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colecéo TRANS Gilles Deleuze CONVERSAGOES 1972-1990 Tradugao Peter Pl Peart Ryo de Seneivo: editoralll34, SAL POST-SCRIPTUM SOBRE AS SOCIEDADES DE CONTROLE in L’Autre Journal, n° 1, maio de 1990. I. Hist6rico Foucault sito as sociedades disciplnares nos sculos XVII e XIX; atingem seu apogeu no inicio do culo XX. Elas procedem & organizagao dos grandes meios de confnamen: {o. 0 indviduo nio cessa de passar de um espago fechado @ ‘outro, cada um com suas leis primeieo a familia, depos a tscola ("voce no esté mais nasa familia"), depois a case nna ("¥océ no est mais na escola"), depois fabeica de ver fm quando o hospital, eventualmente a prisfo, que € 0 meio de confinamento por exceléncia. E a prisio que serve de mo- delo analgico: a heroina de Enropa 51 pode exclamar, 20 ‘er operiris, "pene estar vendo condenados.". Foucault nalsot muito hem o projet ideal dos meios de confinamen: to, vsivel especialmente na fabriea: concentra; distribu no espago;ordenar no tempo; compor no espago-empo uma fo {3 produtiva cao efeto deve ser superior a soma das forsas lementares. Mas o que Foucault ambem sabia era da brevi- dade deste modelo ee sucdia 3s sciedades de sober cijo ‘objetivo e fungeseram completamente diferentes (agambar fats mais do que organiar a produgio, decidir sobre a mor- te mais do que gerir a vida); a transigao foi feita progressiva- mente, e Napoledo parece er operado a grande conversio de tima sociedad 3 outta. Mas as iscipinas, por sua ver, tam- tem conheceriam uma crise, em favor de novasforgas que se instalavam lentamente © que s© precipitariam depois da Se- Conversagbes 29 ‘gunda Guerra mundial: sociedades disciplinares 60 que a no Gramos mais, 0 que deixavamos de ser. Encontramo-nos numa crise generalizada de todos os :meios de confinamento, pris20, hospital, fabrica, escola, fa- mila. A familia €um “interior”,em crise como qualquer outro interior, escolar, profissional, etc. Os ministros competentes, ino param de anunciar reformas supostamente necessirias, Reformara escola, reformara indistria, o hospital, 0 exérci- to, a prisio; mas todos sabem que essas instituigdes esto condenadas, num prazo mais ou menos longo. Trata-se ape- nas de gerir sua agonia e ocupar as pessoas, até a instalagio das novas forgas que se anunciam. Sao as sociedades de con- trole que estdo substituindo as sociedades disciplinares.“ tole” € 0 nome que Burroughs prope para designar 0 novo ‘monstro, e que Foucault reconhece como nosso futuro pro- xximo, Paul Virilio também analisa sem parat as formas uta rpidas de controle 20 ar live, que substituem as antigas dis- ciplinas que operavam na duracdo de um sistema fechado. ‘Nao cabe invocar produgées farmacéuticas extraordinarias, formagdes nucleares, manipulagdes genéticas, ainda que elas sejam destinadas a intervir no novo processo. Nao se deve per- guntar qual é 0 regime mais duro, ou o mais coleravel, pois € fem cada um deles que se enfrentam as liberagdes e as sujei= «es. Por exemplo, na crise do hospital como meio de confi= amento, a setorizagao, os hospitais-dia, 0 atendimento a domicilio puderam marcar de inicio novas liberdades, mas também passaram a integrar mecanismos de controle que ti- valizam com os mais duros confinamentos. Nao cabe temer ‘ou esperar, mas buscar novas armas. I. Logica 3s diferentes internatos ou meios de confinamento pe- los quais passa o individuo sio varidveis independentes: su ‘pBe-se quea cada vez ele recomece do zero, ea linguagem co- 20 Gilles Deleuze ‘mum a todos esses meios existe, mas é analégica. Ao passo {que os diferentes modos de controle, os controlatos, si0 va- riagdes inseparaveis, formando um sistema de geometria va rivel cuja linguagem & numérica (o que nao quer dizer ne~ cessariamente binaria). Os confinamentos sio moldes, distin tas moldagens, mas os controles so uma modiulago, como ‘uma moldagem auto-deformante que mudasse continuamente, cada instante, ou como uma peneita cujas malhas mudas- sem de um ponto a outro. Isto se véclaramente na questio dos salirios: a fabrica era um corpo que levava suas forcas intemnas a um ponto de equilibrio, © mais alto possivel para « producto, o mais baixo possivel para os salérios; mas numa sociedade de controle a empresa substituiu a fabrica, ea em- presa € uma alma, um gis. Sent dvida a fabrica ja conhecia Ossistema de prémios, mas a empresa se esforga mais profun- ddamente em impor uma modulagio para cada salério, num estado de perpétua meraestabilidade, que passa por desafios, concursos e col6quios extremamente comicos. Se os jogos de televisio mais idiotas tém tanto sucesso é porque exprimem adequadamente a situago de empresa. A fabrica constituia ‘5 individuos em um s6 corpo, para a dupla vantagem do patronato que vigiava cada elemento na massa, ¢ dos sindi- ccatos que mobilizavam uma massa de resisténcia; mas a em= _presaintroduz © tempo todo uma rivalidade inexpiavel como ‘i emulagio, excelente motivagio que contrapde os individuos entre si ¢ atravessa cada um, dividindo-o em si mesmo. O principio modulador do “salirio por mérito” tenta a propria Educagdo nacional: com efeito, assim como a empresa subs- titui a fabrica, a formagao permanente tende a substituir a escola, €0 controle continuo substitui oexame. Este & 0 meio ‘mais garantido de entregar a escola & empresa Nas sociedades de disciplina no se parava de recome- «ar (da escola a caserna, da casema & fabrica), enquanto nas sociedades de controle nunca se termina nada, a empresa, a formagio, o servigo sendo 0s estados metaestaveis e coexis- Comversages 21 tentes de uma mesma modulago, como que de um deforma: dor universal. Kafka, que jf se instalava no eruzamento dos dois tipos de sociedade, descreveu em O processo as formas juridicas mais temiveis: a quitagdo aparente das sociedades dlisciplinares (entre dois confinamentos), a moratoria iliitada das sociedades de controle (em vatiagio continua) sio dois ‘modos de vida jurdicos muito diferentes, ese nosso direto, cle mesmo em crise, hesita entre ambos, é porque saimos de ‘um para entrar no outro. As sciedades disiplinares tim dois pélos: a assinatura que indica o individuo, € 0 mimero de ratricula que indica sua posiglo numa massa. F que as dis ciplinas nunca viram incompatibilidade entre 08 dois, eé 20 :mesmo tempo que 0 poder é massificantec indviduante isto 6 constitu num corpo tnico aqueles sobre 0s quas se exer- c&,emolda a individualidade de cada membro do corpo (Fou- cault via a origem desse duplo cuidado no poder pastoral do sacerdote —o rebanho e cada um dos animais —_mas 0 po- der civil, por sua ver iri converter-se em “pastor” laco por ‘outros meios). Nas Sociedades de controle, a0 contririo, © essencial nao é mais uma assinatura e nem um miimero, mas tua cifeasacifea & uma senha, a0 passo que as sociedades disciplinares sio reguladas por palavras de ordem (tanto do ponto de vista da integracio quanto da resisténcia). A lingua- gem numérica do controle ¢feita de cifras, que marcam 0 acesso 4 nformagio, ou a rejeiga0. Nao se esta mars dante ddo par massa-individuo, Os individuos tornaram-se “div dduais", dvisiveis, e as massas tornaramse amostras, dados, rmercados ou “bancos". F 0 dinheiro que talvez melhor ex prima a distingio entre as duas sociedades, visto que a disc plina sempre se eferia a moedas cunhadas em ouro — que servia de medida padrio —, a0 passo que 0 controle remete a trocas lutuantes, modilacies que fazem intervir como c= fra uma percentagem de diferentes amostras de moeda. A velha toupeira monetécia€ o animal dos meios de confina- ‘mento, masa serpente 0 € das sociedades de controle. Passa- 2m Giles Delewee ‘mos de um animal a outro, da toupeira a serpene, no regime em que vivemos, mas também na nossa maneira de vver e nas nossas relagdes com outrem. © homem da diseiplina era um produtor descontinuo de energia, mas o homem do controle antes ondulario, funcionando em 6rbita, num feixecont- ‘uo, Por toda parte o surf substitu os anigos esportes, F facil fazer corresponder a cada sociedade gertostipos de maquina, nao porque as maquinas sejam determinanes, ‘mas porgue elas exprimem as formas sociais capazes deIhes darem naseimento e utlzé-las. As anigas sociedades de so- berania manejavam maquinas simples, alavaneas, roldanas, ‘el6gios; mas as sociedadesdisciplinres fecentestinham por equipamento maquinas energeticas, com 0 perigo passvo da entropia eo patie ative da sabotagem: as sociedades decom: trole operam por méquinas de uma terceiraespécie, méqui- nas de informatica e computadores,cujo perigo passivo € a interferéncia, , o ativo, a pirataria © a introdugio de vius 'Nio€uma evolugioteenolgiea sem ser mais profundamen- te, uma mutacio do capitalismo, E uma mutagio rnhecida que pode ser resumida assim: 0 capitalismo'do século XIX é de concentragio, para a produsio, ede propriedade. Por conseguinte,erige 2 fabrica como meio de confinamen- 10,0 capitalista sendoo proprietrio dos meios de produsio, :mas também eventualmente proprietirio de outros espagos concebidos por analogia (acs aniliat do opeririog a eseo- Ta), Quanto a0 mercado, é conquistado ora por especialza- <0, ora por colonizagio, ora por redugdo dos custos de pro- dugdo, Mas atualmenteo capitalismo ndo é mais dirigido para a produgio, relegada com frequéncia 4 periferia do Terceiro ‘Mundo, mesmo sob as formas complexas do txt, da meta- lurgia ou do petrlco. E um capitalismo de sobre-produgio, Nao compra mais matéria-prima e jé nio vende produtos acabados: compra produtos acabados, ou monta pegs des tacadas. (que ele quer vender sio servigos, e 0 que quer comprar sio ages. Jé ndo é um capitalismo dirgido para a Conversagdes ns produgio, mas para o produto, isto é para a venda ou para ‘o mercado, Por isto ele essencialmente dispersivo, ea fbrica ccedeu lugar & empresa. A familia, a escola, 0 exército, a fi- brica no sio mais espagos anal6gicos distintos que conver- ‘gem para um proprietirio, Estado ou poténcia privada, mas Slo agora figuras cifradas, deforméveis etransformaveis, de ‘uma mesma empresa que 56 tem gerentes. Até a arte aban- ddonou os espagos fechados para entrar nos circuitos abertos, do banco. As conquistas de mercado se fazem por tomada de controle ¢ no mais por formagao de disciplina, por fixagio de cotagies mais do que por redusio de custos, por transfor ‘magi do produto mais do que por especializagao da produ: io. A corrupgio ganha ai uma nova poténcia. O servigo de ‘vendas tomnou-se o centro ou a “alma” da empresa. Informam. rnos que as empresas tém unoalma, o que é efetivamente a noticia mais terificante do mundo. O marketing é agora 0 instrumento de controle social, ¢ forma a raga impudente de rnossos senhores. © controle é de curto prazo e de rotagio ppida, mas também continuo eilimitado, ao passo que a dis- ciplinaera de longa durago,infinita e descontinua. O homem nao é mais o homem confinado, mas o homem endividado. E verdade que o capitalismo manteve como constante a ex- trema miséria de tes quartos da humanidade, pobres demais, para a divida, numerosos demais para o confinamento: 0 con- {tole nao s6 teré que enfrentar a dissipacio das fronteiras, mas também a explosio dos guetos e favelas IL, Programa Nio ha necessidade de fiegao ciemtifica para se conceber ‘um mecanismo de controle que dé, a cada instante, a posigio cde-um elemento em espaco aberto, animal numa reserva, ho mem numa empresa (coleira eletrdnica). Félix Guattari ima sinou uma cidade onde cada um pudesse deixar seu aparta ‘mento, ua rua, seu batro, gragas a um cartio eletrdnico (divi- Gilles Deleuze dual) que abriria as barreitas; mas o cartao poderia também ser reeusado em tal dia, ou entre tal etl hora; 0 que conta ‘io €a barreira, mas o computador que detecta a posigio de cada um, lcta ouilcita, e opera uma modulagio universal. O estudo sécio-éenico dos mecanismos de controle, pre: endidos em sua aurora, deveria ser categoral e deserever 0 aque jf ess em vias de se implantado no lugar dos meios de confinamento dsciplinaes,cuja exse todo mundo anuncia Pode ser que meios antigos, comados de empréstimo as anti- sas socedades de soberania, retomem & cena, mas devidamen- te adaptados. O que conta & que estamos no inicio de alga- 1a coisa. No regime das prisdesa busca de penas “subst sivas", 20 menos para a pequena delinguéncia, ea utlizagio de coeiras eletnicas que obrigam 0 condenado aficar em «asa em certas horas. No regime das escolas: as formas de controle continuo, avaiagi0 continua, ea agio da formagio permanente sobre a escola, 0 abandono correspondente de aqalquer pesquisa na Universidade, aintrodugio da “empre- 2° em todos 08 niveis de excolarcade. No regime dos bas: pitas: a fiova medicina “sem médico nem doente”, que res- fata doentes potenciais sueitos a isco, ue de modo algum ‘demonstea um progresso em ditesdo a individuagio, como se diz, mas substitu o corpo individual ou numérico pela cfra de uma mgtéria “dividual” a see controlada. No regime de ‘empresa: as novas maneiras de tratar 0 dinheito, 0s produ tos € 0s homens, que jf no passam pela antiga forma-fabri- «a. Sio exemplosfrigeis, mas que permitiiam compreender melhor o que se entende por crise das instituigdes, isto & a implantagio progressiva e dspersa de um novo regime de ddominagio, Uma das questées mais importantes diva respeito 2 inaptidio dos sindicaos:ligados, por toda sua historia, 3 luca contra dsciplinas ou nos meios de confinamento, con- seguirio adaptar-se ou cederio 0 lugar a novas formas de resiséncia contra as sociedades de controle? Seri que jd se pode apreender esbogos dessas formas por vir, capazes de Conversages ns combater as alegrias do marketing? Muitos jovens pedem estranhamente para serem “motivados”, ¢ solicitam novos estigios e formagao permanente; cabe a eles descobrir a que estio sendo levados a servir, assim como seus antecessores descobriram, nao sem dor, a finalidade das disciplinas. Os angis de uma serpente so ainda mais complicados que os buracos de uma toupeira 26 Gilles Delewe

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