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Desenvolvimento e Educação: Volume II
Desenvolvimento e Educação: Volume II
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Desenvolvimento e Educação: Volume II

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La cuarta revolución industrial, caracterizada por un proceso de avance tecnológico que vuelve inexistentes los límites entre lo físico, biológico y digital, emerge como algo inevitable. Igual creencia se relaciona con los efectos de dicha revolución, a saber: impacto ecológico, profundización de la desigualdad, concentración de la riqueza, extinción de lo diferente... Ahora bien, ¿estamos determinados a vivir en ese futuro? Esta es la interrogante que preten - de responder el conjunto de artículos que se expresan en esta magnífica obra. La mayoría de los trabajos trascienden la necesaria reflexión y se compromete a proponernos caminos concretos, históricamente construidos y en construcción que configuran una alternativa tangible para un futuro más humano, democrático y para todos. La lectura de las obras puede ser hecha de dos maneras. La primera de ellas, apunta a proponer un análisis de la realidad, así como el relato de propuestas alternativas al modelo capitalista y neoliberal hegemónico, que van desde el aula y los centros educativos, pasando por la sociedad y llegando al continente latinamericano y el mundo global. Otra clave de lectura tan interesante como la anterior es por los temas que abordan los trabajos: el contexto (social, cultural, económico y global), la necesaria presencia de la diversidad en los diferentes niveles de trabajo y desarrollo tecnológico, el papel de la ciencia y la tecnología en los procesos de construcción y profundización de la igualdad, la necesidad de reinventar modalidades de organización y participación de la clase trabajadora, el rol de los centros educativos y estrategias didácticas concretas. Finalmente, dos subrayados: el primero sobre los Institutos Federales de Educación, Ciencia y Tecnología, proyecto concreto e históricamente en construcción que sin dudas muestra cual es el camino; el segundo sobre la importancia de generar conocimiento desde una perspectiva histórica crítica, sin lo cual nosotros, educadores, quedaremos expuestos a que nuestras experiencias, vivencias y alternativas se disuelvan y no dejen huellas.
LanguagePortuguês
Release dateNov 9, 2021
ISBN9786525008462
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    Book preview

    Desenvolvimento e Educação - Pedro Guimarães Pimentel

    INTRODUÇÃO

    Tentaram nos enterrar,

    mas não sabiam que éramos sementes.

    (provérbio mexicano)

    A triste conjuntura de desmonte dos direitos civis, ambientais, sociais e políticos aliada ao agravamento da pandemia exigem das forças progressistas o aprimoramento das análises da formação social brasileira e do contexto atual. Lutamos pelos trabalhadores e trabalhadoras, excluídos(as) e oprimidos(as) do sistema escolar, despertando o interesse científico e desenvolvendo uma visão crítica da realidade.

    Nós, educadores e educadoras, estamos vinculados(as) ao processo de conhecimento científico e cultural da escola básica e da universidade, aliando nossos saberes à luta de classes, enquanto intelectuais da classe trabalhadora. Tendo em vista as necessidades de formação política e de progressão funcional dos educadores e educadoras para o desempenho de suas funções, o Programa Desenvolvimento e Educação Theotonio dos Santos (ProDEd-TS/Uerj) elaborou os Cursos Desenvolvimento e Educação, nas versões 180h e 120h, ministrados na modalidade a distância, a fim de possibilitar a participação de profissionais da educação em todo o território nacional, o que foi fundamental nesse momento da pandemia, em que se faz necessário manter o isolamento social como medida de prevenção e contenção da Covid-19.

    As capacitações oferecidas pelo ProDEd-TS/Uerj tiveram como objetivo geral caracterizar o desenvolvimento latino-americano e suas relações com a ciência e a escola. Para tanto, o corpo docente base (Gaudêncio Frigotto, Monica Bruckmann, Pedro Pimentel, Bruno Miranda Neves, Zacarias Gama, Alberto Mendes, Hugo Muller, Aluisio Bevilacqua, Marcela Reis, Fernando Pimentel, Livaldo da Silva e Michelle Paranhos) convidou outros especialistas para realizar as tutorias e avaliar os trabalhos de conclusão de curso (TCCs), acolhendo as inquietações e dúvidas dos estudantes que nos brindaram com seus textos.

    A organização desta coletânea, que conta com dois volumes, providencia uma visão panorâmica sobre parte essencial dos problemas que persistem no Brasil e na América Latina e merecem ser compreendidos no escopo das seguintes temáticas: o desenvolvimento histórico do capitalismo dependente; as características atuais do capitalismo latino-americano; as políticas de desenvolvimento latino-americano; a ciência e o desenvolvimento; a Universidade e o domínio tecnológico; a colonização do saber e as perspectivas decoloniais; a função social da educação; a relação entre a educação e classes sociais; a educação para além do capital; e a Pedagogia Histórico-Crítica.

    Cumpre ressaltar que as quatro turmas que estiveram conosco em 2020 foram beneficiadas com uma edição revista e adaptada do Seminário Virtual selecionado pelo Conselho Latinoamericano de Ciências Sociais (Clacso), ministrado em 2019. Em todas essas oportunidades, apresentamos um debate qualificado acerca das relações entre desenvolvimento e educação na conjuntura latino-americana e brasileira. Partindo da análise sócio-histórica do desenvolvimento como ideologia e como teoria num contexto de mundialização das relações sociais capitalistas em todas as dimensões da vida, pretende-se aqui vislumbrar a relação entre a prática educativa voltada para a qualificação social e o desenvolvimento. Para tanto, o conteúdo foi dividido em três grandes temas: a) o desenvolvimento do capitalismo e suas características atuais, especificamente na América Latina; b) elementos teóricos acerca da Ciência, da Tecnologia e da Escola em sua relação com o desenvolvimento econômico; e c) os caminhos e possibilidades de uma Educação libertadora, transformadora e emancipadora.

    Cabem agradecimentos especiais a estes setores internos: ao Núcleo de TeleEducação da Faculdade de Odontologia (TeleOdonto), que proporcionou a criação e a manutenção do ambiente virtual de aprendizagem (AVA); ao Centro de Tecnologia Educacional (CTE) pelos planejamentos, gravações e edições das videoaulas e por garantirem a qualidade técnica e estética do processo de ensino; ao Centro de Produção da Uerj (Cepuerj), que organizou e divulgou os cursos; por último, e não menos importante, à Seção Sindical do Sinasefe do Instituto Federal Baiano, que contratou vagas nos cursos e apoiou esta publicação.

    Com isso, demos aporte crítico sobre o papel da Educação num cenário de aprofundamento da crise sistêmica do capital e o (re)surgimento de saídas conservadoras, autoritárias e de viés fascista, esperando abordar elementos que permitam aos discentes reelaborar sua relação com a Educação, verificando os limites e oportunidades de encarar o processo educativo e o domínio tecnológico como ferramentas estratégicas de desenvolvimento autônomo, soberano e sustentável, com democracia e justiça social. 

    As coletâneas e os cursos se originam da compreensão de que vivemos numa quadra histórica na qual a crise estrutural do capital se desenvolve com a reestruturação produtiva, as mudanças nas relações Estado/Sociedade Civil e a necessidade de inovar o binômio formação/conformação das atuais e futuras gerações de trabalhadores e trabalhadoras.

    Multiplicados nossos esforços, entregamos ao público interessado textos que se dirigem tanto às análises filosóficas, éticas e estéticas quanto à proposição de práticas pedagógicas que não se conformam com a realidade.

    Boa leitura!

    Bruno Miranda Neves

    Gaudêncio Frigotto

    Pedro Guimarães Pimentel

    Michelle Pinto Paranhos

    Jordan Rodrigues dos Santos

    Carlos Alberto Gomes Pimentel Júnior

    Caroline Andrade Fernandes

    1

    O CENÁRIO POLÍTICO E INTELECTUAL BRASILEIRO PÓS-1945: O DEBATE SOBRE A FORMAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO NACIONAL

    Michelle Pinto Paranhos

    Este texto tem como objetivo apresentar uma breve reflexão em torno do debate acadêmico e político sobre a formação econômico-social brasileira após 1945. Para isso, retoma a forma específica como as teorias de desenvolvimento e modernização enraizaram-se no Brasil, resultando nas interpretações dualistas e etapistas da sociedade e da economia que dominaram o pensamento social e a cena política até a primeira metade da década de 1960. No contexto do desenvolvimentismo brasileiro, três vertentes principais dessas concepções ganham destaque: a visão nacional-burguesa ou nacional-desenvolvimentista da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) e do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb) e a perspectiva do Partido Comunista Brasileiro (PCB), que surgiu na esteira do movimento revolucionário socialista. Em seguida, situa a perspectiva crítica da chamada escola de sociologia de São Paulo e da teoria marxista da dependência. O trabalho se justifica pela importância do resgate dos clássicos do pensamento social brasileiro, tendo em vista o contexto intelectual e histórico em que se dá a produção das teorias e da ideologia nacional-desenvolvimentistas e, posteriormente, sua crítica. Diante da persistência de traços do escravismo e do colonialismo, da hegemonia da ideologia do desenvolvimento e da radicalidade que o neoliberalismo adquire frente à relação capital-trabalho nas sociedades de capitalismo dependente como o Brasil, as obras de autores como Florestan Fernandes, Francisco de Oliveira, Celso Furtado, Caio Prado Junior, Vânia Bambirra, Ruy Mauro Marini, Theotonio dos Santos, entre outros, mantêm-se com renovada atualidade, o que se dá por um motivo aparentemente simples: como o desenvolvimento permanece sempre inalcançável, a cada marco histórico, os problemas se colocam com força redobrada. O estudo desses autores nos permite vislumbrar, sob uma perspectiva crítica, novas respostas para os dilemas contemporâneos das sociedades de capitalismo dependente.

    I

    Conforme afirma Celso Furtado (1974, p. 14), no terceiro quartel do século XX, noventa por cento da literatura encontrada nas ciências sociais fundava-se na ideia a partir da qual se dava como evidente o fato de que o desenvolvimento econômico, tal qual vinha sendo praticado pelos países que lideraram a revolução industrial, poderia ser universalizado. As questões formuladas pelo campo da economia do desenvolvimento e da teoria da modernização tiveram origem no contexto que se formou após a Segunda Guerra Mundial, no interior da concepção de Guerra Fria (que a própria teoria do desenvolvimento ajudou a materializar), como parte da consolidação da hegemonia estadunidense e da construção da hegemonia do próprio capitalismo. Tais teorias foram produzidas em órgãos governamentais estadunidenses e em instâncias a eles ligadas e foram ganhando como espaço de difusão os centros de pesquisa, universidades e as agências internacionais do capital, como enorme aparato de produção de conhecimento voltado para a aplicação de políticas públicas e para a construção social de ideias e valores que apresentavam o desenvolvimento econômico como fim político incontestável¹.

    A chamada ideologia do desenvolvimento enraizou-se na América Latina, não apenas pela vinculação direta à esfera de influência dos Estados Unidos, mas, fundamentalmente, devido às condições concretas e às contradições sociais internas da região que eclodiram na transição do capitalismo competitivo para o capitalismo monopolista. Países que haviam criado Estados nacionais independentes e engendrado estruturas capitalistas e, desde o final do século XIX, já haviam iniciado seus processos de industrialização apresentaram-se como um cenário profícuo para uma ideologia que apontava a industrialização como um caminho necessário para o desenvolvimento.

    No Brasil, o pensamento político e acadêmico organizou-se em torno das teorias do desenvolvimento e da modernização, colocando em evidência a ideia de que a industrialização e/ou a plena consolidação do capitalismo seria a resposta para os problemas causados pelo subdesenvolvimento. Tanto à direita quanto à esquerda, os embates sobre a caracterização da economia e da sociedade brasileira, do final dos anos 1940 e até a primeira metade dos anos 1960, foram marcados por uma espécie de consenso desenvolvimentista, que conformava uma espécie de senso comum, influenciando diferentes práticas e ações políticas, movimentos partidários e movimentos sociais. Nesse período, o pensamento de esquerda foi hegemonizado por uma concepção teórica que ficou conhecida como dualista. Guardadas as características particulares, partilhavam da perspectiva teórica, além dos dirigentes do Partido Comunista Brasileiro (PCB), os intelectuais aglutinados em torno da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) e do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb).

    No contexto político e social marcado pelas repercussões da Crise de 1929 e pela Revolução de 1930 que sinalizava a aceleração do processo de industrialização, o período nuclear da maturação histórica da burguesia brasileira e as condições materiais que lhe permitiriam aglutinar os interesses das classes possuidoras (FLORESTAN, 2006, p. 361), esses grupos tinham em comum a crítica ao liberalismo econômico associado aos interesses do imperialismo e à defesa do protagonismo da burguesia nacional e do Estado nacional no processo de desenvolvimento econômico.

    De um modo geral, nessa ótica, as economias subdesenvolvidas eram concebidas como sendo constituídas por estruturas dualistas antagônicas: em que um núcleo capitalista moderno (urbano-industrial) passava a coexistir com uma estrutura arcaica (agrário-exportadora), considerada pré-capitalista, feudal ou semifeudal.

    Infere-se que as estruturas subdesenvolvidas são sistemas dualistas, constituídos de setores ou departamentos em que prevalecem critérios econômicos distintos. Em uma representação esquemática desses sistemas, chamaremos de departamento desenvolvido o núcleo que, predominando a tecnologia moderna, esteja produzindo para o mercado interno ou externo. Ao setor remanescente da estrutura pré-capitalista chamaremos de departamento atrasado (FURTADO, 1979, p. 170).

    O subdesenvolvimento era entendido, dessa forma, como um entrave ao desenvolvimento. Segundo a tese da dualidade, as estruturas arcaicas, pré-capitalistas, impediam a expansão e o desenvolvimento do setor moderno, impossibilitando que se desse o passo fundamental exigido para a criação de uma economia tipicamente capitalista (FURTADO, 1979, p. 163).

    II

    Criada em 1948, com o objetivo de difundir a ideologia do desenvolvimento nos países da América Latina, a Cepal surgiu no bojo das instituições de cooperação internacional das Nações Unidas², destacando-se no panorama desenvolvimentista brasileiro. No entanto, assumiu um ponto de partida radicalmente oposto ao da economia do desenvolvimento, ao partir da crítica à teoria ricardiana do comércio internacional³, a fim de escapar das limitações e da rigidez produzidas pela ausência de teorizações originais sobre as economias e sociedades latino-americanas.

    Como nos mostra Octávio Ianni (1979), a princípio, as ideias cepalinas foram tratadas com indiferença pela maioria dos governos dos países latino-americanos e hostilidade dos empresários e do governo dos Estados Unidos. No entanto, as contribuições de Celso Furtado e da Cepal foram ganhando destaque até se converterem na mais importante ideologia industrialista da época, influenciando e determinando políticas concretas e a ação de vários governos latino-americanos (OLIVEIRA, 2003, p. 14).

    Além de Furtado, a Cepal reuniu intelectuais como Raúl Prebisch, Aníbal Pinto, Aldo Ferrer, Oswaldo Sunkel, Maria Conceição Tavares, que foram responsáveis pela construção de um corpo analítico específico fundado sob o método histórico-estrutural, que articulava a análise das condições históricas da América Latina ao enfoque teórico-abstrato da teoria do subdesenvolvimento. Sob um programa de pesquisa no qual as economias e sociedades subdesenvolvidas latino-americanas foram definidas como objeto de estudo, esses teóricos apontaram a emergência de fenômenos que não eram analisados pelos teóricos do desenvolvimento estadunidenses e europeus até então, realocando os termos do debate e dando origem a uma profusão de noções e conceitos que passaram a vigorar na análise econômica – tais como deterioração dos termos de intercâmbio, industrialização via substituição das importações, divisão centro-preferia, entre outros –, com a finalidade de caracterizar e explicar o modo específico de industrialização, crescimento econômico, introdução do progresso técnico e tecnológico, distribuição de renda e absorção da força de trabalho na periferia.

    A reflexão sobre o papel e sobre a natureza do Estado voltou-se essencialmente para orientar a discussão, a pesquisa e as políticas concretas de caráter alfandegário, tributário, cambial, fiscal e social. Os conceitos de planejamento e programação surgiram como chave para conferir racionalidade e sistematicidade à política econômica latino-americana de industrialização, sendo elaborados principalmente nos documentos da Cepal dos anos 1950 e tendo Celso Furtado como um dos principais autores de sua parte conceitual, atuando com os governos de Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e João Goulart.

    Em 1953, durante o governo Vargas, foi constituído o Grupo Misto CepalBNDE, que elaborou um estudo sobre a economia brasileira com ênfase nas técnicas de planejamento, cujo relatório, editado em 1955, seria a base do Programa de Metas de Juscelino Kubitschek – uma combinação possível entre a ideologia nacionalista e a política econômica de tipo internacionalista⁴. Na década 1960, Celso Furtado foi nomeado primeiro-ministro do Planejamento no Governo João Goulart, elaborando, a partir dos debates técnicos e teóricos realizados principalmente no âmbito da Cepal, o Plano Trienal, que deveria ser executado nos anos de 1963-1965.

    III

    Especialmente para os setores nacionalistas e esquerdistas brasileiros, a autonomização da economia era uma questão central na discussão econômica, tratava-se de fortalecer o controle estatal dos instrumentos de política econômica e nacionalizar centros de decisão relativos à política econômica do país (IANNI, 1979, p. 129). Nessa direção, reforçou-se cada vez mais a ideia de coordenação e planificação da economia, levando os governos a incentivarem o estudo sistemático dos problemas econômicos. Com o objetivo de plasmar e difundir uma ideologia do desenvolvimento no Brasil, o Governo Vargas passou a apoiar as atividades do chamado Grupo de Itatiaia⁵, originando o Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política (Ibesp), que encontraria sua forma pública a partir do Decreto n.o 37.608, de 14 de julho de 1955, durante o Governo Café Filho, por meio do qual foi criado o Iseb – um curso permanente de altos estudos políticos e sociais, de nível pós-universitário, instituído como órgão do Ministério da Educação e da Cultura, diretamente subordinado ao ministro de Estado. Conforme o decreto, sua finalidade era:

    [...] o estudo, o ensino e a divulgação das ciências sociais, notadamente da sociologia, da história, da economia e da política, especialmente para o fim de aplicar as categorias e os dados dessas ciências à análise e à compreensão crítica da realidade brasileira, visando à elaboração de instrumentos teóricos que permitam o incentivo e a promoção do desenvolvimento nacional (BRASIL, 1955).

    Dotado de autonomia administrativa e de plena liberdade de pesquisa, de opinião e de cátedra, o Iseb atuou como uma escola de governo voltada para a formação de técnicos e dirigentes e para a produção de pesquisas como base para a formulação de políticas públicas, reunindo intelectuais de diferentes áreas e filiações teóricas sob a bandeira do nacional-desenvolvimentismo. Entre eles estiveram Nelson Werneck Sodré, Hélio Jaguaribe, Guerreiro Ramos, Ignácio Rangel, Cândido Mendes de Almeida, Álvaro Vieira Pinto, Anísio Teixeira, Ernesto Luiz de Oliveira Júnior, Hélio Burgos Cabal, José Augusto de Macedo Soares, Roberto Campos e Roland Corbisier. A primeira publicação do Instituto, Introdução dos Problemas Brasileiros, de 1956, indicava o propósito que unia o grupo:

    [...] a primeira contribuição do ISEB ao esforço conjunto pelo qual a inteligência brasileira procura tomar nova consciência da realidade nacional. Essa tarefa, em função da qual foi criado o ISEB, parece-nos o pressuposto indispensável à elaboração de uma ideologia de nosso desenvolvimento. Contribuindo para a formação dessa ideologia, acreditamos estar cumprindo a parte que nos compete na obra comum de emancipação do Brasil (ISEB apud FERNANDINO, 2014, p. 10).

    Helio Jaguaribe (2014 [1979]) relata em seu breve depoimento e reapreciação crítica, a passagem do Iseb de uma instituição engajada na análise e formulação de ideias sobre as transformações na sociedade brasileira a uma instituição de debate e militância política. A intensa atividade intelectual do Iseb, por meio da organização de cursos e conferências, publicações de ensaios e livros, realizava-se em três principais planos: 1) no plano da teoria geral, visava à superação das limitações histórico-sociológicas do positivismo (análises clássicas e neoclássicas) e do marxismo (interpretações marxistas do PCB), a fim de alcançar explicações e soluções para os problemas brasileiros; 2) no plano da teoria aplicada à análise da realidade brasileira, dedicava-se à análise estrutural-econômica, social, cultural e política da realidade brasileira, com o propósito de estabelecer os fundamentos de uma política de desenvolvimento nacional; 3) no plano da práxis política, buscava contribuir para a formulação de uma ideologia adequada à mobilização da sociedade brasileira, para a realização do projeto de desenvolvimento nacional.

    O autor destaca que, para além das características particulares de cada uma das três fases⁶ do Instituto e da diversidade de posicionamentos pessoais de seus membros, mantiveram-se constantes: o compromisso com o objetivo de desenvolvimento nacional e a tese central, a partir da qual, para empreendê-lo, era necessário mobilizar os esforços do país por meio de uma ideologia. Sendo assim, para os isebianos, o projeto de desenvolvimento nacional, capaz de produzir consensos políticos e mobilizar tais esforços, nas condições estruturais e históricas do Brasil e do mundo nos anos 1950, articulava-se em torno dos interesses de classe da burguesia. Sob tal ótica, a burguesia nacional brasileira seria a classe com condições objetivas de impor seus interesses às classes médias e ao proletariado, atribuindo a esses interesses um sentido conveniente ao conjunto do país mediante uma formulação ideológica, o nacional-desenvolvimentismo.

    As perspectivas da Cepal e do Iseb foram contemporâneas e coerentes entre si, atingindo seu auge nos anos 1950. As ideias isebianas de caráter amplamente político complementavam-se e ganhavam sustentação, no plano econômico, a partir da fundamentação teórica dual-estruturalista cepalina. Em linhas gerais, os dois grupos partiam de uma mesma ideia: compreendiam o desenvolvimento como produto de uma estratégia nacional de industrialização, tendo como agente principal o Estado.

    A eficácia da intervenção estatal para a aceleração do crescimento econômico constituiu o aspecto mais significativo do debate entre as inúmeras correntes desenvolvimentistas. Cabia ao Estado, nessa perspectiva, proteger a indústria nacional dos interesses do capital-imperialismo a partir de políticas concretas. Não apenas os fatores internos decorrentes do colonialismo e do atraso eram vistos como a raiz do subdesenvolvimento, mas também a exploração dos países desenvolvidos, que, segundo a teoria do imperialismo, buscavam manter os países periféricos como produtores de matérias-primas e alimentos (bens primários).

    IV

    Enquanto o Iseb e a Cepal conceberam a visão nacional-burguesa ou nacional-desenvolvimentista do processo de industrialização e do desenvolvimento econômico brasileiro, o PCB surgiu na esteira do movimento revolucionário socialista, nos anos 1920. Após 1945, com a queda de Vargas, o Partido saiu da clandestinidade e emergiu fortemente na cena política, apresentando resultados importantes nas eleições. No entanto, com a Guerra Fria e a construção da ideia do comunismo como o inimigo comum, voltou à ilegalidade em 1947, da qual só sairia em 1988 com a Constituinte.

    Desde suas origens, o PCB orientou-se a partir das definições da Terceira Internacional, que, após a morte de Lenin, ficou subordinada às concepções stalinistas e stalinianas, fundadas, por sua vez, numa aplicação mecânica do marxismo e das leis da economia política. As interpretações pecebistas acabavam por resultar num modelo esquemático de revolução, por meio do qual se definia que:

    [...] a sociedade brasileira estava submetida à pobreza e a desigualdade porque nela predominavam nas relações de produção, relações pré-capitalistas – feudais no meio rural – que impediam o desenvolvimento das forças produtivas. [...] Dessa análise decorria uma estratégia e uma ação política que defendiam a necessidade de aprofundar o desenvolvimento [capitalista] das forças produtivas no Brasil, como forma de superar o atraso econômico. [...] era necessário realizar uma revolução burguesa para conclusão da etapa capitalista da sociedade e, somente depois disso, dar passos rumo às mudanças transformadoras protagonizadas pela luta dos trabalhadores (TRASPADINI; STEDILE, 2011, p. 18).

    As análises da conjuntura mundial que fundamentavam a interpretação do Partido Comunista da União Soviética (PCUS) e da Terceira Internacional estavam presentes nos partidos comunistas em toda a América Latina. A vertente comunista da ideologia do desenvolvimento passou a negar o caráter socialista da revolução nos países atrasados (DEMIER, 2012). Tomando como referência os processos históricos dos países industrializados e estabelecendo a consolidação da revolução democrático-burguesa como uma etapa precedente à revolução socialista, a estratégia política de desenvolvimento proposta pelo PCB baseava-se na estatização progressiva da economia, na luta contra o latifúndio e contra o imperialismo, propondo, como tática para superar a herança feudal e o atraso, a aliança entre classe trabalhadora e burguesia nacional.

    Para além da influência teórica nos diferentes campos da ciência⁷, a visão etapista da Terceira Internacional tinha implicações diretas na luta político-ideológica dos trabalhadores e trabalhadoras dos países periféricos. Caio Prado Jr. (2004) foi uma das principais vozes dissidentes dentro do PCB. Como um dos intelectuais responsáveis pela abertura da discussão sobre a análise da realidade brasileira a partir do ponto de vista do materialismo histórico, apresentou as limitações da simplificação do marxismo operada pelo stalinismo e contestou a plataforma política proveniente dessas formulações. Segundo o autor, a teoria marxista da revolução, na qual se inspirava o pensamento brasileiro de esquerda, havia sido elaborada a partir de abstrações, a partir de conceitos que desconsideravam a realidade do país.

    Resultaram disso as mais graves consequências no que respeita à condução da prática, isto é, da ação revolucionária, pois uma teoria de tal maneira alheada à realidade, como tinha de ser aquela que provém de tão defeituosa elaboração, não é possível extrair as normas e uma política consequente e aplicável às situações concretas que se apresentam. Em consequência, a política revolucionária ficou exposta ao sabor das circunstâncias imediatas, [...] sem uma linha precisa capaz de orientar seguramente, em cada momento ou situação, a ação revolucionária (PRADO JÚNIOR, 2004, p. 29).

    Ainda que, no terreno da teoria marxista, o partido não tenha alcançado muitos êxitos, principalmente pela submissão quase incondicional às diretrizes do PCUS, a influência do Partidão na cultura brasileira foi inegável e benéfica. No período que sucedeu à Segunda Guerra, o partido contava com um amplo apoio popular e praticamente toda a intelectualidade de ponta era militante ou simpatizante do PCB (OLIVEIRA, 2018, p. 55).

    V

    O golpe civil-militar de 1964, mediante o qual foi implementada a ditadura militar, marcou uma ruptura com o nacional-desenvolvimentismo em função da consolidação do modelo econômico dependente e associado ao capital internacional, que já vinha sendo implantado desde 1955.

    Do ponto de vista econômico, a intenção do golpe não foi uma ruptura⁸. Ao contrário disso, o regime militar teve como objetivo garantir a continuidade e a conservação da ordem que as frações dominantes acreditavam estar sendo ameaçada pela exacerbação das tensões sociais e pela possibilidade das reformas de base apoiadas pelos movimentos progressistas. Ocorre que a política de favorecimento às empresas estrangeiras implantada era incompatível com o Estado nacional e democrático que se plasmara nos ideais nacional-desenvolvimentistas. Em articulação com os militares, o empresariado assumiu a ideologia da Escola Superior de Guerra (ESG) e sua Doutrina de Segurança Nacional que operou a redefinição do papel das Forças Armadas na sociedade e do conceito de segurança, internalizado e assimilado à ideologia do desenvolvimento, no escopo da ideologia da Guerra Fria (MENDONÇA; FONTES, 2004, IANNI, 1979).

    A ideologia nacional-desenvolvimentista foi caracterizada como uma visão ideológica progressista, industrialista e modernizadora. Florestan Fernandes entrou nessa discussão assumindo uma perspectiva crítica às teses fomentadas pelos apologistas do desenvolvimentismo, rejeitando a aceleração e a prioridade do desenvolvimento e afirmando que desenvolvimento sem democracia significaria continuar com estruturas arcaicas, que cresceriam apenas em extensão sem proporcionar realmente a transformação da sociedade brasileira (FLORESTAN, 1995). Esse foi o elemento central que mobilizou Florestan Fernandes a reunir, a partir do final de 1954, em torno da cadeira de Sociologia I da USP, um grupo articulado de pesquisadores, com várias ramificações, que viria a constituir a chamada escola paulista de sociologia. Seu objetivo com a formação do grupo era implantar e firmar padrões de trabalho que nos permitissem alcançar o nosso modo de pensar sociologicamente os problemas brasileiros e assim construir uma contribuição original à teoria sociológica (FERNANDES, 1976, p. 178, grifo do autor). Esse grupo contou com colaboradores e interlocutores como Octavio Ianni, Fernando Henrique Cardoso, Gabriel Cohn, Marialice Mencarini Foracci, Maria Sílvia Carvalho Franco, Luiz Pereira, Paul Singer, Juarez Brandão Lopes, Leôncio Martins Rodrigues, Roberto Cardoso de Oliveira, José de Souza Martins, favorecendo o que viria a constituir, segundo o próprio Florestan, o mito da escola paulista de sociologia⁹.

    A repressão aos intelectuais, professores, militantes e estudantes nos partidos, sindicatos e nas universidades operada após 1964 interrompeu o debate público temporariamente, muitos foram perseguidos, presos, aposentados compulsoriamente, caíram na clandestinidade e/ou resolveram exilar-se.

    A contradição entre o capitalismo dependente e as prerrogativas da revolução democrático-burguesa que haviam dominado o pensamento acadêmico e político nos anos 1950 e 1960 tornou-se irreconciliável: a burguesia brasileira não foi capaz de aliar-se às classes trabalhadoras para promover as reformas, fechando o circuito a partir da autodefesa do privilégio pela violência sistemática, organizada, institucionalizada e ‘legitimada’ através do poder concentrado do Estado (FERNANDES, 2010 [1976], p. 31). Desfizeram-se as ilusões sobre uma burguesia nacional que lideraria o proletariado na revolução nacional e democrática, capaz de promover a autonomização da economia e a superação do subdesenvolvimento.

    Essa aprendizagem realizou-se por três vias diversas, todas frustadoras. Primeiro, através da descoberta de que não iríamos repetir a história. A grande esperança republicana, de que se faria a revolução industrial de modo autônomo e segundo o modelo de desenvolvimento econômico inerente ao capitalismo competitivo, esboroa-se por completo no limiar mesmo da industrialização intensiva. Quando isso ficou patente, também se evidenciou que a concretização de uma democracia burguesa plena não era uma questão de tempo nem de "gradualismo político [...]. Segundo, através de entrechoques alimentados por antagonismos intraclasses, ou seja, por interesses e aspirações divergentes de classes ou estratos de classe burgueses [...]. Terceiro, através da exposição de elites das classes burguesas a influências socializadoras externas e de manipulações diretas de problemas internos por meio de controles desencadeados e/ou orientados a partir de fora (FERNANDES, 2006, pp. 364-365, grifos do autor).

    O debate público sobre a formação econômico-social brasileira, que vinha se dando sob o enquadramento teórico do nacional-desenvolvimentismo, foi silenciado, ou pelo menos houve uma tentativa de silenciá-lo. Antes de ser extinto por decreto presidenciável assinado treze dias depois do golpe, o Iseb teve sua sede invadida e depredada por grupos revolucionários. Apontado como subversivo, o Instituto foi investigado com a finalidade de comprovar a existência de atividades comunistas. Um Inquérito da Polícia Militar (IPM), com cerca de 8 mil páginas, citava 60 pessoas, entre as quais estavam três ex-presidentes, Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e João Goulart. O PCB permaneceu na ilegalidade, alguns de seus segmentos organizaram-se na luta armada, outros ligaram-se a outros partidos para permanecer na cena política. Celso Furtado, que era ministro do Planejamento de João Goulart, foi para o exílio, assim como muitos dos intelectuais da USP e de outras universidades, que foram aposentados compulsoriamente pelo AI5, como Florestan Fernandes e Fernando Henrique Cardoso. Francisco de Oliveira, que trabalhava na Sudene, como Furtado, chegou a ser preso em Recife nos primeiros momentos do golpe. Exonerados da Universidade de Brasília e perseguidos pelo regime militar, Ruy Mauro Marini, Theotonio dos Santos e Vânia Bambirra exilaram-se. O debate seria retomado sob a perspectiva de que o Brasil exigia novas interpretações.

    VI

    O debate sobre o papel do Estado e da burguesia nacional como protagonistas da revolução democrático-burguesa no Brasil sofreu uma ruptura após a derrubada de João Goulart, quando a intelectualidade de esquerda passou a questionar a base teórica que dava suporte ao dualismo e ao etapismo presentes nas análises da Cepal, do Iseb e do PCB, atribuindo aos equívocos de interpretação dos nacionalistas e comunistas a derrota amargada em 1964. A burguesia brasileira consolidou sua associação dependente ao capital estrangeiro, sobretudo, ao capital estadunidense, demonstrando a impossibilidade histórica da revolução democrático-burguesa nos moldes dos países de capitalismo avançado.

    A contrarrevolução confrontou empiricamente as teses dualistas e etapistas que fundamentavam o nacional-desenvolvimentismo reorganizando a discussão sobre o desenvolvimento e a revolução em novas bases. Proliferaram trabalhos críticos, em vários campos das ciências sociais e humanas, entre os quais podemos situar as contribuições de Florestan Fernandes e seu grupo da USP e dos teóricos marxistas da dependência.

    A partir dos anos 1970, com as aposentadorias compulsórias, parte dos intelectuais que integraram a USP reuniram-se no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). Criado em 1969, por um grupo de professores afastados pela ditadura militar, entre eles Otávio Ianni, Paul Singer e Fernando Henrique Cardoso, o Cebrap foi um espaço que tinha como finalidade produzir e difundir conhecimento sobre a sociedade brasileira, desenvolvendo estudos e pesquisas em diversas áreas como ciências sociais, ciências políticas, filosofia e na crítica literária e artística. O financiamento garantido pela Fundação Ford e as articulações políticas estratégicas mantidas com setores do empresariado, com a classe política e com a Igreja Católica proporcionaram a existência e a permanência da instituição (OLIVEIRA, 2012), apesar da perspectiva crítica, independente e resistente assumida diante do regime militar. Inúmeros intelectuais proeminentes fizeram parte do Cebrap; além dos já citados, Cândido Procópio Ferreira de Camargo, Juarez Brandão Lopes, Elza Berquó, José Artur Giannotti, Francisco de Oliveira, Bolívar Lamounier, Vilmar Faria, Roberto Schwarz etc. E muitos convidados ilustres que passaram pelo famoso mesão da Rua Bahia para as discussões que envolviam temáticas diversas, como Florestan Fernandes¹⁰, Caio Prado Jr., Pedro Malan, Maria da Conceição Tavares, nomes das ciências internacionais como Jürgen Habermas, Michel Foucault, Manuel Castells e Albert Hirshman.

    As contribuições da Escola da Dependência¹¹ também ganharam notoriedade nos anos 1970. A vertente aqui mencionada, a marxista, tem como principais expoentes no Brasil Vania Bambirra, TheotonioTheotonioTheotonio dos Santos e Ruy Mauro Marini, intelectuais que foram expulsos da Universidade de Brasília (UnB) – onde estudavam e/ou eram professores – com o golpe de 1964. Inicialmente, mantiveram-se na clandestinidade e exilaram-se no Chile, incorporando-se ao Centro de Estudios Socioeconómicos da Universidade do Chile (Ceso), onde permaneceram até o golpe contra Salvador Allende, em 1973¹². Esses autores, com intelectuais mexicanos e argentinos, reformularam as interpretações do subdesenvolvimento para explicar as características da reprodução econômica dependente e a inserção subordinada dos países da América Latina na divisão internacional do trabalho, com base no materialismo histórico-dialético, como método explicativo e de ação transformadora.

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

    Este trabalho é resultado de um estudo sobre a formação econômico-social e o desenvolvimento capitalista no Brasil. Nessa perspectiva, procurei apresentar o contexto em que foram produzidas e difundidas as análises nacional-desenvolvimentistas, situando o debate acadêmico e político nos anos 1950 e 1960. Nesse período, o cenário político e intelectual foi dominado por questões voltadas para as mudanças sociais e para as possibilidades de desenvolvimento e modernização. As desigualdades das estruturas econômicas e formas de produção heterogêneas coexistentes e seus efeitos sobre a vida das populações levaram alguns cientistas sociais a interpretações dualistas rígidas, chegando à imagem de um Brasil arcaico que se opunha a um Brasil moderno.

    A partir do golpe de 1964, tais interpretações foram reestruturadas sobre novas bases. Diante do esgotamento do nacional-desenvolvimentismo e da consolidação do modelo econômico dependente e associado ao capital internacional, emergem novas interpretações sobre a realidade político-econômica brasileira. Apontei aqui as contribuições de Florestan Fernandes e dos intelectuais da escola paulista de sociologia (alguns radicados no Cebrap durante a ditadura) e dos teóricos marxistas da dependência, que buscam compreender o capitalismo dependente na perspectiva do materialismo histórico-dialético.

    O capitalismo dependente, como uma forma de integração e de desenvolvimento capitalistas específicos do Brasil e da América Latina, surge como categoria central dessas análises, que ganham força explicativa na atualidade frente à persistência dos problemas do subdesenvolvimento e emergência de novos problemas, que radicalizam a contradição capital-trabalho na região.

    Um outro ponto que ganha dimensão é a necessidade de analisar o golpe de Estado de 1964, como parte do movimento histórico mais geral que introduziu elementos do fascismo numa combinação de expansão econômica e repressão na configuração de uma nova etapa histórica do capitalismo, o capitalismo monopolista. O projeto de modernização das frações burguesas hegemônicas aprofundou a dependência e a concentração de renda, sustentando-se a partir do poder militar. Os episódios da História do Brasil recente, de 1964 e 2016, e da eleição de 2018, revelam a ausência da tradição democrática das frações hegemônicas da burguesia brasileira, consolidando a tendência contrarrevolucionária e autocrática. Em contrapartida, o capitalismo dependente ocupa um lugar contraditório no capitalismo no sistema capitalista mundial que constitui um elo fraco e torna possível a atualidade de uma perspectiva revolucionária.

    REFERÊNCIAS

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    BRASIL. Decreto nº 53.884, de 13 de abril de 1964. Extingue o Instituto Superior de Estudos Brasileiros. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1960-1969/decreto-53884-13-abril-1964-394176-publicacaooriginal-1-pe.html. Acesso em: 29 out. 2020.

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