promoção de condições estruturais para a paz (Galtung, 1969) (paz
positiva: segurança humana).
O potencial de institucionalização para a segurança internacional tem lugar a
diferentes níveis (internacional, regional e estatal). Neste artigo argumentamos que a
participação e comprometimento dos actores envolvidos nestes diferentes níveis podem
melhorar, enfraquecer ou não ter qualquer efeito na estabilidade do sistema internacional.
Isto significa que este processo de envolvimento não é linear. Além do mais, varia em
função do nível de análise que for considerado. As ligações entre os diferentes níveis de
análise são essenciais para perceber melhor as consequências deste processo de
institucionalização no sistema internacional. Neste artigo defendemos que a
institucionalização constitui, então, uma janela de oportunidade para melhorar a
segurança internacional.
Neste artigo começamos por discutir a relação entre segurança e manutenção da paz
na promoção desta e da segurança internacional, apresentando uma panorâmica geral

7
dos diferentes tipos de missões de manutenção da paz das Nações Unidas. De seguida,
enquadramos a análise em termos conceptuais ao definir a paz e a violência e as
diferentes combinações das suas intensidades num continuum. Isto permite um
distanciamento da dicotomia simplista entre paz e violência enquanto meio para analisar
melhor os riscos e expectativas da manutenção da paz. Além disso, sublinhamos a
necessidade de a manutenção da paz da ONU estar enraizada em culturas de paz, no
sentido de promover a paz e a segurança internacional. Neste artigo argumentamos que
foi criada uma janela de oportunidade em resultado da institucionalização da manutenção
da paz, principalmente através de maior participação e empenhamento. Esta discussão
envolve três níveis diferentes de análise: Nações Unidas, regional e estatal. O nosso
argumento vai mais longe e conclui que, apesar de a janela de oportunidade criar as
condições para um sistema internacional de manutenção da paz mais coerente, flexível e
estável, ainda existem vários riscos subjacentes a estas dinâmicas. Estes riscos e
expectativas inerentes à institucionalização da manutenção da paz das Nações Unidas
estão fortemente inter-relacionados na forma como restringem ou promovem a paz e a
segurança internacional.

MANUTENÇÃO DA PAZ E SEGURANÇA INTERNACIONAL


O conceito de segurança num período pós-pós-Guerra Fria foi não apenas ampliado, mas
também aprofundado para além da mera existência de ameaças a um Estado. A sua
ampliação está reflectida na consideração de distintas dimensões de segurança para
além da integridade territorial, tais como a segurança económica ou ambiental (Homer-
Dixon, 1994). O conceito de segurança também se aprofundou, no sentido em que, para
além do Estado, inclui actores enquanto sujeitos de segurança como o indivíduo
(segurança humana) ou a sociedade (Waever et al., 1997; UNDP, 1994).
O regime de segurança das Nações Unidas não só se tornou a opção “obrigatória”
por excelência para a cooperação de segurança como se tornou também uma fonte de
legitimidade para as operações de paz e uma referência aceite para o comportamento
regional e estatal no que respeita à segurança (inter)nacional. O artigo 24.º da Carta das
Nações Unidas confere “ao Conselho de Segurança a principal responsabilidade pela
manutenção da paz e da segurança internacionais” e as missões de manutenção da paz
das Nações Unidas tornaram-se uma estratégia para esse fim. No entanto, a Carta das
Nações Unidas não prevê missões de manutenção da paz, apesar de conter elementos e
princípios que reflectem o espírito no âmbito do qual estas missões são concebidas. O
entendimento em que se acordou para enquadrar as missões de manutenção da paz
encontra-se de alguma forma entre o Capítulo VI (resolução pacífica de disputas) e o

8
Capítulo VII (medidas de imposição da paz quando esta é ameaçada ou violada ou
quando se verificam actos de agressão), sendo designado por “Capítulo VI e ½”.
Verifica-se a existência de uma terminologia diversa e não consensual para
caracterizar as missões de manutenção da paz das Nações Unidas. O fim da Guerra Fria
tornou-se para muitos um momento definidor que influenciou a natureza da manutenção
da paz (Cottey, 2008; O’Neill e Rees, 2005), enquanto outros defendem que, apesar de
ter constituído uma mudança fundamental, não implicou uma redefinição estrutural destas
missões (Mullenbach, 2005; Bellamy, Williams e Griffin, 2007; Jakobsen, 2002). Na
verdade, os últimos identificaram dinâmicas no período pós-Guerra Fria que já estavam
presentes antes do fim da rivalidade bipolar; determinados tipos de funções levadas a
cabo pela manutenção da paz durante o período da Guerra Fria são também
desempenhadas nos dias de hoje; e certas tendências, actualmente identificadas como
novas, como a regionalização das intervenções, já se verificavam antes do fim da
bipolaridade.
A manutenção da paz das Nações Unidas evoluiu de forma a abranger uma ampla
variedade de funções, tornando difícil classificá-las de uma forma coerente (para uma
boa panorâmica geral, ver Fortna e Howard, 2008). As tipologias existentes reflectem
diferentes abordagens às dinâmicas do sistema internacional e ao papel da manutenção
da paz relativamente à paz e à segurança. Por conseguinte, alguns autores ainda estão
muito apegados a uma visão cronológica traduzida em diferentes gerações, que reflecte a
crescente complexidade destas intervenções (Cottey, 2008; Woodhouse e Ramsbotham,
2005; O’Neill e Rees, 2005; Doyle, 1996). Referem-se a missões clássicas ou
tradicionais; a missões multidimensionais, integradas, complexas ou multifuncionais; a
operações de apoio à paz; alguns identificam ainda uma potencial nova geração, como
as intervenções cosmopolitas (Woodhouse e Ramsbotham, 2005). Outros acrescentam
ou incluem ainda nesta lista de gerações as intervenções humanitárias (Cottey, 2008) e
as missões de imposição da paz (Doyle, 1996). O uso da força é ainda bastante debatido,
havendo divergências quanto à sua inclusão (Bellamy, Williams e Griffin, 2007: 5-6) ou
não (O’Neill e Rees, 2005: 205; Annabi, 1995: 39) como possibilidade no âmbito das
missões de manutenção da paz. Um outro debate ainda em aberto refere-se à relação
entre a manutenção da paz e a construção da paz, no que respeita à questão de as
tarefas de construção da paz deverem ou não ser incluídas nos mandatos de
manutenção da paz e até que ponto.
Outros autores propõem uma leitura diferente desta diversidade, rejeitando a
utilização do termo “gerações” e adoptando uma terminologia mais flexível, com base em
tipos de intervenção, independentemente de um modelo cronológico (Bures, 2007;
Bellamy, Williams e Griffin, 2007; Boutros-Ghali, 1992). Por exemplo, An Agenda for

9
Peace (Boutros-Ghali, 1992) propõe quatro tipos de intervenções para as Nações Unidas
(diplomacia preventiva, pacificação (peacemaking), manutenção da paz e construção da
paz), em que a manutenção da paz é definida como

[…] o posicionamento de uma presença das Nações Unidas no terreno, até agora
com o consentimento de todas as partes, envolvendo normalmente militares e/ou
polícias das Nações Unidas e frequentemente civis também. A manutenção da paz
é uma técnica que aumenta as possibilidades quer da prevenção de conflitos, quer
de fazer a paz. (Boutros-Ghali, 1992: Capítulo II, § 20)

E, por conseguinte, abarca um potencial para contribuir positivamente para a paz e a


segurança internacional. Bellamy, Williams e Griffin (2007: 5-6) distanciam-se da
abordagem geracional, propondo cinco tipos de operações de manutenção da paz:
operações tradicionais, de gestão da transição, de manutenção da paz em sentido amplo,
de imposição da paz e de apoio à paz.
Apesar da proliferação dos tipos de missões de manutenção da paz, existe algum
consenso, mesmo que não seja explícito, à volta de três tipos de missões. O primeiro tipo
de missões – a tradicional manutenção da paz – tem a seu cargo a observação do
cumprimento das condições estabelecidas em acordos de paz e de cessar-fogo, com o
consentimento das partes envolvidas, sem o uso da força e com base no princípio da
imparcialidade (“santíssima trindade”). O seu objectivo principal é garantir que nenhum
dos grupos beligerantes exerça violência física. Destas missões com estes mandatos
surgem dois problemas principais. Primeiro, os grupos beligerantes não são facilmente
identificados, o que torna mais difícil que a missão verifique quem é que está a cumprir
ou a infringir as condições acordadas. Segundo, apesar de se acordar algum tipo de paz
antes do envio da missão de manutenção da paz, a violência pode persistir, seja por uma
reescalada das tensões anteriores ou sob uma forma mais dissimulada, tornando-se
invisível para os soldados, uma vez que se transforma de uma ameaça directa à paz e à
segurança internacional numa questão de criminalidade doméstica/transnacional. Em
resultado disso, a dicotomia convencional de violência e paz subverte os mandatos
destes soldados. Isto pode comprometer o potencial contributo destas missões para a
paz e a segurança internacional ao limitar a sua eficácia e credibilidade.
Durante a década de 1990, com o alargamento e aprofundamento do conceito de
segurança, as Nações Unidas procuraram também alargar e aprofundar os mandatos das
suas missões de modo a incluir dimensões sociais, económicas, psicológicas e de
segurança – a manutenção multidimensional da paz. Sentiu-se que havia a necessidade
de adaptar os mandatos das missões de modo a que estas incluíssem mais do que a

10
observação e a manutenção da paz, nomeadamente, a segurança humana, a
consolidação de confiança, acordos de partilha de poder, cooperação eleitoral, reforço do
Estado de direito e desenvolvimento social e económico (mais tarde reconhecidos no
Relatório Brahimi, 2000). Estas novas missões vão mais longe do que os mandatos
iniciais e, para além de soldados e polícias, também incluem pessoal civil. Até então, a
tarefa de construir a paz estava normalmente nas mãos de agências oficiais de apoio ao
desenvolvimento, quer bilaterais quer multilaterais, e de organizações não-
governamentais. Estas agências teriam de aguardar até que a sua ida fosse segura e só
então é que a construção da paz teria início.
A incorporação destas questões nos mandatos de manutenção da paz reflecte o
entendimento de que a construção da paz não pode começar só depois da contenção da
violência mas, sim, muito mais cedo do que isso. Esta alteração constitui um passo em
frente em direcção a um entendimento sustentável e holístico da paz e da segurança,
incluindo sem margem para dúvidas a segurança humana. Apesar de incluírem um
número maior de civis, as estruturas de comando e a maioria do pessoal destas missões
continuam a ser militares, treinados para a guerra; e, ao mesmo tempo, os mandatos
parecem quase impossíveis de cumprir, uma vez que esta multidimensionalidade se torna
excessivamente ampla. A ideia é garantir a paz através de meios pacíficos e enquadrar
estas missões claramente no âmbito do Capítulo VI da Carta das Nações Unidas, mas o
pessoal das missões de manutenção da paz não é treinado com esse objectivo. Além
disso, apesar da conformidade com a “santíssima trindade” continuar a ser uma condição
central, mantêm-se as questões que dizem respeito ao uso da força. Os graves fracassos
das missões de manutenção da paz das Nações Unidas do início dos anos 1990 –
Angola, Bósnia, Ruanda e Somália – mostraram a relevância deste problema.1 Em
resultado disso, as Nações Unidas não foram capazes de desempenhar o papel positivo
de promotoras e garantidoras da paz e da segurança internacional.
Desde o início do século XXI, e em resposta às dificuldades que as Nações Unidas
enfrentavam, tomou forma um terceiro tipo de missão de manutenção da paz. Esta
alteração enquadra-se bem na proposta de Kofi Annan relativamente à necessidade de
demonstrar “uma disponibilidade para repensar a forma como as Nações Unidas
respondem às crises políticas, humanitárias e de direitos humanos que afectam uma
grande parte do mundo” (Annan, 1999). Se, no que respeita ao segundo tipo de missões,
a alteração é feita em direcção ao Capítulo VI da Carta, este terceiro tipo move-se para o
lado oposto, na direcção do Capítulo VII. Parece haver finalmente uma intenção de dar
“dentes e garras” a estas missões e a ênfase reside na segurança humana colectiva e,
com esse propósito, em permitir a imposição da paz. Estas missões combinam “uma
1
Para mais informação, consultar Bellamy e Williams, 2004; Doss, 2008; Gowan, 2008.

11
maior robustez militar” com “normas cosmopolitas internacionais” (Ramsbotham, et al.,
2005: 147), como a responsabilidade de proteger.
Se os dois tipos de missões de manutenção da paz se caracterizam pela
necessidade de as partes beligerantes consentirem na intervenção, este terceiro tipo de
manutenção da paz tenta resolver esta questão ao concentrar-se na “responsabilidade de
proteger” (ICISS, 2001) para legitimar o uso da força. Isto pode ser lido como um
contributo para a paz e a segurança internacional, uma vez que capacita o pessoal das
missões para o cumprimento dos seus mandatos. No entanto, não se trata de uma
relação linear. Por um lado, não garante ou promove necessariamente a paz; por outro
lado, levanta a questão da legitimidade das Nações Unidas. Além disso, desde o início do
século XXI, tem estado a tomar forma um quarto tipo de missão com base em
desenvolvimentos, nomeadamente em Timor-Leste e no Kosovo, que acrescentam à
natureza multidimensional e multinível um elemento mais explícito de governação, que se
torna operacional nas administrações transitórias.
As explicações da corrente dominante para estes diferentes tipos de missões de
manutenção da paz partem da dicotomia entre paz e violência. Defendemos aqui que
esta abordagem simplista constitui um obstáculo à análise das dinâmicas de manutenção
da paz. As missões de manutenção da paz foram criadas para manter a paz, com base
no pressuposto de que ou há paz ou violência. Esta posição omite o facto de que em
cada situação há uma combinação de diferentes intensidades de paz e violência.
Negligenciar esta complexidade limita a compreensão global das possíveis
consequências dessas missões para a paz e a segurança internacional.

CONCEPTUALIZAR A PAZ E A VIOLÊNCIA


A adopção de um continuum de pazes e violências enquanto combinação de diferentes
intensidades de paz e violência capta melhor as dinâmicas das situações de conflito. Isto
significa que, mesmo em contextos de paz formal, a violência não desaparece; apesar de
não estar generalizada, porque existem condições estruturais para lidar com ela de forma
pacífica, como a ausência de violência física e psicológica organizada, a satisfação de
necessidades humanas básicas e, a nível institucional, estruturas representativas e
proporcionais de partilha do poder e a promoção e protecção dos direitos humanos.
Mesmo nestes casos, podem encontrar-se bolsas geográficas ou concentrações sociais
de violência generalizada, mas estas não são uma característica predominante da
sociedade no seu todo. Do mesmo modo, em contextos violentos, a paz não desaparece,
apesar de não ser uma característica predominante da sociedade no seu todo. Mesmo
nestes casos, os indivíduos ou os grupos podem recorrer a meios pacíficos na sua vida
quotidiana. Esta escolha de meios pacíficos ou violentos reflecte as condições estruturais

12
básicas acima mencionadas. Quando estas estão reunidas, há uma tendência maior para
recorrer a meios pacíficos para lidar com os conflitos, e a situação oposta também se
verifica.
O tipo de violência aqui abordado inclui actos regulares e organizados de agressão
física e/ou psicológica generalizados na sociedade e a ausência de condições humanas
básicas, sejam elas económicas, institucionais, identitárias ou outras. O nosso argumento
é que este tipo de violência pode ser evitado se as condições estruturais básicas para a
paz estiverem estabelecidas. A paz é aqui entendida como um processo holístico que
implica a ausência de violência física e psicológica organizada, a satisfação de
necessidades humanas básicas e, a nível institucional, estruturas representativas e
proporcionais de partilha de poder e a promoção e protecção dos direitos humanos. Além
disso, este conceito de paz está enraizado num quadro normativo – culturas de paz –, em
que a paz é o núcleo central que dá corpo à acção.
A cultura da paz é definida pelas Nações Unidas como “um conjunto de valores,
atitudes, modos de comportamento e formas de viver que rejeitam a violência e [a] evitam
ao lidar com as causas que lhe estão na raiz para resolver os problemas através do
diálogo e da negociação entre os indivíduos, grupos e nações” (Nações Unidas, 1998a e
1998b). Esta definição abarca os principais elementos que devem estar subjacentes à
manutenção da paz. No entanto, o termo “cultura da paz” aponta para uma cultura da paz
enquanto “culturas de paz” capta melhor as diferenças em intensidade ao longo do
continuum das pazes e das violências. Isto não reflecte uma leitura relativista da
realidade, mas antes pretende captar as complexidades e especificidades de contextos
diferenciados, tendo em conta a diversidade das intensidades da paz e da violência.
Deste modo, o continuum permite captar essas diferenças e, assim, informar melhor as
estratégias de manutenção da paz concebidas de modo a serem enraizadas nas culturas
de paz.
O carácter multidimensional da paz e da violência exige um olhar mais próximo das
dinâmicas subjacentes às missões de manutenção da paz, em especial porque a paz e a
violência não são auto-excludentes. Se esta complexidade for reconhecida, a análise dos
contextos em que a manutenção da paz opera irá reflectir a dialéctica intrínseca entre a
paz e a violência. Isto permite uma resposta mais inclusiva para a promoção e
consolidação da segurança humana no âmbito de um conceito holístico de paz,
contribuindo para a paz e a segurança internacional.
Na sua origem, as missões de manutenção da paz são dirigidas à paz. Ainda que
todos os tipos de manutenção da paz tenham potencial para melhorar a paz e a
segurança internacional por diversos meios, de acordo com o quadro acima discutido,
aqueles que incluem mandatos de segurança alargados e aprofundados estão,

13
alegadamente, mais bem preparados para trabalhar para esse objectivo (por exemplo,
manutenção da paz multidimensional e sólida). No entanto, nem todos os tipos de
manutenção da paz abrangem o comprometimento (incluindo o uso da força) e as
funções mais amplas (incluindo a segurança humana) que são necessários, reflectindo
muitas vezes um distanciamento das culturas de paz. A manutenção da paz ainda está
muito enquadrada numa lógica militar, o que pode enfraquecer os esforços para enraizar
as suas acções em culturas de paz. Esta situação pode enfraquecer o objectivo global da
paz e da segurança internacional.

DINÂMICAS DA INSTITUCIONALIZAÇÃO: TRIANGULAR A PARTICIPAÇÃO E O

COMPROMETIMENTO

A tendência da institucionalização da manutenção da paz das Nações Unidas é aqui


entendida como resultado do número crescente das suas missões, reflectindo também
uma participação cada vez maior dos Estados, de actores regionais e de organizações
nessas missões. Subjacente a esta participação está um claro comprometimento dos
Estados e das organizações internacionais com as missões de manutenção da paz como
elemento central, apesar da sua natureza periférica no âmbito dos Estudos da
Segurança. Este comprometimento é também visível nos discursos oficiais e nos
documentos institucionais respeitantes à manutenção da paz. A combinação de
comprometimento e participação varia de acordo com os diferentes níveis de análise. Isto
significa que uma crescente participação e comprometimento num nível de análise pode
contribuir para a paz e a segurança internacional, ainda que, simultaneamente, possa
enfraquecer a contribuição de outro(s) nível(is) para o mesmo objectivo, conforme se irá
analisar com mais profundidade. Estas variações nos diferentes níveis de análise têm
impacto na legitimidade e credibilidade das missões de manutenção da paz das Nações
Unidas, resultando também numa melhoria, ou não, da paz e da segurança internacional.
Deste modo, a relação entre a manutenção da paz e a paz e a segurança internacional
tem de ser analisada de uma forma triangular, em que as dinâmicas ao nível regional,
das Nações Unidas e dos Estados, interagem claramente para a configuração da paz e
da segurança internacional.
Como responsável primária pela manutenção da paz e da segurança internacional,
as Nações Unidas têm permanecido “a peça central do sistema internacional de
manutenção da paz, fornecendo 50% de todo o pessoal das missões no terreno” (CIC,
2008: 2) e mantendo, desde 1992, uma média de cerca de 15 missões activas de
manutenção da paz por ano, com a procura de pessoal para as mesmas a aumentar
(Pelz e Lehmann, 2007: 1). Estas dinâmicas têm sido reflectidas a nível institucional num
esforço para planear e organizar melhor o sistema de manutenção da paz das Nações

14
Unidas. Tem sido, no entanto, uma dinâmica reactiva na resposta a alterações e
desenvolvimentos no terreno. Os exemplos incluem o Relatório Brahimi (Nações Unidas,
2000), o documento Operações de Paz 2010 (Nações Unidas, 2006) e a “Doutrina
Capstone” (Nações Unidas, 2008).
O Relatório Brahimi reconhece que não só devia haver missões de manutenção da
paz lideradas pelas Nações Unidas, mas também que estas poderiam ser lideradas e/ou
coordenadas por um Estado-membro, um grupo de Estados-membros ou por uma
organização internacional. Este reconhecimento realça claramente a centralidade dos
níveis regional e estatal para um funcionamento coerente e eficaz do sistema
internacional de manutenção da paz. O Relatório Brahimi institucionalizou ainda mais a
manutenção da paz como actividade central das Nações Unidas, “uma actividade que é
única no seu âmbito e amplitude e na qual todos temos um interesse substancial”
(Guéhenno, 2006).
O comprometimento que existe em todo o mundo para a formação em manutenção
da paz contribui ainda mais para a institucionalização destas missões, no sentido em que
um número crescente de forças militares e civis terão formação em manutenção da paz.
Ainda que esta formação seja um complemento à preparação militar base da maioria do
pessoal de manutenção da paz, ela constitui uma preocupação central, em sintonia com
as recomendações do Relatório Brahimi. A criação de uma força militar treinada
especificamente para a manutenção da paz constitui um sinal claro da tendência de
institucionalização já identificada.
Esta mudança envolveu outros passos diferentes no processo de institucionalização
da manutenção da paz. Em 2006, o Subsecretário-geral para a Manutenção da Paz,
Jean-Marie Guéhenno, elaborou um plano quinquenal – Operações de Paz 2010 – em
que se estabeleciam objectivos globais para as missões de manutenção da paz das
Nações Unidas até 2010. Isto demonstra claramente uma preocupação em fornecer um
quadro articulado para a participação, implicando um maior comprometimento dos
Estados-membros e das organizações regionais. No ano seguinte, Ban Ki-Moon, recém-
empossado Secretário-geral, deu-lhe seguimento e reestruturou o Departamento de
Operações de Manutenção da Paz das Nações Unidas (DPKO), criando um
Departamento de Apoio às Missões como meio de melhorar a relação entre a Sede e as
missões no terreno. Para além de assentar no comprometimento dos Estados-membros e
das organizações regionais, também contribui para aumentar a legitimidade das Nações
Unidas no terreno. Estes desenvolvimentos incluem implicitamente como objectivo a
promoção da paz e da segurança internacional.
Para consolidar ainda mais esta estratégia, as Nações Unidas apresentaram, em
2008, um manual de princípios e orientações para o envio de missões de manutenção da

15
paz, congregando a natureza multidimensional e multinível da sua implementação. Este
manual ficou conhecido por “Doutrina Capstone”, conferindo uma base mais sólida à
manutenção da paz e reforçando as dinâmicas da institucionalização. Estes
desenvolvimentos forneceram uma base para reforçar a manutenção da paz ao nível
regional, das Nações Unidas e dos Estados, melhorando o potencial para a promoção da
paz e da segurança internacional. No entanto, não se trata de um processo linear. Por um
lado, são documentos políticos sem força legal e, por outro, a relação triangular dos
níveis Nações Unidas-regional-Estados nunca é clarificada em relação à articulação no
terreno.
As missões regionais de manutenção da paz tornaram-se uma alternativa para umas
Nações Unidas sobrecarregadas, ao permitirem um aumento dos recursos humanos e
materiais para além do limitado quadro orçamental e de pessoal das Nações Unidas.
Contudo, não é clara a forma como a ligação entre estes actores regionais, sejam eles
um Estado, um grupo de Estados ou coligações ad hoc, se relaciona com as Nações
Unidas. Isto pode sugerir que, em vez de agirem de uma forma complementar em relação
ao sistema de segurança colectivo das Nações Unidas, se possam tornar “agentes locais
de quem detém a hegemonia regional em questão” (Bellamy e Williams, 2004: 194),
desviando-se, assim, do próprio objectivo primário da sua existência. No entanto, isto não
compromete o nível de sucesso destas missões. Compromete, sim, a forma como estas
missões se inter-relacionam com as Nações Unidas, correndo claramente o risco de não
desempenharem um papel complementar e de, em vez disso, porem em risco o quadro
de segurança internacional das Nações Unidas (para exemplos concretos, ver Bellamy e
Williams, 2004: 196).
A regionalização não significa necessariamente que as missões sejam direccionadas
apenas para determinadas regiões mas, antes, que as missões sejam constituídas a nível
regional (sendo também possíveis operações fora da área).2 Este processo veio reforçar
a possibilidade de estes actores estabelecerem missões de manutenção da paz
exclusivamente com base nos seus próprios contributos, para além de criarem as
condições para missões híbridas. Estas últimas referem-se às missões das Nações
Unidas em colaboração com outras organizações ou actores regionais (Pugh, 2008: 418).
Além disso, a manutenção da paz regional também pode ser conduzida por organizações
regionais (p. ex. União Europeia, OTAN, União Africana); por coligações ad hoc; por
Estados proeminentes da região que assumam a liderança política e militar das
operações das Nações Unidas (p. ex. o Brasil no Haiti); e pelos principais poderes

2
Ver, por exemplo, as operações de manutenção da paz lideradas e constituídas exclusivamente por
Estados-membros da União Europeia ou as realizadas em África sob responsabilidade da ECOWAS.

16
regionais que assumam este encargo nas regiões em que se inserem (p. ex. a Austrália
no Pacífico Sul) (Cottey, 2008: 440).
A manutenção da paz regional “normalmente defende os objectivos e princípios [da]
Carta das Nações Unidas” (Ramsbotham et al., 2005: 143). Isto sugere o reconhecimento
de um número crescente de actores diferenciados envolvidos na condução das missões,
desde as operações tradicionais lideradas pelas Nações Unidas às missões que não são
lideradas pelas Nações Unidas, mas sim por Estados individuais, organizações regionais,
coligações e mesmo organizações não-governamentais, sendo que algumas destas
missões não têm necessidade de autorização prévia do Conselho de Segurança, com a
condição de que não se recorra à força.
Apesar destes desenvolvimentos positivos, a regionalização também tem o potencial
de distorcer os princípios e objectivos das Nações Unidas para os quais a manutenção da
paz foi inicialmente criada. A regionalização pode facilmente contribuir para a solidez
militar pretendida, mas também pode implicar a instrumentalização das forças de
manutenção da paz, enfraquecendo a legitimidade das Nações Unidas. Esta
instrumentalização pode abalar a coerência acima mencionada, dando lugar à
apropriação regional e/ou nacional da linguagem e da prática da manutenção da paz das
Nações Unidas, de modo a prosseguir interesses mais limitados e próprios.
Outra questão com potencial para enfraquecer a legitimidade da manutenção da paz
das Nações Unidas é o facto de, com frequência, a regionalização das missões de paz
estar associada a capacidades existentes em cada região, dando azo a uma distribuição
desigual destas missões. Isto pode traduzir-se numa menor atenção em relação a zonas
do mundo menos favorecidas. Em simultâneo, também pode significar agir em zonas
onde, por variadas razões, as Nações Unidas não o tenham podido fazer. Em termos
globais, tal como a nível das Nações Unidas é essencial a boa vontade política dos
Estados, também o mesmo se aplica a nível regional (ver Gowan, 2008).
A nível dos Estados, a institucionalização da manutenção da paz cria as condições
para uma abordagem pró-activa dos países que para ela contribuem, permitindo-lhes
decidir atempadamente onde, quando e como participar. Esta pró-actividade pode
traduzir-se em missões de manutenção da paz mais coerentes, flexíveis e estáveis. O
primeiro destes termos, a coerência, refere-se à existência de regras comuns fornecidas
pelas estruturas regionais e pelas Nações Unidas, associadas a uma procura de
consolidação normativa das Nações Unidas. No entanto, nem sempre o interesse
colectivo prevalece sobre os interesses nacionais e regionais, o que tem por
consequência o enfraquecimento do conceito central de segurança colectiva que sustenta
o papel das Nações Unidas na promoção da paz e da segurança internacional.

17
O segundo, a flexibilidade, diz respeito à prontidão da resposta, permitindo um
contributo mais rápido e adaptado às diferentes situações. Todavia, o interesse e as
prioridades dos Estados individuais continuam a implicar uma resposta ad hoc às
solicitações, quer de recursos humanos, quer materiais, para a manutenção da paz.
Mesmo quando determinados Estados disponibilizam os seus militares, continuam a ter a
última palavra na decisão de quais as missões a que esses recursos são atribuídos. Este
primado da soberania pode comprometer os esforços regionais e das Nações Unidas
para a manutenção da paz.
E o terceiro, a estabilidade, deriva da existência de uma força militar pronta a ser
enviada, especificamente treinada para a manutenção da paz, acabando por ultrapassar
a forma ad hoc como frequentemente as missões de manutenção da paz são
estabelecidas. No entanto, o Relatório sobre a Manutenção da Paz de 2008, do
Government Accountability Office dos EUA (GAO, 2008), por exemplo, mostra uma
discrepância entre o número de efectivos treinados para a manutenção da paz pelos EUA
em todo o mundo (39 518) e o número de efectivos posicionados pelos países a que
pertencem esses efectivos (21 996). Existem várias explicações possíveis para esta
disparidade mas, antes de mais, isto significa que as forças treinadas para a manutenção
da paz podem não ser tão flexíveis e estáveis como o previsto; e, em segundo lugar, que
isto pode estar ligado às motivações de cada país para enviar o seu pessoal para a
formação em manutenção da paz. Esta incongruência entre os efectivos de manutenção
da paz treinados e os que são enviados para o terreno, de acordo com alguns autores, só
pode ser ultrapassada pela criação de uma força autónoma das Nações Unidas pronta a
ser posicionada no terreno (Woodhouse e Ramsbotham, 2005; Franck, 1996; Otunnu,
1996). Isto podia ser feito através do estabelecimento de uma força permanente
enquanto órgão das Nações Unidas, uma força de reserva composta por contingentes
nacionais, ou de uma força permanente composta integralmente por voluntários dos
Estados-membros (Doyle, 1996).
Outra opção que tem estado cada vez mais presente é a “privatização” das
operações de paz através de acordos contratuais com Fornecedores Privados de
Serviços Militares (Brooks, 2002). Esta opção pode ser demonstrativa da falta de vontade
política dos Estados para assumirem as suas responsabilidades no que respeita à
promoção da paz através das missões de manutenção da paz, constituindo, assim, uma
alternativa. De acordo com Bellamy e Williams (2005: 190-193), as principais tarefas
destas empresas dizem respeito à prestação de assistência, principalmente em termos
de conhecimentos técnicos, mas também a outras formas de apoio (p. ex. em relação à
logística) às missões de manutenção da paz e às agências civis; prestação de serviços
de segurança ao pessoal das missões e fornecimento de pessoal para actuar ao nível da

18
manutenção da paz, o que é considerado por alguns Estados como tendo um menor
custo do que o envio do seu próprio pessoal militar. Se, por um lado, esta alternativa
pode implicar flexibilidade e resposta rápida, e atenuar a letargia dos Estados, por outro,
pode libertar os Estados das suas responsabilidades, acabando por contribuir para uma
menor regulação e um menor escrutínio democrático (Bellamy e Williams, 2005: 193).
Mais uma vez, isto pode enfraquecer a legitimidade e a credibilidade da manutenção da
paz das Nações Unidas no que respeita à promoção da paz e da segurança
internacional, ao passar uma imagem de transmissão da sua responsabilidade a
terceiros.

CONCLUSÃO
As Nações Unidas reorganizaram e reformaram as suas estruturas de manutenção da
paz para tentar resolver os problemas com que estas se deparam e melhorar as
condições para a sua eficácia. A manutenção da paz tem sido institucionalizada na
política externa dos governos, nas organizações regionais e ao nível das Nações Unidas.
Esta situação criou uma janela de oportunidade para melhorar a coerência, a flexibilidade
e a estabilidade da manutenção da paz das Nações Unidas. Todavia, esta janela de
oportunidade não deve ser considerada como garantida, uma vez que várias dinâmicas
têm o potencial de distorcer o objectivo das missões de manutenção da paz de promover
a paz e a segurança internacional. As principais contratendências identificadas são a
possibilidade de instrumentalização, “privatização”, apropriação e distorção das missões
de manutenção da paz por parte de Estados e actores regionais. Isto iria enfraquecer a
legitimidade das Nações Unidas e teria o potencial de contribuir para um sistema
internacional de manutenção da paz menos coerente, menos flexível e menos estável.
De forma a ultrapassar os potenciais inconvenientes desta janela de oportunidade,
foram identificados três factores principais. Primeiro, a necessidade estrutural de pensar
a manutenção da paz não como um complemento da formação militar ou da experiência
civil mas, antes, como uma força específica em si mesma, rompendo com a dependência
militar em relação aos Estados, que continua a puxar a manutenção da paz para a esfera
de domínio militar e para a lógica Westfaliana. Segundo, a necessidade de uma dinâmica
regional de manutenção da paz comprometida com um quadro normativo comum das
Nações Unidas, de modo a manter e a enraizar o envio regional de efectivos de
manutenção da paz dentro do espírito e dos objectivos da Carta das Nações Unidas. Isto
poderia incluir algum tipo de selo de garantia de legitimidade das Nações Unidas para
cada missão, seja ela de um só país, minilateral ou multilateral (Attinà, 2008). E, terceiro,
é necessário que a manutenção da paz seja concebida como peça central na promoção

19
da paz e da segurança internacional. No entanto, a sua eficácia está dependente do seu
enraizamento em culturas de paz.
Aproveitar a janela de oportunidade de modo a consolidar o quadro de manutenção
da paz das Nações Unidas, romper com os mecanismos do passado e evitar a sua
potencial instrumentalização não é uma tarefa fácil. Por um lado, a abordagem ad hoc
das Nações Unidas à manutenção da paz nos últimos mais de 50 anos “tem tendência a
privar[-nos] dos modelos de como proceder para assegurar o sucesso” (Coicaud, 2007);
e, por outro, as dinâmicas internacionais actuais são demasiado complexas para
permitirem um entendimento claro dos seus contributos. A triangulação das dinâmicas
das missões de manutenção da paz ao nível regional, das Nações Unidas e dos Estados
reflecte esta complexidade e alerta-nos tanto para os riscos como para as expectativas
das missões de manutenção da paz das Nações Unidas na promoção da paz e da
segurança internacional.

MARIA RAQUEL FREIRE


Investigadora do Centro de Estudos Sociais e professora de Relações Internacionais da
Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. É doutorada em Relações
Internacionais pela Universidade de Kent, Reino Unido, mestre em Relações
Internacionais pela mesma universidade e licenciada em Relações Internacionais pela
Universidade do Minho. Os seus interesses de investigação centram-se nos estudos para
a paz, teorias de Relações Internacionais, política externa, Rússia e espaço da ex-União
Soviética.
Contacto: rfreire@fe.uc.pt

PAULA DUARTE LOPES


Investigadora do Núcleo de Estudos para a Paz do Centro de Estudos Sociais e
professora do Núcleo de Relações Internacionais da Faculdade de Economia da
Universidade de Coimbra. Doutorada em Ciência Política e Relações Internacionais pela
Universidade Johns Hopkins nos Estados Unidos da América. Mestre em Políticas da
Economia Mundial pela London School of Economics and Political Science na Grã-
Bretanha. Licenciada em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade de
Coimbra. Os seus interesses de investigação incidem actualmente sobre os estudos para
a paz, governação ambiental, políticas hídricas internacionais e cooperação internacional
para o desenvolvimento.
Contacto: pdl@fe.uc.pt

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23
PORQUE PARTICIPARAM TANTOS PAÍSES NAS MISSÕES DO KOSOVO?

PASCOAL SANTOS PEREIRA


CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS, FACULDADE DE ECONOMIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA

Resumo: Na sequência da intervenção militar da OTAN na Jugoslávia em 1999, a


resolução 1244 do Conselho de Segurança da ONU estipulou o envio de forças
internacionais para garantir a estabilidade e a administração do Kosovo. A força
internacional de segurança então organizada pela OTAN, a KFOR, contou com um número
particularmente elevado de Estados participantes (38 no total). O propósito do presente
trabalho é, pois, o de responder à questão “Porque participaram tantos países nas missões
do Kosovo?”, fazendo um breve levantamento das motivações para uma tão significativa
participação internacional.
Palavras-chave: Kosovo, intervenção humanitária, OTAN, KFOR, missão de paz.

INTRODUÇÃO
Juntamente com a detenção de Radovan Karadzic, acusado de crimes de genocídio pelo
Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia (TPIJ) em 2008, a declaração da
independência do Kosovo em 2007 pode ser considerada como um dos mais importantes
acontecimentos recentes resultantes do desmantelamento violento da antiga Jugoslávia,
que se iniciou formalmente em 1991. Apesar da progressiva aproximação política de
Belgrado à União Europeia (como consequência da sua cooperação com o TPIJ (UE,
2009)) e de ter conseguido alcançar o estatuto de potencial candidato à adesão à UE, o
carácter unilateral desta declaração de independência não permite qualquer optimismo
quanto a um futuro pacífico na região dos Balcãs Ocidentais. Estando esta declaração
em apreciação pelo Tribunal Internacional de Justiça da ONU, não se espera que a
Sérvia aceite este facto com facilidade, socorrendo-se por um lado no princípio da
inviolabilidade das fronteiras e apoiando-se, por outro lado, no papel que esta região

24
representa na mitologia nacionalista sérvia e onde presentemente ainda se encontra uma
significativa presença de forças internacionais.
Esta presença no Kosovo deve entender-se num quadro alargado de missões de
manutenção de paz nos Balcãs Ocidentais desde há já 17 anos. Não só por serem
missões desenvolvidas num determinado contexto histórico, político e geograficamente
próximo, como também por se encadearem cronologicamente e se corrigirem
sucessivamente os maus passos da missão anterior. Assim, na sequência da intervenção
militar da OTAN contra a Jugoslávia em 1999, foi implementada uma força de
manutenção de paz na qual desde então já participaram 38 Estados. É este número
invulgarmente elevado que suscita algumas questões, nomeadamente acerca das
motivações que os levaram a querer participar. O propósito deste trabalho é, antes de
mais, o de situar histórica e politicamente esta missão de paz, isto é, os factores que a
fizeram despoletar. No seu seguimento, serão levantadas algumas hipóteses sobre os
motivos que levaram um número tão invulgarmente elevado de países a participar nesta
missão.
O nosso propósito não será o de apresentar as motivações individuais de cada um
dos Estados, mas antes o de tentar encontrar algumas motivações que sejam comuns a
grupos de Estados. Num primeiro momento, serão analisadas as motivações de actores
regionais como a União Europeia (UE) e a OTAN, cuja totalidade de Estados membros
participou na missão de paz do Kosovo. Serão, de seguida, apresentadas algumas
motivações de outros grupos de Estados com interesses comuns na participação na
KFOR, os Estados candidatos à adesão à UE e à OTAN e os Estados balcânicos
vizinhos. Por fim, procederemos a uma breve análise das motivações individuais de dois
Estados, a Alemanha e a Rússia, cujas participações têm motivações mais específicas e
um alcance internacional que merecem uma atenção particular. Concluiremos este
trabalho com algumas notas breves sobre outras questões suscitadas por este exercício,
por um lado o verdadeiro significado de uma presença internacional tão forte no Kosovo
no quadro de uma ordem internacional liberal e, por outro lado, a comparação desta
presença com a de uma missão de peacekeeping preventiva da ONU na vizinha
Macedónia, de 1992 a 1999.

A ESCALADA SECESSIONISTA NO KOSOVO E A INTERVENÇÃO DA COMUNIDADE


INTERNACIONAL
O Kosovo é uma região histórica da Sérvia, considerada o seu berço e o símbolo da sua
resistência a todas as adversidades, uma vez que a Sérvia foi derrotada pelo exército
otomano em 1389 em Kosovo Polje, no actual Kosovo (e ocupada pelo Império Otomano
desde então até ao século XIX. A data é ainda hoje celebrada pelos sérvios como símbolo

25
da resistência nacional à ocupação estrangeira. No entanto, constitui simultaneamente
um importante centro do nacionalismo albanês, uma vez que foi precisamente neste
território que nasceu esse movimento no final do século XIX (Moncada, 2001: 119). A
presença de albaneses nesta região foi reforçada no período da Segunda Guerra
Mundial, quando a Itália ocupou a Albânia e anexou o Kosovo. A sua presença foi
reconhecida através da atribuição da autonomia política em 1974, mas que seria retirada
por Slobodan Milosevic, enquanto Presidente da Sérvia em 1989: a inversão da
composição demográfica do Kosovo a favor dos albaneses tornou-se preocupante para
os nacionalistas sérvios, sendo que os extremistas falavam em “genocídio demográfico”
(O’Neill, 2002: 21). Estes movimentos souberam manipular memórias históricas e criar
um discurso alarmista de cerco por parte dos albaneses muçulmanos do Kosovo, cujo
peso demográfico aumentava, ameaçando assimreeditar a ocupação turca do século
1
XIV. Do mesmo modo o faziam em relação aos croatas, que tinham perseguido sérvios
durante a Segunda Guerra Mundial e que, segundo esse discurso, iriam voltar a fazê-lo
na nova Croácia independente e na Bósnia-Herzegovina.
No princípio da década de 1990, ao contrário do que aconteceu em grande parte do
território da antiga Jugoslávia, o Kosovo não constituiu um foco de tensão significativo.
Por um lado, toda a comunidade internacional tinha a sua atenção dirigida para a Croácia
e a Bósnia-Herzegovina e a crescente repressão sérvia no Kosovo não era visível; por
outro lado, a resistência kosovar-albanesa aos abusos sérvios, liderada pela Liga
Democrática do Kosovo (LDK) de Ibrahim Rugova, assentava num modelo de não-
violência activa ao poder central de Belgrado para obter a sua emancipação política
(Mertus, 2009: 466).
Os Acordos de Dayton em 1995 revelar-se-iam frustrantes para os kosovares
albaneses pois não havia qualquer referência à sua condição política no texto (Webber,
2009: 449). Esta frustração foi alimentada por um outro grupo resistente kosovar-albanês,
o Exército de Libertação do Kosovo (UCK), criado em 1993 e que até então agia muito
isolada e pontualmente. A partir de 1995, com um apoio popular crescente, iniciou uma
estratégia mais agressiva, com ataques mais frequentes e coordenados aos interesses
sérvios e que teria uma expansão muito significativa a partir de 1997, quando se instalou
o caos civil e político na Albânia, com a falência do sistema de poupanças em pirâmide
(Moncada, 2001: 75). Durante esse período de revolta registaram-se assaltos, por parte
da população, a quartéis e depósitos de armamentos e munições, que passaram a
circular livremente pelo mercado negro, em quantidade e a baixo custo (Moncada, 2001:
75). Pelo carácter poroso da fronteira, que permite não só a passagem fácil de produtos

1
Símbolo de uma “cultura da vitimização” própria dos povos desta região segundo Jason Franks e Oliver
Richmond (Franks e Richmond, 2008: 95)

26
como de pessoas (muitos militantes do UCK tinham recebido treino militar na Albânia),
muito desse arsenal bélico serviu para armar a resistência kosovar-albanesa e dar-lhe
uma maior capacidade de intervenção (Mertus, 2009: 469).
Entrou-se então num período de escalada de violência alimentada pelo UCK e de
retaliação desproporcionada das forças jugoslavas a civis, que tiveram como efeito a
deslocação forçada de milhares de kosovares albaneses, muitos dos quais tiveram de se
refugiar em Estados vizinhos. Com a entrada de uma missão de verificação do
cumprimento da retirada imediata das forças jugoslavas do Kosovo (segundo as
disposições das Resoluções 1160 e 1199 do Conselho de Segurança da ONU, ambas de
1998) e com os relatórios e informação que foi sendo compilada, constatou-se que a
violência perpetrada contra os civis albaneses no Kosovo não era isolada, sendo
planeada e organizada ao mais alto nível (Moncada, 2001: 62).
O fracasso da Conferência de Rambouillet, na qual se tentou negociar o fim da
violência no Kosovo e atribuir uma autonomia política muito alargada a este território,
conduziu ao início da Operação Força Aliada na Primavera de 1999, por parte da OTAN,
que bombardeou a Jugoslávia durante 3 meses, sem mandato do Conselho de
Segurança da ONU, até que Belgrado anuísse a retirar as suas forças do Kosovo. O
acordo de paz final assinado em Kumanovo na Macedónia entre a força da OTAN no
Kosovo e Belgrado e que pôs fim aos bombardeamentos foi seguido da Resolução 1244
do Conselho de Segurança da ONU, que estipulou o envio imediato de uma força
internacional civil e militar para o terreno para a administração e reconstrução do Kosovo.
Esta operação civil (conduzida pela UNMIK - Missão da ONU para a administração
interina do Kosovo e onde a UE participa activamente desde o seu início) e militar
(conduzida pela OTAN, através da KFOR) é considerada, no seu conjunto, a mais
complexa operação jamais realizada à data (Franks e Richmond, 2008: 81), tanto pelo
número de Estados militarmente presentes (num total de 38 Estados,2 50 000 mil
soldados provenientes tanto de Estados-membros da OTAN como de Estados terceiros
num período inicial), como por ser o primeiro protectorado internacional (não declarado)
em décadas.3

ALGUNS FACTORES EXPLICATIVOS PARA UMA PARTICIPAÇÃO TÃO ALARGADA NESTA MISSÃO
Em Kosovo – An unfinished Peace, William G. O’ Neill questiona o que terá levado a que
fossem afectados tantos recursos ao Kosovo, em comparação com situações

2
Todos os Estados da OTAN e da UE àquela data para além de a Arménia, o Azerbaijão, a Bulgária, os
Emirados Árabes Unidos, a Eslováquia, a Eslovénia, a Estónia, a Geórgia, a Letónia, a Lituânia, Marrocos, a
Roménia, a Rússia, a Suíça e a Ucrânia (fonte: OTAN).
3
A divisão do Kosovo em 5 sectores pela KFOR não deixa de lembrar a divisão semelhante a que a
Alemanha foi sujeita após a Segunda Guerra Mundial.

27
semelhantes, ou ainda piores, em países como Angola, a Serra Leoa e o Congo (2002:
32). Não que seja expectável fazer uma comparação pela quantificação da violência, mas
esta questão torna-se mais premente ainda quando, desde o início, a intervenção da
comunidade internacional no território jugoslavo foi sempre muito questionada a vários
níveis (legitimidade, legalidade, amplitude, oportunidade, proporcionalidade).4 Neste
quadro, como entender então um espectro tão alargado de países participantes nas
missões de manutenção de paz no Kosovo após a assinatura do acordo de paz?

Evolução institucional da União Europeia e novo conceito estratégico da OTAN


Juntamente com o muito questionável conceito de “intervenção limitada” à revelia do
Conselho de Segurança da ONU (Ortega, 2001: 51) e que sustentou a intervenção da
OTAN na Jugoslávia em 1999, assiste-se também a uma crescente regionalização da
segurança internacional, sendo que organizações regionais garantem a
operacionalização de missões de manutenção de paz que possam vir a ser accionadas.
No caso específico do Kosovo, tanto a UE como a OTAN tiveram um papel activo nesta
missão, envolvendo a totalidade dos seus Estados-membros.
Primeiro que tudo, existia o precedente das guerras na Croácia e na Bósnia-
Herzegovina, em que a UE não tinha conseguido reagir em nome próprio, pois na altura
não tinha ainda nem instrumentos militares próprios, nem instrumentos políticos, nem
sequer uma convergência de vontades entre Estados-membros que permitisse uma
acção internacional antecipada e autónoma (Portugal, 2001: 78-81). A Comunidade
Económica Europeia tinha-se transformado em UE em 1992 com o Tratado de
Maastricht, no qual se definiu uma Política Externa e de Segurança Comum (PESC) que
entra logo em crise, ainda antes de o Tratado entrar em vigor (Leitão, 2003: 66). As
posteriores revisões dos Tratados, de certa forma decorrentes do fracasso da UE na
Bósnia-Herzegovina (Shepherd, 2009: 513) e o seu assumido e crescente papel como
actor em questões de segurança europeia (principalmente após a Cimeira bilateral de
Saint-Malo em 1998 entre o Presidente francês e o Primeiro-Ministro britânico) deram um
impulso para a necessidade de testar a nova arquitectura de segurança europeia no
quadro da Política Europeia de Segurança e Defesa (PESD), que se queria agora
exemplar e autónoma em relação aos EUA. O envolvimento da UE nas questões de
segurança é eloquentemente ilustrado pela sua crescente responsabilização no Kosovo,
ao substituir gradualmente a UNMIK na sua missão de estabilização e reconstrução
(Cottey, 2009: 600).

4
E mais facilmente condicionada pelo interesse próprio de quem intervém do que pelo interesse das vítimas
(Freire e Lopes, 2009: 7).

28
Se, por um lado, o envolvimento maciço dos Estados-membros da UE se entende
também como uma obrigação moral europeia em conseguir dar resposta a catástrofes
humanitárias no seio da Europa (Shepherd, 2009: 513), por outro lado este envolvimento
maciço é consentâneo com a pressão cada vez maior exercida pelos EUA para uma
maior participação e autonomia dos seus parceiros europeus nas questões de defesa e
segurança regional. Os EUA tinham liderado a campanha aérea contra a Jugoslávia e
pretendiam ter um papel mais discreto na operacionalização da KFOR e em número de
efectivos no terreno (segundo dados da OTAN, em Junho de 2009 (OTAN, 2009), havia
1483 soldados americanos no Kosovo, contra 2350 alemães, 1935 italianos e 1368
franceses).5
Para a OTAN (enquanto organização no seu todo, mas também para cada um dos
Estados-membros da organização), também este foi um momento de afirmação muito
importante (Moncada, 2001: 56): a organização tinha acabado de admitir três novos
membros que tinham feito parte do extinto Pacto de Varsóvia (Polónia, República Checa
e Hungria), seu antigo inimigo estratégico, dando uma dimensão mais continental a esta
aliança de geografia tradicionalmente mais norte-atlântica. Para além desse alargamento
geográfico, na Cimeira de Washington em 1999 o seu conceito estratégico foi revisto de
acordo com o novo quadro geopolítico saído do fim da Guerra Fria, deixando de se
entender como mera aliança defensiva e passando a entender-se como actor
directamente comprometido com a manutenção da paz e da segurança internacionais,
admitindo alargar o seu espaço de acção para além do seu espaço geográfico em
“intervenções fora de área” (Cottey, 2009: 599).

Candidatos à entrada na UE e na OTAN e Estados balcânicos vizinhos


Um grupo de países que participou em peso foi o dos então candidatos à entrada na UE
e na OTAN (Eslováquia, Eslovénia, Lituânia, Letónia e Estónia) que, assim, podiam
provar aos seus novos aliados que eram parceiros de confiança para situações de crise
internacional e aumentar o seu prestígio internacional. A sua adesão a estas
organizações internacionais dependia também de outros factores (políticos, económicos,
geopolíticos), mas a sua entrada posterior não pôde deixar de ser vista como uma
recompensa pelo empenho demonstrado na manutenção da paz no continente.
A participação de outro grupo de países como a Grécia, a Turquia, a Bulgária e a
Roménia remete-nos para uma preocupação com o posicionamento geoestratégico do
Kosovo, que é eloquente da fragilidade e dependência da segurança internacional em
relação à violência na região, tanto pelo perigo de contágio que representa de forma
directa (nas voláteis Albânia e Macedónia), como por poder envolver outros actores
5
Noutra perspectiva, “America does the cooking; Europe does the washing up” (Gowan, 2008: 86).

29
importantes no equilíbrio regional (Grécia e Turquia) (Perkins e Neumeyer, 2008: 900),
como ainda pelo fluxo de refugiados que esses países vizinhos receberam como
consequência do conflito. Estima-se, aliás, que só na Primavera de 1999, mais de 800
000 kosovares se tenham visto obrigados a refugiar-se na Albânia, Montenegro e
Macedónia, o que constitui uma causa directa para o aumento da violência inter-étnica na
Macedónia em 2001 (Cottey, 2009: 597).
O efeito de contágio a estes Estados não seria do interesse dos EUA, sendo que os
Balcãs são cruciais como ponto de passagem e plataforma logística dos EUA em
direcção ao Cáucaso, ao Médio Oriente e ao Irão; envolver algum dos seus aliados num
conflito regional alargado comprometeria seriamente a sua rede de interesses
geoestratégicos na região (Moncada, 2001: 59). Os Balcãs são também um ponto de
passagem obrigatório para os gasodutos vindos da zona do Mar Cáspio (tanto pela
Rússia como pela Turquia) em direcção à Europa Ocidental, pelo que a estabilidade
política desta região é fundamental para o êxito destes projectos.

Alemanha e Rússia
Sem particularizar demais as motivações de cada Estado na sua participação na KFOR,
há alguns actores que convém referirmos, o mais importante dos quais é a Alemanha. A
sua presença no Kosovo foi altamente simbólica do seu regresso a uma “normalidade”
internacional (Heinemann-Grüder, 2001: 43) que lhe tinha sido vedada desde 1945 (quer
por ter estado sob ocupação, quer por ter sido posteriormente dividida em dois Estados,
quer por a sua soberania ter sido mitigada durante a Guerra Fria). Durante esse período,
o seu estatuto de “anão” em questões de política externa (Miskimmon, 2009: 572-3) não
lhe permitia mais que uma “diplomacia do livro de cheque”. A reunificação da Alemanha e
a chegada ao poder da primeira geração de políticos nascidos no pós-guerra explicam o
seu envolvimento central nesta sua primeira presença militar fora das suas fronteiras
desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Podemos também referir o receio do relativo
isolamento internacional que a Alemanha poderia sofrer caso persistisse na sua linha de
política externa clássica de não utilização de força militar no exterior (Hyde-Price, 2001:
21-2). Esse receio não era de todo infundado, tendo em conta que, em matérias de
defesa e segurança europeias, a Alemanha tinha até então um papel meramente reactivo
e secundário, como se pôde constatar em iniciativas como a Cimeira bilateral de Saint-
Malo (Heisbourg, 2000: 2). Sem abandonar radicalmente a sua habitual política externa
específica, os governantes alemães conseguiriam conciliar o compromisso político para
com o multilateralismo (never alone), com compromissos morais perante catástrofes
humanitárias (never again) (Maull, 2000: 11-12) e justificar a sua presença no Kosovo.

30
Outra presença a salientar é a da Rússia, que tinha representado, juntamente com a
China, um muro de bloqueio a uma intervenção militar na Jugoslávia, quando esta
questão foi levantada no Conselho de Segurança. A sua relação especial com a Sérvia,
assente num “mito de irmandade eslava”, justificou a sua defesa à causa jugoslava mas
também a sua posterior participação na KFOR (Mendeloff, 2008: 42). A sua presença
tanto legitima o projecto de restabelecimento de paz nos Balcãs junto da Sérvia,6 como
lhe permite marcar a sua posição como potência com interesses nesta região, o que aliás
dá continuidade à presença anterior da Rússia na IFOR/SFOR na Bósnia-Herzegovina
(Khotkova, 2002: 18).

NOTAS FINAIS
Desta breve análise às motivações que levaram tantos Estados a participarem na missão
de paz do Kosovo, são-nos suscitadas duas observações. A primeira prende-se com o
peso predominante de Estados da região “euro-atlântica” nesta missão. Do conjunto de
Estados identificados, apenas Marrocos e os Emirados Árabes Unidos se inserem
claramente fora deste espaço geográfico. Ocorreria aqui perguntar “porque houve tão
poucos países fora da região euro-atlântica a participar nas missões do Kosovo?”.
Podemos avançar como possível motivo uma posição crítica generalizada dos Estados
não ocidentais à intervenção da OTAN na Jugoslávia,7 ela mesmo devedora da doutrina
de “intervenção humanitária”, culminar de uma ordem internacional liberal surgida no pós-
Guerra Fria (Cottey, 2009: 602-3). Esta posição crítica reflectir-se-ia também
posteriormente no distanciamento destes Estados em relação a todo o processo de
peacebuilding no Kosovo, em que todo o programa externo da paz liberal é imposto, sem
ter em conta a realidade específica desta sociedade em reconstrução pós-bélica, criando
assim novos obstáculos a uma paz autosustentada (Franks e Richmond, 2008: 98-9).
A outra observação partiria da constatação da presença de uma força internacional
no Kosovo apenas a partir de 1999, enquanto na vizinha Macedónia a primeira missão de
peacekeeping preventiva está presente desde 1992 (Björkdahl, 2006: 216). Porquê tanta
antecipação na Macedónia? Porquê tanto cuidado preventivo numa região remota da
antiga Jugoslávia, logo desde o início do desmantelamento desta, quando, pelo caminho,
todas as restantes repúblicas foram sofrendo gradualmente, a um maior ou menor grau,
as dores da separação? A verdadeira caixa de Pandora balcânica será a Macedónia

6
O plano inicial da Rússia passaria por ser responsável por um dos sectores em que a KFOR dividiu o
Kosovo (a par da França, Alemanha, Reino Unido, Itália e EUA), tanto para ter um estatuto equiparado ao
das potências da OTAN, como por considerar que militares russos seriam mais facilmente aceites em zonas
habitadas predominantemente por populações sérvias. Este plano acabaria por não ser aceite pela OTAN
(Lyoshin, 2006: 188).
7
À excepção de alguns Estados muçulmanos que apoiaram ou, pelo menos, não criticaram essa intervenção,
por ela pretender proteger as populações muçulmanas do Kosovo (Cottey, 2009: 605).

31
(Moncada, 2001: 120)? Será o Kosovo apenas um “alerta laranja” para o que pode
acontecer na Macedónia e se tentou evitar a todo o custo até agora? Uma eventual
intervenção na Macedónia não seria facilitada pela simples presença das forças
internacionais no Kosovo?
Pode ser mera especulação, mas não deixa de ser curioso ler a História dos Balcãs
na passagem do século XIX para o século XX, em que a “Questão macedónica” alimentou
as guerras balcânicas que envolveram a Sérvia, a Bulgária, o Montenegro, a Grécia e o
Império Otomano. O controlo deste território era absolutamente estratégico, tanto pela
questão do controlo dos Estreitos, como por nele se cruzarem duas vias de comunicação
terrestres, numa região montanhosa de muito difícil acesso e que ligaria Belgrado a
Salónica e o Adriático ao Egeu (Boniface, 2000: 102). Simultaneamente, em termos
estratégicos, essas rotas corresponderiam ao cruzamento de dois eixos geopolíticos
históricos: Sérvia-Grécia e Albânia-Turquia (Moncada, 2001: 117). A união dos Eslavos
do Sul terá sido apenas um parêntesis cujo fim faz ressurgir toda uma série de assuntos
não resolvidos ainda antes da Primeira Guerra Mundial (Hobsbawm, 2004: 158)?

PASCOAL SANTOS PEREIRA


Licenciado em Relações Internacionais pela Faculdade de Economia da Universidade de
Coimbra (2001) e Mestre em Estudos sobre a Europa pela Faculdade de Letras da
Universidade de Coimbra (2006).
Doutorando no programa “Política Internacional e Resolução de Conflitos” pelo Centro de
Estudos Sociais/Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra desde 2008.
Contactos: pascoalpereira@ces.uc.pt, pascoal-pereira@hotmail.com

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34
LIBÉRIA 1993: O “NÃO” DAS GRANDES POTÊNCIAS MILITARES DO PEACEKEEPING

CATARINA PIMENTA
CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS, UNIVERSIDADE DE COIMBRA

Sumário: O artigo pretende aferir as razões que terão ditado a ausência das grandes
potências geralmente envolvidas em peacekeeping na missão das Nações Unidas
estabelecida em 1993 na Libéria (UNOMIL). Pelo recurso ao cruzamento de diferentes
níveis de análise (sistémico, transnacional e estatal), tentar-se-á perceber por que motivos
os Estados Unidos e o Canadá (e também Reino Unido, Itália e França, ainda que de forma
menos central) não contribuíram militarmente para esta missão, marcando presença (juntas
ou alternadamente) em todas as outras missões da ONU que, à data, se encontravam no
terreno. O argumento essencial defendido é o de que a missão de paz na Libéria, em 1993,
foi vítima de um conjunto de circunstâncias adversas, registadas a vários níveis, num
momento de profunda desestabilização da vida internacional.
Palavras-chave: Libéria, Peacekeeping, UNOMIL, participações militares, Nações Unidas.

INTRODUÇÃO∗
O propósito que orienta o presente ensaio é o de analisar os factores que ditaram a
ausência das grandes potências geralmente envolvidas em peacekeeping no início dos
anos 90 do século XX, na missão das Nações Unidas na Libéria entre 1993 e 1997
(United Nations Observer Mission in Liberia – UNOMIL). No contexto deste ensaio,
consideram-se “potências geralmente envolvidas em peacekeeping” os países
desenvolvidos que integravam, em 1993, a lista dos que mais contribuíam militarmente
para as operações de paz das Nações Unidas,1 a qual, em Dezembro de 1993, incluía o


A autora agradece, reconhecida, os comentários de Silvia Rodríguez Maeso, que muito enriqueceram o
presente trabalho. As imperfeições serão, naturalmente, da exclusiva responsabilidade da autora.
1
Outro critério possível seria o de seleccionar os países que participavam no maior número de missões, mas
pareceu-nos menos indicativo da expressão do comprometimento com o sistema de peacekeeping das
Nações Unidas, embora surgissem alguns nomes comuns (Estados Unidos, Reino Unido e França).

35
Canadá, os Estados Unidos, a França, a Itália e o Reino Unido.2 Nenhum destes países
participou, militarmente, na UNOMIL.3
A questão afigura-se-nos pertinente, por duas ordens de razões: uma teórica e outra
empírica. Do ponto de vista teórico, a análise dos motivos que explicam o destacamento
de missões de peacekeeping tem sido marcada por duas limitações significativas. Em
primeiro lugar, pela segmentação e parcimónia analítica, traduzidas na escolha de
determinado nível de análise e no descurar de variáveis explicativas complementares,
situadas a outros níveis. A título ilustrativo, referem-se os trabalhos de Mullenbach que,
embora avaliem uma série de hipóteses pertinentes, relativas às condições que levam um
terceiro actor a interferir num conflito intraestatal, colocam a sua atenção exclusivamente
em condicionalismos internacionais (Mullenbach, 2005). Outros autores, por seu turno,
centram-se no nível meso de análise, focando, por exemplo, a acção dos arranjos
regionais de peacekeeping (Howe, 1996-1997; Mortimer, 1996; Adeleke, 1995; Tarr,
1993). Finalmente, o nível micro, nomeadamente através do estudo da natureza e da
economia política dos conflitos, é também frequentemente trabalhado (Outram, 1997). No
entanto, a selecção de um nível exclusivo de análise que caracteriza a maior parte dos
trabalhos produzidos sobre o tema, mostra-se claramente insuficiente para explicar a
complexidade que encerra qualquer tópico relacionado com a construção da paz. Em
segundo lugar, quer a análise das missões das Nações Unidas, quer a investigação
centrada no peacekeeping regional, tem sido insuficientemente desconstruída. Por outras
palavras, ainda do ponto de vista teórico, tem-se tratado cada missão como um bloco
homogéneo, negligenciando as suas dinâmicas internas, nomeadamente no que
concerne ao significado do registo de participações e de ausências.
Por seu turno, a pertinência empírica deste ensaio prende-se com o facto de os
acontecimentos que tiveram lugar na Libéria entre 1989 e 1997 constituírem um caso
muito particular, que persiste em não ilustrar algumas conclusões centrais de trabalhos
recentes. Em particular, as hipóteses de que a proximidade relacional (nomeadamente
laços de tipo colonial) e de que o respeito por valores democráticos e pelos direitos
humanos levam mais facilmente os Estados a intervir nas missões de paz (Perkins e
Neumayer, 2008), não se verificaram no caso liberiano.
Estas limitações teóricas e empíricas serão ultrapassadas pelo recurso a uma
abordagem mais englobante. Assim, a avaliação dos elementos que nos parecem ter

2
Para além do Bangladesh, da Índia, do Paquistão, do Nepal e do Egipto, todos participantes na UNOMIL.
Os números deste período são difíceis de obter, na medida em que os dados compilados e oficiais da ONU
só estão disponíveis a partir de 1996 (Boulden, 2006). Socorremo-nos, por isso, do material fornecido por
Bobrow e Boyer (1997).
3
Os contribuidores militares foram os seguintes: Áustria, Bangladesh, Bélgica, Brasil, China, Congo,
República Checa, Egipto, Guiné-Bissau, Hungria, Índia, Jordânia, Quénia, Malásia, Nepal, Holanda,
Paquistão, Polónia, Federação Russa, Eslováquia, Suécia e Uruguai.

36
concorrido para a ausência das grandes potências será levada a cabo pelo recurso a
três níveis de análise, nomeadamente o sistémico, o transnacional e o estatal. Além
disso, o estudo sobre as ausências na UNOMIL permite cruzar essas diferentes escalas
de análise, evitando perspectivas redutoras. O argumento essencial defendido é o de que
a missão de paz na Libéria, em 1993, foi vítima de um conjunto de circunstâncias
adversas, registadas a vários níveis, num momento de profunda desestabilização da vida
internacional.

A DIVERSIDADE ÉTNICA E O PROCESSO DE VIOLÊNCIA


A partir dos anos 20 do século XIX, a American Colonization Society, com o apoio da
marinha, enviou para um território costeiro da África Ocidental – baptizado pelos
navegadores portugueses do século XVI como Costa da Pimenta – os escravos libertos
pelos norte-americanos, com o objectivo de lhes garantir reais condições de liberdade.
Num cenário de grande diversificação étnica, os américo-liberianos não constituíam mais
do que 5% da população da Libéria, mas rapidamente conquistaram controlo político e
social, com expressão nacional. Este domínio intensificou-se depois da independência,
em 1847, e os que antes tinham sido vítimas da escravatura norte-americana
transformaram-se nos perpetradores da violência contra os “nativos”.
Tendo em conta este contexto histórico, o golpe militar de 2 de Abril de 1980, liderado
pelo indígena Samuel Doe, marcou o fim do domínio dos américo-liberianos e instituiu um
regime tão ou mais violento, acentuando e instrumentalizando as clivagens étnicas
(executou publicamente as figuras de referência do ancien régime) e levando o país à
ruína económica. Tendo sofrido inúmeras tentativas de usurpação de poder, Doe prestou
pouca importância à emergência de uma pequena organização rebelde: a Frente
Patriótica Nacional da Libéria (FPNL).
Na verdade, no final de 1989, a FPNL, liderada por Charles Taylor,4 iniciou uma luta
armada contra o regime autoritário de Samuel Doe. Cerca de nove meses depois, Doe foi
capturado e morto pela Frente Patriótica Nacional Independente da Libéria (uma das
inúmeras facções que entretanto se separaram da FPNL), no quartel-general do Grupo
de Monitorização do Cessar-Fogo (ECOMOG).5 Esta força regional de peacekeeping
tinha sido instituída pela Comunidade Económica de Estados da África Ocidental

4
Taylor integrou o governo de Doe, antes de ter sido acusado de fraude financeira e de ter fugido para os
Estados Unidos. À semelhança de todos os outros intervenientes, não tinha qualquer programa político-
ideológico definido à partida. De facto, na Libéria, as ambições e ganâncias individuais foram a real força
motriz da violência. A proliferação de facções armadas e a violência contra as populações civis são duas
características marcantes do conflito liberiano e apontam para um cenário de multiplicação e de
fortalecimento de “senhores da guerra”, cujas ambições pessoais, livres de constrangimentos de carácter
étnico, em muito dificultaram o processo de paz (Alao et al., 1999; Outram, 1997).
5
Decidimos manter o acrónimo inglês, assim como mantemos os das operações da ONU.

37
(ECOWAS),6 perante a inoperância da comunidade internacional e o receio de que o
problema liberiano se transformasse em séria instabilidade política regional.
Considerando que o ECOMOG servia os interesses geopolíticos da Nigéria, enquanto
país que pretendia ver reforçado o seu estatuto de potência regional dominante, Taylor
opôs-se à sua intervenção no conflito liberiano, chegando mesmo a cercar o quartel-
general do Grupo durante dois meses. A resposta das forças regionais foi a intensificação
das acções de peace enforcement, o que obrigou a FPNL a sentar-se à mesa das
negociações. De facto, em Julho de 1993, na capital política do Benim, as partes
beligerantes concordaram com um cessar-fogo e, na tentativa de resolver a questão da
ingestão nigeriana, decidiu-se o destacamento de uma missão das Nações Unidas para o
terreno.
Os acordos de Cotonou reconheceram, portanto, a ineficácia da acção do arranjo
regional na transformação do conflito liberiano. Foi assim que, pela primeira vez na sua
história, e quase quatro anos após o início do conflito armado, as Nações Unidas
aceitaram cooperar com uma força de peacekeeping regional, externa à própria ONU.
Estabelecida com o objectivo expresso de auxiliar o ECOMOG a implementar os acordos
de Cotonou, a UNOMIL terminou a sua missão depois das eleições de Julho de 1997,
nas quais Charles Taylor foi, finalmente, eleito presidente do país e se encerrou,
oficialmente, um ciclo de violência.7

O SISTEMA E AS QUESTÕES TRANSNACIONAIS


Nos primeiros anos da década de 90 as preocupações transnacionais centravam-se no
Golfo, nos Balcãs e na Somália e os critérios para a participação militar das grandes
potências reflectia as prioridades de segurança global, num momento em que
terminavam os constrangimentos causados pela Guerra Fria. A Libéria não se afigurava
um problema de maior (Alao et al., 1999) e, além disso, a ECOWAS tinha actuado
regionalmente, evitando até certo ponto a escalada do conflito. Acresce que a principal
razão – a União Soviética – pela qual o bloco ocidental se tinha imiscuído nos assuntos
africanos nas décadas anteriores deixara de existir no primeiro ano do conflito.
Na verdade, parece que a alteração na estrutura e na correlação de forças do
sistema internacional condenou África a um maior abandono e a Libéria, em particular,
não teria sido deixada entregue a si própria num quadro de Guerra Fria (Alao et al.,
1999), num tempo em que o bloco ocidental apoiava financeiramente o governo de Doe
(apesar de todas as irregularidades cometidas pelo regime), a troco do estabelecimento

6
Idem.
7
Não cabe no âmbito deste ensaio a análise da recente missão da ONU na Libéria (United Nations Mission in
Liberia-UNMIL), estabelecida em Setembro de 2003 e que ainda decorre.

38
de bases militares norte-americanas no país e do corte de relações diplomáticas com a
Líbia e com a União Soviética (Gershoni, 1997).
No entanto, per se este argumento não explica a ausência das principais potências
da missão da UNOMIL, estabelecida um mês antes da UNAMIR (United Nations
Assistance Mission for Rwanda) comandada pelo canadiano Romeo Dallaire e que
assistiu, impotente, ao genocídio, meses mais tarde. Não explica, ainda, os motivos pelos
quais, com excepção do Reino Unido, as potências mencionadas estiveram militarmente
presentes, a partir de Março de 1993, na UNOSOM II (United Nations Operation in
Somalia), da qual algumas acabariam por retirar, no decurso da morte violenta de
soldados norte-americanos. Quer isto dizer que, no mesmo ano, os principais
contribuidores de pessoal militar estavam em África, mas não na Libéria. A tese de que a
existência de recursos naturais condiciona a decisão de intervir, também não parece
colher nestes casos concretos, já que o Ruanda não é conhecido pelas suas riquezas
naturais. Nem a Somália o era na altura. O que parece estar aqui em causa,
particularmente no que se refere ao Canadá, é um imperativo de acção perante situações
que se consideravam ser tragédias humanitárias (independentemente da sua origem e
natureza). Não se considerou suficientemente grave o que se passava na Libéria, em
termos de perdas e de sofrimento humanos, apesar de se contabilizarem oficialmente
cerca de 150 000 mortes directas e um número não identificado de mortes associadas ao
conflito, por doença ou fome (Outram, 1997). Neste contexto, é possível ainda
considerar-se o papel do “factor CNN”, segundo o qual os media negligenciaram a
situação liberiana, insistindo na tragédia humana que se verificava, por exemplo, na
Somália, criando a sensação de que era urgente agir neste último caso (Delvoie, 2000).
Um outro elemento a considerar é a alteração do conceito estratégico da NATO, em
1991, o qual redefiniu as linhas de acção da Organização. Sem Pacto de Varsóvia, a
NATO pretendia assumir um novo papel em matéria de peacekeeping (Yost, 1998 e
Cottey, 2007 apud Cottey, 2008). As cinco potências estavam, em 1993, comprometidas
com o envio de militares para o contingente da NATO, que auxiliou a UNPROFOR
(United Nations Protection Force). Era o início, ainda incipiente, de uma tendência que se
veio acentuando até à actualidade: a utilização da força armada paralelamente à acção
das Nações Unidas, nomeadamente no caso de algumas operações de coligação de
membros da NATO, das quais é ilustração a invasão do Iraque, em 2003.8

8
A redefinição estratégica da NATO também poderá explicar parcialmente a não-participação da França, da
Itália e do Reino Unido na UNOMIL. Na verdade, o ano de 1993 assiste ao retorno da França às operações
de planeamento de peacekeeping da NATO, desde que se retirara da estrutura militar da Organização, em
1966, pelas mãos do General De Gaulle. Além disso, a Itália e o Reino Unido eram as potências europeias
mais empenhadas na implementação do novo papel pacificador da NATO, tanto que, em 1995, deixariam de
integrar o top ten dos contributos militares para as missões de peacekeeping da ONU, juntamente com a
França (Bobrow e Boyer, 1997).

39
AS GRANDES POTÊNCIAS MILITARES DO PEACEKEEPING DE FORA: ESTADOS UNIDOS E
CANADÁ
As explicações sistémicas, quer ao nível da estrutura (fim da bipolaridade), quer ao nível
do processo (com a possibilidade de arranjos mais flexíveis), bem como as de natureza
transnacional, obedecem à regra da parcimónia, muito útil a um ensaio desta dimensão.
Todavia, individualizamos duas situações registadas ao nível estatal: o não-envolvimento
na UNOMIL dos Estados Unidos e, sobretudo, do Canadá.
De facto, os Estados Unidos tinham sido os criadores da Libéria,9 pelo que a
ausência dos seus efectivos militares foi amplamente notada, desde o início do conflito
(Howe, 1996-1997), tendo os liberianos acreditado que a administração Bush resolveria o
problema rapidamente (Gershoni, 1997; Sesay, 1996). Mas, no imediato pós-Guerra Fria,
Washington estava disposta a deixar cair o seu antigo “cliente”, ao mesmo tempo que
não manifestava qualquer preferência por nenhum dos que disputavam o acesso ao
poder (Howe, 1996-1997; Aboagye e Bah, 2004). Bill Clinton reiteraria as reservas norte-
americanas, limitando a intervenção dos Estados Unidos a conflitos que constituíssem
genuínas ameaças à paz internacional, salientando a necessidade de se seleccionarem
as prioridades (Cleaver e May, 1995 apud Gershoni, 1997), num momento em que se
assistia à proliferação de missões da ONU e ao crescente envolvimento da NATO neste
tipo de operação.
Uma das particularidades do caso liberiano é a não-participação de militares
canadianos na UNOMIL. Na verdade, quando a missão é estabelecida, em Setembro de
1993, estavam no terreno nove missões das Nações Unidas,10 nas quais todas ou
algumas das cinco potências participavam militarmente. Todas elas estavam
representadas nas missões Iraque-Kuwait e Cambodja e o Canadá integrou militarmente
as nove missões, incluindo as UNOSOM I (Somália), UNAVEM II (Angola) e UNOMUR
(Uganda/Ruanda), nas quais nenhum dos outros quatro países participou.
Na verdade, o Canadá, enquanto Estado “inventor” das operações de paz das
Nações Unidas, através de Lester Pearson, em 1956, sempre se orgulhou de ter
participado virtualmente em todas as missões da ONU (Delvoie, 2000; Baxter, 2001). A
Libéria, juntamente com a África do Sul e o Chade, são as excepções da década de 90
do século XX (Baxter, 2001). No entanto, importa referir que a missão na África do Sul
(UNOMSA) diz somente respeito ao envio de Observadores da ONU (nem sequer surge
listada como peacekeeping no sítio oficial das Nações Unidas)11 e que a missão no
Chade (UNASOG) teve a duração de dois meses e se prendeu com a necessidade de se

9
Sobre as relações entre os dois países vd. Falkner (1910).
10
http://www.un.org/Depts/dpko/list/list.pdf.
11
Idem.

40
fazer cumprir uma decisão do Tribunal Internacional de Justiça, relativa a um diferendo
entre o Chade e a Líbia.
Como explicar a ausência do Canadá na UNOMIL? O argumento de que os recursos
humanos são limitados, numa época de proliferação de missões de peacekeeping, não é
suficientemente forte, uma vez que coloca uma nova questão, relativa aos critérios da
alocação dos recursos. Também não parece colher a tese de que, num período de
transição entre a bipolaridade e o mundo pós-Guerra Fria, a ausência das outras quatro
potências poderia contribuir para o não-envolvimento do Canadá na UNOMIL
(nomeadamente devido ao novo conceito estratégico da NATO), uma vez que, como
atestámos, o Canadá participou isoladamente nas missões na Somália, Angola e
Ruanda/Uganda.
O aspecto decisivo parece residir, em vez disso, na subvalorização do problema, o
que explicaria igualmente a sua não-participação nas missões na África do Sul e no
Chade. De facto, à semelhança destes dois casos, previa-se inicialmente que a UNOMIL
tivesse uma duração muito mais curta do que aquilo que se viria a verificar (estava
inicialmente agendado para Abril de 1994 o fim da missão, um mês depois da realização
prevista de eleições).12 No entanto, ao contrário do que aconteceu nos outros dois casos,
a missão na Libéria acabaria por se transformar numa operação de maior duração e
complexidade.

CONCLUSÕES
A avaliação dos motivos que concorreram para a ausência das grandes potências,
maiores contribuidoras de pessoal militar, na operação de peacekeeping das Nações
Unidas estabelecida na Libéria entre 1993 e 1997 afigura-se um exercício complexo, quer
pelo facto de, em abstracto, este ser o tipo de questão para a qual não existem respostas
únicas (Mortimer, 1996), quer igualmente pelo caso da Libéria assumir contornos
particularmente imbricados e singulares (Outram, 1997).
Em primeiro lugar, do ponto de vista sistémico, salienta-se o facto de a guerra civil na
Libéria ter ocorrido precisamente num momento de charneira, entre a antiga e a nova
estrutura do sistema internacional, em que as consequências da implosão da União
Soviética se faziam sentir também em África, destituída do seu papel de palco de
disputas inter-blocos. Mas, per se, este argumento não é suficientemente elucidativo, já
que, no mesmo período, as potências em questão participaram noutras missões no
continente africano, nas condições ilustradas acima.
Em segundo lugar, no que se refere a condicionalismos transnacionais, importa
lembrar que os esforços internacionais estavam concentrados no Golfo, na antiga
12
Vd. S/RES/866 (1993), de 22 de Setembro.

41
Jugoslávia, na Somália e no Cambodja, locais onde se encontravam missões das Nações
Unidas, absorventes de imensos recursos humanos e militares. Na antiga Jugoslávia
existiam igualmente forças da NATO, em articulação com a missão da ONU. Além disso,
a rápida intervenção da ECOWAS poderá ter maximizado a indiferença da comunidade
internacional, gerando um sentimento, num momento de particular instabilidade global, de
que seria menos um problema a resolver, já que estava nas mãos de uma força de
peacekeeping regional.
Em terceiro lugar, à escala estatal, sublinham-se as inesperadas ausências dos
Estados Unidos e do Canadá, a dos primeiros pelas profundas relações históricas com a
Libéria e a do segundo pelo facto de o país ter participado, nessa década, em todas as
missões de paz da ONU, com excepção da UNOMIL e das missões na África do Sul e no
Chade (tendo estas duas características próprias, como supra descrito). Em relação aos
Estados Unidos, parece ter sido decisivo o facto de o país ter iniciado, neste período, a
tendência para reduzir a participação militar e privilegiar a contribuição financeira, no
quadro das missões da ONU, atendendo à crescente deslocação de recursos militares
para a NATO. No que diz respeito ao Canadá, o factor que mais terá contribuído para a
sua ausência terá sido a avaliação demasiado optimista pela qual se orientou e que se
traduziu numa clara subvalorização do problema liberiano.
Em suma, nenhum destes níveis de análise, por si só, consegue explicar a
problemática apresentada. Acresce que a Libéria parece desafiar os principais
contributos teóricos, que pretendem interpretar a decisão de intervir. Na verdade, as
hipóteses explicativas de natureza sistémica, sistematizadas por Mullenbach, não se
verificaram no caso liberiano, nem os factores inter-estatais identificados por Perkins e
Neumayer se aplicam com pertinência à “questão liberiana”. No entanto, a
complementaridade das pistas sugeridas pelos diferentes níveis de análise permite, pelo
menos, afirmar que não estaremos longe da verdade se defendermos que a Libéria, em
1993, foi vítima de um conjunto de circunstâncias adversas, registadas a vários níveis,
num momento de profunda desestabilização da vida internacional.

CATARINA PIMENTA
Catarina Pimenta licenciou-se em Ciência Política e Relações Internacionais, variante de
Relações Internacionais, pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da
Universidade Nova de Lisboa. Frequentou Mestrado em História das Relações
Internacionais, no ISCTE. Actualmente é doutoranda do programa em Política
Internacional e Resolução de Conflitos, na Faculdade de Economia/Centro de Estudos

42
Sociais da Universidade de Coimbra e Bolseira de Doutoramento da Fundação para a
Ciência e Tecnologia.
Contacto: catarinapimenta@ces.uc.pt

Referências bibliográficas
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43
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44
AS EMPRESAS MILITARES PRIVADAS E O PEACEKEEPING

LUÍS MIGUEL DA VINHA


FACULDADE DE ECONOMIA, UNIVERSIDADE DE COIMBRA

Resumo: O término da Guerra Fria assistiu à proliferação de diversos actores privados


envolvidos em actividades tradicionalmente monopolizadas pelos Estados-nação. A
beligerância, nas suas diversas dimensões, passou a ser uma actividade na qual as
empresas privadas se envolvem cada vez com mais frequência e intensidade. Neste
sentido, as Empresas Militares Privadas (EMP) têm-se estabelecido como actores
privilegiados nas áreas da segurança e defesa. Mais concretamente, ao longo dos últimos
anos muitas EMP assumiram actividades que se assemelham às operações de
peacekeeping, tradicionalmente conduzidas por forças multinacionais sancionadas pela
ONU. Contudo, as actividades desenvolvidas pelas EMP têm suscitado um debate aceso
sobre os benefícios e os riscos inerentes à participação das EMP nas acções de
estabilização e consolidação da paz.
Palavras-chave: accountability, conflitos, Empresas Militares Privadas, peacekeeping,
estabilização e consolidação da paz.

INTRODUÇÃO
O término da Guerra Fria assistiu à proliferação de diversos actores privados envolvidos
em actividades tradicionalmente monopolizadas pelos Estados-nação. A beligerância,
nas suas diversas dimensões, passou a ser uma actividade na qual organizações
terroristas, grupos mercenários, unidades de guerrilha, milícias e empresas privadas se
envolvem cada vez com mais frequência e intensidade. Em consonância com esta nova
conjuntura, registou-se o surgimento e consolidação de um leque de actores privados
para fazer face aos desafios (Abrahamsen e Williams, 2007). As consequências desta
realidade assumem importância acrescida para o peacekeeping internacional.
Depois de definhado o ímpeto humanitário inicial dos principais países ocidentais,
nomeadamente os Estados Unidos da América (EUA), as operações de paz
internacionais enfrentam dificuldades acrescidas na mobilização de recursos humanos e

45
materiais para alcançar os seus desígnios. Este espaço desocupado tem vindo a ser
preenchido pelo sector privado. Mais concretamente as Empresas Militares Privadas
(EMP) têm-se estabelecido como actores privilegiados nas áreas da segurança e defesa.
Historicamente os exércitos não eram entidades públicas. Apenas com o
estabelecimento dos exércitos de cidadãos nas guerras napoleónicas o Estado assumiu a
legitimidade para monopolizar a violência na protecção dos seus cidadãos e na
salvaguarda da sua soberania (Alabarda e Lisowiec, 2007; Lawyer, 2005: 100; Shearer,
1998: 68).
Existem inúmeras semelhanças entre as EMP e os mercenários tradicionais, e.g. são
exteriores ao conflito, são motivadas por proveitos financeiros e participam directamente
nas acções de combate (Shearer, 1998: 68). Todavia, destacam-se algumas distinções
contemporâneas particulares (Brayton, 2002: 306): apresentam uma imagem
distintamente empresarial; defendem e publicitam abertamente a sua utilidade e
profissionalismo; utilizam instrumentos legais e financeiros internacionalmente aceites
para assegurar os seus negócios comerciais; e, por enquanto, apoiam apenas governos
reconhecidos internacionalmente, evitando regimes não apelativos à comunidade
internacional.1

O (RES)SURGIMENTO E CONSOLIDAÇÃO DAS EMP


A erosão do monopólio Estatal da violência organizada tem-se acentuado gradualmente
desde o fim do período da Guerra Fria. Desde então, tem-se assistido ao falecimento
progressivo do que Martin van Creveld designou por “trinitarian warfare” – i.e. a fórmula
westphaliana que orientava os conflitos modernos e ditava que na guerra o Governo
orientava, o exército combatia e o povo sofria (Creveld, 1993 apud Brayton, 2002: 303).
Embora o povo continue a desempenhar o desígnio de Creveld, os governos e os
exércitos desempenham cada vez menos as suas funções de forma exclusiva.
Contrariamente à realidade verificada nos últimos séculos, os indivíduos e grupos
assumem cada vez mais funções marciais, tanto para assegurar a sua protecção, como

1
Thomas Adams (1999) distingue três tipos de entidades militares privadas 1) tipo “tradicional” – grupos e
indivíduos com conhecimentos e experiência militar directamente aplicável a acções de combate ou apoio
directo ao combate. Podem treinar tropas (fornecidas pelo cliente) ou levá-las para combate. Geralmente,
organizam-se de forma ad-hoc, que respondem a solicitações de Estados; 2) empresas comerciais – grandes
empresas comerciais que prestam serviços característicos de um Conselho Geral Militar de um país
desenvolvido, nomeadamente aconselhamento táctico, operacional e estratégico relativamente à estrutura,
preparação, equipamento e utilização das forças armadas. Providos de vários subcontratados, são capazes
de prestar a maioria dos serviços necessários para gerir uma força armada – e.g. aconselhamento de
planeamento estratégico, desenvolvimento de forças, análise de riscos; preparação do Conselho Geral; treino
em operações conjuntas, incluindo guerra de informação e electrónica; 3) grupos altamente especializados
em serviços com aplicação militar, mas sem se constituírem formalmente como uma organização que utilize
métodos militares ou paramilitares. Embora os membros podem ou não ter experiência militar, dispõem de
capacidades e aptidões com aplicação militar ou civil. São geralmente mais pequenas do que as anteriores e
desempenham funções diversificadas como, por exemplo, cracking informático, assegurar comunicações e
vigilância técnica.

46
para tentar impor a sua vontade política. Este facto é verificável no aumento de conflitos
intra-estatais que têm aumentado desde o início da década de 1990. Num estudo sobre
os padrões dos conflitos armados contemporâneos, Harbom e Wallensteen (2007)
apuraram que entre 1997 e 2006 somente três conflitos ocorreram entre diferentes
Estados.2 Os outros 31 conflitos armados registados eram intra-estatais, associados à
conquista do poder governamental ou à posse territorial.
Naturalmente, os Governos de Estados com estes conflitos demonstram cada vez
mais dificuldade, se não mesmo incapacidade, para contrariar a violência interna. Por sua
vez, as novas lógicas geopolíticas do pós-Guerra Fria demonstram a falta de vontade ou
interesse das potências ocidentais em se envolverem nestes conflitos (Brooks e Laroia,
2005: 121). À falta de um catalisador geoestratégico associa-se um entendimento de que
chegou o momento do “peace dividend”, no qual os recursos nacionais das principais
potências devem ser direccionados para outras prioridades. Esta nova realidade tem
levado a comunidade internacional a revelar-se mais relutante em envolver-se em
operações de peacekeeping em meios instáveis e complexos (Brayton, 2002: 303).
Consequentemente, o sector privado tem preenchido esta lacuna, nomeadamente
prestando serviços militares e de segurança diversos. Frederik Rosén (2008) identifica
quatro factores fundamentais para o (re)aparecimento das EMP. O primeiro relaciona-se
com as estruturas de oferta e procura no mercado. A redução de efectivos militares no
fim da Guerra Fria disponibilizou um conjunto avultado de indivíduos com uma vasta
formação marcial. Paralelamente, a retirada das grandes potências de muitas regiões
deixou um vazio militar que não era possível ser compensado pelos Estados mais frágeis
e dependentes. Estas duas tendências inter-relacionadas criaram uma dinâmica de oferta
e procura que activou o crescimento das EMP.
A dinâmica de mercado foi acompanhada pela profunda reestruturação do sector de
segurança, particularmente nos EUA, o que levou a um aumento do outsourcing dessas
mesmas funções.3 O terceiro factor identificado por Rosén está directamente relacionado
com a intervenção norte-americana no Iraque. As dificuldades diversas levaram a um
aumento da procura das EMP. O último factor deve-se à alteração nos conceitos
tradicionais de neutralidade. Neste caso, o sistema internacional transformou-se numa
organização vertical de ameaças e respostas variadas, em detrimento de um arranjo
espacial de unidades geográficas (idem: 86).
Contudo também existe uma transformação mais profunda do paradigma da
intervenção que deve ser considerada. Desde a última década do século XX, a concepção

2
Eritreia – Etiópia (1998-2000); Índia – Paquistão (1997-2003); e Iraque contra os EUA e seus aliados
(2003 -x).
3
Esta tendência iniciou-se, por todos os países ocidentais, com a crescente privatização do tecido industrial
na área da segurança e defesa. Ver Krahhman, 2003.

47
do peacekeeping tem evoluído consideravelmente. Conforme atestam vários autores
(Cottey, 2008; Luttwak, 1999; Spearin, 2008), as intervenções da comunidade
internacional têm sido cada vez mais numerosas e sob novos desígnios políticos – e.g.
humanitarismo e “Responsibility to Protect”.4 Consequentemente, vários Estados
ocidentais têm recorrido muitas vezes ao sector privado para cumprir com o seu ímpeto
humanitário (Spearin, 2008).

A PARTICIPAÇÃO DAS EMP NO PEACEKEEPING


O modelo de peacekeeping contemporâneo tem privilegiado soluções diplomáticas para
os conflitos violentos. Neste sentido, os conflitos não são resolvidos pela finalização
própria da violência, sendo o seu termo resultado de um compromisso negociado.
Conforme destaca Edward Luttwak (1999), a intervenção da comunidade internacional
cria uma situação artificial que gera um vácuo. Naturalmente, a frequente falta de
determinação da comunidade internacional em assumir a função de equilíbrio e garantia
da estabilidade abre espaço para a participação das EMP. Os custos inerentes as estas
funções não têm sido muitas vezes aceites pelas opiniões públicas domésticas – e.g.,
custos financeiros, políticos e humanos. Assim, durante a última década do século XX,
muitas organizações privadas assumiram actividades que se assemelhavam às
operações de peacekeeping, peacemaking e peace enforcement tradicionalmente
conduzidas por forças multinacionais sancionadas pela ONU (Brayton, 2002; Brooks e
Laroia, 2005).
As diversas EMP desenvolvem uma pletora de actividades na área da estabilização e
consolidação da paz. Enquanto algumas empresas se limitam a actividades secundárias,
nomeadamente de apoio aos peacekeepers, outras desempenham funções mais centrais
como a protecção de instalações, equipamentos e pessoal da comunidade internacional.
Nalguns casos, as EMP foram utilizadas para apoiar mandatos da ONU, exercendo
tarefas de manutenção e operação de infra-estruturas e gestão de redes de logística
(Brooks e Laroia, 2005: 122; Bures, 2005: 537-538). A própria ONU tem recorrido às
EMP. A empresa Sandline International, entre outras, está registada no Common Supply
Database da ONU. Muitos dos serviços de logística, transporte e formação têm sido
contratados pela ONU às EMP como, por exemplo, à International Charter Incorporated
em múltiplas ocasiões.
Contudo, as funções das EMP nem sempre são coincidentes com aquelas que são
necessárias às operações de peacekeeping. Embora o sector privado reclame que é
capaz de assegurar as missões conceptualizadas pela comunidade internacional, numa

4
Perspectiva que estabelece que a comunidade internacional pode intervir na situação interna de um Estado
quando este não consegue garantir a segurança dos seus cidadãos.

48
observação mais atenta é possível distinguirem-se divergências consideráveis.
Recorrendo ao ensaio de Oldrich Bures (2005), no Quadro 1 e 2 podem-se constatar as
similitudes e discordâncias entre as funções realizadas pelas EMP e pelas operações de
peacekeeping contemporâneas.

QUADRO 1: FUNÇÕES DESEMPENHADAS PELAS EMP


[DÉCADA DE 1990]

LOGÍSTICA, AQUISIÇÃO,
APOIO AO COMBATE SERVIÇOS DE SEGURANÇA
TREINO, DIVERSOS

Aquisição de material bélico e Protecção de pessoal e serviço de


Operações de combate e liderança
armamento escolta de VIPs

Segurança das instalações e


Operações de contra-insurgência Desenvolvimento de forças e treino
pessoal chave

Multiplicadores de forças Planeamento estratégico Serviços de reconhecimento

Operacionalização e manutenção Segurança de entrega de auxílio


Pesquisa e análise de ameaças
de armamento sofisticado humanitário

Apoio logístico e manutenção de Aconselhamento de gestão de crise


Informação militar e análise
infra-estruturas (e.g. casos de rapto)

Apoio de artilharia Eliminação de minas cracking informático

Engenharia militar Recolha de taxas Segurança de comunicações

Serviços de aviação Treino de segurança de pessoal Intercepção de sinais

Aconselhamento e planeamento
Análise de risco Auditorias de segurança
militar

FONTE: O. Bures, 2005: 536

49
QUADRO 2: FUNÇÕES DESEMPENHADAS PELOS PEACEKEEPERS
[DÉCADA DE 1990]

MILITARES POLITICO/ECONÓMICAS HUMANITÁRIAS

Observação e monitorização de cessar-


Manutenção da lei e ordem Protecção de colunas e auxílio
fogos

Manutenção de zonas de protecção Auxílio no estabelecimento de governos


Protecção de trabalhadores de auxílio
/Assistência na demarcação de fronteiras viáveis

Ajuda na manutenção de estatuto


Desarmamento de facções conflituosas Prestação de auxílio humanitário
independente

Estabelecer, apoiar e protecção de zonas


Lidar/negociar com entidades
Regulação da disposição de forças seguras regionais e outras áreas de
governamentais/administração eleitoral
protecção

Monitorização da administração de
Prevenção de infiltração Assistência na repatriação de refugiados
recursos naturais

Exercício temporário de autoridade


Prevenção de guerra civil Monitorização dos fluxos de refugiados
administrativa

Apoio logístico em projectos


Verificação de acordos de segurança e Prestação de segurança e auxiliar no humanitários, nomeadamente no
retirada de forças estrangeiras restabelecimento da vida económica local transporte, na área da saúde e
engenharia

Supervisionamento de separação e Verificação de acordos sobre direitos


Gestão e arbítrio de disputas locais
cantonamento humanos

Medidas de restabelecimento de
Remoção de minas
confiança/reconciliação

Treinamento/reformação de unidades Treinamento e reestruturação das forças


militares policiais

FONTE: O. Bures, 2005: 537

50
Embora Oldrich Bures (2005: 540) admita que as EMP possam desempenhar
algumas das actividades intrínsecas ao peacekeeping, o mesmo autor também
reconhece que a capacidade para o fazer não implica os resultados desejados. Por
conseguinte, é necessário determinar se as EMP podem funcionar dentro de um quadro
consistente com os objectivos da ONU.

AS IMPLICAÇÕES DO ENVOLVIMENTO DO SECTOR PRIVADO NO PEACEKEEPING


A comunidade internacional tem-se revelado inquieta com o fenómeno das empresas
militares privadas. De facto, logo em 1994 a ONU designou Enrique Bernales Ballesteros
para analisar a situação dos mercenários envolvidos em vários conflitos nacionais e
regionais. As conclusões do seu relatório5 agravaram as suspeitas da comunidade
internacional, conduzindo a um aumento dos protestos relativamente a estas actividades.
Segundo a ONU, as actividades mercenárias são uma violação da soberania,
independência e integridade dos Estados. Porém, como os guerreiros privados são
usualmente utilizados em conflitos intra-estatais, tem havido pouca actuação efectiva
para os regulamentar.
Porém, num tempo de contenção orçamental aos mais variados níveis, as EMP
argumentam em sua defesa que são uma solução mais racional em termos de custos. As
experiências do passado demonstram que em termos financeiros, as EMP conseguem
funcionar a custos significativamente inferiores do que as forças nacionais (Brooks e
Laroia, 2005: 123; Lawyer, 2005: 105). Igualmente, as EMP atestam que são capazes de
se mobilizar de forma mais célere e são menos propícias às baixas dos que as forças
nacionais. Contudo, os valores envolvidos nas várias estimativas não incluem outras
despesas que possam ser indirectamente associadas às EMP.6
Todavia, alguns autores alertam para o facto de que se as EMP funcionassem na
lógica dos mandatos ONU – i.e. imparcialidade, força mínima, procura de cessar-fogo – a
sua eficiência e viabilidade económica seriam certamente comprometidas (Brayton, 2002:
324). Contudo, não se pode negar que ao desempenhar funções secundárias nas
operações de peacekeeping, as EMP libertam os funcionários da comunidade
internacional, permitindo-lhes desempenhar funções mais críticas (Alabarda e Lisowiec,
2007: 99; Brooks e Laroia, 2005: 123). Nesta perspectiva, as EMP podem desempenhar
diversas acções de apoio logístico, de protecção de equipamentos e infra-estruturas, de
transporte e distribuição de material e equipamentos e de treino e formação de pessoal

5
United Nations Organization, Report of the Special Rapporteur on Mercenaries, E/CN.4/1995/29, 29 Agosto
de 1995. Disponível em
http://daccessdds.un.org/doc/UNDOC/GEN/G94/751/35/PDF/G9475135.pdf?OpenElement.
6
Um exemplo deste tipo de despesas indirectas verificou-se na Serra Leoa, na qual o Governo concessionou
a exploração das minas diamantíferas de Koidu à empresa Branch Energy Company, que pertence à
Strategic Resources Group que, por sua vez, também detinha a Executive Outcomes.

51
não militar. Igualmente, embora mais problemática, a utilização das EMP pode contribuir
para superar a relutância de muitos governos em se envolverem em situações de risco
elevado, com pouco apoio doméstico para o envolvimento de tropas.
Mas as preocupações com as actividades do sector privado são mais profundas. As
críticas ultrapassam as inquietações orçamentais e operacionais. Uma desconfiança
consiste no facto de o aumento do uso de forças militares privadas poder contribuir para
a criação de uma clientela política na qual a lealdade cívica e política se incline para
actores militares sub-estatais com motivos pouco transparentes (Brayton, 2002: 305).
O relatório submetido por Enrique Bernales Ballesteros à ONU alertou também para a
possibilidade de as forças militares privadas se tornarem instrumentos de opressão,
utilizadas para negar o exercício de autodeterminação dos cidadãos. Contudo, embora
esta observação seja válida, também não se pode negar que situações de opressão e de
sustentação de regimes ilegítimos têm sido perpetuadas por forças armadas endógenas.
Muitos críticos da utilização das EMP para funções de peacekeeping salientam o
facto de o registo histórico das intervenções privadas não resolverem cabalmente a
conflitualidade. Os casos da acção da Executive Outcomes e da Sandline International
em Angola e na Serra Leoa são apresentados como exemplos nos quais a conflitualidade
intra-estatal não cessou com as intervenções privadas. Contudo, o mesmo argumento
podia ser devolvido à comunidade internacional.
Todavia, uma das maiores preocupações da comunidade internacional assenta nos
motivos das EMP e da sua accountability. Contrariamente às forças armadas nacionais,
as EMP encaram o conflito como uma oportunidade empresarial. A atracção pelos
proveitos dos recursos dos Estados serve de incentivo às EMP. Se as forças armadas
nacionais respondem perante as respectivas instâncias nacionais, as forças privadas
respondem, antes de mais, aos seus accionistas (Shearer, 1998: 77). A falta de escrutínio
público e particularmente governamental suscita muita apreensão, pois não existem
ainda mecanismos regulamentares que direccionem e controlem a sua actuação
(Brayton, 2002: 318; Joras e Schuster, 2008: 22). A falta de enquadramento legal aos
níveis nacional e internacional é um dos factores que urge resolver (Nevers, 2009;
Singer, 2004).
As EMP têm sido igualmente criticadas por servirem de interpostos dos governos
ocidentais. Neste sentido, representam um instrumento “neocolonial operando sob o
estandarte das políticas do mercado liberal”7 (Brayton, 2002: 310; Leander e Munster,
2007). Todavia, mais problemático ainda é o efeito de deslegitimação do próprio Estado
provocado pela acção das EMP. As lealdades das populações são postas em causa
quando as entidades privadas se substituem- às instituições estatais dos Estados na
7
No original: “neocolonialism operating under the banner of liberal market policies”.

52
protecção e segurança dos seus cidadãos. Ao transformar a segurança num produto
comercializável gera-se uma dinâmica e os grupos militares privados “posicionam-se
como as fontes de estabilidade social, desafiando o Estado pela lealdade dos seus
cidadãos” (Brayton, 2002: 328). A consequente erosão do Estado acaba por agravar a
situação preambular do conflito, i.e. a fragilidade do poder estatal (Leander, 2005a;
2005b; Singer, 2007).
Mas apesar das muitas críticas e interrogações as EMP têm vindo a assumir um
papel cada vez mais activo e determinante nas operações do peacekeeping internacional.
De facto, várias organizações internacionais têm reflectido sobre a possibilidade de
recorrer ao sector privado. Em estudos realizados pelo Governo Britânico, pela
organização Refugees International e pelo Global Security Partnership Project, o
contributo de forças privadas é tido como um passo a considerar seriamente (Bures,
2005: 534-535). Igualmente, existem precedentes na utilização de forças privadas por
parte da própria ONU (Adams, 1999; Brayton, 2002; Bures, 2005; Krahmann, 2008;
Spearin, 2008).
O debate à volta do papel das EMP nas operações do peacekeeping ainda está longe
de ser concluído. Embora se possa vislumbrar algum papel para o sector privado,
designadamente em situações já estabilizadas e em funções operacionais secundárias, o
seu contributo não parece capaz de servir mais de que uma paz negativa pontual. A
construção de uma paz positiva sustentável não se coaduna com lógicas de promoção
comerciais, nem com a desresponsabilização dos Estados e da comunidade
internacional.

LUÍS MIGUEL DA VINHA


Licenciado e Mestre em Geografia pela Faculdade de Letras da Universidade de
Coimbra. Actualmente é Doutorando em Política Internacional e Resolução de Conflitos,
na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.
Contacto: luisdavinha@gmail.com

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54
Spearin, Christopher (2008), “Private, Armed and Humanitarian? States, NGOs, International
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382.

55
SUCESSO OU FRACASSO? UMA AVALIAÇÃO DOS RESULTADOS DA MINUSTAH*

FERNANDO CAVALCANTE
CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS, UNIVERSIDADE DE COIMBRA

Resumo: Apesar das limitações inerentes a qualquer tentativa de avaliação de uma


operação de paz, são dois os objetivos deste breve ensaio. O primeiro é avaliar a atual
operação das Nações Unidas no Haiti, a MINUSTAH, de acordo com a abordagem mais
frequentemente adotada para este exercício. Com base em uma comparação entre a
situação inicial no terreno e a situação atual, a Missão é aqui avaliada qualitativamente em
três dimensões: segurança e estabilidade, processo político e direitos humanos. Argumenta-
se que, ao passo em que a MINUSTAH obteve sucessos relativos em algumas dimensões
estabelecidas em seu mandato, os retrocessos em outras dimensões igualmente
importantes impedem a classificação da Missão como um “sucesso”. O segundo objetivo é
discutir o próprio método de avaliação aqui utilizado, uma vez que a comparação entre duas
situações no terreno é simplesmente reducionista.
Palavras-chave: avaliação de operações de paz, Nações Unidas, MINUSTAH, Haiti.

Os objetivos deste breve ensaio são (1) avaliar sucintamente a Missão de Estabilização
das Nações Unidas no Haiti – MINUSTAH e (2) apontar algumas das limitações inerentes
ao método de avaliação mais frequentemente utilizado para esse fim. Para tanto, adota-
se como método de avaliação uma abordagem comparada entre uma situação
parcial/final no terreno e os objetivos estabelecidos no mandato inicial de uma
determinada operação (vide Diehl, 1993; Durch, 1993). Neste caso, uma operação de paz
é considerada um “sucesso” quando atinge completamente aqueles objetivos.1
Argumenta-se que a MINUSTAH não pode, por ora, ser considerada um “sucesso”
porque não alcançou os objetivos estabelecidos no seu mandato inicial. Se, por um lado,

*
Algumas das ideias deste texto foram anteriormente apresentadas no III Encontro Nacional da Associação
Brasileira de Estudos de Defesa, realizado em Londrina em Julho de 2009.
1
Para os fins deste texto, utiliza-se a definição de operações de paz das Nações Unidas: “[f]ield operations
deployed to prevent, manage, and/or resolve violent conflicts or reduce the risk of their recurrence” (ONU,
2008: 98).

56
os resultados das ações de na área de segurança nos últimos cinco anos parecem ter
contribuído para uma redução nos níveis de violência direta no Haiti, por outro lado, os
resultados obtidos nas dimensões política e dos direitos humanos não parecem ter
atingido as expectativas iniciais da Organização. De fato, a incapacidade de proporcionar
um ambiente para o efetivo diálogo político nacional, bem como as constantes denúncias
de violações dos direitos humanos cometidas pelos peacekeepers onusianos
apresentam-se atualmente como os grandes desafios das Nações Unidas (ONU) no país.
Em relação ao método de avaliação das operações de paz da ONU, argumenta-se
que o seu foco na simples comparação entre uma situação no terreno e os objetivos
estabelecidos pelo mandato de uma operação é reducionista. Por se concentrar
especialmente na dimensão securitária, o que é constatado pela ênfase dada à avaliação
da contribuição da operação para a cessação das hostilidades ou para o estabelecimento
de uma paz negativa, a utilização deste método acaba por invisibilizar as outras
dimensões presentes no mandato de uma operação de paz. Ao proporcionar uma
avaliação imprecisa da contribuição de uma operação no terreno, as consequências mais
imediatas da utilização deste método são ajustes insuficientes na condução da própria
operação. No longo prazo, esta abordagem pode contribuir para reproduzir, e não para
contornar, as causas do conflito armado que levaram ao próprio estabelecido da
operação em análise.
Na seção seguinte, e em acordo com a proposta deste texto, é feita uma breve
avaliação qualitativa da MINUSTAH nas três áreas definidas pelo seu mandato inicial:
segurança e estabilidade, processo político e direitos humanos. As principais fontes
documentais utilizadas para a análise dos fatos ocorridos no país são os relatórios oficiais
da ONU e os do International Crisis Group, um think tank independente reconhecido
internacionalmente pelas suas análises de situações de conflitos armados. A escolha
dessas fontes tem por base a periodicidade das análises feitas pelas duas entidades,
bem como a sua constante presença no Haiti ao longo dos últimos cinco anos. O período
analisado vai do estabelecimento da Missão, em Junho de 2004, até Outubro de 2009,
data da última renovação do seu mandato. Na última seção, os argumentos são
resgatados e algumas considerações são feitas à guisa de conclusão.

AVALIAÇÃO DE OPERAÇÕES DE PAZ NO TERRENO: O CASO DA MINUSTAH


Existe um intenso debate acadêmico, com profundas implicações políticas, sobre a
melhor forma de se avaliar uma operação de paz. A título de simplificação, é possível
apontar, por um lado, abordagens que avaliam se determinada operação atinge ou não
os objetivos estabelecidos em seu mandato, normalmente considerando um “sucesso”
aquela que obtém a cessação das hostilidades, que limita o conflito armado ou que

57
promove a paz ou mesmo a “resolução” do conflito (Diehl, 1993; Durch, 1993). Por outro
lado, há abordagens que avaliam as operações de paz de acordo com a sua contribuição
para valores mais amplos, como a paz e a justiça, analisando o número de vidas salvas,
a melhoria das condições sócio-econômicas e a defesa e a promoção dos direitos
humanos (Bratt, 1996; Johansen, 1994). Ainda em relação aos métodos de avaliação, os
defensores de ambas as correntes discordam quanto à utilização de abordagens mais
quantitativas/objetivas ou mais qualitativas/subjetivas.
As primeiras abordagens são frequentemente criticadas por sua aparente
simplicidade, especialmente porque o “sucesso” de uma operação é frequentemente
entendido apenas como a “ausência de guerra” – a paz negativa definida por Galtung
(1969) – durante o tempo em que as operações permanecem no terreno. Ademais, se os
conflitos forem entendidos como inerentes à vida social, a própria ideia de “resolução de
conflitos” utilizada nessas análises pode ser questionada (Freire e Lopes, 2008). O
segundo tipo de abordagem é também alvo de críticas porque seus defensores não
problematizam suficientemente os conceitos de “paz” e “justiça”, simplesmente
assumindo-os como universais e aplicáveis a qualquer contexto. Assim, e considerando
que as operações de paz frequentemente atuam em cenários cujos valores, costumes,
tradições e culturas são diferentes daqueles dos peacekeepers, seria impossível “medir”
a paz e a justiça proporcionadas por uma operação de paz.
Desta rápida discussão,2 ficam evidentes tanto a inexistência de um único método
para a avaliação dessas operações quanto algumas das dificuldades intrínsecas a
qualquer exercício desta natureza. Contudo, é esse mesmo exercício de avaliação que
orienta a formulação das políticas relacionadas às operações de paz e que fundamenta a
reflexão crítica acadêmica. É com base nessas considerações que a MINUSTAH é aqui
avaliada com base nas três áreas definidas em seu mandato inicial.

Segurança e estabilidade
De acordo a Resolução 1542 (2004) do Conselho de Segurança da ONU, que
estabeleceu a MINUSTAH, o seu mandato, nesta área, seria apoiar as autoridades
haitianas no sentido de garantir um ambiente “seguro e estável” para o processo político
e constitucional no país. Mais especificamente, a Missão deveria auxiliar na
reestruturação e na reforma da Polícia Nacional Haitiana (PNH); no estabelecimento de
um programa de desarmamento, desmobilização e reintegração (DDR); na restauração e
manutenção do estado de direito (rule of law), da segurança e da ordem públicas; além

2
Vide Druckman e Stern (1997) para uma discussão mais aprofundada entre os autores aqui citados.
Pushkina (2006) propõe uma metodologia de avaliação que busca captar o “sucesso” das operações de paz
tanto a nível político (avaliação dos mandatos) quanto a nível de valores mais amplos (contribuição para a
segurança internacional e diminuição do sofrimento humano).

58
de proteger o pessoal, facilidades, instalações e equipamentos da ONU e de garantir a
segurança dos civis “sob iminente ameaça de violência física”. Tais ações, dentro das
capacidades e áreas de atuação da Missão, estavam e continuam amparadas pelo
Capítulo VII da Carta da Organização.
Quando as primeiras tropas foram enviadas ao Haiti, o aparato estatal de segurança
estava quase falido e a PNH estava em processo de desintegração e elevada politização
em torno da figura do ex-Presidente Jean-Bertrand Aristide. Gangues locais e grupos de
ex-militares armados controlavam áreas consideráveis das maiores cidades do país e
chagavam mesmo a atuar ilegalmente como forças locais de segurança. Em um
alarmante contraste, estimava-se que 25 mil pessoas estariam envolvidas com os grupos
armados, enquanto a PNH dispunha de um efetivo de apenas 3.500 policiais (CSNU,
2004a). Ademais, as instituições políticas não tinham credibilidade e o Estado não tinha
presença ou poder efetivo sobre todo o território nacional (ICG, 2004; CSNU, 2004b).
Após cinco anos de atividades, o ambiente no Haiti, em linhas gerais, é considerado
por agentes externos como mais seguro e estável que em 2004. Diversas operações
foram realizadas pela MINUSTAH em cooperação com a PNH com o objetivo de conter a
violência nas grandes cidades: patrulhamento extensivo nas favelas, ações para a
detenção de líderes das principais gangues, criação de checkpoints nas entradas e
saídas das favelas, ações anti-sequestro e treinamento de novos policiais (CSNU, 2008a;
ICG, 2007a). No caso específico do Haiti, tais operações contribuíram para restaurar,
ainda que parcialmente, a confiança e o respeito da população na Polícia Nacional,
minados devido a denúncias de corrupção e aos abusos aos direitos humanos. De entre
as ações com resultados mais visíveis, destacam-se aquelas que garantiram a segurança
do processo eleitoral em 2006 – ainda que alguns incidentes tenham sido registrados – e
aquelas que, no início de 2007, levaram à ocupação da maior favela de Porto Príncipe,
Cité Soleil (Gomide, 2007; ICG, 2007a; CSNU, 2006).
Apesar desses avanços relativos, contudo, a dimensão da segurança permanece
frágil e a gravidade da situação sócio-econômica, juntamente com os constantes abusos
aos direitos humanos, ameaçam a manutenção da estabilidade, como revelaram as
demonstrações de Abril de 2008 (ICG, 2009, 2008). Embora a PNH apresente hoje mais
de nove mil policiais efetivos – quase o triplo de 2004 (CSNU, 2009a), a segurança no
país ainda depende quase que inteiramente da Missão dada a falta de recursos e de
quadros nacionais suficientemente preparados para o exercício das funções policiais. A
consequência mais direta é provavelmente o elevado número de gangues e grupos
armados ilegais no país (ICG, 2008). Em relação ao DDR, a resposta da MINUSTAH foi
lenta, tendo estabelecido uma comissão para a questão somente em 2005 – e na altura,
sem mandato ou funções claramente definidos (CSNU, 2005). A situação tornou-se ainda

59
mais complexa porque a abordagem de DDR inicialmente adotada pela MINUSTAH era
incompatível com a realidade haitiana: não predominava um contexto de pós-conflito,
mas de violência em torno de gangues; não havia fações armadas lutando por objetivos
políticos e não houve um “acordo de paz” entre elas (ActionAid, 2006; Muggah, 2005;
CSNU, 2005).

Processo político
Devido à natureza da atual crise – desencadeada por um movimento de grupos armados,
ex-soldados e ex-policiais que invadiram a capital do país em 2003 clamando pela
renúncia do Presidente Jean-Bertrand Aristide –, o restabelecimento do sistema político
nacional foi alvo de especial atenção por parte das Nações Unidas. Nesta área, o
mandato da Missão seria apoiar o corrente processo político e constitucional no Haiti,
fomentando a governança democrática e o desenvolvimento institucional. Para tanto, a
MINUSTAH deveria auxiliar as autoridades haitianas no sentido de estabelecer o diálogo
nacional e a reconciliação; de organizar, monitorar e conduzir, o mais cedo possível, as
eleições no país, incluindo as presidenciais; e de expandir a autoridade estatal, apoiando
a boa governança nos níveis locais (CSNU, 2004c).
Ainda antes do envio da MINUSTAH, foi formado um governo provisório que deveria
buscar o consenso político no país. A fim de permitir a governabilidade do país a partir de
então, foi assinado um pacto de entendimento que estabelecia as metas a serem
atingidas pelo governo provisório em áreas como segurança, desenvolvimento, combate
à corrupção, reforma judiciária e fortalecimento das instituições políticas (CSNU, 2004a).
O acordo, contudo, não sepultou a instabilidade política, o que ficou evidente quando o
Fanmi Lavalas, partido político de Aristide, denunciou o pacto de entendimento e alegou
ser vítima de perseguição por parte dos outros partidos, passando a incitar a violência na
população haitiana (ICG, 2004; CSNU, 2004b). Ressalte-se ainda que a debilidade do
aparato estatal impedia a governança efetiva em diversas cidades do país, que acabaram
caindo sob o controle ilegal de grupos armados e ex-militares (ICG, 2005).
Neste contexto, o evento mais significativo da atuação da Missão foi certamente a
realização das eleições presidenciais e legislativas em Fevereiro de 2006. O pleito
ocorreu em um ambiente de segurança frágil, mas o comparecimento foi relativamente
alto e as eleições foram classificadas como “livres e justas” por observadores
internacionais (ICG, 2006). O apoio da MINUSTAH foi considerado fundamental nas
ações de registro de eleitores e principalmente na assistência técnica prestada à
Comissão eleitoral haitiana (ICG, 2006; CSNU, 2006). Ressalte-se, no entanto, que as
eleições ocorreram com alguns meses de atraso em relação à previsão inicial. As demais
ações da MINUSTAH em relação ao processo político tiveram pouco impacto,

60
especialmente se considerada a contínua fragilidade do aparato estatal haitiano e a sua
incapacidade de coordenação e atuação nas áreas mais afastadas da capital (ICG, 2009,
2007a).
A simples realização de eleições, contudo, não foi suficiente para garantir a
sustentabilidade do processo político haitiano, como vieram a comprovar os quatro
meses em que o Haiti ficou sem governo efetivo seguindo a decisão do Senado de
censurar o governo do Primeiro-Ministro Jacques-Edouard Alexis (CSNU, 2008b).3
Embora tenham prometido engajamento em um diálogo político nacional, os diversos
grupos políticos haitianos ainda apresentam fortes divisões, o parlamento tem sido
frequentemente criticado por inabilidade e incompetência, e a justiça permanece
profundamente politizada (ICG, 2009; CSNU, 2009a). A população haitiana, por sua vez,
frustra-se cada vez mais com a incapacidade do Presidente Préval em cumprir com as
suas promessas de reduzir as desigualdades sociais e de criar mais empregos (ICG,
2007a).

Direitos humanos
A promoção e proteção dos direitos humanos apresentam-se provavelmente como as
tarefas mais sensíveis na consecução do mandato da MINUSTAH. Nesta área, o
mandato inicial da Missão consistia em apoiar as autoridades e instituições do país nos
seus esforços para promover e proteger os direitos humanos, “especialmente de
mulheres e crianças”. Ademais, a Missão deveria monitorar e reportar a sua situação no
país juntamente com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos
(CSNU, 2004c).
Diversos fatores contribuíam para a precária situação dos direitos humanos no Haiti
quando a Missão foi enviada: o clima geral de insegurança; a ausência do aparato estatal
em várias regiões do país; a ineficiência da polícia, bem como a sua corrupção e
politização em torno da figura de Aristide; e o grande número de armas pequenas e leves
espalhadas pelo país (CJG, 2005; Griffin, 2004; CSNU, 2004b).4 No início de 2004, o
quadro dos direitos humanos era ainda agravado pelas demonstrações contra Aristide,
uma vez que os frequentes confrontos armados entre militares e grupos ilegais deixaram
uma grande parte da população haitiana suscetível a inúmeros atos de violência e
violações dos direitos humanos (HRW, 2004). Ressalte-se que a maior incidência dessas

3
Semanas após a última renovação de mandato da MINUSTAH, o Senado haitiano viria a afastar a então
Primeira-Ministra, Michèle Pierre-Louis, alegando que os resultados do seu governo, então com pouco mais
de um ano, haviam sido muito limitados. Vide The Economist (2009).
4
Muggah (2005) estima que grupos armados não-estatais e a população civil haitiana detenham, em
conjunto, pelo menos 180 mil armas pequenas e leves, contra cinco mil da PNH. A maioria dessas armas não
está registrada legalmente.

61
violações ocorria nas áreas mais pobres das grandes cidades do país, como os bairros
de Cité Soleil e Bel Air (Griffin, 2004).
Cinco anos após a chegada da MINUSTAH ao Haiti, contudo, o quadro geral da
situação dos direitos humanos parece não ter sofrido alterações profundas,
principalmente porque o aparato estatal haitiano ainda não consegue fazer-se presente
nas regiões mais afastadas de Porto Príncipe. Ademais, há ainda inúmeros relatos das
péssimas condições das penitenciárias nacionais e de execuções sumárias pelas
autoridades policiais, além de vários registros de detenções arbitrárias e sem julgamento,
de violência sexual por parte da PNH e dos próprios peacekeepers onusianos e, em
algumas situações, do uso de crianças-soldado pelos grupos armados (CJG, 2005; vide
também os Relatórios do Secretário-Geral da ONU).5
Embora os últimos relatórios do Secretário-Geral da Organização tendam a enfatizar
uma “melhoria relativa” no respeito aos direitos humanos (CSNU, 2009b, 2009a), a
situação no Haiti não se apresenta, propriamente, como um motivo a ser comemorado. A
incidência de crimes e a violência nas grandes cidades haitianas ainda é preocupante
(ICG, 2009), especialmente quando tais eventos significam a restrição da liberdade de
movimento das pessoas, como ocorreu especialmente até 2007 (EUA, 2009; Freedom
House, 2008). Outro motivo de grande preocupação para as Nações Unidas tem sido a
persistência das denúncias de abuso de violência e de atos de violência sexual
cometidos pelos próprios integrantes da Missão contra haitianos (CSNU, 2009b).
Segundo organizações não-governamentais, a Missão tem falhado tanto em investigar as
denúncias de ações cometidas pela PNH quanto em proteger as vítimas desses abusos,
conforme estabelecido pela Resolução 1542 (CJG, 2005; O Estado de São Paulo, 2005;
Griffin, 2004). Mais preocupante: os próprios integrantes da Missão têm sido acusados de
atos de violência física e sexual contra haitianos.

PARA ALÉM DO MANDATO


Apesar das limitações inerentes ao exercício de avaliação de uma operação de paz,
buscou-se aqui discutir os resultados obtidos pela MINUSTAH até outubro de 2009,
quando o seu mandato foi renovado mais uma vez pelo Conselho de Segurança da ONU.
Desta avaliação, ainda que breve – e por isso mesmo certamente incompleta, percebe-se
que os resultados da Missão têm sido díspares nas três dimensões estabelecidas pelo
seu mandato inicial: segurança, processo político e direitos humanos. Enquanto na
primeira é possível verificar contribuições da MINUSTAH para a diminuição dos índices
de violência direta no Haiti, as ações nas outras dimensões não lograram proporcionar

5
Para índices recentes de violência, crimes e sequentros no Haiti, vide ICG (2009).

62
um ambiente propício ao amplo diálogo político nacional e nem garantir substancialmente
o respeito aos direitos humanos em todo o território haitiano.
A partir desta análise, é possível ainda perceber que avaliar uma operação de paz
apenas a partir da comparação entre a situação inicial e a situação final encontrada no
terreno apresenta inúmeros problemas e possui, frequentemente implícito, o
entendimento de que o “sucesso” de uma operação de paz é simplesmente uma
“melhoria relativa” das condições iniciais. Ao adotar esta abordagem, conforme pôde ser
verificado neste texto, é preciso entender que outras realidades no terreno escapam a
este corte – como aspectos ambientais ou sócio-econômicos, por exemplo. Se baseados
nessa abordagem reducionista, os ajustes em qualquer operação de paz, bem como na
MINUSTAH, correm o risco de não ter a eficácia desejada e, portanto, não
proporcionarem o “sucesso” esperado pela ONU. Possivelmente mais grave, contudo, é a
possibilidade de que erros na avaliação de operações de paz possam levar à
perpetuação das reais causas dos conflitos armados, ao invés de contorná-los, como
demonstra o caso de Ruanda, por exemplo (Clapham, 1998).
Após cinco anos de ações e ajustes baseados especialmente no método de
avaliação adotado neste texto, a situação global no Haiti ainda está longe de ser
“estabilizada”. Conforme viriam a comprovar as demonstrações violentas de Abril de
2008, a estabilização no Haiti não passa apenas por essa divisão simplista presente no
mandato da MINUSTAH, divisão esta reforçada pelos métodos de avaliação que
simplesmente comparam a situação do país em 2004 com a situação atual. De fato, uma
série de aspectos relegados a segundo plano pelo mandato da Missão, ou mesmo
ausentes, têm também um forte impacto na estabilidade do país.
Em um quadro mais alargado, o Haiti continua a apresentar os piores índices de
desenvolvimento humano, mortalidade infantil, saúde e educação das Américas (vide
PNUD, 2009).6 Os índices macroeconômicos apontam para uma situação de grande
debilidade, a taxa de desemprego é crônica e os doadores internacionais e as remessas
de haitianos que vivem no exterior continuam a ser grandes fontes da renda do país
(ICG, 2007b). Ademais, a infra-estrutura nacional está longe de ser restaurada (ou
mesmo construída) e o aparato estatal permanece muito fragilizado, de forma que o Haiti
continua extremamente carente de apoio político, financeiro, militar e policial (ICG, 2009;
CSNU, 2009a). Ao não perceber a influência desses aspectos para a estabilização no
Haiti, a MINUSTAH corre o risco de permanecer afastada de qualquer definição de
“sucesso” nos próximos anos.

6
Para relatos e depoimentos de moradores de uma das áreas mais pobres do país, vide o documentário Bon
Bagay Haiti – Histórias de Cité Soleil (Agência Brasil, 2007).

63
FERNANDO CAVALCANTE
Doutorando em Política Internacional e Resolução de Conflitos pelo CES/FEUC,
Universidade de Coimbra, com bolsa concedida pela Fundação para a Ciência e
Tecnologia. É bacharel em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília, tendo
atuado em pesquisas sobre operações de paz e política externa do Brasil. Seus atuais
interesses de pesquisa focam questões de peacekeeping e peacebuilding das Nações
Unidas, de teorias das Relações Internacionais e de política externa do Brasil.
Contato: fcavalcante@ces.uc.pt

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64
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66
A AVALIAÇÃO DAS MISSÕES DE PAZ NA COSTA DO MARFIM∗

MATEUS KOWALSKI
CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS, UNIVERSIDADE DE COIMBRA

Resumo: O conflito na Costa do Marfim constitui um estudo de caso intenso e revelador no


que respeita à teoria da avaliação da implementação de missões de paz. Até ao início do
século, a Costa do Marfim era considerada um dos países com maior estabilidade política e
prosperidade socioeconómica do oeste de África. Contudo, com a morte do Presidente Félix
Houphouët-Boigny em 1993, a Costa do Marfim emergiu num intenso conflito interno
motivado pela luta pelo poder naquele Estado. Perante a consideração de que tal constituía
uma ameaça à paz e segurança internacionais na região, intervieram na Costa do Marfim
duas missões das Nações Unidas, a Missão das Nações Unidas na Costa do Marfim
(MINUCI) e a Operação das Nações Unidas na Costa do Marfim (UNOCI). Neste contexto o
presente estudo começa por abordar a controversa questão da avaliação de missões de paz
propondo uma grelha de critérios de avaliação, para, depois, avaliar a implementação das
missões de paz das Nações Unidas na Costa do Marfim. Finalmente, procura retirar
algumas conclusões do estudo de caso que possam contribuir para o debate teórico sobre a
avaliação de missões de paz.
Palavras-chave: missões de paz, avaliação, Costa do Marfim, MINUCI, UNOCI.

1. INTRODUÇÃO
O conflito na Costa do Marfim constitui um estudo de caso intenso e revelador no que
respeita à teoria da avaliação da implementação de missões de paz. Até ao início do
século, a Costa do Marfim, constituída por cerca de sessenta etnias diferentes, era
considerada um dos países com maior estabilidade política e prosperidade
socioeconómica do Oeste de África, merecendo mesmo o epíteto de “Milagre Africano”
(Langer, 2005).
Após a independência da Costa do Marfim em 1960, o país gozou de relativa
estabilidade política e prosperidade socioeconómica, sendo um exemplo no Oeste de
África. A sua situação atractiva induziu fluxos de imigrantes de países da região, incluindo


O autor agradece o apoio que lhe é conferido pela Fundação Calouste Gulbenkian para a realização do
programa de Doutoramento.

67
do Burkina Faso e do Mali. Com a morte em 1993 do Presidente Félix Houphouët-Boigny,
herói da independência, a Costa do Marfim imergiu numa intensa luta pelo poder, para a
qual não deixaram de contribuir alguns factores de tensão étnica entre os chamados
étrangères e os auto-aclamados costa-marfinenses de “sangue-puro” (Kirwin, 2006). A
apelidada estratégia de “Ivoirité” implementada pelo então Presidente Henri Konan Bédié
contribui grandemente para essa conflitualidade (Touré, 2000; Konate, 2004). Esta luta
pelo poder culminou com um golpe de Estado liderado pelo General Robert Gueï, que
derrubou o Presidente Bédié. A luta pelo poder alargou-se a outros movimentos e
personalidades políticas, incluindo Gbagbo, Bédié, o General Gueï e Ouattara.
A Comunidade Económica do Oeste Africano (ECOWAS) tentou solucionar a crise,
promovendo o diálogo entre os rebeldes e o Governo e destacando forças para aquele
Estado. Por outro lado, forças francesas já estacionadas na Costa do Marfim foram
igualmente encarregues de monitorizar o cessar-fogo, não sem algumas críticas (Tete,
2006). Entretanto intervieram na Costa do Marfim duas missões das Nações Unidas: a
Missão das Nações Unidas na Costa do Marfim (MINUCI)7 e a Operação das Nações
Unidas na Costa do Marfim (UNOCI),8 que, segundo o conceito proposto pela “Doutrina
Capstone” (DPKO, 2008a), podem ser classificadas como missões de peacekeeping
(doravante “missões de paz”).
O estudo não pretende desprezar o papel da missão da ECOWAS na Costa do
Marfim (ECOMICI).9 Contudo, no âmbito do tema central da avaliação de missões de paz
no terreno, optou-se por analisar e colocar em contraste as duas missões de constituição
mais recente e sob os auspícios de uma mesma organização, as Nações Unidas.
O presente estudo advoga que a avaliação de missões de paz é um tópico
fundamental na temática das missões de paz. A grelha de avaliação das missões de paz
no terreno, de que se procurará fazer proposta, poderá constituir uma boa base para a
avaliação da acção das missões de paz das Nações Unidas no terreno. É, pois, de crer
que a aplicação da grelha de avaliação ao caso da Costa do Marfim revelará resultados
diferentes no que respeita ao impacto daquelas duas missões na gestão e transformação
do conflito na Costa do Marfim desde 2003.
Neste contexto, o presente estudo pretende, primeiro, abordar a controversa questão
da avaliação de missões de paz, para, depois, avaliar a implementação das missões de
paz das Nações Unidas na Costa do Marfim. Finalmente, procurará retirar algumas
conclusões do estudo de caso que possam contribuir para o debate teórico sobre a
avaliação de missões de paz.

7
Resolução do Conselho de Segurança 1479 (2003), de 13 de Maio de 2003.
8
Resolução do Conselho de Segurança 1528 (2004), de 27 de Fevereiro de 2004.
9
Para mais sobre a ECOMICI vide Gberie e Addo (2004).

68
2. A AVALIAÇÃO DE MISSÕES DE PAZ
Surge como pertinente que uma missão seja avaliada (Ortiz, Inomata, 2006). O conceito
“avaliação” pode ser definido como a

[…] apreciação sistemática e objectiva de um projecto, programa ou política, em


curso ou terminado, no que respeita à sua concepção, implementação e resultados.
O propósito será determinar a relevância e o cumprimento dos objectivos, a
eficiência em matéria de desenvolvimento, a eficácia, o impacte e a
sustentabilidade. Uma avaliação deve fornecer informações credíveis e úteis
permitindo integrar as lições da experiência nos processos de decisão (…)(OECD,
2002: 21-22).

No que respeita à teorização da avaliação, no caso concreto das missões de paz, o


seu resultado é frequentemente rotulado como “sucesso” ou “insucesso”. Contudo, do
ponto de vista do discurso teórico, não poderá deixar de ser referido que esta
classificação incorre num maniqueísmo facilmente manipulável.
O grande desafio que rodeia a problemática da avaliação está em encontrar uma
grelha que permita retirar conclusões o mais sistemáticas e objectivas possível sobre a
implementação de uma missão de paz, sem que se limite, pois, apenas a aprová-la ou a
reprová-la. Não havendo espaço neste estudo para um debate de tal densidade e
abrangência, valerá, contudo, a pena referir que a discussão assenta em diversas
dicotomias que são fundamentadas em convicções ontológicas próprias do avaliador.
Conceptualmente, os critérios são muito díspares variando entre a mobilização de
elementos gerais ou então de factores de enorme especificidade. Igualmente, do ponto
de vista metodológico, existem divergências entre a utilização de métodos qualitativos e
quantitativos.
A título de exemplo, pode-se confrontar a posição de dois autores de referência, Paul
Diehl e Betts Fetherson, com perspectivas diametralmente opostas conforme expostas
num interessante fórum escrito promovido por Daniel Druckman e Paul Stern (Druckman
e Stern, 1997). Paul Diehl defende uma abordagem positivista da avaliação das missões
de paz. O sucesso seria medido pela extensão do cumprimento da missão tal como
consta do mandato e pela concretização de objectivos específicos, tais como o número
de pessoas alimentadas e os cessar-fogos alcançados. O autor defende a utilização de
critérios com base não na questão de saber se os objectivos foram atingidos mas no
modo como foram atingidos, por exemplo na eficiência logística da operação, na
imparcialidade da missão ou na capacidade de não recurso à violência. Os objectivos
relacionados com a organização teriam maior relevo do que os relacionados com o

69
conflito em si ou com a população local. O autor utiliza uma abordagem metodológica
com base em critérios quantitativos para avaliar a capacidade de prevenir um conflito
violento e a capacidade de resolver um conflito existente. Para tal, advoga que a missão
de paz deve ser avaliada através de uma série de indicadores que permitam medir o
sucesso num continuum e que permitam comparar diferentes operações. Promove, pois,
o desenvolvimento de modelos baseados em dados empíricos rigorosos e focados em
questões práticas que permitam construir bases de dados com critérios explícitos e
sistemáticos para o sucesso de missões de paz.
Pelo contrário, Betts Fetherson prefere uma abordagem construtivista da questão. A
avaliação não deve ser feita com base numa qualquer wish-list diplomática ou militar, que
estará pouco relacionada com as necessidades das pessoas que vivem nas zonas de
conflito. Antes dever-se-ia analisar as missões de paz no contexto mais vasto do
peacebuilding e da transformação de conflitos, mais ligados aos interesses e
necessidades das pessoas que vivem nas zonas de conflito, bem como à necessidade de
afastar culturas de violência e estruturas repressivas. A autora recorre a uma abordagem
metodológica fundada em critérios qualitativos que devem ser contextualizados e
legitimados através de métodos empíricos quantificáveis, designadamente através de
entrevistas. De facto, Fetherson, mais preocupada com as questões conceptuais amplas
e com a consequência das missões de paz, insiste na necessidade de abrir espaços de
reflexão e acção alternativos para fomentar melhores construções relativamente a
questões como poder, empowerment, culturas de violência e construção da paz a longo
prazo, que não estejam exclusivamente focadas nas elites e no dito “voto democrático”.
Posto isto, a grelha de avaliação que será proposta para a avaliação do caso em
estudo terá em conta diversas variáveis relevantes, contextualizadas nas missões que o
estudo ambiciona analisar e indexadas aos elementos existentes que sejam
objectivamente mensuráveis e de acesso credível. A grelha proposta será, assim,
constituída por dois níveis de critérios: primários e secundários.
Os critérios primários dizem respeito à concretização dos objectivos da missão de
paz, tendo por elemento central de análise o mandato. São eles, em primeiro lugar, a
implementação do mandato da missão de paz. Em segundo lugar, como critério de
controlo, a enunciação no mandato dos objectivos abstractos de qualquer missão de paz
e a sua concretização no terreno. Estes objectivos-matriz podem incluir, conforme o caso:
limitar o conflito violento no Estado de intervenção; reduzir o sofrimento humano; prevenir
o alastrar do conflito para além das fronteiras do Estado; promover a resolução dos
conflitos enquanto objectivo das Nações Unidas (Pushkina, 2006). Finalmente, em
terceiro lugar, a determinação sobre se ocorreu uma transformação positiva do conflito,
considerando as expectativas aquando da criação da missão de paz pelo Conselho de

70
Segurança. Todos estes critérios encontram-se interligados de forma permanente e
entrecruzada.
Os critérios secundários serão os factores condicionantes do resultado da avaliação
da missão de paz. Incluem-se neste nível a adequação do mandato, a disponibilização
dos meios necessários, bem como outros factores endógenos ou exógenos relevantes.

3. AVALIAÇÃO DAS MISSÕES DE PAZ DAS NAÇÕES UNIDAS NA COSTA DO MARFIM


A MINUCI foi estabelecida com o propósito essencial de facilitar a implementação do
Acordo Linas-Marcoussis, que previa a criação de um governo de reconciliação nacional.
Relativamente à implementação do mandato, a missão mostrou-se incapaz de cumprir
funções essenciais que lhe foram atribuídas, designadamente as suas funções de
monitorização e colaboração na desmobilização, desarmamento e reintegração dos
grupos armados (UNSG, 2004).
A principal razão apontada para a incapacidade de levar a cabo a sua missão foi a
escassez de pessoal e a falta de ambição do mandato. O mandato previa um contributo
residual da missão para a gigantesca tarefa com que a Costa do Marfim se deparava.
Assim, se analisado à luz dos objectivos-matriz das missões de paz, o mandato foi pouco
arrojado, não prevendo funções e mecanismos de acção suficientes que garantissem
uma paz sustentável. Como consequência, no final do seu mandato, a MINUCI não
conseguiu concretizar os objectivos-matriz inerentes às missões de paz. Por tudo isto se
pode afirmar que, apesar de alguns progressos observados, não existiu contribuição
significativa para a transformação positiva do conflito, considerando as expectativas
aquando do estabelecimento da missão de paz pelo Conselho de Segurança.
Na sequência, foi decidida, em 2004, a constituição da UNOCI. De facto, tendo
determinado que a situação na Costa do Marfim continuava a constituir uma ameaça à
paz e à segurança na região, o Conselho de Segurança estabeleceu a UNOCI por um
período inicial de 12 meses, com início a 4 de Abril desse ano. A UNOCI passou a
assumir a responsabilidade pela missão política da MINUCI conforme estabelecida em
2003 e pelas forças da ECOWAS.
O Conselho de Segurança autorizou a UNOCI a usar todos os meios necessários
para levar a cabo a seu mandato, no âmbito das suas capacidades e área de
implementação.10 O mandato confere amplas competências à UNOCI em diversos
domínios, tais como: a monitorização da cessação das hostilidades e movimentos de
grupos armados; o desarmamento, a desmobilização, a reintegração, a repatriação e o

10
O mandato da missão foi originalmente estabelecido pela Resolução 1528 (2004), de 27 de Fevereiro de
2004, tendo sido subsequentemente desenvolvido pela Resolução 1609 (2005), de 24 de Junho de 2005 e
pela Resolução 1739 (2007), de 10 de Janeiro de 2007.

71
realojamento; o desarmamento e desmantelamento de milícias; operações de
identificação da população e recenseamento; a reforma no sector da segurança; a
protecção do pessoal das Nações Unidas, de instituições e de civis; a monitorização do
embargo de armas; o apoio à assistência humanitária; o apoio ao restabelecimento da
administração estadual; a assistência na organização de eleições abertas, livres, justas e
transparentes; a assistência no âmbito dos direitos humanos; a informação pública; e a
ordem e justiça. A Resolução do Conselho de Segurança 1865 (2009), de 27 de Janeiro
de 2009, renovou o mandato da missão conforme estabelecido pela Resolução 1739
(2007), incumbindo especialmente a UNOCI de contribuir para a implementação do
Acordo de Ouagadougou, de 2007, designadamente no que respeita à realização do
processo eleitoral.
Relativamente à implementação do mandato, a UNOCI tem desenvolvido um papel
importante apoiando o comando central integrado, prestando assistência às forças da
Costa do Marfim, monitorizando o embargo de armas, proporcionando auxílio às vítimas
de violações de direitos humanos, com especial atenção à promoção e protecção dos
direitos das mulheres e das crianças, ou utilizando a sua estação de rádio, a ONUCI-FM,
e rádios locais para dar a conhecer o papel da missão no processo de paz, aproveitando
ao mesmo tempo para promover as acções de identificação e recenseamento da
população. Especificamente no que concerne ao processo eleitoral, até 31 de Março de
2009 cerca de 5,9 milhões de costa-marfinenses haviam sido identificados e
recenseados. As forças da UNOCI têm garantido a segurança e a implementação do
processo eleitoral, prestando assistência técnica e logística na organização das eleições
(UNSG, 2009).
Porém, persistem problemas relacionados com a reunificação, a desmobilização, o
desarmamento e a recolocação de combatentes, o restabelecimento da administração
estadual em todo o território, os litígios sobre propriedade e o enfraquecimento do tecido
social, que permanecem num impasse e que constituem ainda obstáculos à paz
sustentada (UNSG, 2008; UNSG, 2009). A não verificação plena dos progressos
desejáveis em determinados objectivos decorreu essencialmente de factores exógenos à
missão, tais como divergências políticas entre as partes em contenda, dificuldades das
instituições locais em implementar o Acordo de Ouagadougou, ou ainda diversos
obstáculos de natureza logística, financeira e procedimental.
Contudo, o mandato da UNOCI é amplo no seu âmbito e detalhado nos domínios em
que deve intervir, conferindo à missão meios adequados. De facto, a missão parece estar
a conseguir, gradualmente, atingir os objectivos-matriz das missões de paz. A UNOCI
tem contribuído para a limitação do conflito e para a estabilização da segurança no
terreno, promovendo e supervisionando acordos de cessar-fogo, bem como a

72
desmobilização e o desarmamento. Por outro lado, tem tido um papel relevante na
assistência humanitária e na promoção e protecção dos direitos humanos, em especial
das mulheres e crianças. Para além disso, em colaboração com outros actores regionais,
tem contribuído para a prevenção do alastramento do conflito para além das fronteiras da
Costa do Marfim.
Assim, apesar do progresso lento na realização de eleições e de divergências
políticas entre as partes, a Costa do Marfim tem mantido um rumo estável em direcção à
implementação do processo de paz e à transformação do conflito, principalmente desde a
assinatura do Acordo de Ouagadougou. O vagaroso progresso positivo que se tem
observado no país indicia a construção de uma paz sustentável, que, diga-se, beneficia
claramente da intervenção das Nações Unidas na resolução do conflito.

4. CONCLUSÃO
A avaliação de missões de paz é um tópico que deve ocupar um lugar de relevo na
temática das missões de paz, sendo uma área de investigação científica fulcral neste
âmbito, que deve ser desenvolvida e aprofundada. Assim, do ponto de vista conceptual,
constata-se a existência de perspectivas diferentes quanto aos critérios a mobilizar,
nomeadamente no que respeita aos objectivos que a missão poderia expectavelmente
atingir: se o impacto da missão deve ser medido a curto ou a longo prazo, se os efeitos
devem ser medidos na população local ou nos responsáveis governamentais, se devem
ser impostos critérios externos de avaliação, ou se devem ser elaborados critérios
específicos para uma dada missão em concreto. No plano metodológico, também existem
divergências sobre se se deve privilegiar a dimensão qualitativa ou a quantitativa para
percepcionar o impacto das missões de paz ou até para se estabelecerem condições de
comparação. Diversos autores advogam a necessidade de incluir de forma aprofundada
critérios qualitativos e quantitativos mais refinados e a análise da contribuição da missão
para a concretização de valores mais amplos tais como a paz mundial, a justiça e a
redução do sofrimento humano (Druckman e Stern, 1997; Pushkina, 2006). O trabalho
conjunto entre académicos e operacionais no terreno pode contribuir para esta área de
investigação, permitindo uma melhor compreensão e produção de conhecimento sobre
boas práticas nas missões de paz e sobre a resolução de conflitos em geral (Estrée et al.,
2001).
No presente estudo foi proposta uma grelha de avaliação das missões de paz no
terreno, depois aplicada ao caso da Costa do Marfim, constituída por critérios primários e
secundários. Importa aqui referir que, apesar da utilidade de existirem a priori grelhas
semi-padronizadas para avaliar as missões de paz, não pode deixar de ser conferido
espaço ao avaliador para recorrer a outros critérios de avaliação que, do ponto de vista

73
quer conceptual quer metodológico, lhe pareçam mais adequados em função do caso
concreto em análise. Por outro lado, convém ter bem presente que as missões de paz
não pretendem ser os únicos intervenientes na gestão e transformação de um conflito. A
avaliação de uma missão de paz não pode, pois, ser ditatorial, sendo implacável quando
o conflito não evolui, ou sendo exaltada quando se verifica uma transformação positiva do
conflito.
Da aplicação da grelha foi possível empreender um exercício que permitiu avaliar a
relevância e o cumprimento dos objectivos, a eficiência da missão de paz, a sua eficácia,
impacto e sustentabilidade, fornecendo informações credíveis e úteis que permitiram
integrar as lições da experiência nos processos de decisão das missões em análise, de
que a mudança da MINUCI para a UNOCI é um bom exemplo, e, possivelmente, de
outras no futuro. A acção das missões de paz das Nações Unidas no terreno teve
impactos diferentes na gestão e transformação do conflito na Costa do Marfim desde
2003. A MINUCI não esteve à altura das expectativas, não conseguindo sequer cumprir
um mandato que à partida era, já de si, desadequado para a situação. Na sequência, o
estabelecimento da UNOCI, em 2004, dotada de um mandato mais desenvolvido e
robusto, contando actualmente com o oitavo maior contingente de todas as missões de
paz em curso, veio alterar positivamente a capacidade de uma missão de paz de
contribuir para a gestão e transformação do conflito na Costa do Marfim (CICNYU, 2009).
Principalmente desde a celebração do Acordo de Ouagadougou, a UNOCI tem
desempenhado um papel relevante para a manutenção de um ambiente seguro
necessário à plena implementação do Acordo, designadamente no que respeita à
realização do processo eleitoral (DPKO, 2008b). Será pois possível afirmar que a
progressiva gestão e transformação do conflito na Costa do Marfim em direcção a uma,
ainda incerta mas expectável, paz sustentável deve-se em grande medida à intervenção
das Nações Unidas, e em particular ao estabelecimento e à acção no terreno da UNOCI,
que tem contribuído para a reconciliação de um país anteriormente dividido.

MATEUS KOWALSKI
Consultor jurídico no Ministério dos Negócios Estrangeiros, no domínio do Direito
Internacional Público. Licenciado em Direito, Mestre em Ciências Jurídico-Internacionais
e doutorando em Política Internacional e Resolução de Conflitos na Universidade de
Coimbra.
Contacto: mateuskowalski@ces.uc.pt

74
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75
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76
RELAÇÕES ENTRE CIVIS E MILITARES NAS OPERAÇÕES DE PAZ

GILBERTO CARVALHO DE OLIVEIRA


CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS, FACULDADE DE ECONOMIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA

Resumo: No contexto das operações de peacekeeping, militares e civis interagem na


execução de um amplo espectro de actividades, o que tem levado à formulação dos
modelos de integração genericamente designados pela expressão civil-military cooperation
(CIMIC). Neste artigo, defendo que os modelos do tipo CIMIC, embora pretendam ajustar as
relações civis-militares ao ambiente complexo das operações de peacekeeping, na verdade
continuam presos à lógica estratégica do tradicional modelo «Estado-soldado» de
Huntington. Isso acontece porque a integração das relações civis-militares é realizada de
forma hierárquica e subordinada ao objectivo político-militar. Em consequência, as
interacções passam a ser orientadas por propósitos estratégicos, com profundas
implicações no espaço humanitário, na medida que militariza e politiza actividades
tradicionalmente guiadas por princípios de independência, neutralidade e imparcialidade.
Palavras-chave: relações civis-militares, CIMIC, peacekeeping, acção humanitária.

1. INTRODUÇÃO
No âmbito disciplinar da Ciência Política e das Relações Internacionais, o debate teórico
sobre as relações entre civis e militares é tradicionalmente marcado pela questão do
controle civil das forças armadas. Esse debate – seminal na obra de Clausewitz (1982) e
central na obra de Huntington (1957 e 1991) – traduz as relações civis-militares em
termos de poder. Dentro dessa perspectiva, o controlo civil das forças armadas é visto
como uma forma de assegurar a subordinação do «soldado» ao «Estado» e, desse
modo: (a) evitar a usurpação do poder político pelas elites militares; e (b) garantir a
instrumentalização da força militar pelo poder político, na defesa dos interesses
nacionais.
Se, por um lado, este debate é potente na análise dos processos de transição de
regimes autoritários para regimes democráticos – preocupação central de Huntington
(1991 e 1996) – por outro lado perde o seu vigor na análise das interacções

77
diversificadas e transversais que caracterizam as relações civis-militares
contemporâneas, sobretudo a partir do crescente emprego das forças armadas nas
operações de peacekeeping.1 Nesses contextos – onde tropas de diversas
nacionalidades e actores civis transnacionais, intergovernamentais e não-governamentais
operam, lado a lado, em prol de um amplo espectro de actividades de carácter
securitário, político e humanitário (Ramsbotham e Woodhouse, 1996: 116-8) − o
tradicional modelo «Estado-soldado» perde sua força explicativa e cria um vácuo
analítico que a bibliografia sobre o tema tem custado a preencher.
Se a reflexão académica pouco se tem envolvido na formulação de alternativas ao
modelo huntingtoniano, a prática do peacekeeping, pelo contrário, tem sido arrastada por
uma corrente de modelos de integração das relações civis-militares, genericamente
designados pela expressão civil-military cooperation (CIMIC).
Defendo que os modelos do tipo CIMIC, embora pretendam adaptar as relações civis-
militares ao ambiente complexo das operações de peacekeeping, na verdade continuam
presos à lógica estratégica do tradicional modelo «Estado-soldado». Isso acontece
porque a integração das relações civis-militares é realizada de forma hierárquica e
subordinada ao objectivo político-militar. Como consequência, as interacções passam a
ser orientadas por propósitos estratégicos, o que resulta numa crescente militarização
das actividades de natureza não militar, como é o caso da assistência humanitária.
Na defesa do argumento anterior, serão seguidos três passos: a análise do problema
da coordenação enquanto uma das grandes fragilidades das relações civis-militares no
peacekeeping; a crítica aos modelos de tipo CIMIC, que tentam resolver o problema da
coordenação por meio de um modelo estratégico que militariza e politiza as relações
civis-militares em geral; e o exame do impacto desse processo no espaço humanitário.

2. O PROBLEMA DA COORDENAÇÃO
Desde o fim da Guerra Fria, as operações de peacekeeping têm sido ampliadas para
envolver, simultaneamente, o controlo da violência, os esforços de reconstrução e a
redução do sofrimento da população, o que implica a execução de um amplo leque de
funções de natureza militar, política e humanitária (Franke, 2006: 7; Ramsbotham e
Woodhouse, 1996: 116-8). A execução dessas funções coloca, no mesmo espaço, forças
armadas e um conjunto de actores civis de órgãos como as Nações Unidas,
organizações regionais, instituições financeiras internacionais, agências governamentais

1
Traduz-se peacekeeping por manutenção da paz. Neste artigo, o termo peacekeeping é utilizado de forma
abrangente, englobando tanto as operações de manutenção da paz conduzidas pelas Nações Unidas e
organizações regionais, quanto as instituídas por Coalisions of the Willing.

78
e não-governamentais de desenvolvimento e de ajuda humanitária e, mais recentemente,
empresas privadas de segurança (Paris, 2009: 55-6).
Nesse contexto, não tardam a aparecer focos de tensão tipicamente relacionados
com problemas de coordenação, tais como sobreposição de papéis, duplicação de
esforços, realização de esforços em sentidos contrários, falta de conhecimento das
actividades uns dos outros, interferências em actividades alheias, etc. Ainda que tais
focos de tensão não sejam uma exclusividade das relações civis-militares – uma vez que
se reproduzem, também, no âmbito específico das relações intra-militares e intra-civis −
as relações civis-militares são particularmente sujeitas a atritos por envolverem perfis de
actuação que, em tese, são diametralmente opostos: a actuação militar tende a
sobrevalorizar a segurança, a unidade de comando, a hierarquia, os resultados de curto
prazo, os mecanismos de coerção e a dependência rigorosa ao mandato; e a actuação
civil tende a voltar-se para as funções ligadas à reconstrução e ao alívio do sofrimento da
população, a valorizar os resultados de médio e longo prazo, a reclamar um ambiente
pouco coercitivo, descentralizado, horizontal, participativo e organizacionalmente fluído
(Franke, 2006: 16). Desse modo, o problema da coordenação eleva-se como uma das
principais fragilidades das relações civis-militares e, não por acaso, começa a figurar
como tema de destaque na agenda de investigação sobre peacekeeping (Franke, 2006;
Guttieri, 2004; Jeong, 2005; Paris, 2009; Pugh, 2000; Rietjens, 2008; Rigby, 2006;
Spearin, 2008).

3. OS MODELOS DE COOPERAÇÃO CIVIL-MILITAR: CIMIC


No rasto do problema da coordenação das relações civis-militares, segue uma crescente
necessidade de integração, cujo principal produto são os modelos de cooperação civil-
militar. Tais modelos, genericamente baptizados pela sigla CIMIC (civil-military
cooperation), não resultam, propriamente, da reflexão académica e teórica em torno do
problema da coordenação. Na realidade, a CIMIC nasce de soluções pragmáticas,
adoptadas pelos estados e organizações internacionais, com o propósito de melhor
adaptar suas doutrinas às necessidades de coordenação e cooperação dentro do
ambiente multifuncional e multilateral típico das operações de peacekeeping (Boileau,
2005: 3; Franke, 2006: 8).
Ainda que se possa identificar uma variedade de modelos CIMIC (Doutrina 3D do
governo canadiano, doutrina CMA do exército francês, doutrina CIMIC da NATO), a base
de todos eles está na Civil Affairs doctrine das forças armadas norte-americanas, cuja
edição em vigor define as relações civis-militares nos seguintes termos:

79
Operações civis-militares são as actividades de um comandante destinadas a
estabelecer, manter, influenciar ou explorar as relações entre militares e
autoridades civis, governamentais e não governamentais, e entre militares e
populações civis, numa área de operações amiga, neutra ou hostil, com o propósito
de facilitar as operações militares e consolidar e conquistar os objectivos
operacionais dos Estados Unidos (US, 2003: viii).2

Em sentido semelhante, a CIMIC Doctrine AJP-9 da Organização do Tratado do


Atlântico Norte define a cooperação civil-militar nos termos a seguir:

CIMIC é definida como a coordenação e a cooperação entre o comando da NATO e


os actores civis, inclusive a população nacional e as autoridades locais, bem como
as organizações e agências internacionais, nacionais e não governamentais, com o
propósito de dar suporte à missão (NATO, 2003: 1.1).3

Essa definição é reforçada na abertura do capítulo dois da doutrina, com o enunciado


do primeiro princípio da cooperação civil-militar: «A NATO conduz a CIMIC em suporte à
missão militar» (NATO, 2003: 2.1).
Uma análise predicativa das definições anteriores é extremamente facilitada em
função da clareza e objectividade com que os verbos «influenciar» e «explorar» são
utilizados para indicar a dinâmica de aproximação do sujeito (o comandante) ao seu
objecto (as relações civis-militares). Do mesmo modo, percebe-se com nitidez o carácter
instrumental das relações civis-militares a partir dos verbos empregados na enunciação
dos propósitos: a CIMIC é conduzida com o propósito de «facilitar», «consolidar» e
«suportar» os objectivos militares. Pode-se constatar, portanto, que longe de indicarem a
emergência de algum equilíbrio nas relações civis-militares ou de indicarem uma clara
definição de papéis e identidades, os modelos CIMIC apontam, na verdade, para a
superioridade e a primazia absoluta do objectivo militar da missão.
Pugh (2000 e 2001) analisa o processo de institucionalização dos modelos CIMIC no
pós-Guerra Fria. Segundo o autor, a implantação dos Centros de Operações Civis-
Militares na Somália, em 1992, e na Bósnia, em 1993, são as iniciativas pioneiras desse

2
Tradução livre do autor, a partir do texto em inglês: «Civil-Military Operations (CMO) are the activities of a
commander that establish, maintain, influence, or exploit relations between military forces, governmental and
nongovernmental civilian organizations and authorities, and the civilian populace in a friendly, neutral, or
hostile operational area. The purpose of CMO is to facilitate military operations, and to consolidate and
achieve operational US objectives» (US, 2003: viii).
3
Tradução livre do autor, a partir do texto em inglês: «CIMIC is defined as: The co-ordination and co-
operation, in support of the mission, between the NATO Commander and civil actors, including national
population and local authorities, as well as international, national and non-governmental organizations and
agencies» (NATO, 2003: 1.1).

80
processo de institucionalização e foram motivadas pela necessidade de estabelecimento,
pelos estados ocidentais e pela NATO, de um relacionamento efectivo com as
organizações civis e as populações locais, com a finalidade de salvaguardar os seus
próprios objectivos tácticos e operacionais. Por outros termos: forças militares podem
depender de autoridades e populações civis locais para obter recursos e liberdade de
movimento; do mesmo modo, podem beneficiar do contacto com as organizações civis, a
fim de obter informações e facilidades de acesso à população. Nesse sentido, o propósito
imediato da CIMIC é fortalecer a eficácia operacional, ou seja, criar condições que
ofereçam ao comandante as mais elevadas possibilidades de obter vantagens morais,
materiais e tácticas no terreno (2000: 238).
Dentro dessa perspectiva, percebe-se que a institucionalização das relações civis-
militares por meio das doutrinas CIMIC é dirigida por imperativos militares, o que
significa, em termos estratégicos, que tal processo é guiado por objectivos políticos.
Assim entendida, essa institucionalização tem profundas implicações no espaço
humanitário, na medida que militariza e, em última instância, politiza actividades
tradicionalmente guiadas por princípios de independência, neutralidade e imparcialidade.

4. CIMIC E ESPAÇO COMUNITÁRIO


Se as operações de peacekeeping na Somália e na Bósnia marcam o nascimento do
processo de institucionalização das relações civis-militares com base nas doutrinas
CIMIC, as intervenções no Afeganistão e no Iraque constituem o amadurecimento desse
processo. Sob a égide da «guerra contra o terrorismo», observa-se uma integração total
das relações civis-militares dentro do planeamento e da operacionalização das missões.
Dessa perspectiva, as organizações civis são encaradas como «factores de potência e
vectores de influência normativa (soft power)» e, por essa razão, são integradas num
sistema holístico e complexo, onde as dinâmicas civis e militares se interpenetram na
gestão do conflito e da situação pós-conflito. Esse processo de integração, que torna
nebulosa a fronteira que sempre distinguiu a acção militar da acção humanitária, cria um
ambiente onde reservistas das forças especiais passam a trabalhar em ONGs
«supostamente» humanitárias, forças militares à paisana passam a circular no terreno em
toyotas pintados de branco, equipas de reconstrução passam a contar com grandes
contingentes de ex-militares e empresas privadas de segurança passam a «fornecer»
ajuda humanitária (Makki, 2004: 5-6; Spearin, 2008: 367). Nesse contexto, símbolos
tradicionalmente associados à ajuda humanitária são confundidos e manipulados em prol
das operações de contra-insurgência e da promoção dos hearts and minds programmes
(Spearin, 2008: 374).

81
Neste panorama, o ponto que merece especial relevo é a politização que resulta da
subordinação da assistência humanitária aos objectivos estratégicos. Em torno dessa
questão, a reflexão académica e boa parte dos agentes envolvidos com a prática da
ajuda humanitária têm ressaltado dois aspectos cruciais: (1) a inserção da assistência
humanitária dentro de um contexto estratégico faz com que os fracassos na esfera militar
coloquem em risco, também, a assistência à população civil (Makki, 2004: 13); e (2) a
violação dos princípios de independência, neutralidade e imparcialidade colocam em
perigo os programas e os agentes humanitários, na medida em que as populações e os
combatentes locais começam a perceber o trabalho assistencial como «braço
humanitário» das organizações políticas e militares (Biquet, 2003; Spearin, 2008: 374).
Diante desses dilemas, vale a advertência de Guttieri (2004: 82): a mão que entrega
ajuda não pode, também, entregar bombas.

5. Conclusão
Embora os modelos de cooperação civil-militar (CIMIC) tenham a ambição de integrar
todos os actores e esferas de relacionamento e de superar os problemas de coordenação
no peacekeeping, eles não avançam em direcção ao estabelecimento de relações civis-
militares mais equilibradas. Na verdade, os modelos CIMIC preservam a lógica
hierárquica e estratégica do tradicional modelo «Estado-soldado» e acrescentam, como
novidade, uma roupagem integracionista. Nessa abordagem integracionista, o grande
inconveniente é que os fracassos na esfera militar colocam em cheque, também, os
esforços realizados na esfera civil, especialmente os relacionados com a ajuda
humanitária. Sobre esse aspecto, os casos da Somália, Sudão, Iraque, Afeganistão, entre
outros, oferecem um vasto campo de estudo.
Diante destas constatações, resta reconhecer que o debate sobre as relações civis-
militares continua aberto a novas formulações e modelos que busquem estabelecer um
maior equilíbrio nas interacções. Nesse sentido, o desafio inicial é perceber que o
peacekeeping constitui uma rede, onde os actores têm seus objectivos particulares e, ao
mesmo tempo, partilham objectivos comuns (Paris, 2009: 61). O desafio seguinte é, a
partir dessa aparente contradição, erigir um modelo de relações civis-militares que
valorize as diferenças culturais, organizacionais, operacionais e normativas de cada um
e, ao mesmo tempo, leve em conta a necessidade de uma actuação cooperativa e
sinergética de todos. Em suma: a busca pelo equilíbrio nas relações civis-militares não se
deve guiar pela simplificação e pela identidade, mas sim pela complexidade e pela
diferença.

82
GILBERTO CARVALHO OLIVEIRA
Doutorando em Política Internacional e Resolução de Conflitos na Faculdade de
Economia, Universidade de Coimbra. Obteve o mestrado em Ciências Navais pela Escola
de Guerra Naval (Brasil) e a licenciatura em Ciências Navais pela Escola Naval (Brasil).
Seus interesses de investigação concentram-se no âmbito disciplinar dos Estudos para a
Paz e dos Conflitos, com ênfase nos temas a seguir: peacekeeping, peace-building,
transformação de conflito e teoria da securitização. Actualmente, está envolvido na
elaboração de seu projecto de tese sobre a pirataria nas costas da Somália.
Contacto: gilbertooliv@gmail.com

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83
Pugh, Michael (2000), «Civil-Military Relations in the Kosovo Crisis: An Emerging Hegemony?», in
Security Dialogue, 31(2), 229-242.
Pugh, Michael (2001) Civil-Military Relations in Peace Support Operations: Hegemony or
emancipation? Acedido a 20 de Abril de 2009,
http://www.odi.org.uk/hpg/confpapers/pugh.pdf
Ramsbotham, Oliver; Woodhouse, Tom (1996), Humanitarian Intervention in Contemporary
Conflict. Cambridge: Polity Press.
Rietjens, Sebastiaan J. H. (2008), «Managing Civil-Military Cooperation», Armed Forces & Society,
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Rigby, Andrew (2006), «Is there a role for the military in peacebuilding?», in CCTS Review, 32, 1-
18.
Spearin, Christopher (2008), «Private, Armed and Humanitarian? States, NGOs, International
Private Security Companies and Shifting Humanitarianism», in Security Dialogue, 39(4),
363-382.

84
@cetera

85
A PARTICIPAÇÃO DE PORTUGAL EM OPERAÇÕES DE PAZ. ÊXITOS, PROBLEMAS E

DESAFIOS

CARLOS MARTINS BRANCO


EXÉRCITO PORTUGUÊS

Resumo: O artigo reflecte sobre a participação portuguesa em missões de paz, no quadro


da actuação de diversas organizações internacionais. Uma vez encontrada uma solução
política para o conflito, o core business da operação tende a movimentar-se para assuntos
mais relacionados com a reconciliação, o institution building e a reconstrução nacional. Em
vez de forças militares de interposição, as novas missões de paz passaram a envolver uma
maior diversidade de actores e a dedicar-se a um leque muito mais alargado de tarefas.
Interessa perceber como é que Portugal se adaptou a estas novas dinâmicas, desafio a que
este artigo procura responder.
Palavras-chave: missões de paz, Portugal, Timor-Leste, Forças Armadas, Forças de
Segurança, actores civis.

Pretende-se com o presente artigo reflectir sobre o que tem sido a participação
portuguesa em missões de paz, no quadro da actuação de diversas organizações
internacionais. As operações de paz em que a ONU se envolveu no pós-Guerra Fria
eram essencialmente diferentes das que prevaleceram no período histórico precedente.


Este artigo teve por base um projecto de investigação com o mesmo título em que participaram 15
investigadores, cujo resultado será publicado em livro (Carlos Branco, Carlos Pereira e Francisco Garcia
(coords.) (2010), A Participação de Portugal em Operações de Paz. Êxitos, Problemas e Desafios). Desse
projecto foram seleccionados alguns textos, os quais foram sintetizados e organizados segundo os critérios
do autor, a saber: “A participação da Marinha em missões internacionais de paz”, de Mara Saramago; “O
Exército português e as operações de paz”, de José Loureiro; “A Força Aérea nas missões de paz”, de Luís
Durães e António Eugénio; “A Polícia de Segurança Pública e as operações de paz: Evolução da sua
participação e perspectivas de futuro”, de Luís Elias; “A participação portuguesa em missões de paz: O
contributo da Guarda Nacional Republicana”, de Marco Ferreira; “Entre o céu e o inferno: A importância dos
observadores militares”, de Alexandre Carriço; “A participação das Organizações não Governamentais
Portuguesas em missões de paz e na gestão de crises humanitárias e de emergência”, de Carla Marcelino
Gomes; e “Elementos civis nas missões humanitárias e de paz: O papel dos órgãos e entidades civis
nacionais”, de Maria Francisca Saraiva. A todos eles e elas, os meus agradecimentos. Sem os seus textos e
o seu trabalho não teria sido possível efectuar esta compilação. Quaisquer erros ou omissões são da
exclusiva responsabilidade do autor.

86
O designado peacekeeping tradicional da ONU deu lugar às operações de paz
multidimensionais. A resolução de conflitos intra-Estados tornou-se predominante, em
detrimento da resolução de conflitos entre Estados.
Se o sucesso de uma operação de peacekeeping tradicional se media pela obtenção
de uma solução política, a qual só era possível se as forças militares de interposição não
permitissem o recomeço das hostilidades, numa operação de consolidação da paz, o
sucesso mede-se, acima de tudo, pelos resultados obtidos pela sua componente civil.
Uma vez encontrada uma solução política para o conflito, o core business da operação
tende a movimentar-se para assuntos mais relacionados com a reconciliação, o institution
building e a reconstrução nacional.1 Em vez de forças militares de interposição, as novas
missões de paz passaram a envolver uma maior diversidade de actores e a dedicar-se a
um leque muito mais alargado de tarefas. Tratava-se agora de outros tipos de operações
de manutenção da paz. Para além da intervenção militar e/ou apoio humanitário típica
das emergências complexas, estas novas missões passaram a tratar de assuntos
relacionados com os Direitos Humanos, administração civil, eleições, refugiados,
monitorização de fronteiras, entre outras.
Interessa-nos perceber como é que Portugal se adaptou a estas novas dinâmicas. A
participação nacional já mobilizou mais de 30 mil portugueses e portuguesas em cerca de
30 Teatros de Operações, na sua esmagadora maioria militares, tendo-se tornado a
participação nestas missões um instrumento determinante da política externa do Estado,
o que permite a Portugal reforçar a sua voz e assumir novas responsabilidades no
concerto das nações. Para além de uma incontornável componente monográfica, este
texto procura, acima de tudo, reflectir sobre as diferentes capacidades nacionais e
analisar as suas potencialidades e limitações. Para tal, examinaremos a participação
nestas missões das Forças Armadas, das Forças de Segurança e dos diferentes actores
civis da sociedade portuguesa. O caso de Timor-Leste (doravante apenas Timor) será
objecto de um destaque particular.

A MARINHA
A Marinha portuguesa iniciou a participação em operações de paz no início da década de
90, no Iraque e no Adriático. No primeiro caso, no conflito que opôs as forças iraquianas
a uma coligação internacional liderada pelos Estados Unidos para libertarem o Kuwait, e
no segundo, no conflito na antiga Jugoslávia. Desde então, esta participação tem sido
ininterrupta, respondendo a uma grande diversidade de missões. As tarefas dadas às
forças navais em missões de paz são distintas daquelas que lhe estão tradicionalmente
atribuídas.
1
Cf. Branco, 2010.

87
Assim, “para além da presença naval e das outras tarefas genéricas das Marinhas
em situações de crise, as operações de apoio à paz podem exigir especificamente:
vigilância e fiscalização das áreas sujeitas a restrições; utilização de helicópteros
orgânicos para movimentar forças, prestar ajuda humanitária e evacuação de doentes;
empenhamento de forças de fuzileiros em operações em terra; capacidade anfíbia para
extrair as forças de paz, trabalhadores ou civis ao serviço das organizações
internacionais; assistência a refugiados; fornecimento de plataformas neutras para
negociação; operações de limpeza de minas marítimas; e cooperação civil-militar
(CIMIC)”.2
No caso português, essa participação passa, na maioria das vezes, pelo emprego de
um ou vários navios. A utilização dos meios navais nacionais pode fazer-se a nível
individual (nacional), ou através da afectação de meios a uma determinada Organização
ou força naval internacional. O exemplo mais paradigmático deste último caso é a
participação na STANAVFORLANT,3 e as diversas missões de vigilância e patrulhamento
na região do Adriático. Após a participação de navios portugueses na missão FREE
KUWAIT,4 entre Setembro de 1990 e Abril de 1991, a qual marcou o início da presença
da Marinha em missões de paz, seguiram-se várias missões na região do Adriático no
âmbito da UEO e da OTAN (Julho 1992 a Abril 1996).5
A Marinha participou igualmente com o navio Bérrio (reabastecedor) numa operação
de apoio logístico ao contingente militar português na Bósnia-Herzegovina (doravante
apenas Bósnia), entre Dezembro de 1995 e Maio de 1996. O 11 de Setembro de 2001 e
a consequente “guerra ao terrorismo” fizeram voltar a Marinha novamente ao
Mediterrâneo para uma nova participação “de peso” numa operação no âmbito da OTAN
(Novembro de 2001 e Junho de 2008). Mais recentemente, a Marinha participou nas
águas da Somália no combate à pirataria (Operação ATALANTA). Embora não se possa
considerar esta operação uma operação de paz, referimo-la pela importância de que se
revestiu a contribuição da Marinha.
Mas a participação da Marinha em missões de paz não se tem cingido apenas ao
emprego de navios. Tem também envolvido forças de fuzileiros, o Destacamento de
Acções Especiais (DAE) e destacamentos sanitários. Os fuzileiros estiveram presentes
na Bósnia (SFOR, de Janeiro a Agosto de 2000). A Marinha tem também estado presente
no Chade, na República Centro-Africana e na República Democrática do Congo (RDC),
nas chamadas missões PESD da UE. Entre Julho e Dezembro de 2006, militares do DAE

2
Cajarabille, 2002.
3
Standing Naval Force Atlantic, ou Força Naval Permanente da OTAN para o Atlântico, criada em Janeiro de
1968 e predecessora da actual Standing NATO Response Force Maritime Group 1 (SNMG1), criada a 1 de
Janeiro de 2005.
4
Missão no âmbito da operação DESERT STORM.
5
Operações navais tuteladas pela UEO e OTAN com o objectivo de impor um embargo à antiga Jugoslávia.

88
participaram na EUFOR RDCONGO.6 A Marinha está presente no Afeganistão, no âmbito
da ISAF, com oficiais que integram as OMLT.7 Há ainda a referir a participação de
destacamentos sanitários em Angola (MONUA,8 de Junho de 1997 a Setembro de 1998),
no Afeganistão (ISAF) e no Paquistão. Neste último caso, integrando uma missão de
assistência humanitária na sequência do terramoto registado no dia 8 de Outubro de
2005.
Esta flexibilidade de actuação esteve patente durante a intervenção internacional em
Timor. A Marinha participou com navios na INTERFET,9 a missão de imposição e
estabilização da paz sob os auspícios da ONU, e com forças de fuzileiros integradas em
batalhões do Exército, permanecendo no território após a independência do país.
Apresentamos de uma forma compreensiva no Anexo A, o que foi a participação da
Marinha em operações de paz.
No que respeita à preparação e ao aprontamento das suas unidades, a Marinha tem
actuado de duas formas distintas. Navios, forças de fuzileiros e destacamentos sanitários
requerem processos diferentes. Quando a Marinha participa com navios, não existe a
priori nenhum tipo de preparação e aprontamento especial; pelo menos, mais nenhum do
que aquele que todo o navio tem de ter para estar preparado para navegar. Por isso,
quando são destacados para uma missão de paz, não se exige, em princípio, nenhum
aprontamento especial.
Qualquer meio naval está sujeito a um sistema de avaliação, que se encontra ligado
a um conjunto de treinos e exercícios que os certifica e dá como prontos para cumprirem
as missões e tarefas que lhes estão atribuídas. Os navios que integram as forças da
OTAN frequentam o Operational Sea Training (OST), o qual consiste num programa de
treino, com avaliação e certificação do estado de prontidão, não só dos navios mas
igualmente das guarnições, realizado no Flag Officer Sea Training (FOST), no Reino
Unido. Apesar de este modelo de preparação e aprontamento não ser específico para as
missões de apoio à paz, também os prepara para tal. Por outro lado, poder-se-ão ainda
realizar exercícios ou treinos para integração e coordenação entre os diversos elementos
de uma força constituída. Isto acontece, por exemplo, durante o trânsito para o Teatro de
Operações (TO), quando os diversos elementos da força efectuam acções de treino e
ensaios de preparação específica para as tarefas a realizar.

6
Operação Militar da UE destacada para apoio à acção da missão da ONU no Congo (MONUC), durante o
período eleitoral.
7
Operational Monitoring and Liaison Teams.
8
Missão de Observação das Nações Unidas em Angola.
9
Numa altura em que o governo indonésio se mostrou incapaz de conter a violência no território, foi criada a
International Force in East Timor (INTERFET) liderada pela Austrália, para restaurar a paz e segurança em
Timor.

89
Ao contrário, quando uma força de fuzileiros é destacada para missões de paz,
requer-se uma preparação específica que se poderá fazer em duas situações distintas:
missões isoladas, normalmente de cariz nacional ou de interesse público, como as
missões na Guiné-Bissau ou em Moçambique, onde a força é constituída a partir de
unidades constituídas, requerendo apenas adestramento, coordenação e preparação
específica para a missão. Estas missões ocorrem geralmente de forma inopinada, não
permitindo um tempo de preparação longo. Requerem forças já com preparação prévia,
realizando-se apenas algumas acções rápidas de coordenação e normalmente durante o
trânsito para o TO.
No caso das missões de paz na Bósnia e em Timor (SFOR e UNTAET/UNMISET,
respectivamente), em que forças de fuzileiros foram integradas em unidades do Exército,
estas realizaram previamente um treino específico no Ramo, que lhes permitiu integrar
melhor os recompletamentos recentes, com exercícios direccionados para as tarefas-tipo
a executar durante a missão, que concluem com a realização de um exercício de campo,
após o que a força é considerada pronta para destacar para o Exército. Uma vez
chegada a este Ramo, é sujeita a um programa de treinos que será de seguida explicado.

O EXÉRCITO
O Exército também iniciou a sua experiência em operações de paz no início da década
de 90, desta feita em África, mais precisamente em Moçambique, tendo já mobilizado
nesta empresa mais de 21 mil dos seus efectivos. Este envolvimento baseou-se, na
esmagadora maioria dos casos, em Unidades de Escalão Batalhão (UEB) que integraram
contingentes multinacionais, na maioria das vezes de constituição ad hoc, sendo sujeitas
a alterações mais ou menos profundas que lhes permitam responder às exigências
operacionais da missão. Estas forças incluem normalmente elementos de manobra, apoio
de fogos, apoio de combate e apoio de serviços.
Os elementos de manobra consistem em unidades de Infantaria e Cavalaria. Os
elementos de apoio de fogos garantem uma elevada capacidade de dissuasão e de
demonstração de força. Os elementos de apoio de combate aparecem, para efeitos
orgânicos, na dependência das unidades de apoio de serviços. São elementos de apoio
de combate as unidades de Engenharia, Transmissões e Polícia do Exército.
A Engenharia tem intervenções em duas áreas distintas e complementares: em
proveito da força e no apoio à ajuda humanitária. Em proveito da força, salienta-se a
construção e melhoramento de infra-estruturas que garantam a sua protecção; no que
respeita à ajuda humanitária, a Engenharia tem utilizado a sua capacidade sobrante para
responder às mais diversas solicitações das autoridades locais, contribuindo para a
melhoria das condições de vida das populações.

90
As Transmissões actuam em três áreas principais: o apoio à acção de comando e
controlo, garantindo que todos os escalões de comando mantenham as comunicações
com a respectiva cadeia de comando; a segurança das comunicações, de forma a evitar
a sua intercepção, e/ou a partilha das redes da força por agentes não autorizados; e a
garantia da interoperabilidade dos meios de comunicações assim como da capacidade de
operação dos meios rádio em toda a área de operações. A Polícia do Exército, ainda que
pontualmente, também tem dado o seu contributo para as missões de paz. É um tipo de
força que se enquadra perfeitamente nesta tipologia de operações. Os elementos de
Apoio de Serviços actuam nestas operações em duas frentes distintas e importantes: no
apoio ao funcionamento do aquartelamento onde a força está estacionada, satisfazendo
todas as suas necessidades logísticas; e fora do aquartelamento, no apoio à actividade
operacional que se desenrola diariamente.

O CICLO DE UMA FORÇA NACIONAL DESTACADA


Após a decisão política de participar numa missão de paz com uma força do Exército, o
Estado-Maior do Exército (EME) inicia o processo de geração da força que irá participar
nessa operação. O levantamento da força surge como o primeiro passo nesta caminhada
rumo ao TO. A montante do seu levantamento, o Exército tem em consideração: o
mandato da força de paz, que lhe traça os objectivos político/estratégicos; as ROE que
permitem efectuar uma primeira avaliação do grau de ameaça e do risco previsível a que
a força vai estar sujeita; e a avaliação do TO tão detalhada quanto possível. Estes dados
de planeamento vão ser decisivos para a opção a tomar, relativamente ao grau de
protecção a que a Força vai estar sujeita. É então estruturada ao nível do EME a sua
organização, através da elaboração de um Quadro Orgânico de Pessoal e outro de
Material.
Segue-se o aprontamento, provavelmente a fase mais importante para o sucesso da
missão. É nesta fase do ciclo de vida da força que se vão criar e desenvolver laços de
camaradagem, espírito de corpo e proficiências profissionais indispensáveis ao
cumprimento da missão. O aprontamento da força tem uma duração aproximada de seis
meses. A fase seguinte, a projecção, consiste nas operações do transporte dos militares
e dos materiais para o TO. Na projecção consideram-se dois planeamentos distintos: o
do transporte dos militares e o do transporte dos materiais. O transporte dos militares é
efectuado por via aérea e por escalões: oficiais de ligação com o escalão superior,
militares que vão preparar as infra-estruturas e o apoio logístico inicial, militares para
receber o material nos portos de desembarque, e o grosso da força, por esta ordem. O
transporte dos materiais, quer sejam equipamentos contentorizados quer sejam viaturas,
segue pela via cuja relação custo/eficácia vá ao encontro das necessidades e

91
possibilidades. O transporte dos materiais efectua-se normalmente por via marítima. A
projecção da força termina com a chegada à área de operações.
Segue-se o cumprimento da missão/sustentação da força. Por fim, a retracção que
consiste na condução de um conjunto de tarefas com vista ao seu regresso ao território
nacional. Cada célula do Estado-Maior e cada subunidade faz a passagem dos
conhecimentos, materiais e demais informação considerada necessária para a força que
a vai render, de modo a que tudo decorra sem sobressaltos. Esta fase exige uma
calendarização rigorosa por parte dos dois comandantes (o que sai e o que entra), de
modo a que as sobreposições tenham a duração suficiente, o efectivo das forças não
seja excessivo e não provoque eventuais problemas às estruturas de apoio. Se a força a
retrair for a última presença num determinado TO, terá a tarefa adicional de contentorizar
os equipamentos que regressam ao território nacional, e de negociar a venda e/ou
doação de alguns materiais.
A experiência da participação nestas missões permitiu-nos, entre outras, duas
conclusões particularmente importantes: em primeiro lugar, a conveniência de se
mobilizarem unidades já constituídas. Este facto é relevante quando falamos em espírito
de corpo, camaradagem, espírito de unidade, entre outras motivações, que são mais
consistentes entre militares que já se conhecem; em segundo, a UEB é a que oferece
melhores garantias de representar o país em missões desta natureza, correspondendo
ao nível de ambição que melhor se adequa às capacidades nacionais.

O EMPENHAMENTO OPERACIONAL
O Exército projectou a sua primeira FND em 1993, para Moçambique. Desde então, tem
participado em todas as missões de paz em que Portugal tem sido chamado a colaborar.
Em Moçambique participou na ONUMOZ10 com um batalhão transmissões, com militares
no quartel-general da missão e em diversas comissões de acompanhamento. Em Angola,
na UNAVEM III, o Exército colaborou com observadores militares, elementos para o
quartel-general da missão, uma companhia de transmissões e uma companhia logística.
Na MONUA, a missão sucessora da UNAVEM III, participou com elementos no quartel-
general, um destacamento sanitário, uma companhia de transmissões, uma companhia
logística, observadores militares e polícias militares.
Na Bósnia, o Exército esteve envolvido praticamente desde o início do conflito. Antes
do Acordo de Dayton, no âmbito da ONU e da então Comunidade Europeia, e,
posteriormente, no âmbito da OTAN e da UE, por esta ordem. No Kosovo, o Exército tem
vindo a participar com uma UEB, colaboração interrompida apenas durante um curto
período de tempo. O Exército teve também unidades em Timor no âmbito da missão da
10
Operação da ONU em Moçambique.

92
ONU naquele território e da cooperação bilateral. No Afeganistão, as unidades do
Exército estiveram presentes em dois formatos: uma companhia de reacção rápida
(alternando Comandos e Pára-quedistas) e duas equipas de ligação e monitorização
operacional, mais conhecidas pelo acrónimo americano de OMLTs. No Líbano, Portugal
participa com uma força de Engenharia militar na missão de paz da ONU (UNIFIL), desde
2006.
O Exército envolveu-se ainda em operações de paz noutros formatos, que não o da
FND, os quais estiveram normalmente relacionados com participações individuais não
integradas em contingentes nacionais. Referimo-nos, por exemplo, à observação militar e
ao apoio à formação e instrução. Neste último capítulo salientamos a cooperação técnico-
militar nos PALOPs e o destacamento de militares para a missão da OTAN no Iraque
(NTM-I). O Exército mobilizou ainda elementos para integrarem as Forças de Recolha
que apoiaram a extracção de cidadãos nacionais no Zaire e, mais tarde, na RDC e na
Guiné-Bissau. Foi transversal às diferentes operações o papel discreto e eficiente
assumido pelos militares de Operações Especiais.
Outras participações enriqueceram o historial do Exército nos caminhos da paz: nas
forças internacionais que na Albânia geriram o fluxo de refugiados provocado pela crise
humanitária no Kosovo; na Força Provisória de Assistência da União Europeia, na
Operação ARTEMIS, com vista à estabilização das condições de segurança na RDC, em
estreita cooperação com a MONUC; e na FYROM, primeiro integrando forças da OTAN e
após Março de 2003 uma força da UE (operação CONCORDIA) comandada, a partir de 7
de Outubro de 2002 e até ao seu términos, por um general português. Para uma visão
mais detalhada do que tem sido a participação do Exército em operações de paz,
consultar o Anexo B, onde se efectua uma descrição compreensiva dessa participação.

A FORÇA AÉREA
A Força Aérea (FAP) envolveu quase todos os seus meios operacionais nas missões de
paz em que Portugal se envolveu. Os meios aéreos de transporte têm sido os mais
utilizados, representando cerca de 74,7% dos eventos. Devido à sua versatilidade, o C-
130 tem sido o meio mais usado. Os meios aéreos com sistemas de armas representam
13,78% dos meios utilizados, e apenas 2,29% os de combate aéreo. Os meios aéreos
têm sido empregues em vários formatos: operações independentes, sob comando
português; operações conjuntas e combinadas, sob controlo operacional estrangeiro,
decorrentes de compromissos do Estado português; integração de militares da FAP em
tripulações estrangeiras e multinacionais; e participação de militares da FAP em missões
de apoio às operações aéreas. No âmbito das missões de paz, a FAP tem
desempenhado as seguintes funções: apoio humanitário de natureza diversa, resgate de

93
cidadãos nacionais inserido ou não em missões humanitárias, apoio logístico às FND e
às operações de combate, tanto no âmbito da OTAN como da UE.
A esmagadora maioria das missões da FAP foram de apoio humanitário. Em 1987,
no apoio ao combate a uma praga de gafanhotos, em Marrocos; em 1990, no Golfo
Pérsico, na sequência do êxodo de refugiados do Iraque, transportando material e uma
equipa médica, respondendo a uma solicitação da AMI. Ainda no âmbito da Guerra do
Golfo, a FAP teve várias outras intervenções. Em 1991, um C-130 voltou à zona do
Médio Oriente, desta vez para apoiar os refugiados curdos do Norte do Iraque, integrado
na Operação PROVIDE COMFORT. Em 1991, a FAP participa com um C-130 numa
missão de ajuda humanitária a Moçambique.
Em 1992, a FAP participa na Operação PROVIDE HOPE que tinha por objectivo
proporcionar ajuda humanitária às populações necessitadas da antiga União Soviética.
No dia 7 de Fevereiro de 1992, uma aeronave da FAP aterra pela primeira vez em
território russo, algo absolutamente impensável três anos antes. Mais tarde, nesse
mesmo ano, tiveram lugar duas novas missões de ajuda humanitária em Moçambique.
Em 1994, a FAP desloca-se à Guiné-Bissau, tendo em vista fornecer apoio ao processo
eleitoral, transportando a comissão eleitoral que acompanhará as primeiras eleições
livres do país. No dia 2 de Abril de 1995, a FAP participa em mais uma missão
humanitária na sequência da erupção do vulcão da Ilha do Fogo, em Cabo Verde.
Em 1999, A FAP participa no esforço de assistência internacional a vítimas do sismo
em Izmir, na Turquia; em 2000, no âmbito da Operação SAVE, um C-130 permanece em
Moçambique, para prestar auxílio às vítimas das cheias que provocaram danos
incalculáveis e muitos deslocados. Em 2003, a FAP participa no esforço internacional
para ajudar o Irão a fazer face à calamidade causada por um tremor de terra na região de
Bam. Em 2004, um C-130 transportou ajuda humanitária, elementos do SNBPC, uma
equipa cinotécnica da GNR e uma equipa do INEM para acudirem à população da região
portuária de Al Hoceima, em Marrocos, vítima de um sismo. Em Fevereiro de 2006, um
C-130 português transportou bens humanitários, a pedido do ACNUR, para a Argélia, na
sequência das inundações que assolaram o território. No Verão de 2006, a FAP
transportou alimentos a pedido do Programa Alimentar Mundial, no seguimento da
incursão militar israelita contra as forças do Hezbollah, no Líbano.
A FAP também desempenhou um papel crucial na evacuação de cidadãos nacionais.
Em 1991, na RDC, o C-130 desempenhou uma missão de ajuda humanitária, integrado
na Operação BLUE BEAM, de comando belga e na Operação BAUMIER, de comando
francês. A operação visava resgatar os cidadãos nacionais e outros cidadãos europeus e
africanos ameaçados pela situação interna no Zaire, na sequência da revolta de militares
do exército zairense. Em 1992, um C-130 participa na evacuação de cidadãos nacionais

94
do Mali, onde se verificavam confrontos (6 a 7 de Abril 1992). Nesse mesmo ano,
participa na evacuação de refugiados angolanos e no resgate de cidadãos nacionais,
resultado do recomeço das hostilidades entre o MPLA e a UNITA. O ano de 1993 é
particularmente intenso no que respeita à evacuação de refugiados. No princípio do ano,
a FAP é chamada novamente a evacuar cidadãos nacionais e de outras nacionalidades,
a partir de Brazzaville. A FAP participa ainda numa outra operação de ajuda humanitária,
desta feita tendo por objectivo Benguela, evacuando pessoas do Huambo, na sequência
da ocupação desta cidade por forças da UNITA. Com o alastrar da guerra civil a outros
locais, tornou-se necessário evacuar deslocados, desta feita do Kuito-Bié.
Em 1998, mais precisamente entre 6 e 28 de Abril, surge novamente a necessidade
de evacuar cidadãos nacionais e outros deslocados, a partir do Zaire, em virtude das
convulsões políticas e militares naquele país. Na sequência da eclosão de uma guerra
civil na Guiné-Bissau (de Junho 1998 a Maio 1999), é formada uma força conjunta
nacional para evacuar cidadãos nacionais e de outras nacionalidades. Uma aeronave P-
3P participa na operação com a missão de apoiar a componente naval e cooperar na
missão de controlo do mar. Em 2000, a FAP deslocou para Darwin (Austrália) um C-130
para prestar apoio aos militares portugueses da UNTAET e à população timorense,
efectuando voos regulares entre Darwin e Díli. No quadro da UNTAET, é formada a
PORAVN11 com a responsabilidade do transporte VIP, transporte táctico, evacuação
médica, evacuação aérea em zona de combate, transporte geral, busca e salvamento e
observação de fogos.12
Em 1992, na Bósnia, a FAP actuou pela primeira vez num cenário táctico europeu,
inserida numa força da OTAN, com um P-3P efectuando missões de patrulhamento
marítimo. Esteve envolvida em praticamente todas as operações que se desenrolaram
naquele TO. Participou igualmente na operação SHARP FENCE da UEO, com a mesma
missão. Ainda no Adriático, entre Dezembro de 1995 e Dezembro de 1996, o P-3P
participa na Operação DECISIVE ENHANCEMENT. Para além do P-3P, a participação
da FAP neste TO envolveu outros meios: durante os anos de 1992 e 1993, um C-130
cumpriu missões de apoio à população civil; oficiais integraram a missão de UNMOs, no
quadro UNPROFOR; e em 1996, uma unidade de controlo aerotáctico (TACP)13 operou
em apoio da IFOR.
Em 1 de Dezembro de 1997, a FAP participou pela primeira vez na Europa numa
operação de combate (DELIBERATE GUARD), a qual tinha por objectivo estabelecer
uma zona de exclusão no espaço aéreo da Bósnia, operação esta levada a efeito sob

11
“Portuguese Aviation”, na designação internacional adoptada para o destacamento de helicópteros Alouette
III, conhecido na FAP por “PODESTHELIS”.
12
Para o efeito, foram transportados de Portugal para Timor quatro helicópteros Alouette III.
13
Tactical Air Control Party.

95
mandato da ONU. As aeronaves nacionais (F 16A) tinham também atribuída a missão de
apoio aéreo próximo. Ainda nos Balcãs, em 1997, na Albânia, a FAP participa na
Operação ALBA com um C-130. Esta operação tinha por objectivo prestar auxílio à
população vítima da instabilidade político-social vivida naquele país. Entre 13 de Outubro
de 1998 e 28 de Junho de 1999, no âmbito da Operação ALLIED FORCE tem lugar o
segundo destacamento de F-16 desta vez para participar, entre outras missões, em
acções de patrulhamento aéreo inseridas na operação militar da OTAN, no Kosovo. Com
o apoio ao destacamento de F-16, durante a Operação ALLIED FORCE e às forças
nacionais destacadas na Bósnia e no Kosovo, o C-130 inicia mais um longo período de
deslocações aos Balcãs. Em 2004, a FAP participa novamente com um P-3P na
operação ACTIVE ENDEAVOUR, no Mediterrâneo.
A FAP participou igualmente na ISAF, a missão da OTAN no Afeganistão. Cooperou
inicialmente com um C-130 na Operação FINGAL liderada pelos ingleses (7 de Abril a
Julho de 2002), transportando carga geral, combustível e passageiros militares de países
aliados. Em Maio de 2004, 11 especialistas da FAP na operação de aeronaves em
aeródromos, controladores, bombeiros e meteorologistas prestam serviço na ISAF; desde
Julho de 2004 a Julho de 2005, um C-130 efectua um destacamento no aeroporto de
Cabul. O ano de 2005 é um ano especial para a FAP. De 1 de Agosto a 30 de Novembro,
uma equipa de militares da FAP assume o comando do KAIA (Kabul International
Airport). Em Julho deste mesmo ano, uma equipa TACP é destacada para a ISAF. O
Estado português decidiu manter o esforço de participação nacional, entre Agosto e
Dezembro de 2008, através de um C-130.
Para além do que já foi referido, cabe ainda destacar a participação da FAP em
missões da UE. Em 1994, um C-130 integra a Operação TURQUOISE. Um C-130 apoiou
o contingente português da Operação ALTHEA, que substitui a SFOR na verificação do
cumprimento dos acordos de Dayton; em 2006, Portugal destacou um C-130 e uma
equipa de 25 fuzileiros do DAE para uma operação militar da UE, em apoio da MONUC,
durante o processo eleitoral na RDC. Em 2007, no âmbito das operações para a
detecção de imigração ilegal, dirigidas pela Agência Europeia Frontex, um P-3P operou a
partir de Malta, cumprindo missões na 2.ª fase da Operação NAUTILUS 2007. Em 2008,
a FAP actuou no Chade, com a principal missão de apoiar logisticamente a operação
militar da UE, através do transporte intra-teatro de pessoal e equipamento. O C-130
português foi o primeiro, e durante algum tempo, o único meio aéreo atribuído à EUFOR.
A FAP desempenhou ainda um papel crucial no apoio às forças nacionais destacadas
em missões de paz. Para além daquelas já referidas, salienta-se o apoio logístico
prestado às unidades do Exército da IFOR e, posteriormente, da SFOR, materializado
através de um voo semanal para a região dos Balcãs; e os voos do C-130 realizados de

96
Março a Novembro de 2004 para Talil, em apoio logístico ao subagrupamento Alfa em
missão no Iraque. Para uma noção mais detalhada do que foi a participação da FAP em
missões de paz, consulte o Anexo C.

A POLÍCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA


O papel das forças de segurança em missões de paz tem vindo a aumentar
progressivamente de importância desde o início da década de 90, do século passado,
consequência das novas exigências colocadas por aquelas missões no período que se
seguiu à Guerra Fria, conforme atrás salientado. Do ponto de vista operacional, a Polícia
Civil (CIVPOL) é uma componente autónoma das missões de paz, sob o comando do
Police Commissioner, que depende directamente do Representante Especial do
Secretário-Geral, complementando a sua actividade conjuntamente com outras
componentes: militar, humanitária, eleitoral e administrativa.
A componente de CIVPOL de uma missão de paz assume diferentes formatos e
configurações, de acordo com o mandato e as características da missão para a qual é
criada; tem vindo a ser estruturada de acordo com dois conceitos tipo: missões de
natureza executiva e não executiva. Se as missões iniciais da CIVPOL assumiam um
mero papel de observação das forças policiais locais, actualmente exercem tarefas de
supervisão, aconselhamento e treino, podendo mesmo actuar em sua substituição
(missões em que a componente policial tem funções executivas). As missões não
executivas (de aconselhamento, de monitorização e/ou de formação) são
desempenhadas por polícias desarmados, provenientes dos mais variados países. Nas
missões não executivas, os elementos da CIVPOL não têm quaisquer responsabilidades
no cumprimento – coercivo ou não – da lei interna do Estado onde decorre a operação,
ou impor a ordem e a segurança pública.
De facto, o número de tarefas que têm sido atribuídas à Polícia em operações de
paz, no âmbito da ONU ou de outras organizações internacionais – OSCE, UEO e mais
recentemente a UE –, não tem parado de aumentar: supervisionar as polícias locais,
garantindo que as mesmas actuam de acordo com os padrões internacionalmente
reconhecidos e que, na sua acção, não violam os Direitos Humanos; apoiar todas as
acções/operações de apoio humanitário nas áreas que trabalham agências e
organizações de carácter humanitário; supervisionar a implementação de acordos de paz
ou de outros acordos estabelecidos entre as partes em conflito, ou entre estas e as
organizações internacionais; restaurar a confiança das populações e garantir um
ambiente seguro, tendo em vista a resolução das causas dos conflitos e a reconstrução
de sociedades desarticuladas pela guerra; promover e proteger os Direitos Humanos;
formar as polícias locais, não apenas através do acompanhamento diário e

97
aconselhamento no terreno, mas também através de acções de formação específica,
recrutamento e selecção de candidatos; reestruturação ou construção de academias de
polícia local.
Para além das tarefas já referidas, a Polícia pode ainda executar uma longa lista de
tarefas adicionais: assessorar as autoridades responsáveis pela segurança interna e
comandos policiais, quer no aspecto operacional e logístico, quer nos aspectos legais de
organização das forças e serviços de segurança; formação de unidades ou serviços
especiais; utilizar unidades constituídas de polícia com funções executivas; utilizar
unidades especializadas em investigação criminal (crimes contra a humanidade e outras
violações dos Direitos humanos), em segurança pessoal, em inactivação de engenhos
explosivos, em polícia ambiental, em polícia de fronteiras e em ciências forenses, bem
como na formação/constituição de capacidades locais nos mesmos âmbitos; controlar
armas na posse de populações civis; apoiar a segurança e supervisão de movimentos de
deslocados internos e de refugiados; participar na segurança e supervisão de processos
eleitorais ou de referendos; monitorizar potenciais violações de Direitos Humanos ou dos
acordos estabelecidos e investigação de crimes graves; proteger grupos vulneráveis;
aconselhar e monitorizar processos de desarmamento, desmobilização e reintegração de
antigos combatentes. Estes vectores de intervenção da componente de Polícia ocupam
um lugar central na construção e/ou reestruturação de instituições democráticas, e na
reforma dos sectores de segurança e defesa nos Estados fracos, ou nos Estados
fragilizados por conflitos internos ou externos.
Os polícias que participam em missões de paz são sujeitos a uma rigorosa formação.
O mecanismo de selecção e o programa de formação respeita os elevados padrões
sancionados pela ONU, tendo sido desenvolvido com a colaboração dos primeiros
elementos da Polícia de Segurança Pública (PSP) que participaram nestas missões.
Aquele programa de formação é ministrado no Instituto Superior de Ciências Policiais e
de Segurança Interna e em unidades especiais; é reconhecido pela ONU, podendo ser
visto como um modelo inter alia a nível mundial.14
A PSP participa em missões de paz desde Março de 1992, altura em que o Governo
português decidiu integrar a componente de CIVPOL da missão da ONU, na antiga
Jugoslávia (UNPROFOR). Envolveram-se em missões de paz, desde 1992 até Janeiro de
2009, 849 elementos da PSP: 105 Oficiais, 430 Chefes e 314 Agentes. É anseio da PSP
participar em operações de paz numa vertente mais qualitativa do que quantitativa,
através da nomeação de oficiais de Polícia para funções de gestão e planeamento, para
key positions e posições de staff na componente policial da ONU, bem como da
nomeação de Oficiais, Chefes e Agentes para o desempenho de funções técnico-policiais
14
Lopes, 2005.

98
que abranjam um largo espectro da missão policial.15 Constitui igualmente objectivo da
Instituição a preparação de uma Unidade Constituída de Polícia para participar em
missões de paz prioritariamente no quadro da ONU e da UE. No Anexo D apresentamos
detalhadamente o que foi a participação da PSP em operações de paz.

A GUARDA NACIONAL REPUBLICANA


A Guarda Nacional Republicana (GNR) iniciou em 1995 a participação em operações de
paz, quando um oficial seu desempenhou funções no posto de comando de Calafate, na
Roménia, durante a supervisão do embargo da ONU à antiga Jugoslávia. Desde então e
até aos dias de hoje, os militares da Guarda já participaram em missões de paz em
quatro continentes (Europa, África, Ásia e América) sob o auspício de várias
organizações internacionais (UEO, ONU e UE). A participação da GNR em operações de
paz segue uma lógica semelhante à da PSP, a qual se insere primordialmente na pós-
violência, tendo adoptado dois formatos: monitores de polícia civil e unidades
constituídas. Analisemos, então, em que consistem estes dois formatos e o que tem sido
a sua participação.

OS MONITORES DE POLÍCIA CIVIL DA GNR


Os monitores de Polícia Civil da GNR desempenham missões idênticas àquelas já
referidas para os monitores oriundos da PSP, tendo os militares da GNR participado nos
últimos 14 anos em 14 missões de observação de Polícia Civil, empenhando um efectivo
total de 161 militares, entre oficiais e sargentos. Em Angola, a GNR participou em duas
missões da ONU (UNAVEM III e MONUA), tendo ambas por objectivo evitar a ocorrência
de conflitos entre as partes litigantes, através da fiscalização do cumprimento das normas
impostas pelo Protocolo de Lusaka.
Em Timor, 11 militares da GNR integraram a estrutura da CIVPOL da UNMISET,
como monitores de Polícia Civil. A Guarda continuou envolvida na UNOTIL, missão que
em 20 de Maio de 2005 sucedeu à UNMISET, mas desta feita no âmbito do Training
Adviser on Security and Rule of Law, do Governo de Díli. Em 2004, a GNR participou na
missão da ONU na Costa do Marfim (UNOCI) e no Haiti (MINUSTAH). A estes TOs junta-
se em 2002 o da FYROM, onde a GNR participa inicialmente numa missão sob os
auspícios da OSCE (Spillover Monitor Mission to Skopje), e cerca de dois anos mais
tarde (Fevereiro 2005) na operação EUPOL - PROXIMA, sob os auspícios da UE. Na
RDC, a GNR participa em duas missões sob os auspícios de duas organizações distintas:

15
Nestas incluem-se, entre outras, ordem pública, operações especiais, segurança pessoal, investigação
criminal, informações policiais, inactivação de engenhos explosivos, segurança em subsolo, apoio à vítima,
policiamento de proximidade.

99
inicialmente no quadro da ONU, em que a componente de CIVPOL da MONUC tinha a
seu cargo a reestruturação e melhoramento da capacidade operacional da Polícia
Nacional do Congo (PLC); e dois anos mais tarde, ao abrigo de uma missão levada a
cabo pela UE (EUPOL - KINSHASA).
A Guarda participou ainda na missão da UE na faixa de Gaza (EUBAM – RAFAH), a
qual tinha por principal atribuição assumir o papel de terceira parte no terminal fronteiriço
que estabelece a ligação entre a Faixa de Gaza e o Egipto, na região de Rafah. Ainda na
Palestina, em 2007, a GNR integra o EUCOPPS,16 uma missão da UE com o objectivo de
auxiliar a Autoridade Palestiniana no processo de reorganização e reforma da polícia
local. De regresso aos Balcãs, participa na European Union Police Mission in Bosnia and
Herzegovina (EUPM), a qual tinha como objectivo principal monitorizar e inspecionar a
actividade da polícia local (Setembro de 2007), e na componente de polícia da EULEX
(Pristina), no Kosovo (Abril 2008).

A STABILITY POLICE UNIT


As Stability Police Unit (SPU) são forças simultaneanente policiais e militares com uma
capacidade de intervenção robusta, capazes de usar a força com uma grande amplitude
de letalidade, sobretudo durante as operações de reposição da ordem pública. As
características híbridas das SPU permitem-lhes preencher um espaço operacional que
dificilmente poderá ser preenchido por forças militares ou de polícia. Constituídas por
unidades tipo Gendarmerie, as suas potencialidades revelaram-se de tal forma
importantes em determinados tipos de missões de paz, que as principais organizações
internacionais não abdicam do seu emprego, dando-lhes apenas designações diferentes:
a OTAN chama-lhes Multinational Specialized Units (MSU), a ONU designa-as Formed
Police Unit (FPU), e a UE Integrated Police Unit (IPU). A participação da GNR em
missões de paz conhece novos desenvolvimentos quando em 2000 constitui a primeira
Stability Police Unit (SPU). Nos últimos nove anos, a GNR esteve empenhada em quatro
missões internacionais no formato de unidades constituídas (FPU, MSU e IPU) do Iraque
a Timor e, mais recentemente, na Bósnia, tendo sido destacados um total de 1548
militares.
Em Timor, para além de ter integrado a componente de CIVPOL, como atrás referido,
a GNR actuou, pela primeira vez, como FPU, constituindo-se como uma das unidades de
intervenção da CIVPOL. A FPU tinha por missões principais: o controlo de distúrbios
civis; a segurança de áreas sensíveis; a realização de escoltas e segurança a altas
entidades; a busca e salvamento e a execução de honras de Estado. A 24 de Junho de
2004, cerca de dois anos depois, a GNR terminou a sua missão em Timor. No rescaldo
16
European Union Co-ordinating Office of Palestinian Police Support.

100
da invasão do Iraque por forças de uma coligação liderada pelos EUA, a GNR foi
escolhida para participar na missão IRAQUI FREEDOM, o que aconteceu só após um
intenso debate político. A força (num total de 123 militares) chamou-se Subagrupamento
Alfa e participou nas designadas operações de estabilização, integrado na Divisão
Multinacional Sudeste (MND-SE), sob o Comando da Brigada italiana (IT-JTF). O
Subagrupamento Alfa cumpriu inúmeras missões, desde as mais elementares às mais
arriscadas, destacando-se as várias operações de manutenção e restabelecimento da
ordem pública, segurança de pontos sensíveis, escolta a comboios humanitários,
policiamento de áreas sensíveis, execução de check-points, e inactivação de engenhos
explosivos improvisados.
Em consequência da instabilidade política e social vivida em Timor, o Governo
daquele país viu-se forçado a recorrer à ajuda internacional para estabilizar a ordem
pública no território. Ao pedido formulado pelas autoridades timorenses acederam a
Austrália, Nova Zelândia, Malásia e Portugal, os quais enviaram para o território forças
militares e policiais. A ausência de forças de segurança em número compatível com a
gravidade da situação levaram a força da Guarda a assumir funções de polícia executiva,
em substituição das autoridades policiais locais. Fruto do acordo bilateral entre Portugal e
Timor, o contingente da GNR ficou directamente dependente do Presidente da República
e do Primeiro-Ministro daquele país. No dia 26 de Agosto de 2006, a maior parte das
forças da polícia internacional, incluindo o Subagrupamento Bravo, integra-se na UNMIT.
A GNR vem a participar numa missão da UE na Bósnia através da recém-criada
Força de Gendarmerie Europeia (EUROGENDFOR).17 A 19 de Julho de 2007, em
Noordwijk – Holanda, o Comité Interministerial de Alto Nível (CIMIN) da EUROGENDFOR
decidiu-se pela participação desta força na missão militar da UE na Bósnia (Operação
ALTHEA), através do envio de uma IPU. Para uma visão mais detalhada do que tem sido
a participação da Guarda em operações de paz, consultar o Anexo E.

OS OBSERVADORES MILITARES DA ONU


A origem das missões de observação remonta ao período de funcionamento da Liga das
Nações. Viriam a assumir uma importância redobrada no seio da ONU, tendo esta
tentado inicialmente preencher o vácuo de segurança colectiva existente recorrendo a
estas missões, as quais consistiam nalgumas centenas de Observadores Militares da
ONU (UNMOs) oriundos de países neutrais, como forma de reforçar a noção de
imparcialidade. A primeira operação de observação da ONU ocorreu em paralelo com o

17
Para além de Portugal, a EUROGENDFOR integra a França, Itália, Holanda, Espanha e, mais
recentemente (17DEC08), a Roménia.

101
processo de independência da Indonésia, com a missão principal de supervisionar a
desmobilização e retirada pacífica dos militares holandeses.
Após a guerra de 1948, no Médio Oriente, a ONU destacou para Palestina uma
missão de observação (UNTSO)18 com o objectivo de observar a trégua e supervisionar
as limitações impostas à circulação de tropas, material e equipamento. Com um reduzido
número de efectivos (600), limitou-se a receber e a responder às reclamações das partes.
O facto de agir sob um mandato vago, aliado a factores como o agravamento das
hostilidades entre o Egipto e Israel, levaram à sua fragilização não colocando, no entanto,
em causa a sua continuidade até aos dias de hoje. As missões de monitorização de
acordos de cessar-fogo e de ligação entre as partes em conflito tornaram os
observadores militares “enviados da paz” imparciais. As suas “armas” são o seu elevado
profissionalismo e os olhos e ouvidos sempre atentos. Este modus operandis pode
nalgumas circunstâncias vulnerabilizá-los, por aumentar a probabilidade de serem
sequestrados e das suas viaturas e meios de comunicação rádio serem roubados por
elementos das facções em conflito.19
Os observadores militares são oficiais (no mínimo com o posto de Capitão)
pertencentes às Forças Armadas de diferentes países que os “emprestam” à ONU para
uma determinada missão de paz. Auferem um estatuto de imunidade diplomática similar
aos membros da polícia (UNCIVPOL) e pessoal civil ao serviço da ONU, que é diferente
do estatuto dos militares que integram os contingentes militares. Das missões geralmente
atribuídas às forças de observadores militares, destacam-se as seguintes: supervisionar
acordos de cessar-fogo, investigar e relatar sobre acções de violação dos mesmos;
supervisionar processos de retirada de forças militares; inspeccionar locais suspeitos de
funcionar como depósitos de armas; verificar, registar e controlar detalhadamente os
processos de desarmamento; facilitar a resolução de disputas locais, funcionando como
elementos de ligação entre as partes; monitorizar a utilização do espaço aéreo sobre a
área em conflito, através de patrulhamentos e inspecções a aeroportos; supervisionar
processos eleitorais e referendos; supervisionar campos de refugiados; participar em
comités conjuntos com objectivos específicos como a troca de prisioneiros e mortos; e
informar sobre eventuais violações dos Direitos Humanos.

18
Organização de Supervisão da Trégua da ONU.
19
São inúmeros os exemplos de UNMOs que arriscaram a vida interpondo-se entre as partes em conflito
para obterem um cessar-fogo, para salvarem uma criança, que suportaram humilhações em checkpoints
quando testavam a liberdade de circulação essencial para a prossecução da sua missão; que se mantiveram
em vigilância contínua durante várias noites, mesmo quando os combates se desenrolavam em torno dos
seus postos de observação, pondo em causa a sua integridade física para transmitirem informação vital; que
apesar da pressão a que eram sujeitos, conseguiam relatar superiormente com clareza situações complexas;
e que com a sua presença e credibilidade ajudaram ao reinício de processos negociais entre as partes em
conflito.

102
As forças de observadores não têm qualquer missão de restabelecimento da ordem
ou de defesa do território. A grande diferença entre as forças de peacekeeping e os
contingentes de observadores assenta primordialmente no facto de estes não
funcionarem como forças de interposição, ainda que possam ser colocados em zonas
definidas como neutrais para as partes em conflito. A essência da sua actuação baseia-
se no estabelecimento de relações de cordialidade e imparcialidade na interacção com as
autoridades locais, assentes no código de conduta específico dos oficiais das Forças
Armadas.
Se o facto de os observadores militares desempenharem a sua missão desarmados
poder consubstanciar uma vulnerabilidade, pelo contrário, pode ser uma grande
vantagem, especialmente em situações onde o recurso ao emprego de forças militares
armadas não é a melhor opção, por poder levar a uma escalada do conflito. Os UNMOs
apoiam-se para a sua protecção não apenas na análise das informações e nos sistemas
de protecção passiva (capacetes e coletes balísticos), mas também e essencialmente, no
desenvolvimento de relações e contactos próximos com as partes em conflito, tentando
envolver os dirigentes das forças litigantes (desde o nível operacional ao táctico), mas
mantendo sempre a imparcialidade. Os ataques aos observadores têm normalmente
repercussões negativas para os atacantes, os quais, independentemente dos interesses
que possam ter, encaram geralmente como um revés a retirada de uma força de
observadores.
Uma outra vantagem do emprego de observadores militares, reside na fiabilidade e
precisão da informação que recolhem e disseminam para quem a desejar obter (desde o
governo local, às ONGs terminando na comunicação social). A expressão “UNMO
CONFIRMED” é um sinónimo de credibilidade, que muitas das vezes envolve um risco
elevado para a segurança pessoal dos observadores que a obtiveram. Contudo,
nalgumas situações, o desenvolvimento de uma relação de maior proximidade com uma
ou várias das partes em conflito pode condicionar a aceitação de observadores que
tenham estado anteriormente em missão no “outro lado da batalha”.
A colocação de UNMOs sob o comando operacional de uma força militar, mesmo que
também ao serviço da ONU, contribui para corroer o seu capital de credibilidade e
imparcialidade aos olhos dos litigantes, podendo ser vistos pelas facções como
observadores avançados ou como equipas de reconhecimento, com o fim de localizarem,
por exemplo, posições de armas e veículos pesados através da exploração do facto de
estes gozarem de liberdade de circulação no TO, ou noutras funções que possam ser
percebidas como fornecendo vantagem táctica a uma das forças.
O Exército tem tido um cuidado muito especial na formação de oficiais para o
desempenho de missões de observação, materializado na criação do Centro de Instrução

103
e Treino de Operações de Apoio à Paz (CITOAP). A frequência do Curso de Observador
Militar com aproveitamento passou a ser uma das condições exigidas para se ser
nomeado para uma missão de observação. A primeira participação de militares
portugueses em missões de observação da ONU remonta ao ano de 1958, no Líbano,
quando cinco oficiais participaram numa missão de supervisão eleitoral naquele território.
A partir de finais dos anos oitenta do século vinte, a participação nacional em missões de
observação não parou de crescer, tendo atingido o seu apogeu em 2000 (Ver Anexo F).20
O output estratégico da participação nacional em missões de observação tem sido
assinalável, ainda que não devidamente reconhecido internamente. Para além de
demonstrar o empenho do país na estabilidade e paz mundial, é uma forma de obter
informação privilegiada sobre determinados TOs (política, económica, etc.), e de
proporcionar treino (a custo reduzido) e currículo aos quadros que lhes permita mais
tarde concorrerem ao ingresso em organizações internacionais com vantagem.

AS ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS NACIONAIS


Procuraremos agora efectuar um ponto de situação sobre a participação das
Organizações Não Governamentais (ONGs) nacionais em missões de paz, estando, à
partida, cientes de que foi modesta. As ONGs nacionais regem-se pelos princípios
vertidos no Código Civil, no Capítulo das Pessoas Colectivas, sobretudo as disposições
relativas a associações e fundações. A esmagadora maioria das ONGs que se dedicam à
assistência humanitária e de emergência são formalmente constituídas sob a forma de
associação, sendo o caso da Assistência Médica Internacional uma excepção, visto
tratar-se de uma Fundação.
A denominada “Lei das ONGDs” (Lei 66/98, de 14 de Outubro) pretendeu aclarar e
regulamentar as especificidades das Organizações Não Governamentais de Cooperação
para o Desenvolvimento (ONGDs). Partindo desta diferenciação, trata-se agora de
identificar quais as ONGs portuguesas que se dedicam à ajuda humanitária e de
emergência. Isto porque o art.º 6.º da supra mencionada lei, sob a epígrafe “objectivos”,
designa como estando incluídas naqueles as acções de assistência humanitária e de
emergência, desempenhadas pelas ONGDs. Temos aqui uma confluência dos vários
conceitos (ajuda humanitária, emergência e desenvolvimento) que representam
realidades diferentes, embora na prática a esmagadora maioria das ONGDs portuguesas
se dedique, prima facie, a projectos de desenvolvimento, sem prejuízo de, algumas delas,

20
Realça-se o facto de Portugal ter tido sete chefes de missões de observação militar, respectivamente dois
na MINURSO, três na UNOTIL e dois na UNMIK, todos oriundos do Exército. Estes dois últimos foram Chief
Military Liaison Officers.

104
uma minoria, ter também alguma capacidade de participação em missões de paz, de
ajuda humanitária e de emergência.
O documento “Uma visão estratégica para a cooperação portuguesa”, publicado em
2006, destaca a existência de uma relação institucional entre o Estado português e as
ONGDs caracterizada, de uma forma geral, pela ausência de mecanismos de diálogo e
de coordenação, quando não mesmo pela desconfiança activa,” e identifica duas
“dimensões específicas de actuação”: uma de âmbito nacional, “a educação para o
desenvolvimento”, e outra de âmbito internacional, que inclui a “cooperação para o
desenvolvimento” e a “ajuda humanitária e de emergência”. No que respeita à ajuda
humanitária, reconhece-se o surgimento de novas áreas de especialização que requerem
uma atenção especial, por parte do Estado, nomeadamente, “a prevenção, gestão e
resolução de conflitos, a diplomacia preventiva, a reabilitação pós-conflito e os processos
de reconciliação, os refugiados e as migrações, entre outras”. Na realidade já existe uma
estrutura, ainda que embrionária, de coordenação entre o Estado e as ONGDs.
O Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento (IPAD) é o organismo público
responsável pela cooperação e ajuda pública ao desenvolvimento. Compete-lhe dirigir os
serviços de apoio à sociedade civil e ajuda de emergência, o que estabelece a ligação
entre o Estado Português, através daquele organismo público, e a ajuda humanitária e de
emergência. Refira-se, ainda, que “o IPAD visa também a centralização da informação
sobre os projectos de cooperação promovidos por entidades privadas, com ou sem
patrocínio público,” 21 o que nos remete para uma conexão institucional permanente entre
as ONGDs e o Estado português.
As ONGDs têm de se registar junto do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE)
para serem reconhecidas e poderem beneficiar de algumas importantes benesses.22 Uma
vez obtido o estatuto de ONGD, esta passa a dispor da possibilidade de usufruir de co-
financiamentos, através da apresentação de candidaturas a concursos do IPAD ou
através da apresentação de projectos seus. Segundo dados do IPAD,23 em 2008, foram
financiados 31 projectos de 19 ONGDs, num montante total de 2.775.451,48€,
distribuídos sobretudo por Moçambique (26%), Angola (26%), Guiné-Bissau (19%) e
Cabo Verde (10%), com incidência nos sectores da Saúde, Luta contra a Pobreza e

21
Segundo o art.º 14.º – 1, al. f), do DL n.º 5/2003, de 13 de Janeiro.
22
Tais como o estatuto especial dos dirigentes de ONGD (art.º 10.º), que lhes permite usufruir de um horário
de trabalho flexível, de um regime especial de faltas e de um estatuto semelhante ao de trabalhador-
estudante, quando aplicável; a aquisição automática do estatuto de pessoas colectivas de utilidade pública; a
aplicação, em determinadas condições, do regime do mecenato cultural, previsto nos Códigos de IRS e IRC,
aos donativos em dinheiro e em espécie; a isenção do pagamento de emolumentos notariais, nomeadamente
nas escrituras de alteração de estatutos; as isenções fiscais atribuídas às pessoas colectivas de utilidade
pública e isenção de pagamento de IVA, nas transmissões de bens e prestações de serviços, tal como
previsto para os organismos sem fins lucrativos.
23
In http://www.ipad.mne.gov.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=112&Itemid=143, consultado
em Fevereiro de 2009.

105
Educação. Ainda de acordo com dados do IPAD, as acções de ajuda humanitária, de
maior relevo, empreendidas entre 2004 e 2005, destinaram-se a situações de catástrofes
naturais e de calamidade pública, sobretudo nos países considerados prioritários para
Portugal, ou seja, os de língua oficial portuguesa. Tem existido um esforço para
ultrapassar a inexistência de uma tradição sólida de cooperação, por um lado
procurando-se desenvolver a cooperação institucional entre ONGDs portuguesas e
entidades civis representantes do Estado, por outro através de iniciativas várias, de cariz
procedimental (ex.: reconhecimento do estatuto de ONGD), executivo (ex.: co-
financiamento de projectos) e de coordenação (ex.: relação institucional com a
Plataforma Portuguesa de ONGDs), assumindo-se o Estado, frequentemente, como
entidade pagadora, aliás um pouco à semelhança do que acontece com a UE através do
ECHO.
No que respeita ao posicionamento das ONGDs portuguesas face à comunidade
internacional verificamos existir uma fraca representatividade de ONGDs portuguesas em
fora internacionais, sendo poucas as inscritas em organismos internacionais. Por outro
lado, algumas ONGDs portuguesas são uma espécie de delegação nacional de
movimentos civis internacionais.24 Neste caso, existe uma articulação entre a ONGD
portuguesa e a ONG – mãe. De acordo com a Plataforma, as ONGDs têm como áreas
fundamentais de intervenção: a Cooperação para o Desenvolvimento, a Educação para o
Desenvolvimento e a Ajuda Humanitária e de Emergência. Ressalte-se a assinatura, a 20
de Fevereiro de 2006, de um Protocolo de Cooperação elaborado e assinado entre a
direcção da Plataforma Portuguesa das ONGD e as ONGD suas associadas que se
assumem como trabalhando na Ajuda Humanitária e de Emergência, sendo elas, a
ADRA, a Associação Saúde em Português, os Médicos do Mundo/Portugal e a OIKOS –
Cooperação e Desenvolvimento,25 o qual alerta para a necessidade de formação dos
agentes humanitários e para a importância da articulação e coordenação. As partes
referidas criaram, através deste Protocolo, o “Grupo de Ajuda Humanitária e de
Emergência da Plataforma”, o qual prevê a criação de um Fundo Público para a Ajuda
Humanitária e de Emergência e a criação de um Código de Conduta português (cláusula
6.ª).
De acordo com dados recolhidos até Fevereiro de 2009 verifica-se: a existência de
112 ONGDs registadas no IPAD, 54 registadas na Plataforma Portuguesa de ONGD, e
muitas mais ONGs existem registadas no Registo Nacional de Pessoas Colectivas; que
do total de ONGDs inscritas na Plataforma, de acordo com o Guia de ONGD 2005, 18

24
Como, por exemplo, a Caritas, Médicos do Mundo, Cruz Vermelha Portuguesa e a ADRA (Associação
Adventista para o Desenvolvimento, Recursos e Assistência).
25
In http://www.plataformaongd.pt/site3/index.php?option=com_content&task=view&id=12&Itemid=31.

106
auto-classificam-se como de ajuda humanitária e de emergência. Destas 18, apenas 4
constituem o “Grupo de Ajuda Humanitária e de Emergência da Plataforma”, ficando de
fora ONGDs tradicionalmente associadas à Assistência Humanitária e de Emergência,
como é o caso da Assistência Médica Internacional; que a grande parte destas ONGDs,
na verdade, se dedica primordialmente ao Desenvolvimento, sendo que algumas delas
também se dedicam à Ajuda Humanitária e de Emergência; que a maioria das ONGDs
intervém, preferencialmente, no âmbito da CPLP, nas áreas da educação e da saúde.
Há ainda a salientar a não existência de uma tradição de relacionamento directo
entre ONGDs e forças militares portuguesas presentes no terreno, embora se tenha vindo
a desenvolver essa cooperação, designadamente, através do MNE, via IPAD. As missões
desempenhadas por ONGDs portuguesas regem-se por normas internas da própria
ONGD e pelas linhas de orientação da entidade financiadora, não existindo um Código de
Conduta Nacional a aplicar nas missões de ajuda humanitária e de emergência.

OS ELEMENTOS CIVIS PORTUGUESES


Conforme temos vindo a referir, a complexidade das missões de paz aumentou,
passando a incluir nos seus mandatos a reestruturação da administração pública e do
sector da justiça, o desarmamento e reintegração de milícias armadas, a desminagem, a
recuperação económica, a reconciliação das sociedades afectadas pelos conflitos
armados, etc. A execução destas tarefas de natureza não militar requer o contributo de
especialistas. A experiência tem mostrado que órgãos e entidades civis nacionais dos
países envolvidos nestas operações, como ministérios, institutos ligados ao Estado,
parlamentos nacionais e entidades oriundas da sociedade civil têm participado
activamente em acções de assistência ou cooperação bilateral com as organizações
internacionais que desenvolvem missões no terreno, esforçando-se, cada vez mais, por
participar, por diferentes vias, nos seus programas multilaterais. Contrariando esta
tendência, a cooperação ministerial portuguesa tem sido esporádica, desempenhando um
papel de reduzida dimensão na política externa do Estado português. O caso de Timor
representou uma excepção ao que tem sido a norma da participação lusa na componente
civil e de desenvolvimento das missões de paz da ONU, requerendo por isso uma análise
separada. Ao longo dos anos 90, ministérios e outras entidades públicas, bem como
sectores específicos da sociedade civil portuguesa, começam a envolver-se, embora
timidamente, em paralelo com as Forças Armadas e de Segurança, em iniciativas de
cooperação multilateral, fundamentalmente no quadro da ONU e da CPLP, mas também
no âmbito da UE. Vejamos então o que foi esse envolvimento.

107
PORTUGAL NAS CRISES HUMANITÁRIAS E DE EMERGÊNCIA
Embora este tema tenha vindo a ser abordado ao longo deste trabalho, no que respeita à
participação de outras entidades, justifica-se ainda assim uma apresentação em
separado. Sob a coordenação nacional do IPAD, Portugal envolveu-se na assistência
humanitária em várias circunstâncias, fundamentalmente no âmbito da ONU e da UE.
Salientam-se os seguintes casos: em Abril de 1999 Portugal disponibilizou-se para
transportar e alojar no país cerca de 2000 deslocados do Kosovo. O SNPC foi incumbido
de organizar e coordenar a recepção e o alojamento temporário destes refugiados no
nosso país e posterior repatriamento. As directivas eram recebidas do Alto Comissariado
das Nações para os Refugiados (ACNUR) e da Organização Internacional das Migrações
(OIM), que lideravam o processo a nível mundial, e do Governo português. Estiveram
envolvidos o Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil (SNPC), DGAS, CRSS,
Comité Português para os Refugiados (CPR) e o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras
(SEF). A Cruz Vermelha Portuguesa (CVP) distribuiu roupas, kits de higiene e comida e a
DGS providenciou os cuidados de saúde. O Instituto Nacional de Emergência Médica
(INEM) teve por missão proceder à evacuação de doentes para estabelecimentos
hospitalares, sempre que necessário. O SNPC foi incumbido, pela primeira vez, de
planear e gerir uma operação de socorro humanitário com o envolvimento de diversos
organismos.
Portugal participou igualmente, no âmbito da UE, no apoio às vítimas do sismo na
Turquia, uma primeira intervenção, ainda de carácter ad hoc; em Moçambique (2000 e
2001) no apoio às populações afectadas pelas cheias. Esta missão foi uma cooperação
bilateral executada em articulação com a OCHA. A missão foi acordada com a
Embaixada Portuguesa em Maputo e com o Instituto Nacional de Gestão de Calamidades
(INGC) no comando da operação. De Portugal havia envolvimento do INEM, SNPC, SNB,
CVP e RSBL, em colaboração com o Plano Alimentar Mundial (PAM). Também no âmbito
da UE Portugal participou no apoio às vítimas do terramoto da Argélia, em Maio de 2003;
no Irão (terramoto seguido de Tsunami em 2003/4/5), em Marrocos, em Fevereiro de
2004, tendo sido rapidamente constituído um grupo especial de emergência e resgate
(GEER) que integrava o SNBPC, RSB, GNR e PSP para efectuar buscas e salvamentos
na província de Alhoceima; e ainda no Sudeste Asiático (Tsunami de Dezembro/Janeiro
de 2004/2005).

O CASO DE TIMOR-LESTE
A participação sistemática de elementos civis nacionais em Timor remonta ao ano de
1999. A coordenação dos órgãos e entidades estatais nacionais envolvidas na ajuda a
Timor, durante o período da transição, foi atribuída ao Comissário para o Apoio à

108
Transição de Timor-leste (CATTL). Em Portugal e em Díli, o CATTL apoiou a realização
da consulta popular. O Comissário nomeado pelo Governo, o Padre Vítor Melícias, em
colaboração com o ICP, foi o elo de ligação entre o Estado português e as ONGs
interessadas na causa timorense. O Gabinete do Comissário assumiu-se como o órgão
coordenador das actividades do sector público português no território, reunindo com uma
Comissão Interministerial composta por representantes de alto nível dos ministérios mais
directamente envolvidos na causa timorense (MNE, MDN, MS, MJ e MAI). Estes
elementos coordenavam a nível ministerial a resposta institucional dos serviços da
administração central do Estado, às solicitações do Comissário.
O CATTL aprovou a constituição de uma missão de emergência humanitária para
intervir em Timor designada “Missão Humanitária Timor 99”, que integrou efectivos e
contribuições de vários serviços públicos (MNE, MAI e MS) e envolveu várias ONGs
nacionais. A missão tinha como objectivo a cooperação com as organizações
humanitárias internacionais no território, tais como, o ACNUR, o Comité Internacional da
Cruz Vermelha (CICV), a OIM, o PAM e ainda com a UNAMET, a missão de paz da ONU
no território. Este dispositivo foi coordenado e financiado pelo CATTL, e comandado
operacionalmente pelo SNPC. Faziam parte desta missão uma equipa multidisciplinar de
voluntários do MS, o ainda Serviço Nacional de Bombeiros, o INEM, a CVP, a GNR, a
PSP e ainda alguns voluntários das ONGs portuguesas.26 Articulada com a INTERFET e
a UNAMET, a missão durou três meses. Ao longo deste período os portugueses
colaboraram na luta contra incêndios, abasteceram de alimentos e água as povoações
isoladas e recuperaram infra-estruturas destruídas. Formadores portugueses – bombeiros
credenciados pela Escola Nacional de Bombeiros – criaram três corpos de bombeiros
timorenses (Díli, Aileu e Baucau).
Janeiro de 2000 marca o início de uma nova fase para a presença portuguesa no
território. Mantém-se o estatuto de emergência do período de transição, mas inaugura-se
a vertente de “reabilitação e desenvolvimento”, uma Missão Humanitária e de Apoio ao
Desenvolvimento que envolve a constituição dos órgãos de soberania e a construção do
Estado. Neste período, como observa Val-Flores, a cooperação portuguesa já segue
objectivos específicos, que resultam das solicitações dos responsáveis timorenses:
preparar uma independência auto-sustentável. Portugal decide reforçar a sua cooperação
integrando-se, preferencialmente, na cooperação multilateral através do Programa
Conjunto de Reconstrução de Timor-Leste liderado pela UNTAET, com o apoio de
diversas agências da ONU, do BM e do Banco Asiático de Desenvolvimento (BAD).27

26
Portugal. Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação (Junho de 2000), Portugal –
Timor-Leste, Reconstrução para o Desenvolvimento 1990/2000. Lisboa: Gabinete do Comissário para o
Apoio à Transição em Timor-Leste, p.10.
27
Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação (2001) e Val-Flores (2006).

109
Com a independência de Timor, em 17 de Maio de 2002, o CATTL extingue-se e as
suas responsabilidades são assumidas pelo IPAD, entidade que, como anteriormente
referido, detém presentemente poderes de supervisão, direcção e coordenação da ajuda
pública ao desenvolvimento e o enquadramento dos programas de cooperação e da
ajuda pública ao desenvolvimento financiados e realizados por outros organismos do
Estado e demais entidades públicas. De facto, para além de coordenar o trabalho das
ONGDs que também financia,28 compete-lhe articular a acção dos diferentes ministérios,
promovendo uma cooperação multidimensional e multidisciplinar. O Programa Indicativo
de Cooperação (PIC)29 de Timor para o triénio 2004-2006, assinado entre o Governo
português e Governo timorense, identifica três eixos prioritários,30 continuando o eixo da
capacitação institucional, em particular, a ter resultados decepcionantes. Neste sentido,
alguns ministérios, Assembleia da República (AR)31 e Universidades portuguesas
decidem integrar-se nos programas de reforma da administração pública em curso,
apoiando a elaboração da lei fundamental de Timor, a redacção do regimento da sua
Assembleia e seguem de perto o processo de reforma fiscal, entre muitas outras
actividades. O modelo preconizado pelo IPAD é descentralizado e tenta coordenar as
acções dos departamentos públicos, autónomos ou não, órgãos de soberania, empresas
estatais e algumas entidades privadas bem como ONGDs, autarquias, universidades,
instituições científicas e culturais envolvidas no processo.
O PIC Portugal - Timor-Leste (2007-2010) redireccionou um pouco a APD
portuguesa, acentuando a ideia de investimento nas áreas onde as vantagens
comparativas portuguesas são maiores: língua e capacitação, esta última através da
educação e formação, inseridas no apoio aos sistemas judiciário e de administração
pública timorenses, numa lógica essencialmente multilateral.32 Com um financiamento de
60 milhões de euros, são definidos três eixos prioritários: boa governação, participação e
democracia, e capacitação da administração pública, defesa e segurança;
desenvolvimento sustentável e luta contra a pobreza; e, finalmente, o cluster da
cooperação envolvendo diferentes instituições.33

28
Portugal, Ministério dos Negócios Estrangeiros (Fevereiro de 2006), Uma Visão Estratégica para a
Cooperação Portuguesa. Lisboa: Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento, p.37.
29
Elaborados de três em três anos.
30
Educação e Apoio à Reintrodução da Língua Portuguesa; Capacitação Institucional e Apoio ao
Desenvolvimento Económico e Social.
31
O IPAD não mantém programas de cooperação com a AR, mas é informado anualmente sobre a
cooperação desenvolvida. A AR proporciona desde 2001 apoio parlamentar a Timor: apoio técnico e
administrativo ao Gabinete do Presidente do PNTL, ao Plenário, às Comissões Especializadas Permanentes,
às bancadas Parlamentares, ao Secretariado e à Gráfica Nacional.
32
O documento refere que a distinção conceptual rígida entre cooperação bilateral e multilateral deixou de
fazer sentido.
33
IPAD. Ponto de Situação em Timor-Leste, disponível em http://www.ipad.mne.gov.pt/index.php?option=
com_content&task=view&id=91&Itemid=122.

110
No que respeita à governação e capacitação institucional no período de transição
(1999-2002) e no pós-independência, há a salientar o papel desempenhado pelas
universidades e instituições científicas portuguesas no apoio à organização e formação
de docentes timorenses de todos os níveis de ensino e na capacitação da restante
administração pública. O contributo das universidades em Timor tem produzido
resultados assinaláveis graças, em grande medida, ao pioneirismo do Grupo de Estudos
de Reconstrução – Timor Lorosae (GERTIL) e à sua capacidade de mobilização no seio
da Universidade Técnica de Lisboa (UTL). Com o desaparecimento do CATTL, os
protocolos existentes chegam ao fim e é firmado um novo acordo com o IPAD, passando
o GERTIL a candidatar-se aos projectos financiados anualmente por aquele Instituto em
áreas como o planeamento urbano e territorial, a cartografia e as redes geodésicas. Entre
muitas outras actividades, o GERTIL elaborou a Carta Escolar de Timor, procedeu a
vários arranjos arquitectónicos e, com o apoio do PNUD, procedeu ao levantamento de
informação para o projecto de reconstrução de Díli, depois da destruição provocada pela
instabilidade política de 2006.
De outra natureza, o Programa de Cooperação CRUP/FUP com Timor surge de um
acordo entre o extinto CNRT, Governo português e o Conselho de Reitores das
Universidades Portuguesas (CRUP). Desde 1990 que as Universidades portuguesas se
encontram envolvidas, através da Fundação das Universidades Portuguesas (FUP),
numa colaboração com o CNRT apoiada pelo MNE. São muitas as iniciativas
desenvolvidas por estas entidades. A Universidade Católica Portuguesa (UCP) tem
estado também presente em Timor através do Centro de Estudos dos Povos e Culturas
de Expressão Portuguesa. A cooperação teve início logo que as condições políticas pós-
referendo o permitiram. Desde 2002 que o Instituto de Investigação Científica e Tropical
(IICT) se tem destacado pela diversidade de trabalhos realizados em Timor, ou sobre
Timor.
Foram também vários os Ministérios que participaram na missão portuguesa em
Timor. O Ministério das Finanças, essencialmente através da sua Direcção de Serviços
de Cooperação Aduaneira e Documentação, da Direcção-Geral das Alfândegas e dos
Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC), no âmbito dos impostos e Cooperação
Aduaneira;34 o Ministério da Justiça no âmbito da administração da justiça timorense, da
capacitação dos quadros timorenses ligados à justiça, e na organização de outras áreas
da justiça, como é o caso dos serviços prisionais. Antes da consulta em Timor, foi
formada em Portugal a holding HARII, SGPS que tinha por objectivo envolver empresas

34
No quadro dos objectivos ambiciosos traçados pela então UNTAET, o Ministério das Finanças (Alfândegas)
e a Administração Interna (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) envolveram-se no controlo das fronteiras. A
participação do Ministério das Finanças é mais tarde expandida com o envolvimento dos Funcionários dos
Impostos portugueses.

111
portuguesas (EDP, IPE, Gestnave, CTT, BNU, Petrogal, PT, IEFP, ANA) em parcerias
com empresas timorenses. A holding acabaria por ter pouco sucesso nas relações
comerciais com parceiros timorenses, assumindo, na prática, a direcção de vários
serviços, mantendo o exclusivo da sua direcção após a declaração de independência. O
consórcio liderado pela ANA/NAV Aeroportos de Portugal/ADA chega ao território na fase
da administração transitória deste.35 Um memorando de entendimento entre o governo
português e a UNTAET atribuiu aos portugueses a gestão do aeroporto de Díli, tanto ao
nível dos serviços aeroportuários, como do tráfego aéreo, manutenção corrente,
recrutamento e formação de efectivos locais.

À GUISA DE CONCLUSÃO
A participação portuguesa em operações de paz representou um desafio e um esforço
considerável para o país, em várias áreas – política, diplomática, económica – mas muito
em particular na militar. Esse esforço contribuiu, sem quaisquer dúvidas, para que
Portugal pudesse fazer ouvir a sua voz nos areópagos internacionais, nomeadamente no
seio das principais organizações de que é membro (ONU, OTAN, UE e OSCE). Coube
sem dúvida às Forças Armadas e muito em particular ao Exército, o fundamental desse
empenhamento (mais de 21.000 militares). As Forças Armadas tornaram-se, assim, num
instrumento central da política externa do país – um dado claramente assumido, aliás,
pelo poder político, tendo contribuído decisivamente para que o país não se tivesse
tornado no pós-Guerra Fria numa entidade irrelevante nas relações internacionais. O
balanço da participação portuguesa resulta, portanto, insofismavelmente positivo.
Foi nas Forças Armadas e nas Forças de Segurança que o impacto desse
empenhamento foi mais visível. A participação de militares e de elementos policiais
nacionais em missões de paz produziu efeitos importantes praticamente em todos os
domínios da organização e da actividade daquelas instituições (formação, táctico e
operacional, equipamentos, logística e doutrina, etc.) e ainda ao nível da sua inserção
social. Valerá a pena recordar que a participação em operações de paz terá sido um
importante impulsionador do debate que levaria à opção de profissionalizar as Forças
Armadas. A integração de forças nacionais em contingentes multinacionais no quadro
das operações de paz contribuiu, certamente, para estimular a reflexão nas instâncias
militares e políticas sobre a urgência da modernização do equipamento utilizado pelas
Forças Armadas. Esta participação contribuiu, sem dúvida, para o aumento da
visibilidade pública da Instituição Militar e das Forças de Segurança, e um maior
reconhecimento social e político – uma mudança na forma da sociedade ver os militares

35
A missão teve início em Março de 2001 e terminou a 31 de Agosto de 2002.

112
e as forças de segurança, que correspondeu a um aumento paralelo da auto-estima e da
sua satisfação profissional.
Mas as mudanças mais significativas terão sido de outra ordem. Estamos a falar da
mudança de mentalidades, transição essencial para garantir a adaptação das Instituições
a novos paradigmas de convivência, de actuação, de vida e modo de encarar o futuro.
Neste domínio, as missões de paz implicaram alterações de vária ordem na percepção
do papel do militar e do próprio relacionamento hierárquico. O ambiente em que
decorrem as missões de paz cultivou a necessidade de uma maior preparação e de uma
maior responsabilidade na actuação, já que, por vezes, decisões de extrema relevância
táctica, operacional e mesmo estratégica têm, frequentemente, de ser tomadas a um
nível hierárquico baixo. O contacto com militares e polícias de outros países, com pessoal
das organizações internacionais e das ONGs e outros agentes, e ainda com as
realidades políticas, sociais e humanas dos TOs em que têm decorrido as operações de
paz representou um factor de maturidade cívica e política para os militares e elementos
policiais portugueses.
Uma abordagem a esta problemática ficaria incompleta sem se sublinhar o
importante papel desempenhado pelos observadores – militares e policiais –, tratados
frequentemente com um estatuto de menoridade. A sua importância advém da
oportunidade de Portugal formar quadros experientes a custos reduzidos e que,
posteriormente, com a experiência adquirida se poderão transformar em activos
importantes em futuras candidaturas a cargos em organizações internacionais da mais
diversa índole, permitindo inclusivamente um turn around nas suas carreiras. No capítulo
das Forças de Segurança salienta-se a imprescindibilidade em apostar no destacamento
de peritos policiais nas organizações internacionais (ONU, UE, OSCE, entre outras) e
ainda a necessidade de se dispor de uma capacidade de intervenção adicional para fazer
face a situações em que as forças militares e de polícia civil estarão menos
vocacionadas, e que tendencialmente ocorrem na fase de estabilização dos conflitos,
após a violência generalizada. As forças policiais com estatuto militar encontram-se
particularmente aptas para executar as missões próprias do designado security gap (para
retomar um conceito adoptado pela OTAN).
No essencial cabe-nos referir que Portugal não acompanhou as alterações de
natureza qualitativa verificadas nas operações de paz, as quais não só evoluíram para
processos complexos envolvendo uma larga variedade de actividades e actores –
militares, polícias, diplomatas, civis, etc., em que se coloca cada vez mais o acento tónico
na componente civil – ou seja, na resolução de problemas estruturais de natureza
económica, política e social dessas sociedades, na reconciliação e na reconstrução
nacional, como este tipo de operações passou a ser dominante e a ocupar a centralidade

113
dos empenhamentos. Esta realidade veio colocar novos desafios a Portugal para os
quais é necessário encontrar respostas.
É verdade que, acompanhando a tendência, se verificou um aumento qualitativo e
quantitativo da importância atribuída às Forças de Segurança nacionais nas operações
de paz; mas no que concerne à participação nacional com actores não militares, não se
consegue esconder uma insuficiente atenção a esta problemática, sobretudo se tivermos
em conta a possibilidade que estas participações proporcionam aos Estados de pequena
dimensão como Portugal de se inserirem no processo da globalização.
Exceptuando o caso de Timor-Leste, a participação de actores civis nacionais nestas
operações, nomeadamente da comunidade das ONGs, tem sido diminuta. Notam-se
ainda algumas lacunas na preparação de quadros nacionais para missões internacionais
que exigem, em ordem a concitar uma maior eficácia da acção, uma integração ou, não
sendo esta possível, no mínimo uma coordenação dos esforços sectoriais dos vários
instrumentos de poder envolvendo elementos responsáveis da área dos Negócios
Estrangeiros, da Defesa Nacional, da Administração Interna e da Justiça, entre outros. As
instâncias nacionais deveriam dedicar uma maior atenção à comunidade de ONGs que
se dedica à ajuda humanitária e de emergência. Estamos em crer tratar-se de um
domínio de oportunidades onde existem nichos de especialização em que o Estado
português poderia apostar. As ONGs são responsáveis por muito do trabalho efectuado
em situações de conflito e pós-conflito, com acesso a informação privilegiada não
disponível para a maioria dos actores envolvidos nestes cenários.
Por outro lado, não se tem conseguido mobilizar as empresas portuguesas para que
participem no esforço da reconstrução, nos Estados em que as forças nacionais –
militares e de segurança – têm intervindo. A participação com forças militares e de
segurança deve também ser vista como uma antecâmara – necessária – para a
intervenção das empresas nacionais. É um domínio onde tem predominado a omissão. É
confrangedora a ausência de empresas nacionais registadas na base de dados da UN
Business Development, uma condição fundamental para que as empresas possam
concorrer aos projectos lançados à escala mundial pelas diferentes Agências, Programas
e Fundos da ONU. Os dedos de uma mão são demasiados para contar as empresas
nacionais registadas, num universo de aproximadamente 3500.36 A comparação com o
número de empresas espanholas é igualmente demolidora.
A crescente atenção da ONU e da UE para missões complexas e para os desafios da
gestão civil de crises, envolvendo especialistas em protecção civil, magistrados, ciências
forenses, etc. tem realçado o papel dos elementos civis nas missões de paz, em
particular nas acções humanitárias. Portugal deveria eleger esta área como um domínio
36
http://www.devbusiness.com.

114
prioritário de actuação. As alterações qualitativas registadas na última década nas
operações de paz e que foram sendo assinaladas ao longo deste artigo, tornaram
evidente a necessidade de se rever a participação nacional nestas operações.

CARLOS MARTINS BRANCO


Major-General do Exército português. Licenciou-se em Ciências Militares pela Academia
Militar e frequentou o curso de Estado-Maior. Frequentou o Master Business
Administration na Universidade Católica Portuguesa e prepara uma dissertação de
Doutoramento em Conflict Resolution, igualmente no Instituto Universitário Europeu. Foi
Observador Militar da ONU durante o conflito da antiga Jugoslávia; analista de
Intelligence no Estado-Maior da EUROFOR, em Itália; e desempenhou as funções de
Peacekeeping Affairs Officer no Secretariado da ONU, na Divisão Militar do DPKO, em
Nova Iorque, tendo sido responsável pelos aspectos militares das missões da ONU, no
Médio Oriente; foi o porta-voz do Comandante da operação da OTAN no Afeganistão. É
co-coordenador científico da pós-graduação em Comunicação e Gestão de Conflitos, no
ISCTE.
Contacto: carlos.branco@netcabo.pt

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116
GLOSSÁRIO

ACNUR Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados

AFOR Albania Force/Força Albânia

African Union Mission in the Sudan


AMIS
Missão da União Africana no Sudão

AR Assembleia da República

CATTL Comissário para o Apoio à Transição de Timor-Leste

CIMIC Civil-Military Cooperation/Cooperação Civil-Militar

CIVPOL Civilian Police/Polícia Civil

CPLP Comunidade de Países de Língua Portuguesa

CTM Cooperação Técnico-Militar

DGAIEC Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo

DGS Direcção-Geral da Saúde

European Union Border Assistance Mission


EUBAM
Missão Europeia de Assistência na Fronteira
European Union Force in Bosnia and Herzegovina
EUFOR
Força da União Europeia na Bósnia-Herzegovina
European Union Monitoring Mission
EUMM
Missão de Monitorização da União Europeia

EUMOZ Missão de Observação da União Europeia em Moçambique

European Rapid Reaction Force


EUROFOR
Força Europeia de Reacção Rápida

EUROGENFOR Força de Gendarmerie Europeia

FND Força Nacional Destacada

Formed Police Unit


FPU
Unidade de Polícia Constituída
Former Yugoslav Republic of Macedonia
FYROM
Antiga República Jugoslava da Macedónia

GEER Grupo Especial de Emergência e Resgate

GERTIL Grupo de Estudos de Reconstrução – Timor Lorosae

GNR Guarda Nacional Republicana

IFOR Implementation Force/Força de Implementação

IICT Instituto de Investigação Científica e Tropical

INEM Instituto Nacional de Emergência Médica

INGC Instituto Nacional de Gestão de Calamidades

International Force for East Timor


INTERFET
Força Internacional em Timor-Leste

IPAD Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento

117
IPU Integrated Police Unit/Unidade de Polícia Integrada

International Security Assistance Force


ISAF
Força Internacional de Assistência à Segurança

KFOR Kosovo Force/Força no Kosovo

MAI Ministério/Ministro da Administração Interna

MDN Ministério/Ministro da Defesa Nacional

Mission des Nations Unies pour l'Organisation d'un Référendum au Sahara Occidental
MINURSO
Missão das Nações Unidas para a Organização de um Referendo no Sahara Ocidental
Mission des Nations Unies pour la Stabilisation en Haïti
MINUSTAH
Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti

MNE Ministério/Ministro dos Negócios Estrangeiros

Mission d'Observation des Nations Unies à l'Angola


MONUA
Missão de Observação das Nações Unidas em Angola
Mission de l'Organisation des Nations Unies en République Démocratique du Congo
MONUC
Missão da Organização das Nações Unidas na República Democrática do Congo

MPLA Movimento para a Libertação de Angola

MSU Multinational Specialized Units/Unidade Especializada Multinacional

Office for the Coordination of Humanitarian Affairs


OCHA
Gabinete para a Coordenação da Ajuda Humanitária

OIM Organização Internacional das Migrações

ONG Organização Não Governamental

ONU Organização das Nações Unidas

Opération des Nations Unies au Congo


ONUC
Operação das Nações Unidas no Congo
Opération des Nations Unies en Cote D’Ivoire
ONUCI
Operação das Nações Unidas na Costa do Marfim
Opération des Nations Unies au Mozambique
ONUMOZ
Operação das Nações Unidas em Moçambique

OSCE Organização para a Segurança e Cooperação na Europa

OTAN Organização do Tratado do Atlântico Norte

PAM Plano Alimentar Mundial

PESC Política Externa e de Segurança Comum

PESD Política Europeia de Segurança e de Defesa

PIC Programa Indicativo de Cooperação

PLC Polícia Nacional do Congo

PSP Polícia de Segurança Pública

RDC República Democrática do Congo

RDSTP República Democrática de São Tomé e Príncipe

RENAMO Resistência Nacional Moçambicana

118
ROE Rules of Engagement/Regras de Empenhamento

SFOR Stabilization Force/Força de Estabilização

SNBPC Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil

SNPC Serviço Nacional de Protecção Civil

SPU Stability Police Unit/Unidade de Polícia de Estabilização

TO Teatro de Operações

UCP Universidade Católica Portuguesa

UE União Europeia

UEB Unidade de Escalão Batalhão

UEO União da Europa Ocidental

United Nations Mission in East Timor


UNAMET
Missão das Nações Unidas em Timor-Leste
United Nations Angola Verification Mission
UNAVEM
Missão de Verificação das Nações Unidas em Angola
United Nations Angola Verification Mission III
UNAVEM III
Missão de Verificação das Nações Unidas em Angola III
United Nations Interim Force in Lebanon
UNIFIL
Força Temporária das Nações Unidas no Líbano

UNITA União Nacional para a Independência Total de Angola

United Nations Mission in Kosovo


UNMIK
Missão das Nações Unidas no Kosovo
United Nations Mission of Support in East Timor
UNMISET
Missão de Apoio das Nações Unidas em Timor-Leste
United Nations Integrated Mission in Timor-Leste
UNMIT
Missão Integrada das Nações Unidas em Timor-Leste
United Nations Military Observer
UNMO
Observador Militar das Nações Unidas
United Nations Operation in the Congo
UNOC
Operação das Nações Unidas no Congo
United Nations Operation in Côte d´Ivoire
UNOCI
Operação das Nações Unidas na Costa do Marfim
United Nations Office In East Timor
UNOTIL
Gabinete das Nações Unidas em Timor-Leste

UNPOL United Nations Police/Polícia das Nações Unidas

United Nations Protection Force


UNPROFOR
Força de Protecção das Nações Unidas
United Nations Transitional Administration in East Timor
UNTAET
Administração Transitória das Nações Unidas em Timor-Leste
United Nations Truce Supervision Organization
UNTSO
Organização das Nações Unidas de Supervisão do Armistício

UPI Unidade de Polícia Integrada

UTL Universidade Técnica de Lisboa

119
ANEXO A: A MARINHA EM MISSÕES DE PAZ
(Saramago, 2010)

INÍCIO FINAL DIRECTIVA / INSTROP EFECTIVOS


OPERAÇÃO MISSÃO LOCAL ÂMBITO UNIDADES CTE
MISSÃO MISSÃO / DOCUMENTO (O-S-P/Tot)
NAVOCFOR NRP R. CMG Santana
7-Set-1990 31-Out-1990 12-28-126/166
MED IVENS de Mendonça

NAVOCFOR NRP SAC. CFR Neves de 31-Out-1990 11-Dez-1990 12-28-126/166


DESERT STORM FREE KUWAIT KUWAIT MED CABRAL Bettencourt 17-Jan-1991 13-Abr-1991 12-28-126/166

MULTINAT. NRP S. CFR Rodrigues 31-Out-1990 29-Dez-1990 05-08-26/39


FORCE MIGUEL da Conceição 17-Jan-1991 13-Abr-1991 05-08-26/39

NRP R. CFR Augusto de


22-Jul-1992 5-Set-1992 Desp. MDN de 05JUL92 12-28-126/166
SHARP APOIO À PAZ ADRIÁTICO EX- IVENS Brito
UEO
VIGILANCE JUGOSLÁVIA NRP B. CTEN Carvalho Resolução CS/713 de
31-Ago-1992 7-Out-1992 10-18-91/119
ANDRADE Abreu 25SET91
Desp. MDN de 09JUL92
MARITIME APOIO À PAZ ADRIÁTICO EX- NATO/ NRP R. CFR Augusto de
5-Set-1992 22-Out-1992 Resolução CS/757 de 12-28-126/166
MONITOR JUGOSLÁVIA SNFL IVENS Brito
30MAI91
Desp. MDN de 09JUL93
APOIO À PAZ ADRIÁTICO EX- NRP S. CFR Serras
SHARP FENCE UEO 20-Fev-1993 6-Abr-1993 Resolução CS/787 de 12-28-126/166
JUGOSLÁVIA CABRAL Simões
16NOV92
NRP CTEN Silva
NATO/UEO 17-Out-1993 22-Dez-93 07-15-32/54
DELFIM Crespo
NATO/UEO/ NRP C. CFR Silva da
6-Jan-1994 22-Mai-1994 18-39-109/166
SNFL REAL Fonseca

NRP V. CFR Vargas de


3-Fev-1995 29-Jul-1995 18-39-109/166
GAMA Matos
APOIO À PAZ ADRIÁTICO EX- Resolução CS/820 de
SHARP GUARD
JUGOSLÁVIA NRP A. CFR Oliveira 17ABR93
5-Jul-1995 17-Dez-1995 18-39-109/166
CABRAL Viegas
NRP CFR Jorge
NATO/UEO 4-Set-1995 20-Out-1995 09-13-48/70
BERRIO Guerra

NATO/UEO/ NRP C. CFR Melo


27-Nov-1995 17-Abr-1996 18-39-109/166
SNFL REAL Gomes

120
INÍCIO FINAL DIRECTIVA / INSTROP / EFECTIVOS
OPERAÇÃO MISSÃO LOCAL ÂMBITO UNIDADES CTE
MISSÃO MISSÃO DOCUMENTO (O-S-P/Tot)
JOINT APOIO LOGÍSTICO
ENDEAVOUR AO CONTINGENTE BÓSNIA NATO BÉRRIO CFR Jorge Guerra Dez-1995 Mai-1996 Res. CS/1031, 01DEZ95
(IFOR) PORTUGUÊS

COLABORAÇÃO NO Port. MDN 652/97 de


MONUA ÂMBITO DO APOIO ANGOLA ONU - - 15-Jun-1997 30-Set-1998 31JUL97 (para UNMO)
SANITÁRIO Resol. CS/1118, de JUN97

CONTROL Port. 946/98, 31NOV


ALLIED ADRIÁTICO NATO /
SURVEILLANCE NRP C. REAL CFR Saldanha Lopes 25-Mai-1999 24-Jun-1999 Port. 392/99, 29MAI
FORCE (Kosovo) SNFL
ADRIATIC Port. 476/99, 29JUN

Res. CS/1088, 12DEZ96


MANUTENÇÃO DA Resol. CS/1031 de DEZ95
SFOR / JOINT 1TEN FZ Barroca
PAZ (Impl. dos BÓSNIA NATO CF 21 31-Jan-2000 11-Ago-2000 Resol. CS/1174 de 15JUN98 TOT: 121
FORGE Constante
Acordos de Dayton) Port. 66/97, de 29 JAN Port.
565/99, de 28JUL

CFR Monteiro
NRP C. REAL 28-Nov-2001 15-Jan-2002
Montenegro
CFR Pereira da Cunha 15-Abr-2002 8-Jul-2002 Port. 726/2002, de 27JUN
NRP V. GAMA
CFR Pereira da Cunha 1-Abr-2003 8-Jun-2003 Port. 500/2004, de 10MAI
ACTIVE COMBATE AO MEDITERRÂNEO NRP A.
NATO CFR Correia Andrade 13-Abr-2004 8-Jun-2004 Port. 778/2005, de 22JUL
ENDEAVOUR TERRORISMO ORIENTAL CABRAL
Port. 384/2006 (2ª série), de
NRP C. REAL CFR Mendes Calado 15-Jun-2005 4-Jul-2005
2FEV
NRP V. GAMA CMG Silvestre Correia 24-Fev-2006 9-Mar-2006
NRP V. GAMA CMG Gouveia e Melo 26-Mai-2008 08-Jun-2008
ACTIVE COMBATE AO
STROG NATO NRP V. GAMA CFR Pereira da Cunha 10-Mar-2003 17-Mar-2003 Port. 292/2003, de 8ABR
ENDEAVOUR TERRORISMO

121
INÍCIO FINAL DIRECTIVA / INSTROP / EFECTIVOS
OPERAÇÃO MISSÃO LOCAL ÂMBITO UNIDADES CTE
MISSÃO MISSÃO DOCUMENTO (O-S-P/Tot)

APOIO
Port. 161/02, 22FEV 1 Enfº Mestre +
ISAF SANITÁRIO À AFEGANISTÃO NATO - - 26-Fev-2002 24-Abr-2002
Res. CS/1386, 20DEZ91 1 Socorrista
POPULAÇÃO
2TEN MN Portaria nº 1226/2005 (2ª
OPERAÇÃO MISSÃO PAQUISTÃO NATO 27-Dez-2005 10-Jan-2006 01 Of (Médica) +
- Filipa série), de 17NOV
PERA HUMANITÁRIA 01 Enfº
Albergaria
SUPPORT UN Port.
CTEN FZ
EUFOR RD MISSION FOR SO TU (DAE / 1078/2006 (2ª Série) de 20 de
R.D. CONGO UE/ONU Fernandes 14-Jul-2006 2-Dez-2006 33 Militares
CONGO ELECTIONS IN PELREC) Junho (D. R. II Série,
Fonseca
RD CONGO 128/05JUL)
1TEN Silva
29-Fev-2008 13-Jun-2008
Barata
1TEN Gama 1 Militar no EM
13-Jun-2008 28-Set-2008 Res. CS/425, 19MAR78
MANUTENÇÃO Franco do Comando da
UNIFIL LÍBANO ONU - Res. CS/426, 19MAR78
DE PAZ CTEN Costa Maritime Task
28-Set-2008 5-Dez-2008 Res. CS/1701, 11AGO06
Cabral Force
CTEN Santos
5-Dez-2008 28-Fev-2009
Jorge
CTEN FZ
Res. CS/1386, 20DEZ01 3 Oficiais e 2
APOIO AO ANA Santos 5-Mai- 2008 Out-2008
Res. CS/1833, 22SET08 Sargentos
(AFGANISTAN Formiga
ISAF - OMLT AFEGANISTÃO NATO -
NATIONAL 3 Oficiais e 2
CTEN FZ Res. CS/1386, 20DEZ01
ARMY) Nov-2008 (em curso) Sargentos e 1
Neves Varela Res. CS/1833, 22SET08
Praça
APOIAR A
CMG
REFORMA NO Port. 740/2008 (DR. II Série, 1 Oficial em
EU-SSR GUINÉ-BISSAU UE - Fernandes Jun-2008 (em curso)
SECTOR DA nº155, 12AGO08) apoio à missão
Carvalho
SEGURANÇA
CHADE/REP. 1 Oficial no QG
EUFOR MISSÃO DE 1TEN Vieira
CENTRO EU - 27-Jul-2008 (em curso) Port. 229/2008, 05MAR da Operação em
TCHAD/RCA ESTABILIZAÇÃO Serra
AFRICANA Paris
Res. CS 1814/2008
EUNAVFOR Res. CS 1816/2008 1 Oficial no
SOMÁLIA E
SOMÁLIA – COMBATE À 1TEN Res. CS 1838/2008 Comando da
GOLFO DE UE - 12-Dez-2008 (em curso)
OPERAÇÃO PIRATARIA Sanches Res. CS 1846/2008 Força
ADEM
ATALANTA Port. 190/2009 (DR. II Série, embarcado
nº28, 10FEV09)

Fontes: EMA – DIV. OPERAÇÕES; Henrique Castanheira, Súmula N.º 91, DGPDN, 2005

122
A PRESENÇA DA MARINHA EM TIMOR

DATA INTEGRAÇÃO DESINTEGRAÇÃO


OPERAÇÃO DOCUMENTO TIPO MISSÃO O.I. FORÇA EFECTIVOS LOCAL
PARTIDA CHEGADA FORÇA DATA LOCAL DATA LOCAL

NRP
Port. 908/99, de IMPOSIÇÃO DA
VASCO Set-99 Mar-00
14OUT PAZ
INTERFET ONU DA GAMA 184 TIMOR
Port. 20/2000, de ESTABILIZAÇÃO NRP H.
Jan-00 Jul-00
25JAN DA PAZ CAPELO
DÍLI RI 15
Res. CS/1272, de CF 22 150 Fev-00 Ago-00 Set-00
LIQUIÇÁ (Tomar)
25OUT99
Port. 59/2000, de MANUTENÇÃO LIQUIÇÁ 2º BIPara/ AMSJ AMSJ
UNTAET ONU CF 23 150 Ago-00 Fev-01 Jul-00 Abr-01
12FEV DA PAZ SAME BAI (Aveiro) (Aveiro)
Port. 458/2001,
RI 14 RI 14
de 8MAI CF 21 151 SAME Fev-01 Out-01 2º BI/BLI Nov-00 Out-01
(Viseu) (Viseu)
MANUTENÇÃO
UNTAET Res. CS/1410, de DA PAZ / SAME Mar-01 QG BLI
ONU CF 22 130 Out-01 Jun-02 1º BI/BLI Jul-02
UNMISET 17MAI02 CONSOLIDAÇÃO LIQUIÇÁ Mai-01 (Coimbra)
DA PAZ
LIQUIÇÁ 2º BIPara/ AMSJ AMSJ
CF 23 150 Jun-02 Jan-03 Fev-02 Fev-03
GLENO BAI/CTAT (Aveiro) (Aveiro)
LIQUIÇÁ STª STª
CF 21 150 GLENO Jan-03 Jul-03 1º BIMEC Nov-02 MARGARI Ago-03 MARGARI
CONSOLIDAÇÃO BAUCAU DA DA
UNMISET ONU
DA PAZ
RI 19 RI 19
CF 22 150 BAUCAU Jul-03 Jan-04 AGR F/BLI Abr-03 Fev-04
(Chaves) (Chaves)
RI 13
CF 23 111 BAUCAU Jan-04 Jun-04 AGR H/BLI Out-03 Jun-04 Coimbra
(Vila Real)

Fonte: EMA – DIV. OPERAÇÕES

123
ANEXO 2: O EXÉRCITO EM MISSÕES DE PAZ
(Loureiro, 2010)

Quadro 1: Empenhamento do Exército em Moçambique37

EFECTIVOS
MISSÃO FORÇA INÍCIO FIM COMANDANTES
O S P TOTAL

QG/ONUMOZ 4 0 0 4 04Abr93 10Out94

04Mai93 29Jul04 TCOR José Castro


ONUMOZ BTm 4 25 138 296 459
30Mai94 22Dec94 TCOR João Leitão

TOTAL 29 138 296 463

Fonte: Secção de Cooperação Militar e Alianças do Gabinete do Chefe de Estado-Maior do Exército


(SCMA/GabCEME)

Quadro 2: Empenhamento do Exército em Angola3878

EFECTIVOS
MISSÃO FORÇAS INÍCIO FIM COMANDANTES
O S P TOTAL

26Mai95 27Dec96 MAJ Joaquim Stone


CTm 5 23 72 96 191
11Dec96 01Jul97 MAJ Carlos Chambel
UNAVEM
28Jul95 08Abr97 MAJ Manuel Prelhaz
III CLog 6 37 77 255 369
08Abr97 30Jun97 MAJ António Leitão

QG/UNAVEM III 18 19 0 37 01Abr95 30Jun97

01Jul97 27Nov97 MAJ Carlos Chambel


CTm 5 16 58 72 146
19Nov97 26Out98 MAJ Ricardo Costa

CLog 6 23 64 188 275 30Jun97 27Jul98 MAJ António Leitão

MONUA 31Ago97 20Abr98 TCOR José Ramos

DSan 7 27 34 43 104 26Abr98 02Ago98 TCOR José Rodrigues

30Jul98 25Set98 TCOR Abílio Gomes

QG/MONUA 8 8 0 16 01Jul97 05Jan99


TOTAL 152 332 654 1138

Fonte: SCMA/GabCEME

37
Não estão contabilizados os militares que fizeram parte da COMIVE, que actuou antes da assinatura do
Acordo Geral de Paz. Nem os militares que integraram a Comissão de Supervisão e Controlo, criada para
garantir a implementação do processo de paz e que tinha na sua dependência as seguintes comissões:
Comissão de Cessar-Fogo, Comissão Conjunta para a Formação das Forças Armadas da Defesa de
Moçambique e Comissão de Reintegração dos Militares Desmobilizados.
38
Não estão contabilizados os militares que integraram a Missão Temporária de Portugal junto das
estruturas do processo de paz em Angola e que participaram nas diversas comissões que dependiam da
Comissão Conjunta Político Militar (CCPM). Os efectivos referentes aos QG incluem os militares da
Polícia do Exército. Na MONUA, a retirada dos militares da Polícia do Exército ocorreu a 05 de Junho de
2000.

124
Quadro 3: Empenhamento do Exército na Bósnia Herzegovina

EFECTIVOS
MISSÃO FORÇA INÍCIO FIM COMANDANTES
O S P TOTAL

2º BIAT 30 105 543 678 29Jan96 12Ago96 TCOR Pedro Ferreira

IFOR QG E DAS 24 35 188 247 16Jan96 20Dec96

3º BIAT 33 109 588 730 12Ago96 20Dec96 TCOR Fernando Saraiva

3º BIAT 23 63 224 310 20Dec96 10Fev97 TCOR Fernando Saraiva

1º BIMoto 29 63 244 336 10Fev97 30Jul97 TCOR Carmelindo Mesquita

2º BIMoto 30 63 230 323 30Jul97 14Jan98 TCOR Artur Monteiro

1º BIAT 36 68 245 349 14Jan98 15Jul98 TCOR Joaquim Cuba

Agr Alfa 34 67 223 324 15Jul98 12Jan99 TCOR Alberto Nunes

3º BIMoto 32 69 225 326 12Jan99 10Jul99 TCOR António Nunes

2º BIPara 30 65 233 328 10Jul99 31Jan00 TCOR António Martins

Agr Conj Alfa 22 47 138 207 31Jan00 29Jul00 TCOR João Moura

2º BIMec 30 68 226 324 29Jul00 28Jan01 TCOR Marco Serronha


SFOR
Agr Echo 30 72 214 316 28Jan01 29Jul01 TCOR António Menezes

1º BIPara 30 62 259 351 29Jul01 29Jan02 TCOR António Martins

2º BIMec 29 58 236 323 29Jan02 30Jul02 TCOR Isidro Pereira

2º BI 29 58 236 323 30Jul02 30Jan03 TCOR Jorge Almeida

MNBG 23 9 3 35 05Jan03 02Dec04

1º BIPara 25 57 195 277 30Jan03 30Jul03 TCOR César Fonseca

Agr Golf 26 57 192 275 30Jul03 24Jan04 TCOR Luís Fonseca

3º BIPara 26 57 193 276 24Jan04 23Jul04 TCOR Jorge Prazeres

2º BIMec 26 57 192 275 23Jul04 02Dec04 TCOR João Duarte


3979
C. PRT (BMI) 26 57 192 275 02Dec04 13Jan05 TCOR João Duarte

QG e Outros 56 26 4 86 02Dec04

C. PRT (BAI) 16 44 125 185 13Jan05 30Jun05 TCOR Carlos Pereira


EUFOR
C. PRT (BrigInt) 22 45 128 195 30Jun05 15Jan06 TCOR Carlos Moreno

C. PRT (BrigMec) 23 45 129 197 15Jan06 22Jul06 TCOR Rui Ferreira

1º BI/BrigInt 17 40 115 172 22Jul06 24Mar07 TCOR Joaquim Sabino

TOTAL 757 1556 5720 8043

Fonte: SCMA/GabCEME

39
Componente portuguesa.

125
Quadro 4: Empenhamento do Exército no Kosovo

EFECTIVOS
MISSÃO FORÇA INÍCIO FIM COMANDANTES
O S P TOTAL

QG e Outros 55 22 6 83 07Jul99

DOE 8 27 17 52 07Jul99 16Ago01

Agr Bravo 32 75 197 304 09Ago99 11Fev00 TCOR José Calçada

Agr Charlie 31 72 193 296 11Fev00 11Ago00 TCOR António Teixeira

Agr Delta 32 74 192 298 11Ago00 31Mai01 TCOR José Banazol

2º BI 30 57 212 299 16Fev05 16Set05 TCOR Carlos Beleza

KFOR BIPara 30 57 212 299 16Set05 16Mar02 TCOR José Sobreira

1º BIMec 36 67 197 300 16Mar06 19Set06 TCOR Eduardo Ferrão

1º BIPara 31 57 212 300 19Set06 22Mar07 TCOR Álvaro Silva

2ºBIMec 29 56 204 289 22Mar07 22Set07 TCOR Paulo Pereira

2BI 29 56 205 290 22Set07 19Mar08 TCOR João Magalhães

1BIPara 29 56 205 290 19Mar08 25Set08 TCOR Paulo Pedro

Agr Mike 29 56 205 290 25Set08 TCOR Jocelino Rodrigues


TOTAL 401 732 2257 3390

Fonte: SCMA/GabCEME

Quadro 5: Empenhamento do Exército em Timor-Leste

EFECTIVOS
MISSÃO FORÇA INÍCIO FIM COMANDANTES
O S P TOTAL

QG e Outros 66 34 27 127 14Fev00 20Mai02

1º BIPara 41 97 415 553 14Fev00 14Ago00 TCOR José Simões

UNTAET 2º BIPara 41 102 408 551 14Ago00 21Fev01 TCOR João Marquilhas

2º BI 46 122 529 697 21Fev01 08Out01 TCOR Fernando Figueiredo

1º BI 45 113 553 711 08Out01 08Jun02 TCOR José Sousa

QG e Outros 23 8 5 36 20Mai02 20Mai05

2º BIPara 37 84 374 495 08Jun02 23Jan03 TCOR Nuno Silva

UNMISET 1º BIMec 35 82 374 491 23Jan03 23Jul03 TCOR Eugénio Henriques

Agr Foxtrot 36 83 373 492 23Jul03 25Jan04 TCOR Artur Brás

Agr Hotel 32 78 273 383 24Jan04 11Jun04 TCOR Francisco Sousa

TOTAL 402 803 3331 4536

Fonte: SCMA/GabCEME

126
Quadro 6: Empenhamento do Exército no Afeganistão

EFECTIVOS
MISSÃO FORÇA INÍCIO FIM COMANDANTES
O S P TOTAL

QG e Outros 11 6 1 18 27Fev02

ISAF VIII CCmds 14 44 99 157 10Ago05 18Fev06 TCOR Luís Moreira

CCmds 14 44 99 157 18Fev06 28Ago06 TCOR Pedro Soares

ISAF IX 2º BIPara 13 36 100 149 28Ago06 28Fev07 TCOR Paulo Pedro

2CCmds 12 41 97 150 28Fev07 28Ago07 TCOR Paulo Pereira


ISAF X
22ªCAt/2ºBIPara 13 37 100 150 28Ago07 28Fev08 TCOR David Correia

ISAF XI 1CCmds 12 41 97 150 28Fev08 13Ago08 TCOR Carlos Bartolomeu

TOTAL 89 249 593 931

Fonte: SCMA/GabCEME

Quadro 7: Empenhamento do Exército no Líbano

EFECTIVOS
MISSÃO FORÇA INÍCIO FIM COMANDANTES
O S P TOTAL

QG e Outros 4 2 - 6 24Nov06

CEng/BrigMec 12 37 92 141 25Nov06 25Mai07 TCOR Firme Gaspar

CEng/RE 1 12 37 92 141 25Mai07 27Nov07 TCOR José Santos

UNIFIL UnEng 3 12 37 92 141 27Nov07 29Mai08 TCOR Manuel Carvalho

UnEng 4 12 36 92 140 29Mai08 29Nov08 TCOR Jorge Caetano

UnEng 5 12 36 92 140 29Nov08 TCOR António Pereira

TOTAL 64 185 460 709

Fonte: SCMA/GabCEME

127
QUADRO 8: QUADRO RESUMO DE OUTRAS ACTIVIDADES OPERACIONAIS

MISSÃO LOCAL ACTIVIDADE EFECTIVO INÍCIO FIM

80
APOIO À FORMAÇÃO E INSTRUÇÃO40

ONUCI Costa do Marfim Ministrar instrução a Quadros 1 19Mar04 17Abr04

ONUB Moçambique Ministrar instrução a Quadros 1 14Jun04 18Jun04

NTM-I Iraque Apoio em treino e assistência técnica 57 26Fev05

AMIS-II Sudão Planeamento e Operações Logísticas 1 27Jul05 30Nov06

4181
ISAF XI Afeganistão Apoio a treino e mentoring 32 05Mai08

OPERAÇÕES DE RECOLHA DE CIDADÃOS NACIONAIS

FORREZ Zaire Apoio à recolha de cidadãos 37 06Mai97 30Mai97

FORREC R. D. Congo Apoio à recolha de cidadãos 10 19Ago98 01Set98

FORREG Guiné-Bissau Recolha de cidadãos 66 08Jun98 19Jun98

RI 15 Guiné-Bissau Recolha de cidadãos 19 10Fev99 10Fev99

OUTRAS PARTICIPAÇÕES

AFOR Albânia Apoio aos refugiados kosovares 5 12Abr99 03Set99

EUROFOR Albânia Responsável por operações OTAN na Albânia 11 01Nov00 02Abr01

4282
FPA RD Congo Estabilizar as condições de segurança 2 21Jul03 25Set03

TF Harvest Macedónia Colaborar em acções de desarmamento 5 27Ago01 03Out01

TF Fox Macedónia Garantir protecção aos observadores internacionais 18 12Out01 17Dec02

Allied Harmony Macedónia Garantir protecção aos observadores internacionais 6 17Dec02 31Mar03

EUROFOR Macedónia Garantir protecção aos observadores internacionais 20 31Mar03 15Dec03

TOTAL 291

Fonte: SCMA/GabCEME

40
Não directamente relacionada com os projectos de cooperação.
41
O mentoring designa as actividades desenvolvidas por uma pessoa (o mentor) em proveito de outra (o
mentee) de forma a ajudar este a executar o seu trabalho de uma forma mais eficiente ou a progredir na
sua carreira. O mentor deverá ser experiente no tipo de situações em que vai influenciar o seu mentee,
podendo usar várias ferramentas para o conseguir como sejam o treino, a discussão, o aconselhamento
etc.
42
Força Provisória de Assistência.

128
ANEXO C: A FORÇA AÉREA PORTUGUESA EM MISSÕES DE PAZ
(Durães e Eugénio, 2010)

DESIGNAÇÃO TIPO LOCAL TO PERÍODO ANO COMANDO AERONAVE PESSOAL RESULTADOS

Participação na Detecção Aérea E-3A


Geilenkirshen, Alemanha 1984- 1984 - OTAN 21 Militares -
NAEWF Antecipada (NATO)
Rep. Dem. S. Tomé e
Ponte Aérea Ajuda Humanitária - 1987 Portugal C-130 60 Militares 104.878 kg CARGA
Príncipe (RDSTP)
C-212 Tripulação de 4
Ajuda a Marrocos Transporte Especial Marrocos 17Nov1987 1987 Portugal -
Aviocar militares

Cooperação (Transporte, 2942 Missões, incluindo


Apoio a São Tomé e Busca e Salvamento, Nov1988- C-212 261 evacuações, num
São Tomé 1988-2008 Portugal 7 Militares
Príncipe Ligação, Evacuação Fev2008 Aviocar total de 1440 doentes.
Sanitária) 45834 Passageiros.

18Jan1990- 618 Passageiros e


Ajuda a Cabo Verde Transporte de VIPs Cabo Verde 1990 Portugal C-130 23 Militares
30Jan1990 125.254 kg de carga.
Apoio a São Tomé e Cooperação com São
São Tomé Jan90 1990 Portugal C-130 - -
Príncipe Tomé e Príncipe
Transporte de 16Fev90-
- Golfo Pérsico 1990 Portugal C-130 - -
Refugiados 23Fev90
Apoio a São Tomé e 27Jev90-
Transporte São Tomé e Príncipe 1990 Portugal C-130 - -
Príncipe 30Jun90
Apoio ao Egipto 14 Militares (duas
22Set1990- 121 Toneladas e 2794
(Operação Desert Evacuação de Refugiados Egipto e Jordânia 1991 Portugal C-130 tripulações, incluindo
07Out1990 refugiados
Shield) manutenção)
Operação Desert Transporte de Refugiados 21Nov90-
Iraque 1990 Portugal C-130 - -
Shield e Material 28Nov90
Cooperação com a
03Dez00-
Apoio a Angola República Popular de Angola 1990 Portugal C-130 - -
08Dez90
Angola
16Jan91-
Operação Desert Storm - Iraque 1991 Coligação C-130 - -
23Fev91

129
Operação Provide Turquia e Norte do 41.676 kg CARGA, 96
Ajuda Humanitária ABR-JUL 1991 ONU C-130 -
Confort Iraque PAXS
22JUN91-
Apoio a Angola Transporte Angola 1991 Portugal C-130 - -
26JUN91
5 elementos do Corpo
Resgate cidadãos Ex-Zaire (actual 173.400 kg CARGA,
Operação Blue Beam SET-OUT 1991 Coligação C-130 de Tropas Pára-
europeus R.D.Congo) 1.680 PAXS
quedistas
Busca ao Navio
Busca e Salvamento Cabo-Verde - 1991 Portugal P-3P - -
Mercante Bolama
01SET91-
Apoio a Angola Transporte de Material Angola 1991 Portugal C-130 - -
06SET91
08SET91-
Apoio a Moçambique Transporte Moçambique 1991 Portugal C-130 - -
15SET91
25SET91-
Apoio a Moçambique Transporte Moçambique 1991 Portugal C-130 - -
13OUT91
07FEV92-
Operação Esperança Ajuda Humanitária Moscovo 1992 Portugal C-130 - -
13FEV92
06ABR92-
Resgate de Nacionais Transporte Mali 1992 Portugal C-130 - -
07ABR92
1992 e 103.090 kg CARGA, 263
- Ajuda Humanitária Ex-Jugoslávia - Portugal C-130 -
1993 PAXS
07SET92-
Apoio a Moçambique Transporte Moçambique 1992 Portugal C-130 - -
12SET 92
09OUT92-
Apoio a Moçambique Transporte Moçambique 1992 Portugal C-130 - -
19OUT92
Ajuda Humanitária (Apoio e
30OUT92 A 501.875 kg CARGA,
Operação Resgate resgate de cidadãos Angola 1992 Portugal C-130 -
16NOV92 6.212 PAXS
nacionais)
Controle do Mar
Operações Maritime 28JUL92-
("Enforcement of Adriático 1992 OTAN P-3P - -
Monitor 22NOV92
Sanctions")

130
Controle do Mar
Operação Maritime 23NOV92- 1992 e
("Enforcement of Adriático OTAN P-3P - -
Guard 15JUN93 1993
Embargo")
Maj PILAV Samuel
Acordos CFE - Controle de Armamento Cóias, Maj PILAV
Roménia 17-20OUT 1992 OSCE - -
Roménia Europa de Leste Carlos Gromicho e Cap
PIL José Azevedo
Controle do Mar
("Enforcement of
16JUN93- 1993, 1994
Operação Sharp Guard Sanctions" "Embargo" e Adriático OTAN P-3P - -
DEZ95 e 1995
"Bloqueio Naval ao
Montenegro")
1993, 1994
Apoio Transporte Bósnia - Portugal C-130 - -
e 1995
29JAN93-
Resgate de Nacionais Transporte Congo 1993 Portugal C-130 - -
03FEV93
1 Militar (Cap TODCI
1993 e
- UNPROFOR Ex-Jugoslávia JAN93-JAN94 ONU - Raúl Manuel Simões -
1994
Dias)
07ABR93-
Apoio a Angola Transporte Angola 1993 Portugal C-130 - -
18ABR93
19ABR93-
Apoio a Angola Transporte Angola 1993 Portugal C-130 - -
21ABR93
1993 e
Apoio a França Transporte Bósnia - Portugal C-130 - -
1994
23JUN93-
Apoio a Angola Transporte Angola 1993 Portugal C-130 - -
26JUN93
26JUN93-
Apoio a Angola Transporte Angola 1993 Portugal C-130 - -
05JUL93
21 Passageiros cabo-
22OUT93- verdianos, 100
- Evacuação sanitária Angola 1993 Portugal C-130 -
26OUT93 portugueses e 2
brasileiros

131
Apoio a Angola Transporte Angola NOV-93 1993 Portugal C-130 - -
01FEV94-
Apoio à Guiné-Bissau Transporte Guiné-Bissau 1994 Portugal C-130 - -
03FEV94
Apoio ao
31MAR94-
Destacamento Transporte Moçambique 1994 Portugal C-130 - -
12ABR94
Português
Apoio a São Tomé e 06ABR94-
Transporte São Tomé 1994 Portugal C-130 - -
Príncipe 12ABR94
08JUL94-
Apoio à Guiné-Bissau Transporte Guiné-Bissau 1994 Portugal C-130 - -
20JUL94
Operação Turquesa Ajuda Humanitária Ruanda 21JUL-06AGO 1994 França C-130 13 militares 144,5 Toneladas
06DEZ94- C-212
Apoio à Guiné-Bissau Transporte Guiné-Bissau 1994 Portugal - -
07DEZ94 Aviocar
11ABR95-
Apoio a Cabo Verde Transporte Cabo Verde 1995 Portugal C-130 - -
12ABR95
Operação Decisive DEZ95- 1995 e 72 Militares (Tripulação
Mostrar Presença Adriático OTAN P-3P 50 Pessoas salvas
Enhancement 01FEV96 1996 e Manutenção)
891.000 KG CARGA,
IFOR Apoio Logístico Bósnia-Herzegovina - 1996 Portugal C-130 -
4.449 PAXS
2.908.545 KG CARGA,
SFOR Apoio Logístico Bósnia-Herzegovina - 1997-2003 Portugal C-130 -
12.355 PAXS
Apoio à IFOR 246 Guiamentos diurnos
Operação Joint 08MAR96-
Unidade de Controlo Bósnia-Herzegovina 1996 OTAN - 24 Militares (3x8) e nocturnos (incluindo 3
Endeavour 24DEZ96
Aerotáctico (TACP) Air Presence reais).
UNAVEM III - Angola - 1996 ONU - 4 Oficiais -
Operação Decisive Bósnia-Herzegovina e 15JAN1996 (4 C-212 79 Passageiros e 1100
Apoio aero-transportado 1996 OTAN 5 Militares
Endeavour Croácia Meses) Aviocar Kg de carga.
- Evacuação sanitária Sarajevo JUL-96 1996 Portugal Falcon 50 3 Militares 2 Doentes
Apoio a Angola Transporte Angola 04JUL97 1997 Portugal C-130 - -
11JUN97-
Operação Alba Ajuda Humanitária Albânia 1997 Portugal C-130 - -
06JUL97

132
Operação Deliberate Apoio à SFOR, Apoio
Bósnia-Herzegovina 01-DEZ-97 1997 OTAN F-16 - -
Guard Aéreo Próximo
Apoio à Guiné-Bissau Transporte Guiné-Bissau 22-DEZ-97 1997 Portugal C-130 - -
Evacuação de Cidadãos 06ABR98-
Operação FOREZ Zaire 1998 Portugal C-130 - -
Nacionais 28ABR98
Evacuação de cidadãos
nacionais e estrangeiros,
Movimento da retaguarda
Operação Falcão para o TO do Comando e Dakar, Cabo Verde e 08JUN1998- 2035 Passageiros; 213
1998 Portugal C-130 -
(FORREG) Estado-Maior da Força e Guiné-Bissau 25JUL1998 toneladas de carga.
da Componente Terrestre,
Transporte Logístico, Ajuda
Humanitária.
Operação Falcão 26JUN98-
Controle do Mar Guiné-Bissau 1998 Portugal P-3P - -
(FORREG) 03JUL98
Operação Falcão 28JUN98-
Transporte de VIPs Cap Skirring (Senegal) 1998 Portugal Falcon 50 - -
(FORREG) 29JUN98
1999 a 541.273 KG CARGA,
KFOR Apoio Logístico Kosovo Portugal C-130 -
2002 4.074 PAXS
58 Militares (8 pilotos e
13OUT1998- 1998 a
Operação Allied Force - Sérvia OTAN F-16 50 manutenção) por -
28JUN1999 1999
destacamento
03FEV99-
Operação "Pré-Tarrafo" Pré-posicionamento Cabo-Verde 1999 Portugal P-3P - -
14FEV99
192 Missões de treino
operacional de Apoio
Unidade de Controlo 08JUL99- 1999 a
Apoio à KFOR Kosovo OTAN - 40 Militares (14x7) Aéreo Próximo, 370
Aerotáctico (TACP) 31JAN02 2002
guiamentos diurnos e
nocturnos.
20AGO99-
Apoio à Turquia Transporte Turquia 1999 Portugal C-130 - -
23AGO99

133
892 Passageiros e 105
01FEV2000-
UNTAET Apoio à UNTAET/PKF Timor-Leste e Austrália 2000 ONU C-130 24 Militares toneladas de carga (até
20JUN00
04ABR2000).
Transporte VIP, Transporte
Táctico, Evacuação
Médica, Evacuação Aérea 7FEV2000- 37.800 kg, 11671
UNTAET/UNMISET/PO 2000, 2001
em Zona de Combate, Timor-Leste 31JUL2002 ONU ALIII Equipas de 31 militares passageiros, 19 doentes
RAVN e 2002
Transporte Geral, Busca e (?) e ou feridos
Salvamento, Observação e
Monitorização de Fogos
05MAR00- 459.565 KG CARGA,
Operação Save Ajuda Humanitária Moçambique 2000 Portugal C-130 -
05ABR00 403 PAXS
Apoio à ISAF Apoio à ISAF Afeganistão 26FEV-23ABR 2002 OTAN - 3 Militares FAP -
16 Militares (7
244.829 KG CARGA,
Operação FINGAL Apoio à ISAF Afeganistão 07ABR-??JUL 2002 OTAN C-130 Tripulantes e 9 de
183 PAXS
Manutenção)
Operação "Active 2003 a
Controle do Mar Mar Mediterrâneo 2003 a 2008 OTAN P-3P - -
Endeavour" 2008
Operação Distante Cooperação (Vigilância Águas de Cabo Verde e 01JUL03- 24 (15 Tripulação e 9
2003 Portugal P-3P -
Vimar Marítima) São Tomé e Príncipe 08JUL03 Manutenção)
79.300 kg CARGA, 222
Apoio ao Irão Ajuda Humanitária Irão DEZ 2003 Portugal C-130 -
PAXS
33 Elementos do SNBPC
Apoio às vítimas do e da GNR com cães e
Ajuda Humanitária Marrocos 25FEV 2004 Portugal C-130 -
sismo em Al Hoceima seis toneladas de carga
diversa
Apoio às vítimas do
Ajuda Humanitária Marrocos 27FEV 2004 Portugal C-130 - 4 Elementos do INEM
sismo em Al Hoceima
122.883 kg CARGA,
- Apoio Logístico Iraque (Talil) MAR-NOV 2004 Portugal C-130 -
1.722 PAXS
10 Militares OPCART,
Apoio à ISAF Apoio à ISAF Afeganistão 26MAI- 2004 OTAN - -
OPSAS e OPMET

134
Operação Distante Cooperação (Vigilância Águas de Cabo Verde e 26MAI - 24 (15 Tripulação e 9
2004 Portugal P-3P -
Vimar Marítima) Guiné-Bissau 02JUN Manutenção)
Tripulação 7 elementos
por voo, 5 apoios de
Peace Enforcement (UN manutenção, 2 837.040 kg CARGA,
ISAF Afeganistão 19JUL-03JUL 2004-2005 OTAN C-130
Chapter VII) informações/operações, 8.593 PAXS
1 HQ - ALCC, 1 Cmdt.
do destacamento
Open Skies Vigilância Rússia 19MAI-31MAI 2005 OSCE C-130 -
Open Skies Vigilância Rússia 19MAI-31MAI 2005 OSCE C-130 -
01AGO-
ISAF Comando do KAIA (ISAF) Afeganistão 2005 OTAN - 33 Militares FAP -
01DEZ
52 Militares (rotações
de 3 a 4 meses de 7 Cerca de 1000 controlos
JUL
Peace elementos com 2 FACs tácticos e formação de
ISAF Afeganistão 2005/AGO 2005-2008 Coligação -
Enforcement/KEAPING 2OP. COMs, 2OP cerca de 100 elementos
2008
sistemas e 1 MEC pelo TACP português
RADIO)
Apoio à ISAF Apoio à ISAF Afeganistão 11DEZ-ABR 2005-2006 OTAN - 8 Militares -
Apoio à Argélia Ajuda Humanitária Argélia FEV 2006 ACNUR C-130 - 8.800 kg CARGA
Tripulação: 7 Apoios de
manutenção:
7, informações/
EUFOR, República Peace Enforcement (UN 15JUL - operações: 341.230 kg CARGA;
R.D. Congo 2006 EUFOR C-130
Democrática do Congo Chapter VII) 30NOV 2, UNITREP no JFACC: 1319 PAXS
1, NSE:
1 DAE: aprox. 25
fuzileiros
Ajuda Humanitária e 1 Tripulação (7
World Food Program Líbano JUL - AGO 2006 ONU C-130 92.035 kg, 122 Pax
resgate de europeus elementos)
16-18 Abril
ISAF Apoio à ISAF Afeganistão 2007 OTAN Falcon 50 1 Tripulação TPT 1 DOE
2007

135
27-29 Agosto
ISAF Apoio à ISAF Afeganistão 2007 OTAN Falcon 50 1 tripulação TPT 1 DOE
2007
Operação "NAUTILUS
Imigração Ilegal Mar Mediterrâneo 17 a 23 SET 2007 EU P-3P - -
2007"
Cerca de 72 Militares,
incluindo todos os
pilotos de ambas as
Baltic Air Policing Vigilância Lituânia 01Nov-15Dez 2007 OTAN F-16 -
Esquadras + 6
controladores de
defesa aérea
25-26
ISAF Apoio à ISAF Afeganistão Novembro 2007 OTAN Falcon 50 1 Tripulação TPT 1 militar falecido
2007
29 Militares x 2
rotações (8 tripulantes
+ 8 apoios de
manutenção + 2
Destacamento e
EUFOR - Tchad Chade 16MAR-18MAI 2008 EUFOR C-130 operações + 2 FP + 3 377.000 Kg;1024 Pax
sustentação forças EUFOR
CIS + 1 PIO + 1
DETCOM + 1 UNIT
REP + 1 LOG OF + 2
APOIO MÉDICO
40 Militares em cada 60 Acções aéreas no
ISAF Peace Enforcement Afeganistão AGO-DEZ 2008 OTAN C-130 um dos três JOA; 282.060; kg 3.127
destacamentos Pax; 1 DOE

136
ANEXO D: A POLÍCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA EM MISSÕES DE PAZ
(Elias, 2010)

POSTO
ANO PAÍS ORGANIZAÇÃO MISSÃO TOTAL
OFICIAL CHEFE AGENTE

1995- Bósnia ONU UNMIBH / IPTF 19 123 122 264


2002
1992-
Bósnia ONU UNPROFOR 8 124 26 158
1995
1994-
Bósnia UEO MOSTAR 4 16 2 22
1996
2003-
Bósnia U.E. EUPM 3 6 10 19
2006
1997-
Albânia UEO MAPE 6 5 11
2001
1998-
Croácia OSCE OSCE 1 6 7
2004
1999 Kosovo OSCE OSCE 1 11 3 15
1999 Kosovo OSCE VIENA 1 1
1999-
Kosovo ONU UNMIK 5 31 35 71
2006
2008- Kosovo U.E. EULEX 1 13 14
1999-
Kosovo OSCE ACADEMIA 1 2 3
2004
1999 Jugoslávia OSCE 2 2
1999-
Macedónia OSCE OSCE 1 1
2003
2003-
Macedónia U.E. EUPOL / PROXIMA 1 1 2
2005
1995 Bósnia OSCE ELEIÇÕES 4 5 9
1995 Bósnia ONU ELEIÇÕES 2 2
2001-
Congo ONU MONUC 1 5 6
2004
2005-
Congo U.E. 6 5 11
2008
1998-
Guatemala ONU MINUGUA 3 2 5
2002
2004-
Haiti ONU MINUSTAH 1 1
2005
1994 Moçambique ONU UNMOZ 8 20 32 60
1997-
Sahara Ocidental ONU MINURSO 5 7 6 18
2002
2006-
Serra Leoa ONU UNIOSIL 3 1 4
2008
1998- Rep. Centro-
ONU MINURCA 1 1 2
2000 Africana
Chade / Rep.
2008 ONU 6 2 10 18
Centro Africana
1999- UNTAET /UNMISET /
Timor-Leste ONU 16 52 55 123
2009 UNOTIL/UNMIT
105 430 314 849

137
ANEXO E: A GUARDA NACIONAL REPUBLICANA EM MISSÕES DE PAZ
(Cruz, 2010)

Observadores de Polícia
EFECTIVOS MILITARES TOTAL
ORGANIZAÇÃO PAÍS OPERAÇÃO ANO
OFICIAIS SARGENTOS
UEO Roménia DANÚBIO 1995 1 0 1

UNAVEM 1995-1996 31 0 31
Angola
MONUA 1997-1999 62 31 93
13 – 29
UNTAET 2 0 2
JAN 2000
Timor UNMISET 2002-2003 3 8 11

UNOTIL 2003-2006 1 0 1
ONU
Libéria UNMIL 2004- 2005 2 0 2

Haiti MINUSTAH 2004- 2005 3 1 4

Costa do Marfim UNOCI 2004- 2005 1 1 2


República
Democrática do MONUC 2003 0 2 2
Congo
OSCE Macedónia SKOPJE 2002-2003 2 0 2
República
Democrática do KINSHASA 2005-2006 2 0 2
Congo
Macedónia PRÓXIMA 2005 1 0 1
(EUBAM)
UE Faixa de Gaza 2005- 2007 1 2 3
RAFAH
Bósnia
EUPM 2007-2008 2 0 2
Herzegovina
Palestina EUCOPPS 2007-2008 1 0 1

Kosovo EULUX 2008- 2009 1 0 1

116 45 161

Stability Police Unit

EFECTIVOS MILITARES
ORGANIZAÇÃO PAÍS OPERAÇÃO DATA TOTAL
OF SARG PRAÇ
ONU Timor-Leste UNTAET MAR00- JUN02 19 35 246 300

COLIGAÇÃO Antiga
Iraque NOV03-FEV05 21 42 341 404
Ad hoc Babilónia
ACORDO
LAFAEK JUN06 – AGO06
BILATERAL Timor-Leste 34 82 652 768
ONU UNMIT AGO06 – EM CURSO
Bósnia
União Europeia Missão Althea FEV08 – EM CURSO 10 17 49 76
Herzegovinia
84 176 1288 1548

138
ANEXO F: O ENVOLVIMENTO DE PORTUGAL EM MISSÕES DE OBSERVAÇÃO (ATÉ NOVEMBRO DE 2008)4383
(Carriço, 2010)

ORGANIZAÇÃO PERMANÊNCIA DE
DESIGNAÇÃO DA EFECTIVOS TOTAIS 84
INTERNACIONAL TIPO DE MISSÃO LOCAL OBSERVADORES CUSTOS44
MISSÃO EMPENHADOS
RESPONSÁVEL (INÍCIO-FIM)

UNOGIL ONU Supervisão de processo eleitoral Líbano 11Jun58-9Dez58 5

UNTAG ONU Supervisão de processo eleitoral Namíbia 22Out89-11Nov89 3

ONUMOZ ONU 19Dez90-4Out92 9


Apoio ao processo de paz e
4Abr93-20Out94 6
supervisão de processo eleitoral Moçambique
EUMOZ UE 11Jun04-20Jun04 2
4
UNAVEM II 23Set92-26Set92
Observação de cumprimento de 1Mai95-30Jun97
8
UNAVEM III Acordos, supervisão de processo Angola 1Jul97-7Jun99
5
ONU eleitoral e estabilização regional 10Jan97-10Fev99
4
MONUA 7Mai02-1Out02
5 (2 pertencem à FAP)

UNOMSA ONU Supervisão de processo eleitoral África do Sul 15Abr94-30Abr94 5

31Mar95-25Set01 5
UNMOP ONU Monitorização de desmilitarização Croácia (Prevlaka)
15Jul02-16Fev04 2

Missão preventiva de conflitos


UNPREDEP ONU Macedónia 3Jan96-17Mar99 3
étnicos

ONUB ONU Treino de observadores militares Burundi 14Jun04- … 4

43
Para um breve enquadramento ao nível do Direito Internacional sobre cada uma destas operações veja-se Estado-Maior do Exército. 2005. O Exército Português nos Caminhos da Paz: 1989-
2005. Lisboa, pp. 98-161. Os organismos oficiais não dispõem de dados referentes ao número de observadores oriundos da FAP. Os dados recolhidos resultaram de pesquisas efectuadas com
base no conhecimento pessoal.
44
Só se referem os custos em que os observadores não foram inseridos para efeitos contabilísticos com outras forças nacionais em missão no mesmo teatro de operações.

139
UNOCI ONU Treino de observadores militares Costa do Marfim 19Mar04-17Abr04 1

UNMIL ONU Treino de observadores militares Libéria 15Out03-15Nov03 1

ECMM/EUMM 1Jul91-17Set01
CE (Comunidade Monitorização de Acordo entre as 25
Europeia/União Europeia) partes

CE e ONU
ICFY 26Set94-4Dez94
Monitorização de Acordo entre as 1
partes
ONU
UNPROFOR 1Jul91-11Ago96
Protecção a populações de étnias 35
Ex-Jugoslávia
minoritárias
8Jan93-5Jan96
Monitorização de aeroportos 6 (pertencem à FAP)
ONU Monitorização de Acordo 5
UNCRO 31Mar95-15Jan96
Ano de 1997-
43.415
Ano de 1998 –
23 (dos quais 2 Chefes
53.000
Observação do cumprimento de dos Observadores
Ano de 1999 –
MINURSO ONU Acordo de cessar-fogo entre as Sahara Ocidental 9Abr96-15Fev01 Militares entre 9 de Abril
20.246
partes, preparação de referendo de 1996 e 1de Setembro
Ano de 2000 –
de 1997)
25.657
Ano de 2001 –
4585
18.771
Observação do cumprimento de
OSCE (Croácia) OSCE Croácia 15Jul02-16Fev04 1
Acordo entre as partes

Observação do cumprimento de
OSCE (Georgia) OSCE Geórgia Mai04-Nov04 1
Acordo entre as partes

Observação do cumprimento de
UNMIK ONU Kosovo 17Jul05-… 8
Acordo entre as partes

45
Ministério da Defesa Nacional; (1997, 1998, 1999, 2000, 2001); Anuário Estatístico da Defesa Nacional; respectivamente pg. 50, 48, 49, 54, e 59.

140
9 (dos quais 3 Chefes
UNMISET Observação do cumprimento de dos Observadores
20Mai02-20Out05
Acordo entre as partes Militares da UNMISET
entre 9 de Julho de 2002
ONU e 1 de Maio de 2004, e
Timor-Leste
um da FAP)

UNOTIL Apoio ao nation-building


12Jun05-…
6

Observação do cumprimento de
AMIS II ONU Sudão 27Jul05-… 4
Acordo entre as partes

Observação do cumprimento de
TASK FORCE
Acordo entre as partes e Macedónia Out01-Out02 6
AMBER FOX OTAN
estabilização regional

Observação do cumprimento de
ALLIED HARMONY Acordo entre as partes e Macedónia Out02-Out03 6
OTAN
estabilização regional

Apoio à organização e supervisão de República Democrática


EUSEC 1Ago05-… 4
UE processo eleitoral do Congo

Fontes: Caixas 1, 3 e 5 do Arquivo da Secção de Cooperação do GABCEME do Estado-Maior do Exército. Comando Operacional de Forças Terrestre

141
POLÍTICA EXTERNA E POLÍTICA DE DEFESA NO BRASIL: CIVIS E MILITARES, PRIORIDADES
E A PARTICIPAÇÃO EM MISSÕES DE PAZ

ANTONIO JORGE RAMALHO DA ROCHA


UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

Resumo: O artigo discute a participação dos militares na política brasileira, particularmente


em decisões de política externa que lhes dizem respeito, como é o caso da participação em
operações de paz. O ordenamento constitucional brasileiro provê adequado arcabouço
institucional e normativo, mas os processos políticos ainda não produziram o tipo de relação
que se espera encontrar entre civis e militares em uma democracia contemporânea. Este
artigo examina o assunto e aponta questões relevantes para se decidir sobre a inserção
internacional do Brasil, especialmente quando se tenha que deliberar sobre o emprego de
tropas em missões de paz. Para este efeito analisa a política externa brasileira que
enquadrou a decisão de participar da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do
Haiti – MINUSTAH.
Palavras-chave: operações de paz, Brasil, política externa, relação civil-militar, MINUSTAH

Em que medida civis e militares coordenam suas decisões sobre a inserção internacional
do Brasil? Que visão de longo prazo tem o Ministério da Defesa (MD) sobre a projeção de
influência do Brasil no cenário internacional? Que papel se reserva aos militares neste
esforço de projeção de influência? Que tipo de atuação se espera dos militares e que
grau de autonomia se lhes deve assegurar para definir possíveis missões? Qual é o grau
de articulação entre o MD e o Ministério das Relações Exteriores (MRE) no que
concerne, por exemplo, à decisão de participar de missões de paz?
Essas questões permeiam o argumento deste texto, que discute a participação dos
militares na política brasileira, particularmente em decisões de política externa que lhes
dizem respeito, como é o caso da participação em operações de paz. A relevância do
assunto é evidente. Ainda há muito a fazer no que diz respeito à afirmação da autoridade
civil no MD, que ainda não se estabeleceu como requerem as condições atuais de um

142
país marcado por histórica instabilidade institucional e peculiar participação dos militares
na política.
O ordenamento constitucional brasileiro provê adequado arcabouço institucional e
normativo, mas os processos políticos ainda não produziram o tipo de relação que se
espera encontrar entre civis e militares em uma democracia contemporânea. A sociedade
brasileira ainda precisa responder à pergunta recentemente formulada pelo atual Ministro
da Defesa: “o que quer o Brasil de suas Forças Armadas?” 1
Este artigo examina o assunto e aponta questões relevantes para se decidir sobre a
inserção internacional do Brasil, especialmente quando se tenha que deliberar sobre o
emprego de tropas em missões de paz. O texto divide-se em três partes. A primeira
analisa, em linhas gerais, o contexto em que se dá a participação militar na política
contemporânea, do ponto de vista das missões que lhe cabem. A segunda refere-se a
aspectos conceituais e históricos da participação dos militares na política nacional e
salienta a relevância de os civis compreenderem valores típicos da formação militar,
requisito para sua interação eficaz com os militares. Na terceira, expõe-se o argumento
da política externa brasileira que enquadrou a decisão de participar da Missão das
Nações Unidas para a Estabilização do Haiti – MINUSTAH, de óbvia importância para a
atual inserção internacional do Brasil. Objetiva-se, aqui, instar os militares a refletir sobre
os princípios que orientam essa ação política. Curiosamente, o discurso oficial, que a
justifica e busca dela extrair benefícios, não salienta o aspecto militar, embora do bom
desempenho das tropas dependa o sucesso da atuação brasileira no Haiti.

DE CIVIS E MILITARES NO CONTEXTO POLÍTICO CONTEMPORÂNEO


Há várias histórias de militares na política brasileira. Marcadas por elementos factuais
comuns, por assim dizer, pontos de intersecção de relatos do que aconteceu, essas
interpretações do fenômeno usualmente diferem entre si. As histórias que contamos, dizia
Coleridge, não se fazem propriamente de fatos reais, mas de eventos com respeito aos
quais se “suspende a descrença”. A história a seguir argumenta convir à sociedade
brasileira que seus civis e militares se conheçam melhor. E, porque carecemos de
informações sobre os militares, enfatiza três valores fundamentais da corporação, a que
os civis devem prestar permanente atenção: hierarquia, disciplina e sentido de missão.
Porque alguns crêem em distintas interpretações da participação dos militares na
política nacional, especialmente no passado recente, elas permanecem, mesmo quando
amparadas em falhas evidências, em ideologias, em sentimentos e ressentimentos dos
que viveram esta relação ou sofreram suas consequências imediatas. Acaso por ser
recente, ou por ter a sociedade brasileira evitado avaliar desapaixonadamente o regime
1
Ver Jobim (2008).

143
de 1964, ainda não se produziu versão consensual dessa relação ao longo do período.
Necessitamos de uma história que permita à sociedade deixar no passado os erros e
acertos do regime militar, registrando-se méritos e deméritos pertinentes, e começar a
definir, responsavelmente, o que queremos de nossas Forças Armadas no porvir.
Interessam-nos definições claras a esse respeito. Afinal, o mundo transforma-se em
ritmo acelerado, produz ameaças e revela vulnerabilidades cujo enfrentamento requer
mais que sentido de direção; requer visão de futuro. Quando se trata de Defesa Nacional,
essa visão de futuro se torna ainda mais relevante: fenômenos que, no passado, não
constituíam ameaças à segurança do Estado, de suas instituições ou de sua população
passaram a ser vistos como tal. A securitização2 desses fenômenos e a expansão do
conceito de segurança evidenciam esse processo,3 bem como a dificuldade de se
atribuírem responsabilidades a agências governamentais quando coincidem os objetos
aos quais se referem suas políticas.
Não faz muito tempo, era fácil delegar aos militares a defesa nacional (contra
ameaças vindas de forças armadas de outros países, em um mundo concebido em
termos westfalianos) e às polícias a promoção da ordem pública, isto é, o rechaço a
atividades criminosas de cidadãos no interior de um Estado nacional. Uns faziam a
guerra ou dissuadiam potenciais inimigos de fazê-la; outros proviam a justiça. Hoje, isso é
mais difícil. Em meio a fronteiras porosas e redes virtuais, em que agentes dispersos
geograficamente estabelecem contato direto, eventualmente ocorrem crimes
transfronteiriços: nesses casos, a que órgão da burocracia atribuir cada função?
A dificuldade não é apenas nossa. Após 11 de setembro de 2001, o governo dos
Estados Unidos criou um órgão federal para cuidar da segurança interna. Suas políticas
orientam-se por conceito de fronteira que a define como o espaço em que ocorre a
interação entre um agente ou interesse americano e um estrangeiro. Quando se presta
um serviço na internet, onde se materializa esta interação? Este departamento se
sobrepõe aos estados e possui responsabilidades que se confundem com as dos
departamentos de Defesa e de Estado, e ocasionalmente com o United States Trade
Representative (USTR). Sua atuação ilustra a dificuldade atual de se distinguir entre
ameaças internas e externas.4 Não admira que líderes militares defendam nova doutrina
de preparo para as guerras modernas:

2
Ver Buzan & Weaver (2003).
3
Ver Estratégias de Segurança Nacional dos EUA (a cada 2 anos, desde 2002, disponíveis em
www.dod.gov); Conferências Hemisféricas de Ministros de Estado da Defesa (também a cada 2 anos,
disponíveis em www.oas.org), e numerosos artigos acadêmicos que discutem o tema da ampliação dos
conceitos de defesa e de novas ameaças. (O USTR é o órgão do Estado americano responsável por negociar
as regras que servem de base para seu comércio exterior.)
4
Ver Walker (1993).

144
[we must] employ some of our most effective nongovernmental elements of national
power, such as the universities, businesses, and industries at the heart of our global
economic influence. [...] We must also be able to offer the populations of countries
affected by war the hope that life will be better for them and their children because
of our presence, not in spite of it. In other words, in contrast to the idea that force
always wins out in the end, we must understand that not all problems in modern
conflict can be solved with the barrel of a rifle.5

Trata-se, pois, de nova visão do papel dos militares no exercício de projeção do


poder nacional. Cogitar atuar em missões de paz implica lidar com o tema dos “Estados
frágeis”, em cujo território atuam grupos de poder autônomos, contestadores dos Estados
nacionais, mas interessados em sua permanência, pelo menos simbólica. Isso lhes
permite conduzir atividades ilegais sob a fachada de um Estado soberano, o qual limita
possíveis intervenções estrangeiras, mesmo auspiciadas pela ONU.
Despreparada para atuar nesse domínio em sua fundação, a ONU cedo interveio em
situações de conflito com vistas a promover a paz ou, pelo menos, a impedir genocídios
ou violência generalizada que ameaçasse a segurança internacional.6 A Organização
aparelhou-se para melhor atuar nesse domínio, como ilustram as operações de paz em
curso e a criação dos departamentos de Operações de Manutenção da Paz e de Apoio ao
Terreno. Promover a paz em países onde imperam situações de conflito não é fácil. A
ONU resumiu sua experiência no documento United Nations Peacekeeping Operations:
Principles and Guidelines, texto que amplia a doutrina exposta no Relatório Brahimi7 e
registra seu entendimento das competências e limites operacionais no terreno. A
chamada “Doutrina Capstone” é também um documento político, complementar à Agenda
do Milênio: a ONU utiliza-o em sua busca por prestígio, por voltar ao centro de processos
decisórios relevantes, em resposta às políticas dos EUA nos últimos anos.8

5
Chiarelli: “Learning from our Modern Wars: The Imperatives of Preparing for a Dangerous Future”.
In Military Review, September-October 2007.
6
Sua primeira atuação nessa seara foi em 1948, pela United Nations Truce Supervision Organization,
destinada a supervisionar o cessar-fogo entre os países árabes e Israel por ocasião da invasão do território
da Palestina. Em 1956, atuou com estrutura mais eficaz durante a crise de Suez.
7
Em 1993, o Secretário Geral Boutros-Boutros Ghali constituiu comissão presidida pelo embaixador Lakdar
Brahimi com vistas a estabelecer um conjunto de normas que servissem a balizar as condições e os limites
da atuação da Organização das Nacões Unidas em operações de paz. O relatório da comissão constituiu o
primeiro documento oficial a conceituar operações de paz (manutenção, imposição, feitura da paz) e serviu a
consolidar a doutrina empregada neste tipo de intervenção internacional. Desde então, essa doutrina evoluiu,
consolidando-se na chamada Capstone Doctrine, de 2008, que constitui sua versão mais atualizada. Esta
doutrina, que deverá ser revisada no início de 2010, apresenta, ademais, reflexões sobre as lições
aprendidas na condução de operações de paz nas últimas seis décadas. O documento que enquadra sua
revisão, intitulado New Horizon, está já à disposição dos interessados na página da ONU na Internet. A
ênfase de sua discussão recai nas condições ideais para se transferir às autoridades locais a
responsabilidade por prover bens públicos fundamentais.
8
Bons artigos examinam o problema da reconstrução de Estados e as melhores práticas institucionais para
reduzir os níveis de violência nessas comunidades. Ver, por exemplo, Collier, Chauvet e Hegre (2008),

145
O contexto em que hoje se desenvolvem as missões de paz é complexo. Com
frequência, há, no terreno, grupos de poder que exercem atividades ilegais, não raro
apoiados por integrantes dos governos,9 e consideram útil manter estrutura estatal débil,
incapaz de reprimir com eficácia, mas suficiente para escudar tais atividades nos
conceitos de soberania e não-intervenção.
No caso do Haiti, não há dois grupos a separar ou um mandato tampão a cumprir.
Além disso, observam-se tensões entre as expectativas da população e as possibilidades
do Estado, carente de meios e pessoal para atuar. No complexo sistema político haitiano,
prevalecem grupos interessados não em tomar o governo e falar em nome do Estado,
mas em mantê-lo pouco operacional, incapaz de coibir atividades ilegais. Lidar com isso
requer preparar civis e militares capazes de compreender e enfrentar, de forma
concertada, temas variados: o papel da ONU e suas limitações; a reorganização das
relações internacionais contemporâneas; a emergência de grupos de poder não-estatais;
tensões entre objetivos de “segurança nacional” e “segurança humana”; a administração
de territórios governados por Estados frágeis; instabilidades regionais; a alocação de
recursos para as Forças Armadas... Os temas abundam. O leitor criativo ampliará a lista.
Estabelecer políticas externa e de defesa que articulem a participação regular do Brasil
nessa missão (e nas que virão) implica ir muito além do que prevê a Diretriz XXIII da
Política de Defesa Nacional (PDN).
Por isso mesmo, e porque não se controla o meio internacional, é preciso ter clara
visão de futuro. Só assim se podem atribuir responsabilidades precisas a diferentes
órgãos da burocracia para assegurar a integridade de indivíduos, fronteiras, valores,
instituições, enfim, do Estado nacional. A tarefa estende-se ao Legislativo, obviamente.
O processo é político: obscuro, volúvel, tecido em redes de interesses e ideias
cambiantes, marcado por expectativas contraditórias, por diversas percepções sobre
como as coisas são e sobre como devem ser. Política, afinal, é isso mesmo: o ambiente
em que interagem os agentes que dizem como as coisas são e os que dizem como elas
devem ser. Uns querem mantê-las e reagem; outros querem transformá-las, e ousam.
Disso decorre a relevância de instituições e regras duradouras: ao longo da História,
não se encontrou melhor maneira de coibir arbitrariedades e de produzir, na formulação
utilitarista, virtudes públicas com vícios privados. A transitoriedade, inerente à vida e aos
homens, também será o destino das sociedades em que não vinguem sólidas
instituições. Delas dependem as regras de jogo para os agentes políticos, a convergência

Pureza et al. (2006) e Lund e Cohen (2006). A Própria Doutrina Capstone será revista em 2010. Que opinião
terá, então, o MD sobre mandatos, responsabilidades e atribuições cabíveis no texto? Que orientação ele
passará ao Itamaraty a esse respeito?
9
O caso mais conhecido no Hemisfério Sul é o das FARC, na Colômbia, por suas proporções e impactos na
política regional. A África é também pródiga em exemplos, como testemunharam a situação de Angola até à
morte de Savimbi, do “General Morgan” na Somália ou de Charles Taylor na Libéria.

146
de suas expectativas, a concentração de suas energias. Nelas residem os valores de
uma sociedade, que engendram um entre muitos futuros possíveis. A sabedoria política
está em utilizar os ensinamentos da lida cotidiana com assuntos de Estado e com o
interesse alheio para construir instituições que perpetuem modos de vida, populações e
valores.10
Mas instituições não se constroem no vácuo. Memórias do passado, identidades
corporativas, percepções, processos em curso, tudo condiciona o modo como se
constituem e evoluem as instituições políticas. Decidir no presente requer ter em conta o
que se espera do futuro. Requer também processar as influências do passado e entender
o modo como elas são percebidas pelos agentes políticos. Vejamos aspetos desse
fenômeno e sua influência sobre a participação dos militares na política brasileira.

ASPETOS CONCEITUAIS E HISTÓRICOS DA PARTICIPAÇÃO DE MILITARES NA POLÍTICA


NACIONAL

Instituições embutem ideias sobre sociedades mais livres, mais justas ou mais seguras –
para mencionarmos apenas valores básicos em qualquer comunidade política. Por
diferentes razões, cada sociedade favorece um desses valores em detrimento dos outros
e constrói instituições tendentes a concentrar suas energias e riqueza na produção de
ambientes mais seguros, mais livres ou mais justos.11 Em cada caso, cabe esclarecer o
que se espera dos que ficarão responsáveis pela proteção da sociedade. E os meios de
que disporão.
A maior parte dos civis não se dá conta de que essa é uma questão de vida e morte.
A menos que se tenha combatido, não se tem noção dos sentimentos envolvidos nesse
processo: fomenta-se, de um lado, a convicção de se pertencer a algo grandioso,
transcendente, convicção que dá sentido à vida pessoal, reduz sofrimentos ordinários e
predispõe o indivíduo a aceitar a perspetiva da morte. De outro lado, pode ser necessário
aniquilar o inimigo, por ser essa a condição de sobrevivência, a missão dada e, também,
o caminho da glória.12
A maioria dos civis não precisa trazer isso à linha de conta, a menos que conviva de
perto com militares. Neste caso, eles integram a comunidade estendida, a família militar.
10
Veja-se, a propósito, a excelente coletânea organizada pelo Senado Federal (1998). Maquiavel inaugura a
reflexão moderna sobre o fenômeno em seus Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio.
11
Textos de Economia Política em geral examinam porque as sociedades optam por privilegiar um ou outro
valor. Olson (1982) e North (1981) são referências importantes. O manual de Strange (1988) expõe o tema
com raro didatismo. O belo livro de Baumol (2002) aponta as instituições que permitem ao capitalismo inovar,
gerar riqueza e, inevitavelmente, desigualdades. Não cabe aqui discutir conceitos de justiça. Rawls (1971,
2005) produziu a melhor reflexão sobre o assunto no Ocidente contemporâneo. Quanto à segurança, nada é
mais eloquente do que o fracasso da União Soviética: instituições aptas a fomentar o progresso científico e
tecnológico em áreas sofisticadas não produziram níveis de bem-estar suficientes para manter legítimo o
regime.
12
Sobre o primeiro aspecto, ver Lawrence (2005); acerca do segundo, nenhum estudo acadêmico expressa
melhor os sentimentos envolvidos do que Tolstoi, em Guerra e Paz.

147
Instituições totais, as Forças Armadas, em certo sentido, absorvem seus integrantes, que,
ao definirem suas identidades, adotam o papel que a corporação lhes atribui.13
Civis com responsabilidades políticas devem conhecer as implicações disso para o
contexto social em que se inserem essas corporações e para a vida de seus integrantes.
Afinal, proteger a comunidade pode custar-lhes esta vida. Do ponto de vista profissional,
espera-se que o cadete de hoje a dedique à corporação, em troca de entrar para essa
família e de uma profissão digna, estável e permanente. Mas de quantos cadetes um país
como o Brasil necessita hoje? De quantos oficiais generais necessitará em 30 anos? Qual
é o seu projeto de força neste horizonte?
Não se conhecem as ameaças e vulnerabilidades de amanhã, mas é hoje que se
decide sobre o preparo dos líderes que as enfrentarão. Ignora-se o futuro; o presente
não. E o presente contém em si as ideias de futuro, bem como as memórias do passado.
Ao cabo, essa visão de futuro, e a capacidade de utilizá-la para moldar o presente,
conduzindo-lhe o curso na direção desejada, é o que distingue estadistas de indivíduos
que ocupam cargos nos governos.
No campo da Defesa, essa visão de futuro é ainda mais relevante: o sentido de
missão e valores tais como hierarquia e disciplina estruturam a formação militar. As
sociedades mantêm Forças Armadas porque presumem que, se não houver indivíduos
capazes de proteger sua integridade e suas riquezas, a necessidade e a cobiça alheia
colocarão em risco seu bem-estar ou sua sobrevivência. Nisso, não há novidade alguma,
dirá o leitor, coberto de razão. Mas ter isso presente reduz o risco de gerir
incrementalmente a coisa pública e facilita ter consciência da condição a que se almeja.
O alerta é relevante porque, no Brasil, mais de uma vez, indefinições com respeito ao
que se espera das Forças Armadas abriram espaço a que elas interpretassem como
parte de sua missão atuar politicamente, visando, entre outros objetivos, a definir sua
missão. Ao assumirem funções que não lhes competiam, interferiram em assuntos de
responsabilidade de outros segmentos da sociedade e trouxeram para dentro das
corporações disputas corrosivas de princípios que, paradoxalmente, queriam preservar.
Nesses casos, ideia equivocada sobre o sentido de sua missão prevaleceu sobre os
princípios de hierarquia e disciplina. Imersas em processos políticos, as Forças levaram à
caserna processos e contradições da sociedade, outrora negociados no espaço público.

13
Sobre o conceito de instituições totais, ver Goffman (1967, 1971). O processo traz vantagens,
mas implica sacrifícios pessoais, estendidos às famílias. O exemplo mais óbvio: é difícil para
esposas de militares ter profissões regulares, por causa das constantes mudanças de cidade. No
passado, isso não era problema, já que as mulheres eram donas de casa. Mas os tempos são
outros. E ainda não se sabe ao certo como lidar com isso. É preciso saber, pois, o desenho de
força afeta aos militares que dela participam.

148
E, como se sabe, hierarquia e disciplina não presidem, habitualmente, essas
negociações.
Por isso mesmo, os líderes primeiros do regime de 1964 queriam-no curto, transitório,
“de exceção”. A regra seria deixar a política aos políticos e aprofundar a
profissionalização dos militares.14 O excesso de autoconfiança e o temor de que o
comunismo ganhasse espaço em uma sociedade desarticulada pelo desastroso governo
Goulart, bem como a reação ao que lhes pareceu uma afronta aos princípios de
hierarquia e disciplina, fizeram Castello Branco e seu grupo crer que teriam condições de
agir apenas pontualmente, “colocando a casa em ordem”, recuperando o papel de “Poder
Moderador” a que, no passado, o Exército aspirara.15
Não se compreendeu, então, que intervenções dessa natureza geram fluxos nos dois
sentidos, sendo mais fácil observar-se a politização castrense do que a militarização da
sociedade. Distanciaram-se civis e militares. Feita de preconceitos, a ignorância mútua
serviu a ampliar essa distância e dificulta exame sóbrio da história recente do Brasil. O
alerta importa, ainda, porque definir o que a sociedade brasileira espera de suas Forças
Armadas requer exame profundo e desapaixonado do passado recente. Sem isso, a
relação entre civis e militares evoluirá constantemente ameaçada pelas sombras de
1964.16
É como vem, de resto, evoluindo a relação entre civis e militares desde a
redemocratização. Sucessivos governos tentaram, mas decorreu mais de uma década
entre a promulgação da Constituição de 1988 e a criação do Ministério da Defesa. O
esboço de política de defesa escrito em 1996 só foi atualizado em 2005. Não se criou
uma carreira de especialistas em defesa que possam conduzir esta política nem se
reestruturou o Ministério de modo a permitir-lhe exercer efetiva ascendência sobre as
Forças. Os passos são lentos, as resistências importantes.
Mas o processo evolui na direção correta. Aprovou-se, em dezembro de 2008, a
Estratégia Nacional de Defesa. O documento avança significativamente na organização

14
Talvez o exemplo mais relevante seja a pouco estudada Lei 4.902, de 16/12/1965, que dispõe sobre a
inatividade dos militares da Marinha, da Aeronáutica e do Exército. Esta lei estabeleceu limites para a
permanência dos oficiais nos postos de general, visando coibir intenções caudilhistas e forçar a renovação
das elites militares, além de indicar parâmetros utilizados para promoções. Hoje, esses períodos são
respeitados naturalmente e a substituição das elites militares dá-se de modo tranquilo e previsível.
15
Isso foi também o que pensou então parcela considerável da elite civil brasileira. Mas, assim como as
lideranças civis, também os militares estavam divididos, e houve quem percebesse o golpe como uma
oportunidade de livrar para sempre o país do comunismo, o que implicaria permanecer no poder
indefinidamente. Houve também, como sói acontecer nessas ocasiões, quem buscasse apenas se beneficiar
pessoalmente das mudanças em curso.
16
A nota do Comando do Exército que ajuntou a gota d'água faltante para a queda do Ministro José Viegas,
as celeumas envolvendo indenizações milionárias, as declarações sobre tortura de familiares de oficiais
supostamente envolvidos nesses processos, as ambíguas posições de lideranças políticas sobre a anistia, a
delicada questão da abertura dos arquivos militares sobre a repressão, eis alguns dos assuntos dessa época
ainda pendentes, que, vez em quando, afetam a agenda política do presente, condicionando, em geral
negativamente, definições sobre o futuro.

149
das Forças Armadas e na sua articulação. Não obstante as claras concessões feitas aos
projetos tradicionais de cada Força, em vez de estabelecer prioridades mais
propriamente de defesa, essas prioridades se combinam de modo relativamente coerente
do ponto de vista da inserção internacional do País. O texto trata de assuntos que vão
muito além da defesa nacional, em flagrante contradição com seu título: melhor seria
intitulá-lo, com efeito, “Estratégia de Segurança Nacional”, não fossem as fortes
resistências inspiradas, ainda, por convicções geradas em um tempo que a sociedade
não logrou deixar no passado.
As diretrizes do documento visam a organizar processos relevantes para o campo da
defesa nacional. Ao avançarem no tratamento de aspectos atinentes à segurança
nacional, envolvem outros segmentos da sociedade e propõem associar diretamente
segurança e desenvolvimento econômico e social. A ênfase nos setores cibernético,
nuclear e espacial orienta não apenas os esforços das agências diretamente
relacionadas com a área de defesa, mas também políticas educacionais, científico-
tecnológicas e industriais. Trata-se de proposta ambiciosa, que resulta de consenso entre
várias agências burocráticas e corporações, o que explica algumas de suas contradições.
É certo que não se materializará integralmente, face à carência de recursos
orçamentários. Mas constitui passo importante na direção certa. E sua implementação
contribuirá para aproximar civis e militares, no bojo de processos políticos coerentes com
o enquadramento democrático vigente no país.
Embora avance no sentido de fortalecer o MD, especialmente ao transformar o
Estado-Maior de Defesa em Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, a END não
prevê reformas institucionais necessárias a concretizar este processo, tais como a
subordinação dos Chefes de Estado-Maior das Forças ao Chefe de Estado-Maior
Conjunto,17 sequer em tempo de guerra. Tampouco reconhece a necessidade de se
estabelecer interlocução de alto nível entre o MD e o MRE.

17
Isso implicaria torná-lo, por assim dizer, a contraparte militar do papel político do Ministro de Estado da
Defesa. É de se esperar que esses indivíduos trabalhem juntos, como se fossem as duas faces de uma
moeda. Um na interlocução política com o Presidente e outras autoridades; o outro com ascendência efetiva
sobre a tropa. A fórmula é sensata e adotada mundo afora, pois os dois contextos são distintos e as duas
realidades são complexas demais para que um indivíduo as conheça a fundo e comande autoridade
suficiente para bem se desincumbir de suas responsabilidades. Somente indivíduos extraordinários teriam
condições de comandar tamanho respeito. Só que as instituições devem ter em vista indivíduos comuns: os
melhores entre eles, se a seleção for boa, mas, ainda, indivíduos comuns. O tema é delicado porque
semelhante mudança estabeleceria, no caso brasileiro, outro nível hierárquico entre o Ministro e os
Comandantes das Forças, que não querem se ver “rebaixados”. Há solução politicamente viável: efetivar-se a
mudança em um momento no futuro, preferencialmente não no próximo mandato presidencial. Isso
favoreceria avaliação dos ganhos em termos de interoperabilidade e sinergia para o conjunto das Forças, sob
o comando de um político capacitado e do militar mais antigo, no cargo de Chefe do Estado-Maior Conjunto,
a quem responderiam os Chefes de Estado-Maior das Forças. Com nuanças, essa estrutura é adotada nos
países que passaram por recentes experiências de guerra. É eficaz por alinhar o comando político ao militar,
colocando-os a serviço do emprego efetivo da força no cumprimento de suas missões precípuas. Reduzem-
se, ainda, enormemente, os custos operacionais.

150
Não cabe, aqui, esmiuçar a END, examinando-lhe virtudes e deficiências. Cabe
retomar o exame das peculiaridades da profissão militar. Quando uma sociedade confia
armas a alguns de seus integrantes, corre o risco de eles as utilizarem não para proteger
a coletividade de ameaças (externas ou não), mas para submeter outros cidadãos. Isso
ocorreu no Brasil, e a experiência traumatizou civis e militares. Leituras autorizadas do
regime de 1964 sublinham as dificuldades de se disciplinar o uso da força e a
complexidade da relação entre este fenômeno e os processos políticos, que são mais
instáveis e difíceis de serem controlados quando prevalecem preconceitos,
18
desconfianças e ódios.
É preciso entender o contexto em que se desenvolve essa relação. No Ocidente, a
profissão das armas institucionalizou-se em consonância com a concentração, no Estado,
do monopólio do emprego legítimo da violência. Distinguiu-se conceitualmente o
ambiente interno, hierárquico, do internacional, anárquico. Às polícias, confiou-se manter
a lei e a ordem interna; às Forças Armadas, rechaçar ameaças externas.19
Profissionalizaram-se policiais e militares em corporações distintas, embora
assemelhadas. Uns são treinados para prender cidadãos, outros para matar inimigos. Por
isso mesmo, de resto, não convém empregar Forças Armadas na promoção da
segurança pública, exceto em situações extremas.
Para a maioria dos seres humanos, não é fácil tirar a vida de outros. Isso deixa
traumas, como testemunham tantos massacres perpetrados por veteranos de guerra, em

18
Entre os estudos mais respeitados figuram Soares e D'Araújo (orgs.) (1994); a trilogia de Soares, D'Araújo
e Castro (Visões do Golpe, Os Anos de Chumbo e A Volta aos Quartéis); Oliveira (1994), Reis e O'Donnell
(orgs.), 1988; os 4 volumes de Gaspari e sintéticas interpretações como a de Fausto (1996). O bom livro de
Couto (1998) destaca, ainda, a cizânia nas corporações, particularmente no Exército, resultante da
condenação por muitos de seus integrantes de atos de tortura. A contradição entre a ética prevalecente na
corporação e o destoante, mas não infrequente, comportamento de alguns de seus oficiais, ilustra a
dificuldade de se enquadrar a parcela armada da sociedade. Duas expressões realçaram esse fenômeno: a
caracterização da “monstruosidade” dos serviços de informação, cujo controle a “linha dura” tomara da
autoridade constituída, pelo próprio General Golbery, e a conhecida oposição do Vice-Presidente Pedro
Aleixo ao AI-5, com o argumento de que não se podia confiar “no guarda da esquina”. O tema gerou conflitos
nas Forças, particularmente no Exército, e determinou a demissão do general Frota pelo presidente Geisel,
fato marcante no caminho em direção à abertura democrática. Talvez seja, ainda hoje, o assunto que mais
divide civis e militares no Brasil, como sugerem os debates, sempre emocionais e incompletos, acerca da lei
de anistia, de compensações milionárias a vítimas do Regime e da abertura dos arquivos. Defende-se até
mesmo o recurso a uma espécie de Comissão de Justiça e Conciliação para tratar do assunto. Qualquer
solução de enfrentamento do assunto voltada para a busca da verdade será melhor do que a omissão
corrente.
19
Hoje essas responsabilidades se confundem, dada a maior interdependência e a imprecisão dos conceitos
de segurança, como ilustra o ambíguo conceito usado na PDN. Missões de paz tornam mais complexa a
interação entre civis e militares, além de poderem servir a legitimar intervenções em favor da “segurança
humana”. Some-se a isso o fato de que, no Brasil, a participação militar em operações de garantia da lei e da
ordem, prevista na Constituição (Art. 142), carece de regulamentação. Assim, o Governo enfrenta o paradoxo
de poder empregar os militares em ações de polícia nas missões de paz, respeitando-se as regras de
engajamento, mesmo na ausência de legislação pertinente, pois prevalece a ideia de que esse emprego está
amparado no mandato da missão. O tema presta-se a controvérsia jurídica, razão pela qual países como
França e Canadá produziram leis específicas que expressamente caracterizam essa condição – iniciativa que
conviria ao Brasil emular, adaptando-a ao seu ordenamento jurídico. Semelhante emprego no território
nacional encerra riscos ainda maiores, por falta de marco legal. A criação da Força Nacional de Segurança
Pública poderá reduzir a pressão em favor do emprego das Forças Armadas em ações de polícia, caso seu
estatuto seja aperfeiçoado.

151
momentos de descontrole. A profissão militar encerra uma contradição de fundo: quer-se
a maior eficácia possível na destruição do inimigo, ao tempo em que se quer evitar o uso
dessas mesmas técnicas de administração da violência contra os demais cidadãos.
Resolve-se essa contradição identificando-se a corporação à coletividade. É justo e digno
matar, então, apenas em nome da pátria e em sua defesa.
Ao se desumanizar o outro, tornado em objeto perigoso, reduz-se o drama inerente
ao confronto com a necessidade de tirar a vida de outro ser humano. Assim, legitima-se a
violência perante a comunidade – donde a noção de Guerra Justa e o corpus jurídico
aplicável nos conflitos entre comunidades – e no plano psicológico dos indivíduos que
dão vida às guerras. Prepará-los para matar requer, assim, instituírem-se coletividades,
cujos mitos fundadores e histórias unem os guerreiros de hoje aos de ontem e aos de
amanhã, em geral por meio de suas armas. Há tradições a honrar, heróis a imitar,
práticas a manter, valores a perpetuar. Há espaços próprios, templos em que se
transmitem ensinamentos, lugares e ritos que guardam memórias.
Esses símbolos contribuem para vincular cada indivíduo à coletividade. Cada um
deixa sua pequena marca no todo; as efêmeras contribuições individuais somam-se, e
diluem-se, na essência do conjunto. Por isso as movimentações constantes, os sacrifícios
pela corporação, a solidariedade aos camaradas, o sentido de responsabilidade mesmo
em funções modestas: somadas, elas constituem o compromisso de cada um com a
instituição militar que integra. E o desta com a coletividade maior, a sociedade a que
serve. Desde a primeira formação, no lar e nas escolas corporativas, sua doutrina ensina
uma peculiar maneira de pensar, um modo de agir, um jeito de ser.20
A formação militar desenvolve nos indivíduos uma ideia de si atrelada à coletividade,
em termos abstratos. A profissão é coletiva; e sua existência se justifica na defesa de
outra coletividade, mais ampla: a pátria. Os juízos de valor acerca desse comportamento
podem variar, mas cabe compreendê-lo, pois ele é útil à sociedade no processo de
disciplinar seus cidadãos armados.
Esses valores condicionam a formação dos militares brasileiros e só vicejam em
ambiente de disciplina, hierarquia e camaradagem. Sem esta, não se administram as
tensões inerentes ao relacionamento hierárquico, não se azeitam as engrenagens da
disciplina. Tudo se organiza em função da missão a cumprir. Por isso, governos não
podem omitir-se de atribuir esta missão. Pelo menos desde Clausewitz, pouca gente
duvida da natureza política da guerra. Na falta de orientação sobre a missão a cumprir, as
corporações chamam a si a responsabilidade de nortear seus esforços e sua preparação,
já que exércitos não se improvisam.

20
Sobre a formação no âmbito do Exército brasileiro, ver Castro (1990, 2002).

152
A sociedade brasileira hoje parece disposta a aperfeiçoar as condições da Defesa
nacional no quadro democrático. O MD promove o intercâmbio entre civis e militares, que
“dá ao Estado melhores condições de decisão e à sociedade maior controle.”21
O assunto merece aprofundamento, mas não aqui. Visto o papel dos militares na
política nacional, mesmo superficialmente, convém conhecer a política externa que
orienta a participação brasileira na MINUSTAH. Isso oferecerá ao leitor elementos para
refletir sobre o papel dos militares no atual esforço de inserção internacional do Brasil.

DA ATUAL POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA, DA DECISÃO DE PARTICIPAR DA MINUSTAH... E


DA PARTICIPAÇÃO DOS MILITARES

Como entender a decisão brasileira de participar da MINUSTAH? Sabe-se que ela veio
do Palácio do Planalto. Da posse às vésperas do anúncio da participação brasileira na
Missão, nem o Presidente, nem o Chanceler, nem o Secretário-Geral, nem mesmo o
assessor presidencial para assuntos internacionais, ninguém fez qualquer menção
especial ao Haiti. Nada além do tradicional protocolo, raro no caso do Haiti. Entretanto,
esta participação tornou-se símbolo da atual política externa e, historicamente, poucos
esforços de inserção internacional demandaram cooperação tão intensa entre militares e
diplomatas no Brasil. Como a atual política externa brasileira (PEB) enquadrou essa
decisão?
Parte da resposta começou a ser formulada em meados do século passado, com
estudos como o de Roger Bastide, Brasil, terra de contrastes. Desde então, examinam-se
as contradições econômicas, políticas e sociais da sociedade brasileira no tempo e no
espaço. O país ainda enfrenta os problemas que apartam parcelas de sua sociedade: uns
dominam as fronteiras mais avançadas da tecnologia e controlam cadeias produtivas
globais; outros vivem como seus antepassados remotos. Houve progresso, decerto, mas
os contrastes permanecem.
Nesse fundamento repousa a inovação da atual PEB: assertivamente, busca-se
aproximar países em desenvolvimento dos avançados. Argumenta-se que os contrastes
brasileiros capacitam o país a compreender esses dois mundos, harmonizando a relação
entre ricos e pobres. Estabilização econômica e crescente inclusão social teriam
ampliado nossa capacidade de harmonizar contrastes, agora colocada a serviço de um
ambiente internacional mais estável e mais justo.
Capacitam-no, ademais, suas tradições de política externa: amizade com os vizinhos,
respeito ao Direito internacional, à solução pacífica de controvérsias, à não-intervenção
em assuntos internos e à auto-determinação dos povos. Satisfeito com suas fronteiras,
competente e confiável, o país quer um mundo governado por normas, distanciando-se
21
Ver Jobim (2008).

153
da alternativa, donde a importância conferida aos principais foros multilaterais,
especialmente ONU e OMC.22 Por isso, acredita que “pode fazer a diferença, junto com
outros países latinoamericanos”, por exemplo, no caso da MINUSTAH.23
Ao justificar a ação em termos axiomáticos, o discurso pretende-se coerente, mesmo
face a paradoxos tais como o respeito simultâneo aos princípios de não-intervenção e de
“não-indiferença”. De fato, a aproximação aos países em desenvolvimento prescinde do
pragmatismo econômico utilizado nos anos 70, em favor do compromisso de transformar
uma ordem injusta. Denunciar injustiças é, pois, ação política. É também condenar uma
ordem predominantemente liberal, que teria ido longe demais. A sociedade internacional
teria optado por instituições que privilegiam as liberdades, em detrimento de noções de
justiça ou de segurança, e caberia rever esta opção, até por razões de segurança.
Para além de questões éticas, desigualdades no plano internacional ensejariam
riscos à ordem, por fomentarem sentimentos de revolta. O raciocínio é simples; não
necessariamente correto: os fluxos da globalização favorecem o acesso a informações
sobre o que ocorre no mundo desenvolvido e sobre as políticas de restrição à imigração.
Esses mesmos fluxos provêem instrumentos – internet, conhecimentos sobre armas de
destruição em massa, etc. – que podem ser utilizados em ataques terroristas com vistas a
reduzir essas desigualdades.
Mudar esse estado de coisas implica, então, aprofundar a agenda política
internacional, por exemplo, ao se avançar nas metas do milênio. Não basta rever as
bases econômicas de uma ordem que, inegavelmente, muito ampliou a riqueza mundial,
mesmo nas regiões mais pobres. Trata-se, isto sim, de se questionar os critérios de
distribuição dessa riqueza, de se produzir condições de maior equidade.
A agenda normativa e as exitosas mudanças nesta direção credenciariam o Brasil a
projetar-se no contexto internacional como uma espécie de ponte entre ricos e pobres.
Isso legitimaria o protagonismo de um país carente de poder militar e econômico, tanto
em contextos formais (CSNU), quanto em foros menos institucionalizados, como o G-8 e
o G-20. Trata-se de fomentar “um multilateralismo robusto, que assegure (...) que os
benefícios gerados pelo progresso sejam mais amplamente disseminados e que os
valores da democracia e da justiça social sejam parte da realidade cotidiana da maioria
da população mundial.”24

22
Para não nos estendermos em citações, veja-se Amorim (1993), em que o então Chanceler recupera a
tríade de Araújo Castro, substituindo descolonização por democracia, em atenção aos tempos e para
enfatizar a histórica vocação da PEB para o desenvolvimento e para o universalismo (nos dois casos
ilustrado pelo desarmamento) e Silva (2006, 2008), para versões oficiais. Neste, em particular, o Presidente
renova seu “chamamento à solidariedade dos países desenvolvidos com o Haiti” com o argumento de que “A
força dos valores deve prevalecer sobre o valor da força”. Para exame da decisão, ver Diniz (2005).
23
Ver Amorim (2007:107).
24
Ver Amorim (2005:14).

154
Eis, pois, resumidamente, o argumento que atribui relevo ao emprego de tropas em
missões de paz. Trata-se de projetar poder, de ampliar a capacidade de influência do país
no cenário internacional. Esse esforço se estrutura por meios que se reforçam
mutuamente: a demonstração de coragem, iniciativa e capacidade material e técnica para
solucionar crises reais e a decisão de só atuar em missões auspiciadas pela ONU,
anuídas pelos governos receptores e amparadas em valores a que dificilmente alguém se
oporia: justiça, equidade e não-indiferença a situações extremas negativas.
Já vimos algo sobre o ambiente internacional em que se implementa esta política
externa, especialmente ao se discutir a questão dos Estados frágeis e as implicações da
participação em missões de paz para a atual formação militar. Não há espaço, aqui, para
se aprofundar a discussão sobre o caso da MINUSTAH e as contingências que levaram à
decisão brasileira de assumir o comando militar da missão: caberia examinar temas tão
diversos quanto a objeção americana a uma liderança chilena, a boa vontade haitiana
com relação ao Brasil, as pressões presidenciais, a cobrança ao Brasil pelo persistente
hiato entre discurso e ação em sua política externa. É assunto para outro texto.
Basta que o leitor conheça o fato de que o argumento em favor da participação na
MINUSTAH foi por o Haiti ser o único país miserável no hemisfério,25 fazendo dele um
exemplo marcante, e não havendo qualquer referência à participação dos militares no
processo de decisão. Sabe-se que tem servido a “mostrar a bandeira”, a testar os
sistemas e a expor a tropa a situações reais, a aumentar o orçamento do MD... Mas quais
serão as implicações disso para a formação dos militares no porvir? Em quantas outras
missões de paz se quer envolver o país? Que tipo de esforço se espera dos militares
brasileiros para este fim? Qual é o grau de articulação entre o MD e o MRE no que
concerne à decisão de participar dessas missões?
O leitor atento terá se dado conta de que voltamos a algumas das questões expostas
no início do texto. Isso é proposital. Elas estão em aberto. Convido-o a refletir sobre o
assunto e a contribuir com suas opiniões para prover ao Estado brasileiro, qualquer que
seja o governo de plantão, de ideias e informações sem as quais não se poderá
responder de forma responsável e consequente a essas perguntas. Disso depende
criarmos um ambiente saudável e adequado à participação militar, devidamente
enquadrada no marco democrático vigente, na política nacional.

CONCLUSÕES E COMENTÁRIOS FINAIS


Não faltam no Brasil interpretações da participação dos militares na política nacional. Pelo
menos desde a Proclamação da República, esse segmento da sociedade desempenhou

25
(Mesmo sem resolver a contradição entre a indicação do entorno estratégico constante na PDN, a saber, a
América do Sul e o Atlântico Sul, e a atuação no Caribe.)

155
papel relevante em diversas ocasiões, fosse para auxiliar a promover mudanças, fosse
para tentar prevenir sua ocorrência. Entretanto, ainda não se assentou um discurso
consensual acerca dessa relação.
Mais do que pontificar sobre o que foi ou o que deve ser a participação dos militares
na política nacional, este texto oferece ao leitor elementos para refletir sobre esta
importante dimensão da sociedade brasileira. As dificuldades para se engendrar
processos políticos que aproveitem as instituições e normas que hoje enquadram em
moldura democrática as Forças Armadas brasileiras devem servir de estímulo à
participação cidadã dos interessados. Embora não exista propriamente uma visão de
longo prazo da sociedade brasileira com respeito ao que quer de suas Forças Armadas, a
END avançou no assunto e promete envolver, de forma crescente, a sociedade na
definição dos assuntos atinentes à defesa nacional. Mas, sem a permanente interação de
civis e militares e sua honesta disposição a concertar esforços, não se poderá bem
conduzir esta participação.
Ilustrou-se, neste texto, a complexidade de um tema específico a reclamar esta
atuação concertada: a participação em missões de paz. Viu-se que os militares pouco
participaram dessa decisão, embora deles dependa, em parte, o sucesso dessa
empreitada. Não defendo que eles devam participar de decisões desse tipo – isso está
em aberto –, mas não se lhes pode reclamar eficácia sem dar-lhes condições adequadas
de preparo. E essa é uma decisão sobre o futuro. Discutamos, então, os caminhos que a
sociedade brasileira pretende percorrer no que diz respeito à relação entre civis e
militares. E o que ela quer de suas Forças Armadas.

ANTONIO JORGE RAMALHO DA ROCHA


Graduado em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (1989), mestre em
Ciência Política pelo IUPERJ (1992) e em Relações Internacionais pela Maxwell School
of Citizenship and Public Affairs - Syracuse University (1999) e doutor em Sociologia pela
Universidade de São Paulo (2002). Dirigiu o Departamento de Cooperação/SEC do
Ministério da Defesa e a implantação do Centro de Estudos Brasileiros em Porto Príncipe,
Haiti. Actualmente, integra a Assessoria de Defesa da Secretaria de Assuntos
Estratégicos da Presidência da República. A sua pesquisa e produção científica
concentram-se nas áreas de Teoria das Relações Internacionais, Segurança
Internacional, Defesa Nacional e Política Externa dos Estados Unidos.
Contacto: antonio.ramalho@gmail.com

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