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O DIREITO CONSTITUCIONAL FUNDAMENTAL DE GREVE E A FUNÇÃO

SOCIAL DA POSSE: UM NOVO OLHAR SOBRE OS INTERDITOS POSSESSÓRIOS


NA JUSTIÇA DO TRABALHO BRASILEIRA.

João Humberto Cesário(*)

1 – ITINERÁRIO DA ABORDAGEM

O presente estudo tem o seu objetivo centrado na formulação de um novo olhar


sobre os interditos possessórios manejados em face da atividade grevista dos
trabalhadores.

Para alcançá-lo tratarei inicialmente de conceituar o direito de greve, bem como


classificá-lo dentro do ordenamento jurídico brasileiro, a fim de exaltar a sua
importância para a consecução de outra garantia primordial da classe trabalhadora,
situada na deflagração e desenvolvimento da negociação coletiva, principalmente na
conjuntura contemporânea de deterioração do poder normativo da Justiça do Trabalho.

Na seqüência buscarei demonstrar, com substrato em uma releitura do direito


privado, que a posse somente merecerá proteção a partir do momento em que cumprir
com a função social a que está constitucionalmente adstrita, pontuando que para
alcançar esse desiderato, ela (a posse) deverá se pautar pela observância das
disposições que regulam as relações de trabalho.

Em arremate trarei a lume, com os olhos voltados para tais ponderações,


algumas reflexões sobre os aspectos mais relevantes do processamento das ações
possessórias no ramo laboral do Poder Judiciário, para finalmente propor uma forma
verdadeiramente democrática de análise do tema.

(*)
João Humberto Cesário é Juiz Titular da Vara do Trabalho de São Félix do Araguaia – MT.
2 - DIREITO DE GREVE: CONCEITUAÇÃO - NATUREZA JURÍDICA –
OBJETIVOS

Numa miragem meramente positivista, é lícito afirmar, a partir da leitura estrita do


artigo 2o da Lei 7.783-89, que a greve nada mais é do que “a suspensão coletiva,
temporária e pacífica total ou parcial, de prestação pessoal de serviços ao
empregador”.

Já em plano doutrinário mais abrangente, imprescindível para a visualização


aprofundada do mencionado fenômeno, o professor Maurício Godinho Delgado ensina
que a greve deve ser compreendida como “a paralisação coletiva provisória, parcial ou
total, das atividades dos trabalhadores em face de seus empregadores ou tomadores
de serviços, com o objetivo de exercer-lhes pressão, visando a defesa ou conquista de
interesses coletivos, ou com objetivos sociais mais amplos”.1

Dito de outro modo, a lógica da greve reside na interrupção da prestação de


serviços pelos trabalhadores, que de tal arte criam um fato jurídico-social propício à
abertura de negociação coletiva, que, em última análise, poderá garantir melhores
condições de labuta à categoria profissional envolvida.

Assim é que no dizer de Márcio Túlio Viana, “a greve é ao mesmo tempo


pressão para construir a norma e sanção para que ela se cumpra. Por isso, serve ao
Direito de três modos sucessivos: primeiro como fonte material; em seguida, se
transformada em convenção, como fonte formal; por fim, como modo adicional de
garantir que as normas efetivamente se cumpram”2.

A greve é hoje, portanto, reconhecida como um direito. Talvez o mais dialético


dos direitos, já que além de cumprir o papel de fonte jurídica material e formal,
consegue ser, a um só tempo, norma, sanção e garantia.
1
Direito Coletivo do Trabalho, 1a ed., São Paulo: LTr, 2001, p. 149.
2
Direitos Humanos: Essência do Direito do Trabalho, 1ª ed., São Paulo: LTr, 2007, p. 99.

2
Mas nem sempre foi assim. Sem passar pelo resgate histórico do tema, tendo
em conta as delimitações já estabelecidas para o presente trabalho, é de se comentar,
pelo menos a título de curiosidade, que houve épocas em que o paredismo era
considerado crime ou no mínimo era proibido3.

Atualmente, entretanto, o direito de greve ganhou prestígio considerável, estando


erigido, no plano internacional, à condição de garantia fundamental da classe
trabalhadora, consoante se pode aferir da leitura de algumas das ementas do Comitê
de Liberdade Sindical da Organização Internacional do Trabalho4:

“EMENTA 363 – O direito de greve dos trabalhadores e suas


organizações constitui um dos meios essenciais de que dispõem para
promover e defender seus interesses profissionais.”
“EMENTA 364 – O comitê sempre estimou que o direito de greve é
um dos direitos fundamentais dos trabalhadores e de suas organizações,
unicamente na medida em que constitui meio de defesa de seus
interesses.”

Seguindo a esteira do direito internacional, é de se notar que o artigo 9 o da


Constituição da República Federativa do Brasil garante ser assegurado o direito de
greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre
os interesses que devam por meio dele defender, não sendo demais sublinhar que o
mencionado preceptivo (artigo 9o da CRFB) está topologicamente inserido no título II da
Magna Carta, que trata dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, dentre eles,
obviamente, o cidadão-trabalhador.

3
Vide, por exemplo, o Código Penal brasileiro de 11.10.1890, a Lei de Segurança Nacional de 1938 e o
Código Penal editado em 1940.
4
Oris de Oliveira, Juiz do Trabalho e doutor em direito, ensina, in Direito Coletivo do Trabalho em uma
Sociedade Pós-industrial, 1a ed., São Paulo: LTr, 2003, p. 225, que os inúmeros casos de greve
examinados pelo Comitê de Liberdade Sindical da Organização Internacional do Trabalho “permitiram a
elaboração de um conjunto de princípios que constituem um verdadeiro direito internacional sobre
liberdade sindical, uma espécie de regra direito consuetudinário internacional”.

3
A propósito, manifestando-se sobre a fundamentalidade dos direitos trabalhistas,
o jurista Arnaldo Sussekind esclarece que a Constituição brasileira lhes atribui a
distinção de cláusulas pétreas. Em tal sentido, a sua preleção:

“Na verdade, ao impedir que emendas à Carta Magna possam abolir


os direitos e garantias individuais (art. 60, § 4º, IV), é evidente que essa
proibição alcança os direitos relacionados no art. 7º, assim como a
liberdade sindical do trabalhador e do empresário de organizar sindicatos
de conformidade com as demais disposições do art. 8º, e de neles
ingressarem e desfiliarem-se. (...)
Cumpre ponderar, nesse passo, que, se os direitos e garantias de
índole social-trabalhista, afirmados na Lex Fudamentalis, não podem ser
abolidos por emenda constitucional, certo é que não será defeso ao
Congresso Nacional alterar a redação das respectivas normas, desde que
não modifique a sua essência de forma a tornar inviável o exercício dos
direitos subjetivos ou a preservação das garantias constitucionais
estatuídos no dispositivo emendado.”5

Entrementes, ainda que gozando do aludido status, é de se esclarecer que o


direito de greve não é absoluto, devendo ser deflagrado a partir de uma conjuntura
específica que o justifique, estando o grevista obrigado a atender as necessidades
inadiáveis da comunidade, sujeitando-se às penas da lei quanto aos abusos cometidos
(artigo 9o, § § 1o e 2o da CRFB).

No que diz respeito ao mencionado aspecto conjuntural, vale dizer que a greve,
no plano jurídico, deve estar a serviço do fomento da negociação coletiva, tanto é assim
que o artigo 3º da Lei 7.783-89 deixa claro que frustrada a negociação ou verificada a
impossibilidade de recurso via arbitral, é facultada a cessação coletiva do trabalho.

5
Direito Constitucional do Trabalho, 2ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p.p. 87 e 88.

4
Resta claro, pois, de todo o exposto, que a greve é um direito de natureza
fundamental e instrumental, que visa, numa perspectiva mais ampla, viabilizar outro
direito não menos fundamental dos trabalhadores, que é o de negociar coletivamente
os seus direitos.

Dado à importância do direito à negociação coletiva, dele tratarei em apartado,


fazendo-o no próximo tópico.

3 - A NEGOCIAÇÃO COLETIVA COMO DIREITO SOCIAL FUNDAMENTAL

A negociação coletiva é o processo de entendimento desenvolvido entre os


patrões e os empregados, no qual são delineados os direitos laborais que serão
reconhecidos a uma determinada coletividade de trabalhadores, num determinado
interregno temporal.

Como é palmar, o produto resultante do processo de negociação coletiva são os


documentos conhecidos por Convenções Coletivas de Trabalho ou Acordos Coletivos
de Trabalho, que, em síntese, arrolam uma série de direitos reconhecidos a toda uma
categoria profissional e que não poderiam ser alcançados dentro de um processo
individualizado de negociação.

Discorrendo sobre a importância da negociação coletiva para o cidadão-


trabalhador, assim se pronuncia Orlando Gomes:

“As condições de trabalho sempre foram ditadas imperiosamente


pelos detentores da riqueza social. O regime inaugurado pelo liberalismo
assentava teoricamente no princípio da liberdade de contratar. Incumbiram-
se os fatos de demonstrar que, no contrato de trabalho, um dos
contratantes – o trabalhador – vivendo, por força da entrosagem
econômica, em um verdadeiro estado de menoridade social, não tinha

5
liberdade de discutir as condições de trabalho, submetendo-se, sempre, às
imposições patronais.
(...)
A convenção coletiva vem remediar essa situação de flagrante
disparidade, opondo ao patrão que, por si, constitui uma coalizão, no dizer
de Adam Smith, à coalizão obreira, restaurando, assim, praticamente, o
equilíbrio de forças. São duas potências sociais que se encontram para, no
mesmo pé de igualdade, estabelecer o seu modus vivendi”.”6

Da lição retro transcrita extrai-se que entre o empregador7 e o empregado existe


uma disparidade abissal, que, em última instância, inviabiliza a negociação das
condições gerais de trabalho por intermédio da autonomia clássica da vontade
individual.

Assim é que a doutrina trabalhista aconselha que tais cláusulas sejam pactuadas
a partir do exercício daquilo que denomina pelo epíteto de autonomia privada coletiva,
como tal entendido o “poder social dos grupos representados autoregularem seus
interesses gerais e abstratos, reconhecendo o Estado a eficácia plena dessa avença
em relação a cada integrante dessa coletividade, a par ou apesar do regramento estatal
– desde que não afronte norma típica de ordem pública”8.

Como é fácil intuir, aliás, não é por outra razão que a Organização Internacional
do Trabalho vaticina que “a liberdade sindical e a negociação coletiva são direitos
fundamentais no trabalho e essenciais para o exercício da democracia e do diálogo
social”.9
6
Orlando Gomes apud Enoque Ribeiro dos Santos, in Direitos Humanos na Negociação Coletiva, 1a ed.,
São Paulo: LTr, 2004, p.p. 101 e 102.
7
Estabelece o artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho brasileira que “considera-se empregador a
empresa, individual ou coletiva, que assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e
dirige a prestação pessoal de serviços.”
8
Arnaldo Sussekind et al, in Instituições de Direito do Trabalho, Vol. 2, 21a ed., São Paulo: LTr, 2004, p.
1178.
9
Extraído do sítio www.oit.org.br em 03.11.2007

6
Para demonstrar a extraordinária importância que a OIT atribui ao instituto em
exame, trago um excerto da sua Declaração de Direitos Fundamentais do Trabalhador
de 1998:

“La Conferencia Internacional Del Trabajo (...) declara que todos los
miembros , aun cuando no hayan ratificado los convenios aludidos, tienen
um compromisso que se deriva de su mera pertenencia a la Organización
de respetar, promover y hacer realidade, de buena fé y de conformidad con
la Constituicón, los princípios relativos a los derechos fundamentales que
son objeto de esos convenios, es decir:
(a) la libertad de asociación y la libertad sindical y el reconocimiento
efectivo del derecho de negociación colectiva”10 (destaque meu)

Finalizando o presente tópico, merece menção o fato da Constituição brasileira,


seguindo a diretriz do direito internacional, ter referendado, expressamente, o caráter
fundamental do direito à negociação coletiva.

Tanto é assim que elencou, no seu artigo 7º, XXVI, como direito dos
trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem a melhoria de sua condição
social, o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho, para logo
depois anunciar como obrigatória, no seu artigo 8º, VI, a participação dos sindicatos nas
negociações coletivas de trabalho11.

De todo o estudado até aqui, devo sublinhar, em virtude da importância desta


conclusão para o avanço do estudo que vem sendo desenvolvido, que a greve e a
negociação coletiva são direitos fundamentais dos trabalhadores, sendo consagrados

10
Extraído do sítio www.ilo.org em 03.11.2007 .
11
Nunca é demais lembrar que os artigos 7º e 8º da CRFB estão inseridos no título II da Magna Carta,
que, por sua vez, trata dos direitos e garantias fundamentais.

7
no plano externo pelos regramentos jurídicos internacionais e no interno pela
Constituição da República.

Não menos importante, ainda, é atentar para o caráter adjetivo da greve, já que
ela é o instrumento de pressão utilizado pelos obreiros nos contextos em que o
patronato se recusa a negociar.

Antes de passar a discorrer sobre o próximo eixo do presente texto, centrado na


função social da posse, traçarei previamente algumas considerações sobre o chamado
poder normativo da Justiça do Trabalho brasileira, já que não serão poucos aqueles
que, por certo, redargüirão as conclusões retro, ao argumento de que os dissídios
coletivos são preferíveis ao exercício do direito de greve nos contextos de impasse
negocial.

4 - A EMENDA CONSTITUCIONAL 45 E A DETERIORAÇÃO DO PODER


NORMATIVO DA JUSTIÇA DO TRABALHO

Como é sabido, o constituinte originário de 1988 homenageou o poder normativo


do Judiciário Trabalhista, ao estatuir na redação original do § 2o do artigo 114 da CRFB
que, “recusando-se qualquer das partes à negociação ou à arbitragem, é facultado aos
respectivos sindicatos ajuizar dissídio coletivo, podendo a Justiça do Trabalho
estabelecer normas e condições, respeitadas as disposições convencionais e legais
mínimas de proteção ao trabalho”.

Diante da intimidade que os operadores jurídicos possuem com a matéria, torna-


se despiciendo discutir os contornos desta modalidade atípica de jurisdição, sendo mais
proveitoso adentrar, sem delongas, nas modificações que a E.C. 45 acarretou no
assunto.
Ocorre que a novel redação do § 2o do artigo 114 da Magna Carta traz
substancial alteração quanto ao tema, estando a dizer, hodiernamente, que “recusando-
se qualquer das partes à negociação ou à arbitragem, é facultado às mesmas (sic), de

8
comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do
Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao
trabalho, bem como as convencionadas anteriormente”.

Salta aos olhos, pois, que embora o constituinte derivado continue a conceber a
existência do dissídio coletivo econômico, condicionou sua propositura à aquiescência
recíproca dos interessados, assim optando por diminuir a sua incidência no mundo
juslaboral, fazendo-o com arrimo nas mais saudáveis tradições democráticas.

Ocorre que o poder normativo não passa de malfazeja herança autoritária,


portanto sem paradigmas no mundo livre, que sempre cumpriu o repugnante papel de
inibir a organização coletiva dos trabalhadores, impedindo a gestação de uma
consciência classista mais aguçada.

A bem da verdade, o aconchego da jurisdição normativa relegou o direito


fundamental de greve a um plano inferior, impedindo-o de cumprir sua função de
vigoroso instrumento fomentador da negociação.

Afinal, sempre foi cômodo às direções sindicais menos compromissadas,


aboletadas na sinecura da unicidade e do financiamento sindical não-espontâneo,
justificar perante as bases o fracasso de suas campanhas salariais naquilo em que já
se proclamou, não sem alguma razão, como sendo o ranço conservador da Justiça do
Trabalho.

Desnudando a gênese antidemocrática do dissídio coletivo e do poder normativo


que dele emana, colho a lição do membro do Tribunal Superior do Trabalho, Ministro
Maurício Godinho Delgado:

“A presente fórmula de resolução de conflitos coletivos trabalhistas


[referindo-se ao dissídio coletivo] corresponde a figura quase singular no
Direito do Trabalho brasileiro, nos dias atuais.

9
Este instituto, regra geral, mostrou-se restrito a países cujas ordens
justrabalhistas tiveram formação doutrinária e legal autoritárias, de
inspiração organicista ou corporativista, como próprio às experiências
autocráticas de natureza fascista da primeira metade do século XX, na
Europa. Suplantadas aquelas experiências no continente europeu, a
fórmula judicial de solução de conflitos coletivos trabalhistas tendeu a ser
extirpada das respectivas ordens jurídicas.
(...)
Esse padrão, que repele a gestão democratizante das relações de
trabalho e não assimila a uma estruturação democrática da sociedade
política, identifica-se sob o título de modelo de normatização subordinada
estatal.
Essa última vertente jurídico-política repudia, frontalmente, a noção
e a dinâmica do conflito, que considera incompatível com a gestão
sociopolítica da comunidade. A rejeição do conflito faz-se em duas
dimensões: quer de modo direto, mediante uma legislação proibitiva
expressa [como o impedimento e a criminalização do direito de greve], quer
de modo indireto, ao absorvê-lo, sob controle, no aparelho de Estado, que
tece, minuciosamente, as práticas para a sua solução [como no poder
normativo da Justiça do Trabalho].
(...)
Tais experiências vieram forjar um sistema básico de elaboração e
reprodução de normas justrabalhistas, cujo núcleo fundamental situava-se
no aparelho de Estado. O conflito privado – pressuposto da negociação e
foco da criação justrabalhista – era negado ou rejeitado pelo Estado, que
não admitia seus desdobramentos autônomos, nem lhe construía formas
institucionais de processamento. Os canais eventualmente abertos pelo
Estado tinham o efeito de funcionar, no máximo, como canais de sugestões
e pressões controladas, dirigidas a uma vontade normativa superior,

10
distanciada de tais pressões e sugestões.”12 (meus os destaques e
comentários entre colchetes)

Corroborando dita preleção, o jurista Orlando Gomes ensina, reportando-se aos


dissídios coletivos, que “a maioria dos ordenamentos jurídicos desconhece essa
categoria processual”, dizendo, ainda, que “em muitos países a greve nasce e morre no
mundo social como conflito coletivo de interesses, apenas aplacada pelo complexo
mecanismo de negociação coletiva” 13.

Atento a essa realidade, o Tribunal Superior do Trabalho vem vigorosamente


implementando, no plano jurisprudencial, a novidade trazida pela E.C 45, de modo a
inibir a utilização dos dissídios coletivos e assim estimular a solução natural dos
conflitos coletivos de trabalho. A propósito do asseverado, trago as seguintes ementas:

“COMUM ACORDO. ART. 114, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO DA


REPÚBLICA, COM A REDAÇÃO DADA PELA EMENDA
CONSTITUCIONAL 45. PRESSUPOSTO PROCESSUAL. SUA AUSÊNCIA
IMPORTA EXTINÇÃO DO PROCESSO. A Emenda Constitucional 45, de 8
de dezembro de 2004, trouxe mudanças significativas no âmbito dos
dissídios coletivos. A alteração que vem suscitando maiores discussões diz
respeito ao acréscimo da expressão "comum acordo" ao § 2º do art. 114 da
Constituição da República. O debate gira em torno do consenso entre
suscitante e suscitado como pressuposto para o ajuizamento do dissídio
coletivo. A jurisprudência desta Corte consagra o entendimento segundo o
qual o comum acordo exigido para se ajuizar dissídio coletivo de natureza
econômica, conforme previsto no § 2º do art. 114 da Constituição da
República, constitui-se pressuposto processual cuja inobservância acarreta
a extinção do processo sem resolução do mérito, nos termos do inc. VI do
art. 267 do CPC. Recurso Ordinário de que se conhece e a que se dá

12
Op. cit., p.p. 32 e 110.
13
Curso de Direito do Trabalho, 14a ed., Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 645.

11
provimento para extinguir o processo, sem resolução do mérito, nos termos
do art. 267, inc. VI, do CPC.”14

“RECURSO ORDINÁRIO EM DISSÍDIO COLETIVO.


EXIGIBILIDADE DE ANUÊNCIA PRÉVIA. A manifestação expressa da
empresa em contrário ao ajuizamento do Dissídio Coletivo torna inequívoca
a ausência do comum acordo, condição da ação prevista no art. 114, §2º,
da Constituição da República. Preliminar que se acolhe para extinguir o
processo sem resolução do mérito, conforme o disposto no art. 267, VI, do
CPC.”15

Feito este recorte acerca da ruína do poder normativo, passarei doravante a


discorrer sobre a posse e sua função social, para a partir daí atingir o ponto nevrálgico
do presente estudo, consistente na construção de um novo olhar sobre os interditos
possessórios eriçados na Justiça do trabalho brasileira em face do exercício do direito
de greve.

5 – A POSSE E SUA FUNÇÃO SOCIAL

Tendo em vista os contornos propostos para o presente estudo, não me deterei


em questões de alta indagação doutrinária, tais como as teorias justificadoras da posse,
há tempos divididas entre as visões de Savigny e Ihering.

Aliás, consoante advertem Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, “as


teorias de Savigny e Ihering não são capazes de explicar o fenômeno possessório à luz
de uma teoria material dos direitos fundamentais. Mostram-se envelhecidas e
dissonantes da realidade social presente. Surgiram ambas em momento histórico no

14
Processo nº TST-RODC-3.612/2005-000-04-00.5, Relator Ministro João Batista de Brito Pereira.
15
Processo nº TST-RODC-992/2005-000-04-00.6, Relator Ministro Carlos Alberto Reis de Paula.

12
qual o fundamental era a apropriação de bens sob a lógica do ter em detrimento do
ser”16.

Assim, minha tarefa aqui será meramente a de aclarar, sem maiores divagações,
o que se deve entender por posse, para depois fincar a atenção nos requisitos que ela
deverá cumprir para merecer proteção judicial.

Muito se tem discutido se a posse seria um fato ou um direito. Nada obstante,


como bem explica Humberto Theodoro Júnior, o problema é questão de simples
nomenclatura.

Nesse diapasão, o mencionado jurista escreve que “normalmente a linguagem


jurídica dispõe de denominações distintas para os fatos geradores e para os direitos
produzidos, como se distinguem entre contrato e crédito, ou entre tradição e
propriedade. Já na posse, uma só palavra é empregada para exprimir o fato aquisitivo e
o direito que dele decorre, o qual também se chama de posse”17.

Com efeito, numa perspectiva simples, e por isso eficiente, a posse pode ser
compreendida como “o exercício, de fato, dos poderes constitutivos do domínio, ou
propriedade, ou de alguns deles somente”18.

Ao presente trabalho, porém, importa discutir, com maior ênfase, os requisitos


que a posse terá que cumprir para merecer a tutela jurídica. Convém assim ressaltar,
logo de plano, que os Códigos Civil e de Processo Civil do Brasil, estabelecem,
respectivamente nos seus artigos 1.210 e 926, que o possuidor terá direito a ser
segurado de violência iminente se tiver justo receio de ser molestado, de ser mantido
na posse no caso de turbação e nela restituído na hipótese de esbulho.

16
Direitos Reais, 4a ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p.p. 33 e 34.
17
Curso de Direito Processual Civil: Procedimentos Especiais, Vol. III, 38a ed., Rio de Janeiro: Forense,
2007, p. 124.
18
Clóvis Beviláqua apud Humberto Thedoro Júnior, idem, p. 119.

13
Nada obstante, tal discussão comporta outros elementos, vez que apenas a
posse justa é que poderá ser blindada por intermédio dos interditos possessórios.

Dentro de uma concepção conservadora, pode-se dizer, com estribo no artigo


1.200 do Código Civil brasileiro, que justa será a posse que não for violenta, clandestina
ou precária. Todavia, o referido preceptivo clama por interpretação conforme a
Constituição brasileira, para se entender que concretamente justa será a posse que,
além de reunir essas três qualidades (não ser violenta, clandestina ou precária),
respeitar fielmente a função social a que está destinada.

Almejando chancelar a conclusão acima, veiculo a preleção de Cristiano Chaves


de Farias e Nelson Rosenvald:

“Atualmente, a ciência jurídica volta o olhar para a perspectiva da


finalidade dos modelos jurídicos. Não há mais um simples interesse tão
evidente em conceituar a estrutura dos institutos, mas em direcionar o seu
papel e missão perante a coletividade, na incessante busca pela
solidariedade e pelo bem comum. Enfim, a função social se dirige não só à
propriedade, aos contratos e à família, mas à reconstrução de qualquer
direito subjetivo, incluindo-se aí a posse, como fato social, de enorme
repercussão para a edificação da cidadania e das necessidades básicas do
ser humano.”19

Aliás, o cumprimento da função social da posse é tão valorizado hodiernamente,


que a doutrina mais arrojada anuncia, com firmeza, que nem mesmo o proprietário
merecerá a tutela estatal possessória, quando se abstiver de emprestar destinação
social ao seu empreendimento.

Comprovando tal assertiva, trago, vez mais, o escólio de Cristiano Chaves de


Farias e Nelson Rosenvald:

19
Op. cit., p. 38.

14
“Tradicionalmente, a propriedade era classificada como um direito
subjetivo perpétuo e, conseqüentemente, só se constatava a prescrição da
pretensão do proprietário em recuperar o bem ao tempo do advento da
usucapião – pela própria perda do direito subjetivo de propriedade em
razão da aquisição de domínio pelo usucapiente. Hoje é possível aferir que
a perda da pretensão reivindicatória ou reintegratória pelo proprietário pode
produzir-se muito antes, pela simples constatação da inexistência material
e real do direito subjetivo de propriedade que se alega, posto que
destituído de utilização econômica ou social pelo seu titular.
Há muito se sabe da eficácia vertical dos direitos fundamentais. Ou
seja, pelo art. 5º, § 1º, da Constituição Federal, os direitos fundamentais
são de aplicação imediata para o legislador e o juiz. Aquele não pode
inovar no mundo infraconstitucional de forma lesiva ao princípio da função
social, sob pena da norma subalterna ser tida por inconstitucional. Já o
magistrado deverá incorporar os direitos fundamentais como fundamento
hábil a legitimar qualquer decisão, mesmo que o princípio não se encontre
positivado em qualquer norma processual.
Porém, atualmente, a grande questão que circunda o Direito Civil-
Constitucional concerne à eficácia horizontal dos direitos fundamentais, ou
seja, a influência dos direitos fundamentais na órbita das relações entre
particulares, e até que ponto ela afeta a autonomia privada, princípio
fundamental das relações civis. Sem entrar na discussão se o ingresso dos
direitos fundamentais ocorre de forma imediata – a maneira da eficácia
vertical – ou pela mediação das cláusulas gerais que se encontram no
Código Civil, tem-se que a função social se impõe como próprio freio que
delimitará a extensão da autonomia privada do proprietário em hipóteses
que as suas pretensões reivindicatória e possessória perdem a legitimidade
constitucional (...).
Normalmente, o proprietário ajuíza uma ação reivindicatória, com
base na demonstração do título de propriedade, ou opta pela via
possessória, pleiteando a liminar de reintegração, amparado na tese da

15
consumação do esbulho. Nos dois casos, as pretensões são consideradas
procedentes, na medida em que a simples exibição do registro (na
reivindicatória) e a produção de prova quanto à perda da posse (na
reintegratória) são requisitos legais para o êxito de tais demandas. Essas
soluções conservadoras apenas agravam o quadro de injustiça social
presente no campo.”20 (destaques meus)

Vale repisar, aqui, embora dizendo de outro modo, que o direito contemporâneo
é tão comprometido com o pleno atendimento da função social da posse, que a doutrina
moderna não teme afirmar que a pura e simples demonstração do esbulho não será
suficiente para justificar a concessão de liminar ao proprietário na ação de reintegração.

É certo, porém, que o termo ‘função social da posse’ não é muito mais do que
um conceito jurídico indeterminado a demandar integração construtiva por parte do
magistrado. Assim é que os multicitados Cristiano Chaves de Farias e Nelson
Rosenvald asseveram que “a tarefa da jurisprudência criativa consistirá em definir a
função social da posse, com base nos valores metajurídicos vigentes. Este é o único
modo de dar vazão ao art. 5º da LICC, ao impor que o juiz atenda às finalidades sociais
da lei quando de sua aplicação, preservando o bem comum”21.

Com a mente voltada para o objetivo do presente trabalho, centrado na


edificação de um novo olhar sobre os interditos possessórios manobrados em face do
exercício do direito fundamental paredista, acredito, de minha parte, que o desempenho
social possessório deva ser buscado nos dispositivos da Constituição brasileira que
tratam da função da propriedade, já que é sempre com lastro na privação física da
posse dela decorrente (da propriedade) que o empresário busca retomar o comando do
seu empreendimento nos contextos das chamadas greves de ocupação. Passo à
tarefa, portanto.
Como é curial, se por um lado é certo que a propriedade é um direito
fundamental do cidadão (art. 5o, XXII da CRFB), por outro não é menos verdade que ela
20
Idem, p.p. 52, 53 e 54.
21
Idem, p. 52.

16
deva cumprir uma inequívoca função social (art. 5o, XXII da CRFB), somente alcançada
no âmbito rural, por exemplo, quando atenda, simultaneamente, os requisitos de
observância das disposições que regulam as relações de trabalho, com a exploração
que favoreça o bem-estar dos trabalhadores (artigo 186, III e IV da CRFB).

Ademais, trata-se de verdadeiro truísmo que também a propriedade urbana,


tanto quanto a rural (como visto no parágrafo anterior), está constrangida à observância
de uma a função social, devidamente arrimada, dentre outras pilastras, na centralidade
do mundo do trabalho.

Não é por outra razão que a Constituição da República estabelece que a ordem
econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, devendo
acatar os princípios da função social da propriedade e da busca do pleno emprego
(artigo 170, caput, incisos III e VI).

Vale dizer, com efeito, que se a propriedade não é explorada de modo que
favoreça o bem-estar dos trabalhadores, olvidando as disposições que regulam as
relações de trabalho, não estará cumprindo com sua função social, ficando exposta, em
determinados casos, até mesmo à desapropriação por parte da União, para fins de
reforma agrária. Justamente por isso é que o artigo 184 da Magna Carta estabelece
que compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o
imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social.

Estabelecidas tais premissas, incumbe-me, nessa quadra do estudo, deixar claro


que para atender a contento o cânone da função social, a empresa deverá, além de
cumprir outros requisitos, não se recusar a participar dos procedimentos trabalhistas de
negociação coletiva.

Ocorre que esta (negociação coletiva), como já exaustivamente visto, é uma das
garantias constitucionais fundamentais da classe trabalhadora, sendo ainda certo que

17
no atendimento da função social, a propriedade deverá respeitar as disposições que
regulam as relações de trabalho, além de se pautar por um padrão exploratório hábil a
favorecer o bem-estar dos trabalhadores.

Ora, consoante já visto alhures, o direito de greve é a mais eficaz e democrática


válvula de pressão para garantir a deflagração e a continuidade da negociação coletiva,
sendo imprescindível, dessarte, para que os trabalhadores atinjam um padrão setorial
de direitos mais encorpado.

Logo, se a empresa se recusa a negociar, está a maltratar um dos mais


sagrados direitos dos trabalhadores, sendo iniludível, diante de todos os meandros
constitucionais já estudados, que não cumpre com a sua função social.

Ao agir assim, estará o empresário justificando a cessação coletiva do trabalho


(artigo 3º da Lei 7.783-89) e até mesmo abdicando, nos contextos mais agudos, de ser
beneficiado pela tutela estatal possessória, se o movimento paredista se desenvolver
sob o modelo da greve de ocupação.

Será dentro desta ótica que, no próximo tópico, atingirei o cume do presente
trabalho, ocasião em que discorrerei sobre os aspectos processuais mais relevantes
dos interditos possessórios aforados na Justiça do Trabalho brasileira.

6 – ASPECTOS PROCESSUAIS DOS INTERDITOS POSSESSÓRIOS NA


JUSTIÇA DO TRABALHO BRASILEIRA

Como já reiteradamente afirmado, o objetivo primordial deste artigo é o de


sugerir um novo olhar sobre as ações possessórias no âmbito da Justiça do Trabalho.
Para um desenvolvimento mais harmônico da pretensão, cuidarei, primeiramente, de
diferenciá-las, em virtude das peculiaridades que comportam.
6.1 – As Ações Tipicamente Possessórias

18
São três as ações tipicamente possessórias no direito processual brasileiro. O
interdito proibitório, a ação de manutenção de posse e a ação de reintegração de
posse. Todas elas são passíveis de serem manejadas na Justiça do Trabalho, nos
variados contextos do exercício do direito de greve.

O interdito proibitório possui previsão do artigo 932 do Código de Processo Civil


brasileiro, nele estando prescrito que o possuidor que tiver justo receio de ser
molestado na posse, poderá impetrar ao juiz que o segure da turbação ou esbulho22
iminente, mediante mandado inibitório, em que se comine astreintes ao réu para o caso
de transgredir o preceito.

De sua vez, as ações de manutenção ou reintegração de posse estão previstas


no artigo 926 do mesmo código, que estatui que o possuidor tem o direito de ser
mantido na posse em caso de turbação e reintegrado no de esbulho.

O estudo de uma ocorrência trazida pela doutrina poderá facilitar o entendimento


das ocasiões em que cada uma dessas ações haverá de ser ajuizada. Extraio-a da obra
de Raimundo Simão de Melo:

“Não raro ocorrem conflitos durante a greve sobre o direito de


propriedade, quando os trabalhadores fazem a paralisação acampados no
estabelecimento do empregador. (...) Essa ocupação pode ser pacífica ou
não. Pode ainda ser acompanhada de atos impeditivos da entrada de
pessoas e coisas no interior do estabelecimento”23.
Passo, com efeito, a partir da situação transcrita, a exemplificar as zonas de
interesse jurídico capazes de explicar o aproveitamento tecnicamente correto de tais
ações.

22
Turbação possessória é todo fato impeditivo do livre uso da posse, ou que venha tornar duvidoso o
exercício dela. Já o esbulho possessório é todo ato violento, em virtude do qual uma pessoa é despojada
daquilo que lhe pertence ou está em sua posse. Vide, a propósito, DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário
Jurídico, 3ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1991.
23
A Greve no Direito Brasileiro, 1a ed., São Paulo: LTr, 2006, p.p. 163 e 164.

19
Inicialmente é necessário ver que, dado o seu caráter preventivo, o interdito
proibitório deverá se intentado no contexto em que o possível esbulho ou turbação não
se consumaram, ou seja, naquele momento em que o empregador demonstre justo
receio de que o movimento grevista venha a se materializar na forma de ocupação do
estabelecimento.

De sua vez, a ação de manutenção deverá ser utilizada na pressuposição da


posse do proprietário estar sendo turbada, sem que ainda tenha sido aperfeiçoado
eventual esbulho, ou seja, naquela hipótese em que os grevistas, embora já
acampados na empresa, não estão subtraindo de terceiros e proprietários o direito e ir e
vir.

Já por outro giro, a ação de reintegração será manejada no caso do esbulho se


concretizar, ou seja, quando os trabalhadores, além de acamparem na fábrica,
passarem a proibir o acesso de pessoal ao local.

Insta esclarecer, ainda, que nos termos do artigo 920 do CPC, os interditos
possessórios são dotados de fungibilidade ampla, de sorte a permitir que no caso da
propositura de uma ação em vez de outra, o juiz conheça do pedido e outorgue a
proteção correspondente àquela cujos requisitos estejam comprovados.

Demais disso, nos termos do artigo 933 do CPC, a completude do regramento


das ações de reintegração e manutenção de posse se aplica à figura do interdito
proibitório, motivo pelo qual, no dizer de Humberto Theodoro Júnior, uma vez
“verificada a consumação do dano temido, a ação transforma-se ipso iure em interdito
de reintegração ou de manutenção, e, como tal, será julgada e executada”24.
Como se não bastasse, há de se destacar, antes de encerrar o presente tópico,
que de acordo com o artigo 921 do CPC, será lícito ao autor cumular ao pedido
possessório o pleito de condenação em perdas e danos, dentre outros.

24
Op. cit., p. 148.

20
Por fim, merece ser esclarecido que todas as exemplificações acima foram
construídas única e exclusivamente visando demonstrar quais seriam, em tese, as
situações que justificariam o interesse jurídico abstrato no manejamento das ações
enfocadas, haja vista que no plano concreto o elemento que justificará o deferimento ou
não da tutela possessória será o cumprimento da função social da posse, hipótese que
será mais bem analisada no tópico em que tratarei dos requisitos da concessão de
liminar.

6.1 – Competência Para a Cognição das Ações Possessórias Oriundas do


Exercício do Direito de Greve

Muito embora de toda a exposição até aqui desenvolvida sobressaia cristalina a


competência da Justiça do Trabalho para a cognição da matéria estudada, algumas
palavras, mais profundas, merecem ser agora redigidas sobre o tema.

Ocorre que não obstante o Supremo Tribunal Federal brasileiro vir pronunciando,
desde 1991, que para a determinação da competência da Justiça do Trabalho não
importa que a solução da lide dependa de questões de direito civil, mas sim que o
fundamento do pedido seja oriundo da relação individual ou coletiva entre empregados
e empregadores25, o certo é que até o advento da Emenda Constitucional nº 45 pairava
no universo jurídico brasileiro inexplicável celeuma sobre qual dos ramos do Poder
Judiciário deveria conhecer os interditos possessórios aforados em virtude de
movimentos paredistas, controvérsia esta que propiciava a usurpação da competência
da Especializada por parte dos órgãos da Justiça Comum.
Felizmente, entretanto, a disputa já se encontra quase que de todo sepultada
atualmente, na medida em que a novel redação do artigo 114, II, da CRFB passou a
estabelecer a partir de 08.12.2004, com tintas fortes, que compete à Justiça do
Trabalho processar e julgar, sem exceções, as ações que envolvam o exercício do
direito de greve.
25
Vide o julgado STF, Ac. Pleno, Conflito de Jurisdição nº 6.959, Relator Ministro Sepúlveda Pertence,
DJU de 22.05.1991, p. 1259.

21
Atenta à inovação trazida pelo constituinte derivado, até mesmo a doutrina
civilista já vem se dobrando à evidência dos fatos. Nesse, sentido, trago o escólio de
Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:

“A outro turno, a ampliação da competência da Justiça do Trabalho,


desde a promulgação da Emenda Constitucional nº 45, de 2004, atrai o
exame do interdito proibitório quando relacionado ao exercício do direito de
greve das categorias profissionais. Se antes o julgamento competia a
Justiça Estadual, com a nova redação do art. 114, II, da Constituição
Federal, qualquer ato de ameaça a posse dos bens do empregador e do
direito de ir e vir de empregados e veículos no exercício do direito de greve
será aferido pela Justiça do Trabalho. Não é raro que os chamados
“piquetes” impedem o acesso do público às empresas e de trabalhadores
que não tenham aderido à paralisação.”26

Seguindo a esteira doutrinária, também a Justiça Comum está atualmente a


reconhecer a mudança ocorrida. Para demonstrar o asseverado, trago um trecho de
decisão oriunda de órgão de primeira instância do Tribunal de Justiça do Distrito
Federal:

“Sabe-se que a atual reforma do Poder Judiciário, concretizada pela


EC nº 45, ao dar maior proeminência à Justiça do Trabalho, modificou
profundamente a sua configuração anteriormente conferida pela
Constituição de 1988 quanto à sua competência material.
Atribui-se à Justiça do Trabalho competência para julgar outras lides
de natureza diversa, estranhas à sua clássica competência constitucional
até então vigente.
Conclui-se, então, que, com o advento da nova sistemática
constitucional, ampliando-se a competência da Justiça do Trabalho para o

26
Op. cit., p. 130.

22
processamento e julgamento de outras lides, que não apenas trabalhistas
stricto sensu, atrai-se para a Justiça Especializada a aplicação de outros
direitos materiais que regulam essas relações.
Desta maneira, não apenas os conflitos oriundos das relações de
emprego são da competência da Justiça do Trabalho, mas, também,
aquelas surgidas em decorrência do exercício do direito de greve, nos
termos do art. 9º c/c art. 114, inciso II, ambos da CF/88.
Vale lembrar que nem sempre as ações que decorrem do exercício
do direito de greve envolvem empregados e empregadores, pois agora é
alçada da Justiça do Trabalho todo litígio que decorra do exercício do
direito de greve, ainda que envolvam terceiros e/ou ações possessórias
entre sindicato e empregador em face do exercício do direito de greve.
Diante do exposto, em face da nova ordem constitucional
concernente à competência da Justiça Trabalhista, implementada pela EC
nº 45, uma vez reconhecida a incompetência absoluta deste Juízo para
processar e julgar o feito, com fulcro no art. 113 do CPC, declino da
competência em favor de uma das Varas da Justiça do Trabalho, à qual,
decorrido o prazo recursal e feitas as devidas anotações, deverão ser
remetidos os autos, via distribuição.”27

Outrossim, colocando uma pá de cal no assunto, trago a lume a posição


expressa do Supremo Tribunal Federal brasileiro, que carrega em si o condão de
dissipar qualquer dúvida que ainda possa reinar na mente dos mais renitentes:

27
Decisão proferida na Sétima Vara Cível do Distrito Federal, nos autos do processo nº
2005.01.1.096701-4, em 04.05.2006.

23
“Agravo de instrumento de decisão que inadmitiu RE contra acórdão
do Tribunal de Alçada de Minas Gerais que declarou a competência da
Justiça Estadual para julgar ação de interdito proibitório proposto entre
empregado e empregador, em face do exercício do direito de greve.
No caso, os funcionários do agravado, em campanha salarial,
impediam o acesso às agências bancárias locais.
De acordo com o Tribunal a quo, em suma, o interdito proibitório
discute tão-somente matéria de natureza possessória, ou seja, trata de
questão de direito civil, razão pela qual deve ser apreciada pela Justiça
Comum.
Alega o RE violação do art. 114, II, da Constituição. Aduz a
competência da Justiça do Trabalho para o julgamento do feito.
Decido.
Tem razão o recorrente.
O acórdão recorrido diverge do entendimento do STF: originando-se
da relação de emprego, a presente controvérsia deve ser julgada pela
Justiça do Trabalho, não importando a circunstância de fundar-se o pedido
em regra de direito comum.
(...)
Provejo o agravo, que converto em recurso extraordinário (art. 544, §§
3º e 4º, do C.Pr.Civil) e, desde logo, dou provimento a este (art. 557, § 1º-
A, do C.Pr.Civil), para reformar o acórdão recorrido e reconhecer a
competência da Justiça do Trabalho para o julgamento do feito.”28

Pois bem. Demonstrada com fôlego a inelutável competência da Justiça do


Trabalho para a cognição da matéria, passo, no tópico seguinte, a tecer algumas
breves considerações sobre a legitimidade e o procedimento nas ações possessórias.

6.2 – Legitimidade – Procedimento


28
Agravo de Instrumento nº 630440, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, julgamento ocorrido em 12 de
março de 2007.

24
As questões em epígrafe não suscitam maiores controvérsias, o que me
conduzirá a tratá-las de modo mais ligeiro.

No caso, evidentemente, a legitimidade ativa pertencerá à pessoa física ou


jurídica que estiver experimentando algum tipo de constrangimento na sua posse, em
virtude de movimento paredista protagonizado por seus empregados. De outro tanto, a
legitimidade passiva será do sindicato que representa a categoria profissional em greve.

Já o procedimento será variável, a depender da ação ser de força nova ou de


força velha.

Assim, nos termos do artigo 924 do CPC, quando a ação possessória for
intentada dentro de ano e dia da turbação ou esbulho, o rito será o especial, na forma
em que previsto nos artigos 920 e seguintes do CPC. Por outra vertente, quando
ajuizada depois desse prazo (ano e dia), o rito será o ordinário, embora a demanda não
perca a sua natureza jurídica possessória.

A grande e substancial diferença entre as duas formas de desenvolvimento


processual reside na possibilidade do ofendido ser agraciado com liminar no
procedimento especial29, fato que se mostra inviável no rito ordinário, muito embora
algumas vozes se animem a asseverar que a partir da primeira onda de reforma
processual, operada em 1994, também nas ações de força velha seria possível a
concessão de liminar satisfativa, na forma de tutela antecipada30, já que a partir de
então o aludido instituto foi incorporado ao rito ordinário.

29
Art. 928 do CPC – Estando a petição inicial devidamente instruída, o juiz deferirá, sem ouvir o réu, a
expedição do mandado liminar de manutenção ou reintegração; no caso contrário, determinará que o
autor justifique previamente o alegado, citando-se o réu para comparecer à audiência que for designada.
Art. 929 do CPC – Julgada procedente a justificação, o juiz fará logo expedir mandado de manutenção ou
reintegração.
30
A respeito, vide Luiz Guilherme Marinoni, in Técnica Processual e Tutela dos Direitos, 1a ed., São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 575.

25
Discordo desse ponto de vista. Procurando justificar a minha posição, trago,
novamente, a lição de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:

“A outro giro, não admitimos a extensão da tutela antecipada


genérica do artigo 273 do Código de Processo Civil às ações possessórias
de força velha. A tutela antecipada é de fato o maior indicador da adoção,
pelo nosso legislador, do princípio da efetividade. Veio, porém, para
imprimir celeridade ao procedimento comum, nos ritos ordinário e sumário,
só podendo atingir o rito especial quando houver compatibilidade (art. 272,
parágrafo único, do CPC).
Vale dizer, muito antes da introdução da tutela antecipada genérica
na reforma processual de 1994, o ordenamento já reconhecia
determinadas ações que, em seu bojo, contavam com tutela antecipada
específica. Trata-se de ações de rito especial, dotadas de liminares
satisfativas próprias, dentre elas o mandado de segurança, a ação popular,
a ação civil pública e, incluindo-se nesse seleto grupo, as ações
possessórias. Essas ações detêm sistemática peculiar e, por um princípio
de hermenêutica, a nova regra que se estabeleceu para o processo comum
não alcança as ações especiais, exceto se houver expressa disposição
legal nesse sentido.
Nestes termos, acreditamos que, caso concedida a antecipação de
tutela genérica no bojo de uma ação de força velha, incidiria verdadeira
burla – por vias transversas – à sistemática das ações possessórias que já
comportam um termo ad quem para a concessão de liminares.
(...) Pensamos que o princípio da instrumentalidade nos ensina que
o processo é uma técnica a serviço de uma ética de direito material. Se a
dicotomia procedimental das ações de força nova e força velha é derivada
da ficção emanada do direito civil quanto à perda da posse após a
passagem do prazo decadencial e o sistema das ações possessórias
retrata de forma fidedigna tal cisão, não se poderá admitir que uma norma

26
genérica como a tutela antecipada possa desvirtuar os alicerces desta
construção.”31

Há de registrar, todavia, que na Justiça do Trabalho, dado o caráter efêmero dos


movimentos paredistas, a ação possessória de força velha será quase impossível de
ser manejada.

Concluída mais essa parte do texto, chego ao ponto nevrálgico do presente


trabalho, que será a apreciação dos requisitos necessários para a concessão ou não de
liminar, quando finalmente poderei propor uma nova forma - mais comprometida com a
função social da posse - de se encarar os interditos possessórios eriçados em face do
exercício do direito fundamental de greve.

6.3 – Medida Liminar

Visando uma melhor compreensão da matéria, dado as peculiaridades do


assunto, analisarei a questão correlata à concessão (ou não) de medida liminar 32
primeiramente sob a ótica do interdito proibitório, para somente depois discorrer na
perspectiva das ações de manutenção e reintegração de posse.

6.3.1 – Interdito Proibitório

31
Op. cit., p.p. 139 e 140. Registre-se, todavia, que os mencionados autores, na seqüência, trazem uma
alternativa em que a antecipação de tutela poderia ser usada, não para resguardar a posse, mas a
propriedade. Dizem eles, na mesma p. 140: “A título de sugestão, sendo o possuidor igualmente
qualificado como proprietário, será aconselhável o ajuizamento de ação reivindicatória, depois de
escoado o prazo de ano e dia, podendo o autor lograr êxito com a demonstração de sua titularidade.
Nestas circunstâncias poderá obter a tutela antecipada do art. 273, do Código de Processo Civil, sendo
da essência da dita ação petitória o rito ordinário. Aqui não se verifica qualquer burla ao sistema, pois a
pretensão do autor se assenta em remédio jurídico ligado à violação de direito de propriedade. Ao
contrário da ação possessória, a reivindicatória tramita com procedimento comum, sem previsão legal
específica para a concessão de tutela antecipatória”.
32
Devo esclarecer que centrarei atenção na decisão da liminar, pois em virtude do caráter efêmero da
greve, o interesse processual do autor geralmente se exaure antes da decisão definitiva de mérito.

27
Numa visão mais conservadora, meramente patrimonialista, poder-se-ia dizer
que bastaria a notícia da possibilidade de realização de greve, para que, uma vez
ajuizado o interdito proibitório33, a medida liminar inibitória fosse concedida ao autor,
com a incontinente expedição de mandado proibitório, adensado pela cominação de
pena pecuniária em caso de desrespeito ao preceito mandamental.

Nada obstante, já sob uma ótica comprometida com os fundamentos


republicanos da cidadania plena, da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais
do trabalho e da livre iniciativa (artigo 1º, II, II e IV da CRFB), a simples notícia da
iminente deflagração de movimento paredista não pode ser tida como álibi para a
concessão do interdito cominatório.

Ocorre que consoante exaustivamente visto, a greve é uma garantia


constitucional fundamental da classe trabalhadora, sendo certo, ainda, que sempre
militará presunção favorável à categoria profissional envolvida, no sentido que
exercitará o seu direito de maneira não abusiva.

Como é palmar, o requisito específico para a concessão de medida liminar


satisfativa no caso será, nos termos do artigo 932 do CPC, o ‘justo’ receio do autor em
ser molestado em sua posse. Assim é que a simples notícia da possibilidade de
ocorrência de greve não é suficiente para concedê-lo, até mesmo porque nos termos do
artigo 153 do Código Civil brasileiro não se considera coação a ameaça do exercício
normal de um direito.
Justamente por isso é que o jurista Humberto Theodoro Júnior ensina que “para
manejar o interdito proibitório, deverá, outrossim, demonstrar o interessado um fundado
receio de dano, e não apenas manifestar um receio subjetivo sem apoio em dados
concretos aferíveis pelo juiz. (...) Qualquer outro tipo de receio, que não seja de

33
Esclarece Humberto Theodoro Júnior (op. cit., p. 148) que “a estrutura do interdito proibitório é de uma
ação cominatória, para exigir do demandado uma prestação de fazer negativa, isto é, abster-se da
moléstia à posse do autor, sob pena de incorrer em multa pecuniária”.

28
violência iminente, portanto, não configura o justo receio, de que fala o artigo 932 do
Código de Processo Civil”34.

Felizmente, aliás, tanto a doutrina quanto a jurisprudência já cumpriram a tarefa


de desconstruir o mito edulcorado do juiz neutro, mero servidor autômato da letra fria da
lei e serviçal conformado das elites econômicas.

O magistrado contemporâneo, principalmente o trabalhista, embora imparcial,


não deixa se levar pelas concepções arcaicas de organização social, que sempre
privilegiaram o patrimônio em detrimento do ser humano. Tem os olhos atentos e
conhece bem o mundo ao seu redor. Sabe, assim, que no mais das vezes o interdito
proibitório é manejado como forma de intimidação para que os trabalhadores não
adiram à greve.

Nesse sentido, são lapidares as palavras do Juiz Nicanor Fávero Filho, titular da
7ª Vara do Trabalho de Cuiabá – MT, manifestando-se em caso concreto submetido ao
seu poder jurisdicional, no qual uma instituição bancária pugnava pela concessão de
liminar em ação possessória:

“Tenho, data máxima venia e salvo melhor juízo, que a utilização do


instituto, com sua concessão em caráter liminar, não pode ser utilizado
como meio de ameaça ou amedrontamento daqueles que pretendem fazer
uso de seu direito de greve, também garantido constitucionalmente,
tampouco como meio de resistência para qualquer possibilidade de
conversação e possível negociação.”35

Já de minha parte, acredito que o requerente somente se mostrará digno da


liminar perseguida quando demonstrar que a greve engendrada pelos trabalhadores
possui o escopo único de esgarçar gratuitamente as relações empregatícias, como
34
Op. cit., p.p. 148 e 149.
35
Decisão interlocutória proferida em 27 de setembro de 2005, no interior dos autos do processo nº
01012.2005.007.23.00-3, cujo curso deu na 7ª Vara do Trabalho de Cuiabá – MT.

29
naqueles casos em que reste claro ter sido a sua realização decidida com grande
antecedência, muito tempo antes da data-base, quando sequer se cogitava da abertura
do processo de negociação coletiva.

Movendo-se em tal diretriz, trago a ementa nº 372 do Comitê de Liberdade


Sindical da Organização Internacional do Trabalho:

“EMENTA 372. As greves de caráter puramente político36 e as


decididas sistematicamente muito tempo antes de encetar as negociações
não se situam no âmbito dos princípios da liberdade sindical.”
Elaboradas tais avaliações, passo, doravante, a desafiar a questão das liminares
nas ações de manutenção e reintegração de posse.

6.3.2 – Ações de Manutenção e Reintegração de Posse

36
É evidente que todas as greves são inegavelmente dotadas de contundente caráter político.
Procurando, todavia, explicar o uso da expressão “caráter político” no corpo da ementa transcrita, trago a
lição de Marilena Chaui, in Convite à Filosofia, 13a ed., São Paulo: Editora Ática, 2005, p.p. 347 e 348:
“Em certos casos, é compreensível que a expressão greve política pareça uma acusação. Quando, por
exemplo, se trata de trabalhadores de uma fábrica de automóveis que, em nome de melhores salários,
entram em greve contra a direção da empresa, considera-se que a greve é como tem de ser, ou seja,
simplesmente econômica. Ao criticá-la como greve política está-se querendo dizer que os grevistas, sob
a aparência de uma reivindicação salarial, estariam defendendo interesses particulares escusos e
ilegítimos, ou buscando, dissimuladamente, vantagens e poderes para alguns sindicalistas. A palavra
política é, assim, empregada para dar um sentido pejorativo à greve. Há casos, porém, em que a
expressão greve política, usada como crítica ou acusação, é surpreendentemente descabida.
Suponhamos, por exemplo, que os trabalhadores de um país façam uma greve geral contra o plano
econômico do governo. Estão, portanto, recusando uma política econômica e, nesse caso, a greve é e só
pode ser política. Por que, então, acusar uma greve por ser o que ela é? O motivo é simples: para o
senso comum social, dizer de alguma coisa que ela é política é fazer uma acusação. A crítica só em
aparência está dirigida contra a greve, pois, realmente, está voltada contra a política, imaginada como
algo maléfico.”

30
Aqui poderia parecer, mais uma vez em olhar padronizado e nada crítico, que
para a posse merecer a tutela jurisdicional, bastaria ao interessado comprovar em juízo
ser ela justa - como tal entendia aquela que não é violenta, clandestina ou precária
(artigo 1.200 do CC) - bem como a turbação na ação de manutenção, ou o esbulho na
ação de reintegração (artigo 926 do CPC).

Mas a questão, como já visto alhures, é muito mais intrincada quando a


analisamos pelos vetores da cidadania plena, da dignidade da pessoa humana e dos
valores do trabalho e da livre iniciativa, que juntos compõem o núcleo essencial da
Magna Carta brasileira.

Basta remoer que o artigo 1.200 do Código Civil clama por interpretação
conforme a Constituição, a fim de se entender que somente será justa a posse que,
além de não ser violenta, clandestina ou precária, cumprir fielmente a função social a
que está destinada, situação que conduz a doutrina a prenunciar, sem temor, que nem
mesmo o proprietário merecerá a tutela estatal possessória, quando se abstiver de
emprestar destinação social ao seu empreendimento.

Outrossim, também como já repassado, o conceito aberto da função social da


posse há de ser colmatado pelos dispositivos constitucionais que tratam da
propriedade, pois é com substrato na privação física da posse dela emanada que os
patrões invariavelmente colimam retomar o comando do empreendimento nos
contextos das greves de ocupação.
Assim é que se chega à conclusão de que a posse, para cumprir a sua função
social, e assim ser tida por justa a ponto merecer a tutela estatal possessória, deverá
atender, simultaneamente, aos requisitos de observância das disposições que regulam
as relações de trabalho e de exploração que favoreça o bem-estar dos trabalhadores
(artigos 186, III, IV e 170, caput, III, VI, ambos da CRFB), condição que somente
atingirá se dispuser a respeitar o direito fundamental de negociação coletiva
reconhecido aos obreiros.

31
Com efeito, na medida em que, nos termos do artigo 3º da Lei 7.783-89, a
deflagração do movimento paredista sempre estará envolta no contexto de recusa dos
empregadores a iniciar, continuar ou retomar a negociação coletiva, ou seja, no cenário
em que, pelo menos transitoriamente, o empreendimento não estará cumprindo
plenamente com a sua função social, parece-me insofismável a conclusão de que
mesmo que a greve venha assumir a forma de ocupação, não haverá como se
reconhecer a proteção possessória ao proprietário, na medida em que a sua posse não
poderá, naquele instante, ser classificada como justa.

É certo que o vaticínio acima poderia ser infirmado sob a alegação de que, uma
vez ocupada a fábrica, restaria consumada, nos termos da conjunção dos artigos 14,
caput e 6º, §§ 1o e 3º, ambos da Lei 7.783-89, a figura jurídica do abuso do direito de
greve, haja vista que no curso do movimento paredista os meios adotados por
empregados e empregadores não podem violar ou constranger os direitos e garantias
fundamentais de outrem, sendo ainda vedado que as manifestações e atos de
persuasão utilizados pelos grevistas impeçam o acesso ao trabalho ou causem ameaça
ou dano à propriedade, tudo isso conspirando a favor da conclusão de que a
desocupação haveria de ser imediatamente ordenada pelo magistrado.

O desate do imbróglio, todavia, não é tão simplista quanto possa parecer à


primeira vista. Ocorre que, como já elucidado, somente a posse justa, como tal
entendida aquela que cumpre a sua função social, é que merece a tutela jurisdicional,
de sorte que a simples recusa dos empregadores em negociar coletivamente o conflito
trabalhista instaurado é capaz de aconselhar que a celeuma seja enfrentada com maior
acuidade.

Assim é que os §§ 1o e 3º do artigo 6o da 7.783-89 merecem ser interpretados a


partir do cotejo dos interesses constitucionais fundamentais que neles conflitam. Para o
melhor desenvolvimento deste raciocínio, tenho por bem em trazer, antes de tudo,
algumas considerações doutrinárias acerca do princípio da proporcionalidade.

32
Para tanto colho as palavras de Mauro de Azevedo Menezes:

“Tendo em vista o conteúdo freqüentemente aberto e variável dos


direitos fundamentais, sua expressão, por vezes, ocorre justamente no
confronto com outros direitos ou bens igualmente tutelados pela
Constituição. Com efeito, a incorporação dos direitos humanos, nas suas
várias dimensões, à positividade constitucional, necessariamente repercute
num deslocamento ou numa redução do raio de alcance de poderes
estatais ou não estatais, cuja matriz jurídica encontra-se, também,
constitucionalizada. Daí porque a colisão provocada pelo exercício dos
direitos fundamentais não constitui anomalia alguma, mas sim um resultado
ordinário da sistemática de proteção constitucional do seu conteúdo.
(...)
A colisão de direitos fundamentais se resolve à maneira da colisão
de princípios. (...) No caso dos princípios, à semelhança dos direitos
fundamentais, e ao contrário das meras regras [segundo o autor as regras,
ao contrário dos princípios e dos direitos fundamentais, não colidem, mas
sim entram em conflito, motivo pelo qual a que não é prevalente é
imediatamente revogada], ocorre autêntica colisão, devendo cada caso
concreto ser analisado particularmente, mediante a atribuição de peso
específico a cada um dos princípios envolvidos. Se um princípio cede a
outro, como resultado desse procedimento – conhecido por ponderação -,
nem por isso perde a sua validade. Em outras palavras, o afastamento de
um princípio constitucional por outro, na análise específica de um caso, não
implica a sua revogação. A solução do choque suscita a necessidade de
levar em conta o peso ou a importância relativa de cada princípio, a fim de
se escolher qual deles no caso concreto prevalecerá ou sofrerá menos
constrição do que o outro.”37 (sem a observação entre colchetes no original)

37
Constituição e Reforma Trabalhista no Brasil: Interpretação na Perspectiva dos Direitos Fundamentais,
1ª ed., São Paulo: LTr, 2004, p.p. 152, 154 e 155.

33
Esquadrinhada de tal modo a discussão, é de se ver, logo de início, que o
prefalado § 1º do artigo 6º da Lei 7.783-89 dirige não só aos empregados, mas também
aos empregadores, a obrigação de não violar ou constranger os direitos fundamentais
de outrem.

Com efeito, se por um lado é certo que os empregados a princípio não poderiam
colocar em xeque a posse do estabelecimento, também é correto dizer que os
empregadores não poderiam dilacerar o direito inalienável dos empregados à
negociação coletiva38.

De tal arte, no balanço da proporcionalidade dos interesses em jogo, a solução


mais correta seria a de privilegiar o interesse coletivo dos grevistas na negociação
coletiva em detrimento do interesse individual do proprietário na manutenção ou
restituição da sua posse. Primeiramente porque o centro vital da Constituição brasileira
reside na dignificação do ser humano e não na defesa incondicional do patrimônio39. Em
segundo plano pelo fato de que a posse não estaria homenageando a função social a
que está constitucionalmente adstrita.
Demais disso, a greve é um fenômeno transitório, nela não existindo,
ordinariamente, qualquer intenção dos paredistas na ocupação perpétua do
estabelecimento - até porque o intento primordial deles é a abertura ou a retomada da
negociação coletiva -, não havendo que se vislumbrar, dessarte, qualquer perigo de
privação eterna da posse atribuída ao empregador pelo exercício da propriedade.

De outro viés, o § 3º do artigo 6º da Lei 7.783-89, que diz na sua primeira parte
que as manifestações e atos de persuasão utilizados pelos grevistas não poderão

38
Nunca é demais repisar que a greve somente se justifica nos contextos de recusa dos empregadores à
negociação coletiva (artigo 3º da Lei 7.783-89).
39
O professor de direito constitucional e Procurador do Trabalho, Manoel Jorge e Silva Neto, in Direitos
Fundamentais e o Contrato de trabalho, 1ª ed., São Paulo: LTr, 2005, p. 21, ensina que “a dignidade da
pessoa humana é o fim supremo de todo o direito; logo, expande seus efeitos nos mais distintos
domínios normativos para fundamentar toda e qualquer interpretação. É o fundamento maior do Estado
brasileiro”.

34
impedir o acesso ao trabalho, há de ser analisado tanto sob a ótica do trabalhador que
não deseja ser privado do direito de trabalhar, bem como de terceiros, já que não raro a
sociedade, difusamente considerada, também experimenta os efeitos colaterais das
paralisações.

Quanto ao trabalhador que desejasse laborar, não se pode negar que a


Constituição, pelo menos a princípio, lhe garante o direito de ir e vir. Mas o assunto é
mais complexo do que parece. Para tanto, basta lembrar, como já visto acima, que não
são raros os casos em que os vários direitos fundamentais entram em rota de colisão,
ocasiões em que o dissenso entre eles demanda acomodação pelo princípio da
proporcionalidade. Parece-me que aqui se tem um caso de tal natureza.

Ocorre que o direito individual de ir e vir desse trabalhador - conhecido no jargão


operário como “fura-greve” -, não pode se sobrepor ao direito fundamental coletivo de
paralisação da categoria profissional a que ele pertence.

Por óbvio, é absolutamente legítimo que aquele que não deseja a suspensão dos
trabalhos participe da assembléia40 em que a classe deliberará sobre a paralisação,
para nela defender o seu ponto de vista, votando, ao final, contra o movimento.

Nada obstante, uma vez convencionada a interrupção dos serviços pelo


quorum41 previsto no estatuto da entidade sindical, o direito individual do interessado
em trabalhar deverá ceder ao interesse maior da categoria em promover a greve, sendo
absolutamente legítimo, pois, que os piquetes o impeçam - evidentemente sem
violência - de sabotar o movimento paredista democraticamente discutido e aprovado.

40
Diz o artigo 4º da Lei 7.783-89: Caberá à entidade sindical correspondente convocar, na forma do seu
estatuto, a assembléia geral que definirá as reivindicações da categoria e deliberará sobre a paralisação
coletiva da prestação de serviços.
41
Estatui o § 1º do artigo 4º da Lei 7.783-89: O estatuto da entidade sindical deverá prever as
formalidades de convocação e o quorum para deliberação, tanto da deflagração quanto da cessação da
greve.

35
A propósito da perniciosa figura do “fura-greve”, vale trazer à baila, mais uma
vez, as palavras sempre lúcidas do jurista Márcio Túlio Viana:

“Ao exercer o seu suposto direito, ele [o fura-greve] dificulta ou


inviabiliza o direito real da maioria. O que faz não é apenas trabalhar, mas
– com o perdão do trocadilho infame – atrapalhar o movimento. Ele
realmente fura a greve, como se abrisse um buraco num cano de água. E o
seu gesto também tem algo de simbólico: mostra que a identidade operária
não é coesa, que há resistências internas.
Tal como o grevista, o fura-greve fala: põe em cheque (sic) o
movimento, denuncia a própria greve. Mas ao resistir à resistência revela
dupla submissão. Ele luta contra os que lutam por um novo e maior direito;
esvazia o sindicato, dificulta a convenção coletiva e fere o ideal de
pluralismo jurídico e político.”42 (minha a observação entre colchetes)

Como se não bastasse tudo o que já foi dito, o fato é que o artigo 1.210, § 1º do
Código Civil brasileiro garante ao possuidor turbado ou esbulhado o direito de manter-
se ou restituir-se pela própria força, contanto que o faça logo e desde que os atos de
defesa ou desforço não superem o indispensável à manutenção ou restituição da
posse.

Ora, se mesmo com o núcleo capital da Constituição brasileira residindo na


promoção da dignidade da pessoa humana - e não na defesa cega da propriedade - o
regramento infraconstitucional permite ao possuidor turbado ou esbulhado defender seu
patrimônio por intermédio da autotutela, não se mostra razoável que impeça a classe
trabalhadora de promover, por via de piquetes, a legítima defesa do seu direito
fundamental de greve.

Diante de todas essas ponderações, não posso concluir de outro modo, a não
ser para entender que há flagrante inconstitucionalidade, por ponderação inadequada

42
Op. cit., p. 100.

36
dos interesses conflitantes, na parte do artigo 6o, § 3º da lei 7.783-89 em que se proíbe
as manifestações e atos de persuasão utilizados pelos grevistas de impedirem o acesso
ao trabalho.

Aliás, como adverte a constitucionalista Kátia Magalhães Arruda “a história do


direito do trabalho está intimamente vinculada com o associacionismo. A concretização
da chamada ‘consciência de classe’ pelas exploradas massas de trabalhadores
europeus, no século XIX, foi responsável pela grande maioria dos direitos que vieram a
ser garantidos em leis isoladas e posteriormente considerados como direitos
fundamentais”43.

Partindo dessa constatação histórica, é correto afirmar que as compreensões


individualistas de mundo sempre deverão ser veementemente rechaçadas pelos
juslaboralistas, pois que estribadas em uma concepção filosófica liberal ultrapassada,
invariavelmente conspiram contra a lógica de construção coletiva dos direitos
trabalhistas.

Mas a discussão não termina por aí, devendo ser enfrentada, ainda, pela ótica
dos terceiros. Aqui o debate se mostra muito mais duro, vez que no caso defrontam-se
dois interesses ‘coletivos’ fundamentais, um dos trabalhadores e outro da sociedade.
Creio, todavia, que também estes (os terceiros) deverão sofrer algum desgaste para
que o movimento paredista logre êxito.

Tome-se o exemplo dos correntistas de agências bancárias que desejem realizar


operações em caixas eletrônicos. Na hipótese, o irrestrito acesso deles ao interior das
agências paralisadas, viria a ferir de morte a lógica da greve.

Como é por demais sabido, nos últimos anos os bancos promoveram no mundo,
balizados pelo intento de maximização dos seus lucros, uma avassaladora onda de

43
Direito Constitucional do Trabalho: Sua Eficácia e o Impacto do Modelo Neoliberal, 1ª ed., São Paulo:
LTr, 1998, p. 102.

37
automatização das suas agências. Tal movimento traz consigo um componente
altamente perverso e ainda pouco estudado.

Ocorre que na medida em que a automação avança, os correntistas, sem


perceberem, passam a praticar atos que, tempos atrás, eram de responsabilidade dos
bancários. Verdadeiro truísmo que esse arranjo é altamente conveniente para os
banqueiros, já que, de uma única tacada, demitem a grande maioria de seus
empregados, enxugam a sua folha de salários e tributos, e passam a se valer da mão-
de-obra gratuita dos seus incautos correntistas, que ainda pagam taxas abusivas para
executarem tais operações.

Justamente por isso é que as greves cada vez mais importam menos para os
banqueiros, pois ainda que seus trabalhadores cruzem os braços, muito da máquina
bancária continuará em movimento, tudo isso sem contar as movimentações passíveis
de serem realizadas pela internet.

Logo, permitir o acesso incondicional dos terceiros no interior da agência


paralisada seria conspirar letalmente contra o direito constitucional fundamental de
greve. No caso a classe trabalhadora seria duplamente punida. Primeiro porque a
automação, como já visto, causa desemprego. Segundo porque os trabalhos de
interesse do banco continuariam a ser feitos, sem que assim a greve atingisse
plenamente os seus objetivos táticos e estratégicos.
Aliás, é de se ressaltar que a própria Constituição brasileira adota postura tuitiva
a favor dos trabalhadores nesse campo, já que o seu artigo 7º, XXVII, diz, com todas as
letras, que são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem a
melhoria de sua condição social, a proteção em face da automação, na forma da lei.

E nem se argumente, em sentido contrário, que os trabalhadores não poderiam


implementar, na prática, aquilo que a CRFB somente garante ‘na forma da lei’. Quem
assim o fizesse estaria absolutamente equivocado, pois como já visto alhures, os

38
direitos fundamentais são dotados de eficácia vertical (art. 5º, § 1º, CR), razão pela qual
são de aplicação imediata.

A corroborar dita tese, colaciono o escólio do constituinte originário de 1988,


deputado Michel Temer, que embora se referindo aos direitos previstos no artigo 5º da
Carta Magna, elaborou uma lição que se amolda à perfeição também para os
interesses veiculados no seu artigo 7º:

É importante observar que os direitos e garantias fundamentais


previstos no artigo 5o têm aplicação imediata, segundo o comando
expresso no parágrafo 1o do aludido dispositivo.
Significa, a nosso ver, que os princípios fundamentais ali
estabelecidos podem ser invocados na sua plenitude, até que sobrevenha
legislação regulamentadora, quando for o caso de sua utilização.44

Como se não bastasse, é necessário se ver que o artigo 7º, XI, da Lei Maior,
garante ainda aos empregados, excepcionalmente, a participação na gestão da
empresa. Também aí, portanto, a greve de ocupação estaria constitucionalmente
respaldada, tratando-se esta de uma conjuntura excepcionalíssima que justificaria que
a gestão da empresa permanecesse transitoriamente nas mãos dos trabalhadores,
podendo eles, por imperativo lógico, até mesmo limitar, em proporção razoável, o
acesso de correntistas às agências bancárias paralisadas.

Claro que deverão os trabalhadores, na administração provisória do


empreendimento, cumprir com a obrigação do artigo 11 da Lei 7.783-89, garantindo à
comunidade, senão plenamente, mas em proporções aceitáveis, a prestação dos
serviços indispensáveis ao atendimento das suas necessidades inadiáveis, sob pena
de, em não o fazendo, permitir que o Poder Judiciário venha a declarar o caráter
abusivo da paralisação, e nesse caso deferir a liminar de reintegração de posse ao
proprietário.

44
Elementos de Direito Constitucional, 16a ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 25.

39
Por fim, algumas palavras devem ser ainda proferidas em relação à parte do § 3o,
do artigo 6º, da Lei 7.783-89, na qual é dito que a greve não poderá causar ameaça ou
dano à propriedade.

Inicialmente é de se sublinhar que a ocupação operada nos contextos em que o


empresário esmaece a função social do seu empreendimento, não se dispondo a
respeitar o direito fundamental de negociação coletiva da classe trabalhadora, não há
de ser considerada como ameaçadora da propriedade, pois que na greve não existirá o
intento dos trabalhadores em usucapi-la.

Demais disso, eventual dano causado à propriedade será remediado pela


veiculação de pedido de condenação em perdas e danos, formulado no bojo da própria
ação possessória, já que como visto, o artigo 921 do Código de Processo Civil brasileiro
permite a cumulação dos interditos mandamentais com pleitos de outra natureza
cognitiva.

De todo o argumentado até aqui, resta tangível que o requisito fundamental para
que a posse seja restituída ao empresário será a comprovação da boa vontade da
empresa em abrir ou retomar a negociação coletiva, pois somente assim convencerá o
magistrado que respeita os direitos fundamentais dos trabalhadores e cumpre
plenamente com a sua função social.

Daí a importância de não se conceder a liminar possessória irrefletidamente. O


mais adequado nesses casos será que o juiz se apegue às melhores tradições da
Justiça do Trabalho, para, na perspectiva de intermediação do conflito e aproximação

40
dos litigantes, inserir o processo em pauta45 e fomentar a negociação coletiva, de tel
modo abdicando de impor uma decisão autoritária à pendência.

Corroborando o conteúdo do parágrafo anterior, reproduzo as palavras de Luiz


Melíbio Uiraçaba Machado, digno desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande
do Sul:

“O juiz não deve, nos litígios possessórios coletivos, conceder ou


não pedidos liminares: deve negociar, ir até o conflito e no trato
democrático buscar a solução dialogal à pendência. Eis o novo: o Juiz sair
de seu gabinete, sentir o conflito, nele ingressar e juntamente com os
litigantes buscar solução à lide.”46

Aliás, haverá determinadas conjunturas em que a situação convergirá para a


manutenção definitiva da posse nas mãos dos trabalhadores. Quanto ao afirmado
existem no país pelo menos três relatos, embora extrajudiciais, em que os
trabalhadores assumiram a administração da fábrica, já que os proprietários se viram
sem condições de continuar a exploração econômica e garantir os empregos.
São os casos das empresas Cipla e Interfibra47, ocorridos em Joinville - SC, em
outubro de 2002, quando os mil trabalhadores das mencionadas fábricas de material
plástico entraram em greve por tempo indeterminado, em virtude dos seus salários e
demais direitos, como férias, décimo terceiro salário e FGTS não estarem sendo
respeitados.

45
A inserção do feito em pauta poderá ser realizada com substrato no artigo 765 da Consolidação das
Leis do Trabalho, que confere ao Juiz do Trabalho ampla liberdade na direção do processo. Demais
disso, o fato é que a inteligência dos artigos 928 e 929 do Código de Processo Civil permite, naqueles
casos em que a liminar não deva ser concedida inaudita altera pars, que o processo seja inserido em
pauta, para realização de audiência de justificação, ocasião em que o magistrado evidentemente poderá
buscar a abertura ou retomada da negociação coletiva.
46
Luiz Melíbio Uiraçaba Machado apud Amilton Bueno de Carvalho, in Magistratura e Direito Alternativo,
5ª ed., Rio de Janeiro: Luam, 1997, p. 104.
47
Os casos a seguir são narrados a partir de uma adaptação livre de texto obtido, na data de 07.11.2007,
no sítio http://www.fabricasocupadas.org.br.

41
No episódio os relatos dão conta que com muita disposição os operários se
organizaram para defender mil postos de trabalho, tendo suportado, durante oito dias,
todo o tipo de pressão e violência policial, como gases e cassetetes, o que só fez
aumentar a solidariedade popular e a organização dos piquetes.

Ao final do conflito, todavia, os patrões reconheceram que não poderiam mais


pagar os salários e os débitos trabalhistas, fiscais e previdenciários, razão pela qual
entregaram as ações aos trabalhadores, que passaram a administrar a empresa e
retomaram a produção. Os proprietários foram afastados da direção administrativa e a
empresa e os trabalhadores elegeram uma comissão, que partir de então passou a
gerir a fábrica.

Em circunstâncias muito similares, existe ainda o caso da empresa Flaskô, que


foi ocupada por 70 trabalhadores em junho de 2003, na cidade de Sumaré –SP, bem
como o da empresa Flakepet, localizada em Itapevi – SP, que foi ocupada em
dezembro de 2003.

7 – CONCLUSÃO

Já ao término da minha tarefa, cumpre-me esboçar uma síntese conclusiva,


capaz de resumir tudo aquilo que de essencial foi dito até aqui. Assim é que merecem
destaque os seguintes pontos:

- A greve é um direito constitucional fundamental da classe trabalhadora,


reconhecido tanto no plano internacional quanto no interno. Sua compleição é ampla e
dialética, pois ao mesmo tempo em que é norma, consegue ser ainda sanção e
garantia.

- A função primordial da greve é a viabilização de outro interesse não menos


fundamental da classe trabalhadora, também externa e internamente consagrado, que

42
é a garantia de negociação coletiva dos seus direitos laborais. Pode-se dizer, pois, que
o paredismo possui função instrumental.

- Por ocasião do advento da E.C. 45 o poder normativo da Justiça do Trabalho foi


amainado, fato que merece ser comemorado, já que o dissídio coletivo não passa de
uma herança autoritária, sem paradigmas no mundo democrático. Com efeito, é correto
afirmar que, em tal contexto, o direito de greve foi ainda mais prestigiado pelo
constituinte derivado.

- Para merecer a tutela jurisdicional possessória, a posse deverá cumprir


concretamente com a sua função social, a qual somente será alcançada, no plano
empresarial, quando o empreendimento se comprometer com um padrão exploratório
que favoreça o bem-estar dos trabalhadores, bem como com o respeito dos direitos
laborais básicos, dentre eles o de negociação coletiva.

- São três as demandas tipicamente possessórias, quais sejam, o interdito


proibitório, a ação de manutenção de posse e a ação de reintegração de posse, sendo
da Justiça do Trabalho a competência para delas conhecer, quando manejadas em face
do exercício do direito de greve.

- No interdito proibitório, a simples notícia do intento dos trabalhadores de


promoverem a paralisação dos serviços não será motivo para que o Juiz do Trabalho
defira a liminar perseguida pelo empresário, vez que sempre militará presunção de que
os obreiros não exercitarão o direito de greve abusivamente. Cabe ressaltar, entretanto,
que a concessão da tutela satisfativa será plausível na hipótese do interessado
demonstrar que o movimento paredista foi engendrado muito tempo antes da data-
base, com o objetivo gratuito de esgarçar as relações empregatícias.

- No caso dos interditos de manutenção e reintegração, a liminar não deverá ser


concedida sem que o empregador demonstre a sua disposição real e séria de participar
do processo de negociação coletiva, pois somente assim convencerá o Juiz do

43
Trabalho de que a sua posse se presta à concretização da função social a que está
constitucionalmente adstrita.

- O mais adequado, sempre, será que o magistrado se apegue às melhores


tradições da Justiça do Trabalho, para, na perspectiva de intermediação do conflito e
aproximação dos litigantes, inserir o processo em pauta e fomentar a negociação
coletiva, de tal modo abdicando de impor uma decisão autoritária à pendência.

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