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CUDNEY Da ito TC a wT ies PSL uty Saco) HH N 7 \ \ |i que serve. E como se livrar desse sufoco. Ter eeel Sees eee Qual éo seu medo? 4 coisa de quatro meses, eu estava de ban- fl dana cals excuros, camiset de band, ingresso na mao, pronta para encontrar ‘meus amigos ¢ ir a0 show do Guns N’ Roses (ndo me julgue, leitor, todos temos direito a uma dose de saudosismo). Fui até a cozinha ara tomar um copo de agua antes de sair. Mas ela estava Id, Pouco mais de 2 cm, provavelmente, mas pparecia uma ameaca intransponivel. Suei fio, trem, um_ bolona garganta. Me muni de inseticida (normalmente tenho uns trés tubos pela casa para sacar imediatamen- tee ataquei. Mas ela munca parece suficientemente morta. Tremendo, bati com um chinelo até destrocar. Em pedagos, ela e 0 meu emocional:joguei um papel- toalha por cima, forrei minha mio com uma sacola ¢,falando em voz alta algo como “Ai, a, ai, ai, a, ai", juntei rapidamente e joguei os restos no lixo. Abri a porta da cozinha (moro no térreo) ¢ elas estavam li, as dezenas. Em prantos, liguei primeiro para minha ‘ie (tenho 37 anos, caso vocé tenha ficado curioso), depois para uma empresa de dedetizacio— nao regateei prego $6 quera acabar com aquilo. Esa lembeanga me assombrou o show inteiro, Passei dois dias sem ie para casa, duas semanas sem entrar na cozinha para quase nada. Voltei pouco a pouco a frequentar aquela parteda minha propria casa, mas ainda hesito & noite. ‘Ver uma barata me estraga o dia. ‘A ansiedade pode ser uma coisa boa, nos protege dos perigos iminentes e coloca nosso corpo em aler- ta. Mas, em excesso, nos atira num pogo de transtor- nos que vio desde 0 TOC até as fobias que parecem inexpliciveis de coisas que poderiamos amassar com uma s6 pisada. Nesta edigao, fizemos um retrato da ansiedade: hist6ria, transtornos, tratamentos e até 0 ado bom. Tudo para que vocé reconheca, compreenda lide melhor com a sua. Boa leitura. Clarissa Barreto Editora oe ee QUAIS AS ORIGENS Uma breve histéria da ansiedade 14 Ansiedade: modo de usar Pree ere rere Medo que paralisa Um problema de berco 32. Nao ha vida sem Mitos e (meias) verdades Quando a ansiedade vira tristeza 4 #SOMOSTODOSANSIOSOS Alivio em cépsulas 2 Convivacom seus monstros Como treinar seu dragio (interior) Mentes saciadas Aarte da angistia Go OR- A historia da ansiedade é a nossa prop historia — foi o Imecanismo qu garantiu a sobmgjivéncia do homem. Porggso é tao dificil ignGiar essa sensacao. E N 6 ansigoave especial ansiedade. GAP. O1 2 4 ‘QUAIS AS ORIGENS 8B ansieoave UMA HISTORIA BREVE DAANSIEDADE Foia sensagao de inseguranga | que criou ohomem moderno. Entenda aqui as origens, aimportancia cos efeitos da ansiedade para nos. POR MAURICIO HORTA 4 muito em comum entre a ansiedade e o medo. Os dois sio estados aversivos causados por uma ameaca e que tém ‘como objetivo proteger o organismo, Mas hd também uma diferenca bastante clara entre os dois. O medo ¢ uma emo- ‘do engatilhada por algo muito especifico e imediato - por exemplo,a visio de um urso faminto. Ld est a ameaca,e é entio iniciada uma reacao de lutae fuga. Jia ansiedade nao é exatamente uma emocao primaria. Enquanto o medo é uma disposi¢ao corporal momentanea, a ansiedade é um estado mental e corporal mais espalhado no tempo. Ela ¢ causada por uma ameaga dilufda: no 0 urso, ‘mas a possibilidade de que um lugar tenha ursos. Nao um assaltante com uma arma na cabeca no caixa do banco, mas a possibilidade de que alguém possa assalti-lo, ou que vocé um dia possa perder o emprego e ficar sem fonte de renda. Enquanto 0 medo torna nosso corpo apto para se defender ou fugir de uma situagao de frente para nés, a ansiedade antecipa essa prontidao, Se a depressio ¢ uma reagio a uma perda passada,a ansiedade é a reagio a ‘uma perda futura. Com ela, nds permanecemos preocupados, mas nao sabemos por qué. Nao identificamos qual o gatilho, pois ele realmente nao existe. Ele poderd vir a acontecer. Ou nao. E isso basta para que nés nos preparemos. Para {que fiquemos ansiosos. Elaé como o guanda de transito - sua fiscalizagio vai fazer o motorista perder ‘tempo e recursos, mas também vai protegé-lo de riscos futuros. ‘Qualquer incerteza ou imprevisibilidade é gatilho de ansiedade. E, como a vida é cheia de incertezas, nao é de admirar que tantas pessoas vivam ansiosas. > eae To ANSIEDADE 9 Dentre os transtornos mentais, os de ansiedade sio os mais frequentes, se- ‘gundo a Organizagio Mundial de Saide. Naregiéo metropolitana de Sao Paulo, 19.9% das pessoas ja tiveram ao me~ nos um quadro clinico de ansiedade, segundo um levantamento do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clinicas ‘da USP. Mas sera que vivemos em tem- pos mais ansiosos do que a média da histéria humana? E impossivel afirmar que sim ou que ndo. Cada época teve grandes problemas que causaram an- siedade. O que da para afirmar & que aansiedade sempre foi um estimulo para resolver esses problemas. Entre grupos de cacadores e coleto- res, havia a ameaca constante de ataque de predadores e inimigos,e 0 risco de perder territério, de faltarem animais para cacar e de acabarem os vegetais comestiveis. A ansiedade levou nossos antepassados a buscar abrigos contra predadores,a se unir e se prevenir con- trainimigos externos,a guardar provi- ses e a antecipar a procura por fontes, alternativas de alimento. ‘A busca por novas fontesde comida levou a fixagio na terra e a formacio das primeiras sociedades rurais, Nelas, as incertezas das chuvas e das secas, exam fontes muito fortes, assim como a disputa por éreas cultivaveis. A an- siedade diante do risco de seca levou Accriagao de sistemas de irrigarao, que ddiminuiram os riscosda irregularidade das chuvas, ¢ A armazenagem de ali- ‘mentos, que protegeu populacdes do risco de desabastecimento. Sé que, para isso, foi necessério uma grande centralizacio de poder— ou seja, a criagio do Estado. Agricultores em Estados demodo de producio asiatico A HISTO RIA DA HUMANIDADE E TAMBEM A 1ndo viveram livres da ansiedade ~ muito ‘menos os escravos. Por um lado, havia aansiedade diante da autoridade de um chefe de Estado e das divindades (que, em geral, inclufam o proprio chefe de Estado) Por outro, havia a ansiedade diante da ameaca da guerra com outros Estados. Ou de invasdes barbaras. No caso do Império Romano, vence- ram as invasdes barbaras, que condu- ztiram a Europaa Idade Média. Se vocé fosseum romano, ficaria muito ansioso com a regressio para uma sociedade feudal. Tehan, tchau, Pax Romana, ba- hos piiblicos trigo egipcio chegando em casa. La vai mais ansiedade diante dos conflitos entre senhores feudais e da escassez. Mas essa mesma ansieda- de diante da escassez também levou a criagio de inovagdes tecnolégicas na agricultura, Resultado? Aumento da producio agricola, que, por sua ver, im- pulsionou uma explosio demogratica, Muita gente em pouco espago signi- fica duas coisas: urbanizagao e ansie- dade. A populagao rural estava ansiosa para comercializar sua producéo exce- dente. E partedela estava ansiosa para trabalhar em outras atividades, jé que ra terra nao havia mais oportunidades. Isso deu origem as cidades medievais. Cidades medievais significam divi- io de trabalho em guildas e ofloresci- mento do comércio. O comércio aumen- touacirculacao de dinheiro. Algumas pessoas conseguiram acumular muito HISTORIA DA ANSIEDADE. ‘ouro com isso, Muito ouro mesmo. O que trazia mais uma ansiedade- ome- dodeele ser roubado, Entdo, essesrica- ‘0s passaram a deixar a grana guarlada ‘com uma pessoa - 0 ourives, que tinha ‘cofres seguros o suficiente para manter ‘0s materiais preciosos com os quais, fazia joias. Em troca, dava um recibo. Esse recibo den origem ao dinheiro de papel e todo o sistema financeiro que bancaria as grandes navegacdes e ali- ‘mentaria os Estados modernos. Os Estados modemos viam uns ‘40s outros como rivais. A ansiedade diante do que um poderia fazer alimen- towa formagao de exércitos nacionais, de aliangas de uns contra outros. De ‘tempos em tempos, ea entrava numa escalada de animos e culminava nu- ‘ma guerra. Até que,durantea Segunda Guerra Mundial, ansiedade diante do risco dea Alemanha nazista produzir uma arma nuclear levou ao Projeto Manhattan, um esforgo de engenha- ria que culminou no bombardeio de Hiroshima e Nagasaki. Consequente- ‘mente, a ansiedade causada pelo risco dea espécie humana ser eliminada da ‘Terra num conflito nuclear levouao fim das guerras entre paises que possuem bombas atémicas. ‘Ou seja,a histéria da humanidade & ahistéria da ansiedade. Hoje, vivemos os tempos com as taxas mais baixas de homicidio, ‘maior seguranca alimentar e mais alta-> ce Lutar ou correr Quando vocé sente ansiedade, o corps sevolpevecatho-atathe situagao de CABECA Ser ae wo teantranries iecananecnae fos masculos, pare diminuir a — perda em caso de erimenta (0s poros do couro cabeludo contraem-s0 d30 a sensacio dde"ficar decabelo em pl. CEREBRO ‘Uma parte do cérebro charmada | eixo hipotélamo-pitultéria- ‘adrenal (HPA) 6 ativadaliberando “mensageiras quimicns", como dopamina, norepinefrinae epinefrna Eles ativam a amigdala cerebral, que cdspara.o mecanisme de utae fuga. ‘SUOR FRIO ‘Assim como nasersacso de cabelo em pé, a diminuicéo dde sangue na derme produz 2 sensayaode'star fi borates densa ee Soren pacer eae SSemancome stra Leeeereateatan surest cmiresine: tenes econ, ear ceSeieress nator penta ateuaospe a MOscuLos FiGapO ~Tenséo muscular - os grandes sistema suprarrenal produz Paradstribuir mais oxigénio grupos musculares recebem atengSo ‘uma quantidadeexcessiva de pelo corpo, obagotratade ‘especial do crebro edo sstemaneu. cortisol Esse horménio ka descarregaruma dose extra rolégicaenrijecendo eficando pronto ofigado a produai mais. de gldbulosvermelhos ¢ paraser usado. Depols de passadoo slucose, o “agdcar sangul- brancos, fazendo o fix san- ‘evento causador da ansiedade, a sen ‘neo! que dé mals energia em ‘guineo aumentar até 400%. ‘2;$o é deafrouarnento muscular. casodeameaca. (Wagner Machado) (Eilauars as onroens COMO NUM CARTOON ‘Os desenhos animades si0 prédigos em transformar ‘em imagens emocBes {que temos, embora elas s2jam, obviamente, invi- sivels, So sensacées que descrevemos nodia adiae ‘que fazem todo osentido, mesmo que paregam um simples modo dedizer. Pols cessas sensagées t8mum motivo, nfo so apenas fruto da imaginacio. FG Sstenies cscabelos ni fiquem de fato arrepiados, ‘essa sensaglo ocorre Porque, nos momentos de ansiedade,o sangue das célulascutSneas é seater 240r0 A e Ei cian vies ooene (aa. existe a bagagem genética, além de fatoresambientais e temperamentais’, afirma Dania. Sabe-se que, em gémeos idénticos, quando um dos irmaos tem transtorno de panico, o outro tem mais chance de desenvolver a doenga. Mas essa hereditarie- dadenio é tio simples de elucidar 0 fator ambiental outro elemento importante na conta, Aprende-se ater medo com pais superprotetores, medrosos ou queixosos. Por fim, hd os fatores temperamentais: a forma como situagdes que podem produzir ansiedade sio assimiladas. Algumas pessoas tém o que se chamade afetividade negativa (uma maior propensio a enten- der seu entorno negativamente) e também sio mais sensiveis & ansiedade. Essas pessoas acreditam que aquilo que esto sentindo sio sintomas de um mal maior — e nao reagdes normais. Identificando o disturbio O diagnéstico de um transtorno é clfnico, em conver- sas de avaliacéo no consultério do terapeuta ou do psiquiatra. O especialista leva em conta os sintomas ansiosos, 0s contextos em que ocorrem e o prejuizo que trazem a vida do paciente para avaliar se a pessoa precisa ou nao de atencio médica. Ha seis principais distirbios de ansiedade: fobia social ou transtorno de ansiedade social (TAS), fo- bia especifica, transtomos de ansiedade generalizada (TAG), transtorno do panico, stress pés-traumético e transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). A edigao mais recente do DSM, manual de diagnéstico de transtornos ‘que serve de base para as definigdes de satide mental, coloca TOC e pés-traumstico em categorias a parte, ainda que, para muitos psiquiatras, eles integrem 0 espectro da ansiedade. Estio todos tao conectados que os pacientes podem ter mais de um transtorno associado, Dai aimportincia de se conscientizar sobre a ansiedade patoldgica: um transtorno ndo tratado pode levar ao desenvolvimento de outros. Existe a urgéncia em que vivemos,a necessi- dale de controlar os proprios sentimentos edemonstrar felicidad o tempo todo. Iss0 faz.com que demoremosa agir sobre aansiedadk’,diza psicéloga Andrea Vianna, da direcio da Associacao dos Portadores de Transtomos de Ansiedade. O negécio éabandonar o estigma da doenga ~eparar deacreditar que a ansiedade patol6gica vemino ppacote de “a vidaé assim mesmo”. Ela ndo precisa ser. FOBIA SOCIAL O inferno Sao Os outros sinroma cxAssico da fo- CD bia social éaquele que vo- @ imagina: 0 rubor facial Sabe aquele colega que sempre ficava vermelho nna hora de falar na frente da turma? Nao seriauma surpresa descobrir que dle desenvolveu o transtorno. ‘Ao longo da vida, 12% das pessoas sofrem com o transtomo de ansiedade social (TAS), como também é chama- do o medo excessivo e irracional de ser avaliado por outras pessoas em interagdes sociais, falando em piiblico ‘ou simplesmente estando cercado de gente. A sensaciode ser observado a0 ‘comer em um restaurante ou a0 usar ‘um banheiro piblico pode ser suficente para disparar sintomas ansiosos, como sudorese, taquicardia, “brancos' e, em casos graves, até um ataque de panico. ( transtomo gera ansiedade anteci- patéria¢ esquiva: a pessoa sabe que, no dia. a dia, ird deparar com as situagbes temidas, na escola, na faculdade,no tra- balho. Sofre por antecipacio imaginan- dooconstrangimento ou a humilhaco deser visto fragilizado e, por isso, passa aevitara todo custo esses encontros—0 que pode significar abrir mio da vida sociale até de sait rua, ‘As consequéncias a longo prazo sio ddramaticas, “Em uma fobia social grave, inevitavelmente o paciente tem depres Sfoassociada, porque fica muito triste pelo isolamento social. E a pessoa que Ido sabe o que fazer pode buscar alivio bebendo ou seja,o alcoolismo também uma complicagao do transtorno", diz, a psiquiatra Daniela Zippin Knijnik. Lares superprotetores A fobia social se origina na infancia, emcriancas com tendéncia a manifestar inibigio, solamento e recusa em estar ‘com seus pares. Segundo o psiquiatra Tito Paes de Barros Neto, o ambiente ‘em que os pequenos se desenvolvem também tem um papel importante. “Além da genética, 0 tipo de relacao que se estabelece com 0 pai e a mie parece contribuir muito paraa génese do quadro. Ha pais que educam filhos ‘com muita énfase na opiniao alheta: a ccrianga cresce com aquela preocupacio, ‘oque vao pensar de mim’, o tempo todo ‘com medo da avaliagao dos outros.” Diferentemente da timidez, o trans- torno de ansiedade social, quando nao é tratado, tende a agravar-se com 0 passar do tempo, Nao por acaso, ¢ 0 inicio da adolescénciaa fase tipica para © diagnéstico da fobia. “Se chega um adolescente e diz.'sou envergonhado desde pequeno, tenhomedo de sair de noite, nunca fiquei com ninguém, j4 suspeito de fobia social”, diz Daniela Zippin Knijnik. ‘Hd um tipo especifico de fobia social em que 0 individuo teme somente situ- ages de desempenho em puiblico. Nao sofre diante de encontrose conversas, ‘mas experimenta ansiedade e medo de ser avaliado enquanto profere uma palestra, d4uma aula ou apresentaum trabalho, por exemplo. Se essa é uma atividade corriqueira, apessoa tendea evitar situagdes de que podedepender ‘seu sucesso profissional. Mas ha quem ‘6 descubra que tem fobia social especi- fica paraessas situardes quando, diante dda necessidade de falar em piiblico, so- fre uma crise de ansiedade aguda. Verdade seja dita, a maioria dos timi- dosnio é fobico. Mas a timidez.diminui com a idade, enquanto a fobia social piora. A confusao leva muitos fébicos sociais ademorara buscar tratamento. Odiagnéstico acaba sendoum alen- to. “Quando vocé diz para o paciente que ele tem fobia social, ele fica sur- reso ealiviado, porque achava que sé ele no mundotinha aquele problema’, afirma Daniela. > SINTOMAS 3 tacwreanow 3 tmeto ‘QUANDO VIRA DOENGA FOBIA ESPECIFICA Terror de todo dia FoBIA, AEROFOBIA. Tal- vver.as fobias especificas sejam os transtornos de ansiedade mais presentes no imagindrio popular. Ainda que 0 ‘senso comum possa empregar 0 ter- ‘mo sem compromisso com a precisio. ‘médica, o medo crinicoe paralisante de objetos ou situacdes éum problemareal que acomete cerca de 10% da populacio. “Existe uma classificagao de fobias especificas. Ambiente natural, que envolve égua, altura, escuridao, As si- tuacionais, de avido, de dirigir. As de injecio, de sangue. Ai vem as fobias de animais:s6 0s artrépodes, que S40 0s in- setos, constituem trés quartos das espécies animais do planeta’, dizo psiquiatra Tito Paes de Barros Neto. HA coisa a beca para se temer neste rmundo. Em seu site The Pho- bia List, o americano Fredd Culbertson descreve mais de 500 fobias distintas, que ele coletou em publi- cages cientificas nas tiltimas trés décadas. ‘As fobias chegam a causar ataques de panico, ainda que 0 paciente saiba que, muitas vezes, seus temores sio irracio- nais. A perspectiva de ter de enfrentar algum dos estimulos FOBIA ESPECIFICA VS. AGORAFOBIA YS, FOBIA ‘SOCIAL Aprimeira vista, 4 fail confundir a fobia ‘specifica situacional coma ‘agorafobia - ambas podem ‘emer adentrar um avigo. ‘Mas hd critérios para dite- renclar uma da outra. Umagorafébico pode temer voat, no pelo medo de que 2 aeronave cala, mas por- ‘que, se ocorrerumataque de pinico, ndoterd como ‘escapar. O DSMestabelece cinco meds tipicos: uso de transporte piblico; per- manecer emlugar aberto (uma ponte, por exemplo); permanecer emlugarfecha- do (como um cinema); fas ‘e multidéese sale ozinho. Umagoratébico deve ter, pelomenos, dois deles.Na {obla especifica, ocorre o medo dlante da stuagso das pessoas fobicas nao passou pot ex- periéncias dolorasas ou desconfortaveis com objeto de seu medo ou nao lem- bbra quando nem por que os temores comegaram. Hé diversas teorias que ‘buscam explicar por que os fébicos ‘temem o que temem. Algumas suge- rem que tendemosa ter medo do que éimprevisivel e de situagdes menos frequentes em nossas vidas,em que nao ‘temos boas experiéncias suficientes pa- ra afastar o temor de o pior acontecer. Susto na infancia Na linha do tempo dos transtornos de ansiedade, a fobia especifica costuma ser a primeira a entrar em cena, ain- da na infancia. ‘Sao criangas em torno de 10 anos. Podem ter visto alguém ser picado, ou entendi- do que'a mie esteve em uma tempestade ¢ derrapou de carro, ou testermmnhado um afogamento na praia. (Ou ainda, diante das noticias sobre aciden- tes aéreos na televisio, ter percebido que 0 pai ndo quer voar de aviio’, exemplifica a terapeuta cognitivo- comportamental Da- niela Zippin Knijnik. ‘A infancia é uma fa- se sensivel a eventos impactantes, fatores como superprotecao podem tornar a crian- f6bicos (comosio cha-_iminente.Na agorafobia, os ca mais vulneravel aos, mados os objetos ou *intomatansiososs30 mais diyersos transtornos situagdes temidas)é0 _Persutantes: dramem de ansiedade, incluin- bastanteparadisparar Grertériaparacaacter- «do a fobias. Mas a ‘ossintomas ansiosos. zara agorafobia ea fobla fobia especifica tam- Curiosidade:metade social siosemethantes. ‘bém pode chegar mais tarde na vida ~ é um dos transtornés mais comuns em idosos. Um tombo inesperado pode levar ao medo de lo- ‘comogio e a piora da situacao clinica do paciente, culminando em isolamento, depressao e propensio a deméncia. ‘Em qualquer fase da vida, as fobias podem ser tratadas. Mas, ainda que percebam o transtorno, a maior par- te dos pacientes no procura ajuda. Em vez disso, passa a evitar o que the causa ansiedade. O problema é que a esquiva fdbica, como ¢ chamado esse ‘comportamento, pode acentuar os sin- tomas ansiosos, na medida em que se ‘tem cada vez menos base paraavaliar 0 real perigo daquilo que se teme. ‘Segundo 0 DSM-5, 75% dos indi- viduos fobicos temem mais de uma situagao ou objeto. Serd que vocé se encaixa em alguma delas? Animais Entram nessa categoria os medos de cachorro, cobra, barata e aranha, ‘apenas para comesar. £ provivel que fobias de animais estejam ligadas & evolugao do homem, que tinha de se proteger de predadores e das picadas de insetos. Atualmente, a fobia é ca- racterizada pelo medo irracional tipico dos transtornos de ansiedade. Para lidar com o medo, ndo tem jei & preciso encard-lo, Mas aos poucos. “Sao sessbes de terapia comportamental em que se expoe a pessoa gradualmente as imagens de baratas. A exposigao, que éo tratamento de base das fobias, é feta de forma gradual, epetida e prolongada, ‘Na fase final a pessoa vai matar a barata” Ambiente natural ‘Sio as fobias de altura, tempestades e gua, por exemplo. Comona fobia por animais, nao é dificil supor o papel evolutivo do medo de relampagos, enxurradas. /airdda que muitos de nés sin- tam-se assustados quando aquele trovao nos desperta no meio da noite, sabemos que o melhor a fazer € voltara dormir. E compreensivel que sintamos aquela vertigem ao visitar o amigo que ‘mora no 20 andar, mas nao deixaria- ‘mos de visité-lo por isso. Uma pessoa fobica pode entrar em crise de ansie- dade diante de estimuilos como esse —e atémesmo de imagens que remetam a le, como uma cena nas alturas em um filme no cinema. Sangue, injecioe ferimento Hospitais nao evocam boas memérias, endo é de se surpreender que muita gente nao goste de frequenti-los. Mas ~ hd quem tenha fobia de procedimentos ‘médicos que tem sua propria categoria ‘no DSM: Sangue-injegao-ferimentos, assim mesmo, com hifens. ‘A psiquiatra Daniela Zippin Knijnik diz ser importante diferenciar a fobia da aversio a injegdes que pode aparecer em pacientes com TOC. “O paciente fobico tem medo de ver a injegao. Se ele tivesse TOC, ele ndo gostaria por nojo, por ideia de contaminacZo." Quem tem fobia de injegao, sangue e ferimentos, experimenta um sintoma particular: a pressio arterial sobee, em seguida, tem uma queda, o que pode levara desmaios. Situacional Eo medo de situacdes como viajar de aviio, utilizar o elevador ou frequen- tar locais fechados. O temor de ficar encurralado em uma caverna estreita std cravado em algum lugar do genoma ‘humano, dos tempos em que avistar um avido no ar, por si s6, jd seria capaz de rovocar pénico. Mesmo sabendo que © avido é mais seguro que 0 carro, 0 f6bico no consegue controlar omedo que a perspectiva de entrar em uma aeronave desperta. > ANSIEDADE 23 Ebawanoo vina voew PANICO Morrendo de medo de morrer E REPENTE, E. COMO s¢ 0 cho desaparecesse sob os pés. O corpo treme, sua, fraqueja. Falta o ar, vém a ndusea, atontura,o medo de estar Abeira da morte ou enlouque- cendo. Se passou por essa experiencia, ‘vocé pode ter tido um ataque de pinico, Nao se sinta s6. Nos Estados Unidos, por exemplo, estima-se que 23% da po- pulacdo sofraao menos um desses ata- ‘quesao longo da vida. E a manifestagao ‘mais aguda das sintomas de ansiedade, a intensaativagao dos mecanismos de defesa do organismo que preparam o ‘corpo para a fuga de uma ameaca. Mas, muitas vezes, nao hd ameaca al- guma. Essa diferenciacao é crucial para ‘Odiagnéstico do transtorno de panico (TP). Ataques isolados podem ocorrer em todos os transtornos de ansiedade em resposta a uma situagio temida. E na origem da crise - ou na aparente inexisténcia dela — que comega o diag- néstico. “Em qualquer transtorno, vai aver alguma situago que provocou 0 medo, exceto no de panico, em que é ‘oataque assituacional: vem do nada’, diza psiquiatra Daniela Zippin Knijnik. O TP é um dos mais prevalentes entre os disturbios de ansiedade. As primeiras crises ocorrem sem aviso, in~ cusive em momentos derelaxamento, antes de dormir ou como um sobres- salto durante o sono. Nao é de se sur- preender que, acometidos por sintomas intensos como desorientagio e dor no ppeito, muitos pensem estar a beira da morte.“Os portadoresde transtorno de panico soos maiores frequentadores de hospitais. Jé passaram por muitos atendimentos, acreditando que estio sofrendo ataques cardiacos, foram re- virados e nao tém nada’, diz Daniela. ‘Arecorréncia também é definidora do TP. Os ataques inesperados ocor- rem mais de uma vez. em intervalos 24 aNsieDADe de meses. Podem acontecer de forma inesperada ou ser desencadeados por alguma situacio especifica. Cada vez {que os sintomas comecam, vem a hi- pervigilancia: de tio atenta asalteragbes que percebe no organismo, a pessoa fica cada vez mais ansiosa, ‘Ainda que ndo haja uma relacio de causa ¢ efeito entre a crise e as circunstincias em que ela ocorreu, © paciente pode passar a evitar essas situagdes. “Uma explicacio no campo da teoria cognitivo-comportamental é {que a pessoa tem os sintomas e eles geram um desconforto tio grande diante de uma primeira situago (por exemplo, um ataque no supermercado) que ir a0 mercado, que até entio era sum estimulo sem importéncia, passa a ser uma situacao que produz medoe ansiedade",explica a psicdloga clinica Andrea Vianna, Do transtorno a fobia Uma das comorbidades mais frequentes, ‘em quem tem transtorno de panico é uum distirbio de ansiedade a parte. A agorafobia (tomada ao pé da letra, “medo da praca publica’) pode ser enxergada ‘como uma complicacéo do TP. A an- siedade ou medo de espacos abertos on fechados, de transporte piibico, de multiddes ou de sair de casa sozinho. Mais frequente em adolescentes e adultos, a agorafobia é um dos mais incapacitantes distirbios de ansiedade: maisde 33% dos agorafdbicos nao saem de casa Em pouco tempo, pacientes de ‘TP e agorafobia passam a depender de familiares e amigos de confianca nio apenas para buscar ajuda, mas para desempenhar as tarefas mais triviais. ( individuo evita as situagbes ago- rafdbicas porque teme ter reagdes an- siosas.O isolamento gerado pelomedo de sair de casa leva a problemas secun- darios, como depressio e alcoolismo. SINTOMAS Para que uma crise de ansiedade configure um ‘ataque de pinico, 20menos {quatro dos sintomas abalxo devemestar presentes. > paupitacoes © > oesconronto rorkcico > nausea > pesneauizagio ou DesPensonatizacho > meDo DE enrouquecee SINTOMAS ‘Alémda ansiedade e da apreensioexcessiva, constantee duradoura, ‘quem tem TAG apresen- ta a0menos tres dos sintomas abaixo: > inquieragzo, NenvosA FLOR > cansaco De coNceNTRACKO TAG Angustia geral NovIDADES: a mesma rotina de sempre, pouco espaco para surpresas. As contas do més esto ‘pagas, 0s filhos estdo bem de sade e ra escola, agenda tem até um espago arantido para um cineminha a dois. Etim dia upico na sua vida ~ inclin- doa apreensio entalada na garganta, a sensacdo constante de que ha algo incontrolavel prestes a dar errado. Essa angistia onipresentee duradoura tem nome: transtorno de ansiedade gene- ralizada, ou apenas TAG. Nao ha como controlé-a,e seu corpo parece saber disso. “Se um paciente diz: ‘sou muito ansioso, tenho muita tensio ‘muscular, nunca relaxo, tenho dor nos “ombros, de cabeca, distirbio do sono, é ansiedade generalizadd, afirma Daniela Zippin Knijnik. Segundo a psiquiatra, a expresso que define 0 TAG é “preo ‘cupagio com apreocupacao’, do inglés ‘worry about the worry. Havendo uma infima chance de algo dar errado, a pessoa com TAG se debruga sobre essa possibilidade, superestimando as preocupagdes subestimando a prépria capacidade de lidar com elas. Viver se torna ta- refa softida— ainda que odesafio real do sejam asatividades rotineiras, mas lidar com o tanto de sofrimento que resulta desse exercicio antecipatério. A ansiedade parece ser a origem ea consequéncia dos problemas. Mas, na verdade, é ela o problema. Segundo Daniela, o ansioso genera- lizado é bem exemplificado pelo sujei- ‘to workaholic que ndo para munca de trabalhar, é extremamente minucioso rma vida profissional, preocupado com cada chamada nio atendida ecom cada minuto de atraso, mas nao olha para a sade. “Brincamos que este paciente std olhando tanto para um lado que se esquece de olhar para o outro” A psicéloga Andrea Vianna lembra {que outro aspecto determinante para 0 diagndstico é 0 prejuizo trazido pe- lo estado frequente de ansiedade ao desempenho social e profissional do individuo, "No transtorno deansiedade generalizada, a pessoa fica tio preo- Cupada em ter aatitude correta que simplesmente deixa de agir. E como seela criasse varios problemas que no existem’ diz. Individuos com TAG frequentemen- te experimentam sintomas fisicos de ansiedade, como sudorese, néuseas ediarreia. Além disso, o TAG é uma ‘comorbidade comum em quem tem ou- tras doengas mentais, como depressio, abuso de dloool e drogas,e outros trans- tornos ansiosos. "A comorbidade com fobia social é praticamente uma regra’, afirma Daniela Knijnik. “Dificitmente alguém vem ao consultério porque est muito preocupado com as preocupa- es. O paciente procurao terapeuta por fobia social, e 0 profissional encontra a comorbidade do TAG.” ‘Se todos nés somos, eventualmen- te, ansiosos diante de tuma entrevista de emprego, um momento amoroso conturbado, as contas que extrapolam © saldo no banco, estima-se que em torno de2%a 4%dos individuos sejam. ansiosos generalizados. (O risco dedesemvolver TAG é maior em mulheres. A prevaléncia também varia de regido para regio, o que re- vvela, também, a influéncia do meio no desenvolvimento da doenga. Mais prevalente em descendentes de europeus ¢ na América do Norte, 0 TAG parece ser um transtomo tipico de paises desenvolvidos. Quer dit parece haver uma relacio entre o rit- mode vida, as expectativas depositadas, sobre 0 individuoe a chance deestese tornar um ansioso crénico. > ANGIEDADE 25 Eilauanoo vine ooew TOC [VERO MATAR MINHAMAE, quero matar minha mie, quero matar minha mie. ula Vez vou lavar minhas mios, ‘vou lavar minhas mos. Parece um po- ema esquisito, mas eis um ritual tipico de gente com transtorno obsessivo. A mente de quem tem TOC é marcada por repetic6es: pensamentos descon- fortdveis de que nao se consegue fu- gir, combatidos com comportamentos compulsivos para atenuar 0 sofrimento. (Os pensamentos obsessivos sio in- trusivos: chegam inesperadamente e no hd como evité-los. “A pessoa lava amio e vé que dimimuiu 0 desconfor- toe tendea repetir, mantendo o que se chama de reforco negativo", diz. a psicéloga clinica Andrea Vianna, da Associacao dos Portadores de Trans- tornos de Ansiedade (Aporta) ‘Omanual de diagnéstico DSM-5, um dos standards da psiquiatria, identifica os conteiidos mais comuns das obses- s6es e compulsdes entre individuos: ‘obsessdes por contaminagio e compul- ‘es por limpeza; obsessGes por sime- triae obsessdes por repeticao, organiza- ‘20 contagem; obsessdes agressivas e senuais; obsessbes pela ideiade ferir asi ‘mesmo oua terceiros e compulsio por verificar se isso realmente ocorreu. 0 ‘mesmo paciente pode ter varias obses- s6es ou rituais compulsivos distintos. “Namaior parte dos casos, a conexao entre a obsessio e a compulsao nao parece légica. Obsessbes de agressio podem ser ligadas a compulsGes re- ligiosas,a pessoa comecar a rezar ou a blasfemar, falar palavrdes', afirma Andrea, Hé casos em que nao hd uma ‘bsessio propriamente dita, mas a sen- ‘sagio — um nojo ou asco inesperado (que se tenta afastar por meio do ritual compulsivo. Também séo comuns os rituais mentais: mentalmente a pessoa 26 ansieoane estd contando quantasarestas tem uma determinada janela. ‘Vocé pode estar ai pensando: “Nossa, devo ter TOC". Muitos denés mantém singelas “manias" (entre aspas, porque em psicologia mania é outra coisa),co- ‘mo admirar-se toda vez que o rel6gio ‘marca um hordrio curioso, ou ade so~ ‘mar niimeros nas placas de automével. PN Mas, calma ld, ndo va se angustiar: so- mente 25% das pessoas desenvolvem o transtorno. O que vai determinar se & doenca ¢ 0 grau de sofrimento ¢ 0 quanto a pessoa vai passar seus dias envolvida pelos pensamentos erituais. Ela pode adorar deixar a casa em or- dem, refazer varias vezes e no serum. problema para elae para quem convive. OTOC causa prefuizos significativos & vida dos pacientes. As compulsdes tor- ‘nam-se paralisantes ~ nao se consegue ‘ais realizar as tarefas mais corriquei- rase indispensiveis. Estima-se que 76% dos pacientes com TOC desenvolvem algum outro transtorno, como panico, ansiedade generalizada ou depressio, ao longo da vida — 0 que aponta para fatores de risco comuns entre as patologias. Mas também hi bases neurolégicas e genéticas. Gémeos idénticos so qua- tro vezes mais propensos do que os no idénticos a reproduzir o outro em termos de TOC. Humilhante e dificultante ‘A pessoa com TOC tem autocritica, ppercebe que os pensamentos intrusivos ¢ rituais que emprega para afasti-los ‘0, muitas vezes, ridiculos. Aomesmo ‘tempo, acredita que oatode pensar em algo € perigoso, aumenta a probabili- dade de acontecer o que mais se teme mas sente-se sozinha, como se $6 ela fosse capaz de imaginar tantos absur- dos. A vergonha e o constrangimento 6 dificultam a busca por ajuda. AS COMPULSOES MAIS FREQUENTES EM PACIENTES DE TOC a ee = coop HE se Feta be ety, ee ede be on) TEPT Quando o trauma insiste em visitar HISTORIA DO TRANSTOR- no de stress pés-traumd- tico (TEPT) esta ligada as guerras e atrocidades que marcaram o século 20.0 soldado deixa o front e parte de volta para casa, mas a guerra nunca o aban- dona. Em visitas inesperadas, repassa diante dos othos as cenas de sangue e ‘morte, ea tenso extrema toma conta do corpo. O terror provocado é tio intenso e inescapavel que muitos acabam, por ‘conta prépria, colocando fim vida que ‘a guerra poupou. ‘Em um estudo de 2012 com500 mil Aldados americanos que serviram no Traque e no Afeganistio, 21% deles fo- ram diagnosticados com TEPT. A pre- valencia eevada revelao custo humano da guerra para o lado supostamente vencedor, ea conta compartilhada por toda a sociedade. Comparado a um cidadio comum, um veterano com o transtomo gera seis vezes mais des- ‘pesas para o sistema de saide. “Testemunhar a morte de alguém, ppassar por um sequestro ou uma situa ‘0 de tortura, covantia do estupro si0 situagGes potencialmente traumdticas’, diz o psiquiatra Tito Paes de Barros Neto. Um filhoque apanhou do pai pode sentir-se envergonhado e guardar a vio- léncia em segredo, plantando a semente Para o que pode se tornar um frondoso ce armaigado transtorno pés-traumitico. A situagio violenta pode ter sido apenas testemunhada por quem desenvolve 0 transtorno. Mas a re- gra do TEPT é clara: frata-se de um dis- ttirbio que se origina necessariamente a partir de um evento traumitico. SINTOMAS > amsonia eriso0i0s o > ipenvicitawcia Uns sim, outros nao ‘Nao surpreende que um grupo especialmente vulnerdvel sejam po- liciais militares que travam embates cotidianos com a criminalidade. A psicéloga clinica Andrea Vianna fez ‘uma pesquisa de mestrado avaliando tragos de personatidade que favo- recem 0 desenvolvimento de TEPT em um grupo de policiais que havia presenciado uma série de ataques de uma faccio criminosaa postos da PM em Sao Paulo. Mais de um quarto deles desenvolveu sintomas do trans tormo, mas aoutra parte se recuperou. “Uma caracteristica que protege 0 individuo é o autoditecionamento. Se a pessoa planeja melhor as situagoes ‘com que vai entrar em contato, tende ase proteger mais dos traumas’ diz. Mas situagdes violentas costumam ser inesperadas. Segundo Tito Paes de Barros Neto, admite-se que o trauma seja a causa do TEPT, mas que a ma- nifestagio dependa da capacidade de resiligncia do individuo. Quem, por razbes biol6gicas, temperamentais ou de histéria de vida, néo consegue lidar dessa forma, mergulha em um mundo de medo e ansiedade. Como os sinto- ‘mas do TEPT nao desaparecem mesmo ‘meses apés o trauma, passa-se aevitar situagdes que possam desencaded-los. Basta um estimulo que remeta vaga- mente a aspectos do evento traumético — um cheiro, um objeto, uma sensagio - para disparar o sofrimento psicolégico intenso. Um dos sintomas especificas do TEPT é oflashback.“Eum pe- sadelo acordado:estou conversando com vo- ce vera imagem do PANIC acontecido,a sensacio daquele momento’, diz Andrea. A re- vivéncia do evento traumético leva a ataques de panico, fechando um ciclo de ansiedade.Frequentemente, quem sofre com TEPT se torna autodestrutivo ou agressivo sem motivo aparente. A de- ppressio ¢ uma comorbidade importante, atingindo 80% dos pacientes. E comum que os individuos expe- rimentem “brancos’ ou pensamentos equivocados sobre oevento, incluindo culpara si ou a outras pessoas pelo trau- sma. Bo que ocorre com muttas vitimas de estupro na infancia e na adolescéncia, por exemplo, que se responsabilizam Por terem provocado o abusador. Oambiente salva Familias disfuncionais, pobreza e con- digo minoritéria tornam o individuo mais vulnerdvel ao TEPT. Nao s6 por estarem associados & violéncia, mas porque o que ocorre depois do trau- ‘ma também é fundamental para aassi- ilagio da situacio e a prevencio dos sintomas. “Se apessoa temalguém em ‘quem confia, com quem pode ter uma escuta nao punitiva, um ambiente em que consegue se sentir acolhida no pri- ‘meiro més apés o trauma, acaba sendo ‘omelhor dos tratamentos’ diz. Andrea, Os primeiros sintomas costumam aparecer até trés meses apés 0 trau- ‘ma, e durar varios meses. H4 quem en- frente-os por décadas,e quem obtenha ‘melhora significativa em pouco tempo de tratamento. “No TEPT, é como seaestrutura que nos protege do medo se rompesse. A vitima de assalto comecaa evitar rapa- zzes com barba porque o assaltante tinha barba.Conformese expdea homens de barba e vé que, em geral, os homens de barba nao so perigosos, ganha em segurangae percebe que aquela situagSo que dla viveunio acontece novamente’, afirma Andrea. @ ANsieDAve 27 Eblawanoo vina poenca UM PROBLEM DE BERCO Medo de ficar sozinho, de falar e de ir a escola: os sintomas de ansiedade em criangas podem até parecer normais - mas nao podem ser ignorados. POR MARIA JOANA DE AVELLAR Per cer) GAP cena é um clissico do comego de ano nas escolasde todoo mundo. Enquanto algumas felizardas re- ‘cebem apenas um aceno de lon- ge,outras mies, tentando deixar ‘0s pequenos na escola, enfren- tam choroe ranger de dentes de desespero. Quem nao conhece uma crianga que parece birrenta? Ou que segue dormindo na cama dos pais depois de grande? Nossas lembrancas de uma infancia plenamente feliz: sto filtros. Crescer e adaptar-se ao mundo é essen- cialmente angustiante, o que causa ansiedade. Mas, quando a crianga no relaxa nunca, nao quer sair de casa, nao consegue ficar sozinha, sua ansiedade pode ter se tornado doenga. A ansiedade é uma das patologias psiquiatri- cas mais comuns nas criangas, atrés apenas dos ‘Transtonos de Déficit de Atencao e Hiperatividade (TDAH) de conduta. Cerca de 10% dos pequenos sofre de algum transtorno ansioso, cinco em cada dez passario por algum epis6dio depressivo por causa dela. E necessirio estar atento, também, a ansiedade que nao chega a ser um transtorno, mas, que traz sofrimentos e prejuizos cotidianos, como diminuigdo da autoestima. O novo Manual Diagnéstico e Estatistico de ‘Transtornos Mentais (DSM-V) tem um novo olhar sobre os quadros psiquidtricos em geral,em particu- laros deansiedade. Antes, separavam-se os de inicio especifico na infancia; hoje, esto todos catalogados sem divisao de faixa etdria. Isso significa que os transtornos presentes em criancas e adolescentes no so mais vistos como menos graves. (Os mais frequentes na primeira faseda vida sioo transtorno de ansiedade de separa¢a0, 0 transtorno de ansiedade generalizada e as fobias especificas, (medo de animais, deavido, de elevador..)seguidos pela fobia social e o transtorno de panico. Apesar da existéncia de um quadro clinico para cadaum,a ‘maioria das criancas apresentard mais de um trans- torno ansioso - a chamada comorbidade. ANSIEDADE 29 Eilauanoo vine ooew “Fica Otranstorno de ansiedade de separagio é um dos mais co- ‘muns em criangas pequenas. Elas temem que algo possa acontecer com seus pais, ‘como acidentes, sequestros, assaltos ou doencas. Em casa, precisam de compa- nhia para dormir e resistem ‘a0 sono - e até pesadelos acontecem. Por ter medo de estar longe, ficam assustadas na escola. ‘Quando a crianga percebe que seus pais vao se ausentar ou 0 afastamento realmente acon- tece, aparecem até problemas fisicos. Os pequenos podem sofrer com dor abdominal ede cabega, nausea e vomi- tos. Em criangas maiores, os sintomas chegama taqui- cardia, tontura e sensagao de desmaio. A crianga, que em geral gosta da escola, acaba se sentindo humithada e me- drosa, com baixa autoestima. Dai para a depressio pode serum pulo. Ji ha estudos que indieam que ansiedade de separagio nao tratada na infancia pode ser um fator de risco para outros transtornos de ansiedade na vida adulta. Se hamedo de ir para a esco- a,0 ideal é fazer com que elas retornem. Manté-las longe do ambiente de sala de aula pode tornar 0 medo ainda mais crénico. Deve haver uma sintonia entre a escola, os pais €0 terapeuta quanto aos obje- tivos, conduta e manejo. Oretomo deve ser gradual, pois se trata de uma readapta- ‘sao, respeitando as limitagoes da criangae seu grau de sofri- ‘mento e comprometimento. 30 AwsteDave Quando é doenca? A terapia cognitivo-comportamental (TCC), que tem eficdcia comprovada no tratamento de distir- bios ansiosos, vé que os individuos com ansiedade percebem o mundo como um lugar perigoso, que exige constante vigilncia. Além disso, sao sensi- veis demais a estimulos que sugerem reprovacio, e sofrem de autocritica exagerada. ‘Coordenador do Programa de Transtornos de Ansiedade na Infancia e Adolescéncia do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clinicas da FMUSP, Fernando Ramos Asbahr compara a percepeao do ansioso a um sensor desregulado de incéndio, que alaga um prédio inteiro por conta de um riscar de fésforo."“A ansiedade pode até atrapalhar o desenvol- vimento, mas o problema é quando alterao diaa dia. A crianga nao consegue ir para a escola, no entra ‘uma loja, tem problemas de convivéncia’, firma. Pais nervosos, filhos ansiosos ‘Tanto por caracteristicas do ambiente em que sio criados quanto pela heranca biolégica,a ansiedade dos pais tem influéncia crucial na satide dos filhos.. “0 maior fator de risco de uma crianca ou adolescente é ter um pai ou mae ansioso’, diz. Asbahr. Ha casos ‘em que os pais sentem-se fragilizados frente a prole, acabam nao segurando a barra de ser um ponto de referéncia e seguranca. E também por isso que oenvolvimento dos pais na terapia ¢ fundamental para o sucesso do tratamento. No transtomno de ansiedade da separacio, os adultos tém um papel determinante. Com aparect- mento precoce, ele é caracterizado pela dificuldade da crianca em ficar sozinha e se adaptar na escola, incompativel com o seu nivel de desenvolvimento. s sintomas, que acometem principalmente crian- gas na faixa dos 6 a 8 anos, caracterizam-se por Preocupagdes excessivas quanto aos perigos que envolvemos pais ou asi proprio relutdncia em estar desacompanhado deles ea dificuldade em adormecer ‘ou dormir fora.“O pai ou mae ansioso, queacha que ofilho vai sofrer na escola, deixa 0 filho ansioso", diz Asbahr. Por outro lado, ele afirma que, em certos casos, ansiedade auxilia no diagnéstico. “Pais que sofreram na infancia pensam ‘eu sei o que ele esta sentindo, eu tinha isso’. Se a pessoa teve prejuizo pela ansiedade, vai sentir empatia, e isso é bom.” (ver quadro a0 lado) Usar técnicas de relaxamento e respiracdo com ‘os pequenos, expor devagar os filhos a circunstan- cias diferente’ e, principalmente, ndo se zangar, mas trabalhar em conjunto com as criangas para superar as dificuldades sio dicas importantes para os pais. ‘Tratamento ATCC (vejanapdg 52) costuma sera primeira escolha ara os psiquiatras infantis. “O uso da medicagio estd associado a intensidade: se ndo é um quadro tao grave, trata-se de uma segunda opgio. Mas se a pessoa nao responde, se nao hé uma participagao total do paciente e da famitia - principalmente no caso de criangas menores -, néo funciona” ‘Quando esse tratamento nao tem sucesso, com- binacéo de medicacao e terapia costuma ser eficaz. ‘Sao indicados antidepressivos inibidores da captacio da serotonina, comecando por um periodo de seis meses, um ano. tratamento no medicamentoso é deexposicao: “sea crianga tem medo de cachorro, vai se aproxi- mando. O que esté por tris da ideia é a pessoa ir se habituando, mudando o significado, tirando a im- portincia do medo.” Falta muito? A vida agitada,a agenda lotada ea tecnologia sempre disponivel tornaram a paciéncia uma qualidade que nao se desenvolve sozinha. A formacio atual das familias faz com que os filhos, sem irmios, ndo tenham que esperar a sua vez para nada. Criancas ndo precisam nem ao menos aguardar seu dese- ho favorito passar na televisdo: podem assisti-lo a qualquer hora, em qualquer plataforma e lugar. E comum observarmos os pequenos absortos em tablets e celulares em restaurantes, para que todos jantem em tranquilidade. ‘As solugdes ao alcance de um clique causam an- siedade, endo apenas nas criangas. Isso piora quando 0s pais, para compensar a menor disponibilidade de tempo, satisfazem todas as vontades da crianga. Crer que 0 mundo é um lugar adaptado aos seus desejos cedo ou tarde traz.sofrimento, e constatar que 0 planeta nao gira ao redor deles nem sempre é facil. Ensinar paciéncia exige envolvé-los nas si- ‘tuagdes: explicar a necessidade da espera e ensinar bbrincadeiras que nao incluam tecnologia para quese distraiam. E preciso falar sobre o que est4 aconte- ccendo quando esto no supermercado, por exemplo, em vez de exclui-los dessas atividades. Ao compre- enderem que existe um processo para que as coisas fiquem prontas ou acontecam, criangas tornam-se ‘mais felizes. A paciéncia melhora o aprendizado e diminui a ansiedade, jf que elas aprendem a ouvir, pensar antes de falar e argumentar. O gato comeu sua lingua? A timidez, tio comum nos pequenos, é um tra~ {go da personalidade em construc que deve ser ENSINAR PACIENCIA AS CRIANCAS PODE DIMINUIR A ANSIEDADE. monitorado. Vocé provavelmente teve um colega que nio se manifestava na classe, ou foi um deles. io tirava suas diividas, tinha vergonha de falar besteira, de mostrar nervosismo, de se expor. A ini- bigéo comportamental esté associada ao medo de novidades, einctui caracteristicas como introversio, esquiva e medo de pessoas estranhas. Protegidos em demasia pelos pais, meninos e me- rninas com esse perfil tornam-se ainda maisretraidos, formandoum ciclo viciosoe ganhando cinco vezes mais chances de desenvolver fobia social. Portado- tes do transtorno tém pavor de passar vergonha e sofrem de medo persistente ou desproporcional em situagdes em que julgam estar expostas aavaliagao dos outros. ‘Omutismo seletivo, quando a crianga fracassa a0 tentar falar com pessoas que no sio de seu circulo mais préximo, também estd associado ao tempera- ‘mento timido, Porndo conseguirem iniciar conversas ou responder, além de se recusarem a abrir a boca rma escola, podem ter prejuizos educacionais. E normal que os problemas passem batido, ja que o timido ansioso nao perturba tanto quanto © hiperativo. Mas a angustia ansiosa costuma se ‘manifestar fisicamente. Ao ouvirem reclamagdes constantes referentes a disparos do coracéo, mal- -estar gastrico, tremores, certos pais rondam por emergéncias e hospitais pedidtricos sem encontrar explicagao para as queixas dos filhos, que estd na cabega e nao no corpo. E importante que pais, professores e cuidadores fiquem atentosaos sinaisde ansiedade dos pequenos. Caso contrétio, eles se tornario adultos ansiosos. € ANGtEDADE 32

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