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44 N25 a primeira frase de A queda do céu, de Davi Kopenawa e Bruce Albert, e& como se ela temporariamente me bi fiasse, como se eu tivesse de ficar um tempo apenas com ela, como se eu tivesse de ruminé-la, de deixé-lapairando, ou melhor, co- smo se eu tivesse de permanecer pairando com cla, pairando nel, pairando por sobre ea, mes- mo que ainda tenha 600 paginas pela frente. Leio-a., temporariamente, nfo vou adianteleio primeira frase que so, nfo para de ec veio viver entren6se fala © que hi no abismo dessa frase que, suspenden- do-me, me faz pairar por sobre ela? Nessa s pensio, entro em moviment itando do que, no lvro, ver, Sigo minimamente em busca da dinamica abissal que nela me suspende. Vindo de fora, o forasteiro, que fala uma outra lingua que no a yanomami, que nao A voz intempestiva Praceries Cen eters reer sabe falar esta tiltima, que see Ja, € um fantasma. Empurrando 0 forasteiro com sua lingua estrangeira para o fantas- mitico, a lingua yanomami da a seu falante tum grau de vida mais intenso do que 0 que concerne a quem nao a fala. Em seguida, Kopenawa afirma a seu interlocutor que este chegara fantasmaticamente, mas que, agora, por ele jé saber imitar sua lingua e a rir como (0 yanomami, tecendo a amizade ¢ 0 convivio, ‘entreguei a vocé minhas palavras e lhe pedi para leva-las longe, para serem conhecidas pelos brancos, que nao sabem nada sobre nds”, e, repletas de “palavras de ignorancia” ou de “esquecimento”, as linguas fantasméticas dos brancos compéem o povo das mercadorias, dos que matam as florestas e seus habitantes para transformé-las em bens vendaveis, d que “dormem muito mas s6 sonham com ‘mesmos”, dos que pensam com “pensamentos “obstruidos”, a lingua yanomami entrega a seus falantes uma sabedoria do acréscimo de vida capaz de 0s tornar no fantasmticos. Esse ser vivo linguistico é um ser corporal e divino: “Nossa lingua é aquela com a qual ele {Omarna] nos ensinou a nomear as coisas”, Circularmente, Omama ensina os yanomami sua lingua, com a qual eles o nomeiam (¢ tudo mais) fazendo tanto com queaa lingua seja divina quanto com que as divindades sejam linguisticas e imagéticas Havendo um embate entre a Lingua fantas- mtica ea yanomami, tal impossibilidade comu. nicativa entre modos de fala que atestam modos de vida distintos e mesmo opostos atravessa a narrativa,fazendo com que 0 capitulo final sea, exatamente, ‘Palavras de Omama”. A impossi- bilidade de compreensio das lingua se estende, obviamente,a uma impossibilidade de compre- ensio no seio da lingua fantasmatica tratando-se de uma impossiblidade - politica ~ de compre ensio ou de uma politica da impossibilidade de compreensio. Da audiéncia que, em 19 de abril de 1988, teve com o entdo presidente Jost Sarney, Kopenawa conta: “Na primeira vez.em que me itigi ao presidente do Brasil, pedi a ele que ex ppulsasse os garimpeiros de nossa floresta, le me respondeu, com hesitagao: ‘Sio numerosos de- ‘mais! Nao tenho nem avides nem helicépteros suficientes para tanto! Nao tenho dinheiro!. Repetiu-me essas mentiras como se eu fosse des- provido de pensamento! Eu trazia em mim a revolta de minha floresta destruida e de meus parentes mortos. Retruquei que, com aquelas palavras tortas, ele queria nos enganar e deixar {que nossa terra fosseinvadida, Depois acrescen- tei que, para falar assim, ele devia ser um homem fraco com o espirito cheio de esquecimento, de ‘modo que nao podia pretender ser um grande homem de verdade”. £.compreensivel seu diag: néstico de que nosso pensamento forasteiro, surdo ao do deles,é cheio de “mentiras’, “pala ‘ras tortas’, “enganos’, “esquecimento”, €“tor- ‘tuoso e espinhoso”, enredado em “palavras es- fumagadas e obscuras’. Diante de um xama que cuida das palavras, das imagens e da vida, fica evidente que o entio lider dos brancos, além de {nimigo, € “um homem fraco”, que “nao podia pretender ser um grande homem de verdade” Fazendo com que um dos teftios do livro seja “somos outra gente”, tal incompreensibl- dade est por todos 0s lados. Apesar de nio ter ‘como decidir na escolha das linhas mais im- pactantes, nao hi de se esquecer o relato da ida de Kopenawa a Paris e ao Museu do Homem, de onde vem uma das maiores criticas 4 nogao (moderna, ocidental) de museu. Vendo ali os mais diversos rastros de seus ancestrais mor- tos, testemunhando os saques de guerras dos habitantes arcaicos da floresta e de seus xamas, 0 yanomami, furioso e raivoso, ressente-se da apreensio das “imagens” ou dos “espiritos” que, depois de terem sido assassinados pelos brancos, nao podem mais vir “dangar” na flo- resta para aqueles que buscam 0 contato, por meio da inalagdo do pé de ykoana, com seus antepassados para que Ihes passem suas forcas e saberes. Tratando-se para ele de uma efetiva prisio e, ainda por cima, com 0 prego do in- gresso cobrado levando a vida ea morte inten- sivas a uma espetacularizacio comercial, tra- tando-se igualmente da interrupgio da transmissio do conhecimento, Kopenawa ve xno museu uma imensa falta de respeito dos brancos pelos indios, pelos xapiri e por Omama. Enquanto lugar autonomista,estético eecondmico, associado & exposicdo espetacular ‘da morte dos indios levada a cabo pelos bran- os, o museu é uma verdadeira afronta. Contra a surdez, 0 esquecimento, a igno: rrancia, a mentira, 0 engano, a tortuosidade, 0 cemaranhado, oespinhoso, a escurido, contra a perdicao do pensamento, contra o pensa- ‘mento curto, fechado e tacanho, contra a ton- tura, afraqueza dos homens, contra, enfim, a morte ¢ 0 que Ihe diz respeito, a lingua, ante: rior & chegada dos brancos, do alerta, da reti- dao, do sonhar mais longe, da floresta, da an- tiguidade, da meméria, das imagens, das palavras e dos cantos dos antepassados, que se confundem com as dos xapiri e de Omama, {As palavras de morte e destruicio do presiden- te da Repiiblica, as incompreensies da signi- ficagio do que pode estar em jogo no musew, ‘ou seja tis politica (se é que assim se as pode chamar) de negago do Outro e da minima falta de abertura a diferenca, tal politica => N-215 BM as LIVROS | A QUEDA D0 CEU (6e€ queassim se a pode chamar) da pequenez do homem autocentrado da fraqueza retumbante de suas palavras, tal politica (se € que assim. se a pode chamar) da redugéo do Outro ao espetacular e econdmico, leva Kopenawa aesclarecer 0 que separa o que entendemos por politica (se € que assim se a pode chamar) do que o que ele mesmo entende por tal termo e experiéncia. Para um yanomami, “a politica € outra coisa Sdo as palavras de Omama e dos xapiri que ele nos deixou. Sio palavras que escutamos no tempo dos sonhos e que preferimos, pots séo nossas ‘mesmo. Os brancos nao sonham tao longe quanto nés. Dormem muito, ‘mas s6 sonham com eles mesmos, Seu pensamento permanece obstru- {do e eles dormem como antas ou jabutis. Por isso nao conseguem entender nossas palavras’. Sera possivel um convivio entre alteridades to radicais em que uma sofre por causa da outra que a coloca em constante risco, em que ‘uma sabe da fragilidade de seu povo diante do outro, diante de suas armas, dos assassinatos que cometemos, dos saques que realizamos de suas terras, das doengas dizimadoras que Ihes fazemos pegar, da des- truigio das florestas (e, com ela, de Omiama e dos xapiri) em nome do garimpo, da pecudria, da agricultura, do extrativismo, das madeireiras, Claucia Andujar, acme, Acampamanto de Case das hidrelétricas, dos missionarios a quererem doutrind-los..? Tendo de algum modo entrado, por necessidade, em um devir branco, o xam& diz: “A meu ver, $6 poderemos nos tornar branco no dia em que eles ‘mesmos se tornarem yanomami”, Trocando as flechas por palavras que percorrem 0 mundo como ‘outro tipo de arma, politica ediplomética por exceléncia,o livro é um esforgo para que os brancos recebam um legado inigualivel para esse devir, o devir indio do branco. Evidentemente, a revelia deles mesmos, ‘o devir branco dos indios jé ocorren e segue ocorrendo, na medida em {que eles estdo completamente expostos 20s efeitos exterminadores dos brancos sobre eles. Trata-se de, com 0 livro, injetar no branco uma necessidade ¢ um desejo de nos tornarmos indios. Na frase de abertura, “Faz muito tempo, voce veio viver entre nés ¢ falava como um fantasma”, o “voce” se refere a Bruce Albert, coautor do livro, E ele o estrangeiro, o branco, o antropélogo, 0, a principio, inimigo, que chega com sua lingua fantasmatica. E ele quem, contra riamente a0 esperado, se coloca em uma “escuta apaixonada” das pa- lavras e experiéncias enigméticas de Kopenawa, colaborando em muitos Planos, éticose politicos, a favor dos yanomami, £ Bruce Albert quem entra em um devir indio até ganhar a confianca de Kopenawa, colo- cando-se como um intermediario articulador entre os yanomami e 0s brancos. Longe de mim querer abordar aqui a complexidade dessa parceria na feitura do livro, cujo trabalho durou mais de trinta anos e cem horas de gravagao realizadas em blocos distintos, sendo que os posteriores retomavam, a pedido do antropélogo, momentos anteriores para desdobré-los, mas vale ouvir dois momentos da explicacao de como ele foi elaborado, Em seu “Postscriptum”, Brace Albert afir- ma; “Primeito, (0 livro] foi escrito por inicia- tiva de sew narrador, Davi Kopenawa, que 0 assinou como primeiro coautor ~ jd ai se en- contra uma diferenca primordial. A divisio do trabalho entre narrador e redator foi, além disso, claramente definida e acordada, A re- dagio do texto é produto de uma longa cola- boracéo fundada num contrato de redacao explicito, apoiado por relagdes de amizade e por um esforco de pesquisa de mais de trinta anos. Davi Kopenawa me incumbiu de dar a maior divulgacéo possivel a suas palavras, através do modo da escrita em uso em meu réprio mundo. Isso excluia de saida a produ- ‘gio de uma tradugdo literal entrecortada por pesadas exegeses etnogréficas e linguisticas dirigidas a especialistas. Por fim, este texto ~ assumidamente - local de interferéncia e resultante de projetos culturaise politicos cru- zados. E por isso tdo tributario da visada xa- manica ¢ etnopolitica de Davi Kopenawa quanto de meu préprio desejo de experimentar uma nova forma de escrita etnogréfica que tite consequéncias de minhas reflexdes sobre o que chamei de ‘pacto etnogréfico”. E, um pouco depois: “Este livro, composto de relatos +> NDO AS FLECHAS POR RAS QUE PERCORREM O MUNDO COMO OUTRO TIPO DE ARMA, POLITICA E DIPLOMATICA (CELENCIA, A QUEDA ECEBAM > INIGUALAVEL PARA VIR, O DEVIR INDIO DO BRANCO. (..) TRATA-SE DE R NO BRANCO UMA, ADE E UM DESEJO DE NOS TORNARMOS INDIOS Ne215 BE 47 vos | 4 QUEDA O autobiogrificos e reflexes xam&nicas, est escrito na primeira pessoa, ‘a pessoa que com vigor e inspiracio carrega a voz de Davi Kopenawa. No entanto, essa primeira pessoa contém assumidamente um duplo ‘ew’ A fala que se faz ouvir no texto, resultante de um vasto corpus de ‘gravagées, éa de seu autor, transcrita com a maior fidelidade possivel Contudo, dada a sua pouca familiaridade com a escrita, 0 eu’ desta narrativa é também o de um outro, um alter ego redator — eu mesmo. De modo que este livro € final ‘um texto escrito/falado a dois: Trata-se de uma obra de colaboracio na qual duas pessoas - 0 autor das palavras transcritas (que precedem e transcendem sua transferéncia & escrita) € o autor da redacao (que recompée esta produc oral, fixada a um dado ‘momento, para fazé-la texto) ~ empenham-se em ser um s6” Oeentrecruzamento que resulta no livro se mostra como um “duplo eu", um duplo devir outro. Lembrando que as falas foram gravadas na lingua yanomami, na composigio colaborativa do livro, realizado pelo desejo do xama e “através do modo da escrita em uso em meu préprio mundo”, o fantasmitico e 0 ndo fantasmitico seguem um na diregdo do outro em um trabalho ét(n)ico-literério-politico sem precedentes a lingua falada, na qual a conversa é realizada, é a nao fantasmiética, a lingua escrita, uma das fantasméticas, Se a lingua yanomami tem de atravessar uma fantasmatica dos brancos na qual o livro acaba por set rio, é para essas linguas ocidentais (o francés inicial e suas tradugdes para o inglés ea de Beatriz Perrone-Moisés para o portugués) diminut- rem fantasmitico que trazem consigo. A articula de vida, alcangado, sobretudo, pelo ritual da inalacéo do pé de yakoama, no qual o xama, vendo as imagens e ouvindo as palavras intensivas, se torna outro com a vinda dos xi 2 BW ‘A QUEDA DO CEU ~ PALAVRAS DE UM KAMA YANOMARI € de Omama, fazendo a floresta e 0 xama se tornarem quem sao (0s préprios xapiri com acesso a Omama), daa forca vital, ou um a mais, de vida, ao yanomami, a0 xama, a0 povo ea sua lingua. Kopenawa afirma: “Se esquecermos os xapiri e seus cantos, vamos perder também a nossa lingua, No fundo de nés, vamos virar estrangeiros”. As palavras dos xapir so as pa- lavras de Omama que, sendo as mais antigas, atualizam-se ¢ se renovam, a cada vez, pelos xamis, que as trazem no mais fundo dees, nao as deixando jamais se esgotarem. Omama & quem “soube criar floresta, as montanhas eos ris, 0 céu eo sol, a lua eas estrelas. Foi ele que, no primeiro tempo, nos deu a existéncia e esta beleceu nossos costumes’. Ampliando o pensa- mento, os xamas enxergam 0 mundo pelos cllos dos xapir, esses seres (espiritos)invistveis que se tornam visiveis,e de Omama, oferecendo aos outros indios e, agora, aos brancos, seus pontos de vista que resguardam a memériaea sabedoria da origem. Kopenawa conta que Omama, criador da floresta e da vida que nela h4, colocou nos yanomami a imortalidade, 0 “sopro de vida’, sélido, vigoroso e resistente, capaz de transfor- mar o envelhecimento em rejuvenescimento constante. Tal termo, “sopro”, “sopro de vida”, é um dos que se repetem no livro, de seu comego ao suposto fim (se, findando sem findar, A queda do céu é um livro infinito, deve-se a Omama a vor do “sopro de vida”, fazendo 0 “sopro de vida” da floresta se incorporar na vor do xami, pela qual o “sopro de vida’, enquanto sabedoria, fala e, na escrita, via Bruce Albert, mesmo que em lingua fantasmitica, se inscreve). Se o que vem de Omama esté diretamente ligado ao “sopro de vida’, cuja sabedoria 0 xami acessa e repassa, ele tinha, entretanto, um irmio, Yoasi, a quem faltava sabedoria, tendo este injetado nos yanomami a fragilidade da ‘morte inevitivel ede tudo que lhe concerne. Nao a toa, de homens bran- 08, é dito que somos “Gente de Yoasi, que o Deus dos brancos, Teosi, confunde-se com Yoasi oirmio maléfico de Omama, Suas mercadorias, suas méquinas e suas epidemias, que nio param de nos trazer a morte, também sio, para nés,rastros do irmio mau de Omama”, Se, instaurando a morte, Yoast ensina a ignorancia do morrer neces- sirio, Omama, instaurando a eternidade do “sopro de vida”, ensina 0 saber, 0 “sopro de vida” enquanto sabedoria, enquanto o vigor da ¢ na materialidade da floresta. Para ajudar os yanomami nessa luta de forgas, (08 xapiri io criados por Omama para que tal povo, podendo afugentar os seres maléficos e se vingar dos males que Thes sio acometidos por Yoasi, receba a cura das doengas ea protegio da morte ede todos os males a ela relacionado. Os xapiri sio capazes de injetar nos indios, sendo a eternidade desejada, @ retomada de uma dimensio do que concerne & satide do corpo, um a mais do “sopro de vida” de Omama. O livro é,a um sé tempo, uma autobiogratia ou um testemunho de Kopenawva e do povo yanomami, que lida com uma diferenca intrinseca (jf indicada pelo subtitulo) dentro desse povo entre os yanomami de modo geral e seus xamas (que tém acesso &s visbes das imagens e as palavras dos xapiri e de Omama a partir da experiéncia ritualistica continua da inalacao do pé de yakoana), uma (auto)biografia da floresta, dos xapiri e de Omama (ou uma “ecologia” yanomami tal como Kopenawa se apropria da palavra de nossa lingua) e, ainda, um diag- néstico especifico do Brasil e do Ocidente de modo geral, ou seja, do {que no livro comparece como os brancos, inimigos dos povos indigenas. Sendo também um livro de diplomacia, um livro politico, ele € uma posta maior na forga das palavras do que na das armas. Para nés, livro traz, com ampla forga, mais uma de suas possibi- lidades: ele se coloca, estranhamente, como um de nossos livros de uma fundacio tardia mais do que necesséria do Brasil, que foi, entretanto, junto com outras, aniquilada em nome da branca-europeia hegeménica, de uma fundacao aprés la lettre, arcaicontempordnea, instaurada desde hoje e retroativa a um tempo de origem que deixa seu rastro no atual), uum livro que sinaliza uma de nossa faltas fundadoras fazendo aparecer ainda mais essa falta que nos constitui ea exclusio como estratégia de dominio, obrigando-nos a lidar com ela sem deixé-la recalcada em uma falsa crenga historica de que o pais nao esté ligado a vida indigena nem tena recebido (nem ha de receber) dela seus influxos. Apesar de termos ‘um altissimo componente genético indigena, dos indios, sabemos apenas que nao sabemos praticamente nada de uma tradigdo relacionada w= Neots I 49 ao que trazemos no corpo, esquecemos, cindi- damente, o que trazemos no corpo € 0 que, a partir desse corpo, jéesteve aberto para ele ~ para nés ~ enquanto saber, floresta, cosmos. ‘Como livro da falta e como livro fundador tardio, seu desejo e sua necessidade de perpe- tuagdo vém por ele estar espremido entre trés faltas que o ameagam e tambéma nds: a falta da colocagio de sua tradigao em nosso passa- do, a falta de um futuro ~ que jé parece im- possivel - ¢ a falta da possibilidade de uma vida indigena digna nos dias atuais. O livro se tora o de uma vor intempestiva ou ana- crénica de um povo em desaparecimento, destinada a, lutando contra o tempo atual, repercutir em nome de um povo que falta. Mesmo que chegado demasiadamente tarde, o livro vem com uma urgéncia irremediavel de transformar, com todas as diividas e res- salvas, o passado, o presente e o futuro, de- marcando uma fundagao sem fundo, uma des-fundagao que nos abre as nossas miltiplas altetidades, que nos suspende em nosso abis- mo, langando-nos de modo insélito em uma aposta minimamente esperancosa de um con vivio ético-politico. Tratando-se, paradoxal- ‘mente, de uma fundagao sem fundo ~ de uma des-fundagdo na qual afundamos sem tocar Claudia Andujar, sem ttl © leito ~ que ele propaga para um pasado tanto finito (desde a conquista dos portugue- ses) quanto infinito (até o tempo de Omama) em busca de um futuro mais consequente e promissor para que o céu nao venha cair eas diferengas que nos constituem sejam final- mente acolhidas, podendo conviver de modo respeitoso e inclusivo, o livro é uma aposta ética e politica por devires a serem instaura- dos, a criagdo de um devir do brasileiro e do ocidental para instigar em nds um desejo do branco em se tornar indio, em indio que de algum modo jé somos. No preficio, Eduardo Viveiros de Castro escreve:“temos a obrigagio de levar absoluta- ‘mente a sério o que dizem os indios pela voz de Davi Kopenawa 0s indios e todos os de- mais povos ‘menores’ do planeta, as minorias extranacionais que ainda resistem 3 total dis solugao pelo liquidificador modernizante do Ocidente”. A queda do céu é uma das maiores injegdes de “sopro de vida” na asfixia e no su- focamento com os quais crescentemente vive- mos ¢ obrigamos qualquer outro, quem quer que seja esse outro, a viver. Composto desde 0 “sopro de vida”, soprado nessa lingua outra, olivro é uma dura critica e um vendaval vital para todos ¢ cada um de nés. nse “Reahu, 1974 Ne2ts BM 51

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