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MATANDO PELO BEM DO BRASIL

Em “Tropa de Elite”, o singular não é o filme em si,


mas o estrondoso sucesso, antes mesmo do seu
lançamento. Como película, a obra de José Padilha
repete em geral as receitas inovadoras de “Cidade de
Deus”, sem o brilho do célebre longa-metragem de
Fernando Meirelles: a criminalidade urbana como
tema; o narrador como condutor da trama; os quadros
dinâmicos em uma sucessão de clips. Uma espécie
de plágio doce devido parcialmente ao fato de Bráulio
Mantovani assinar os roteiros das duas películas.

Na essência, os filmes são opostos. Em “Cidade de


Deus”, através da história da comunidade homônima,
Fernando Meirelles relata a construção social do
criminoso, para propor superação individual pela arte
e pelo trabalho [fotografia] do destino do jovem
favelado ao crime. Mantendo-se nos marcos da
leitura da favela pela cidade, a câmara de Meirelles
procura dar a voz aos protagonistas. No fundo, é
leitura social otimista, ainda que ingênua.
Não há meias cores em “Tropa de Elite”, apesar do
sinistro claro-escuro em que o filme se move. Os
protagonistas e antagonistas são feitos de uma só
peça: corruptos ou honestos às vísceras. Os únicos
heróis são os policiais do BOPE, a sinistra tropa de
elite carioca que, no filme, tortura, mata e morre em
desesperada e incompreendida última defesa da
civilização contra a barbárie, da cidade contra o
morro. Ao iniciar a película, o narrador traça o quadro
geral maniqueísta: “Se o Rio dependesse só da
polícia tradicional, os traficantes já teriam tomado a
cidade [...].”

“Tropa de Elite” não cria muito. Limita-se a encenar


sentimentos que ultrapassam os limites das classes
altas e médias endinheiradas: a certeza de que a
única solução para o crime, corporificação da
maldade absoluta, é a mão-de-ferro da repressão
sem piedade. Proposta com a qual a mídia martela
uma imensa parcela da população que materializa, no
sentimento de insegurança, o stress permanente
produzido pelas incertezas e insatisfações da vida
quotidiana.

O que não significa que o filme não possua soluções


imaginosas, como a inversão da ordem normal dos
fatores sociais, ao apresentar a execução do horrível
traficante “Baiano”, branco, pelo honestíssimo Matias,
policial e acadêmico de Direito, negro.
Ou a melodramática superposição de papéis de
Nascimento, o capitão do BOPE, organizador dos
assassinatos e homem sensível à espera do primeiro
filho, símbolo da inocência do mundo que defende, às
custas de permanente descida ao inferno.

O deputado quer apenas saber o “quanto” vai ganhar,


ao se associar a policiais que chafurdam no crime. Os
estudantes discutem as causas e as soluções da
marginalização social mas, no frigir dos ovos, são
drogados hipócritas, traficantes e queridinhos de
criminosos. Nesse mundo em degringolada, o único
remédio forte é a morte e a tortura ministradas
profissionalmente por policiais incorruptíveis, que
entregam a vida se necessário no cumprimento de
suas missões. Tudo pelo bem do Brasil.

José Padilha apenas dramatiza a apologia das


execuções de populares pelas forças policiais, sob as
ordens e cumplicidade das autoridades e os aplausos
dos meios de comunicação. “Carandiru”, de Hector
Babenco, denunciou sem maior sucesso o mega-
massacre da polícia militar paulista. Invertendo o
sinal, “Tropa de Elite” glamouriza mortandades como
as do Complexo do Alemão, em junho deste ano.

Através da escusa da encenação do real, “Tropa de


Elite” radicaliza as propostas de “Tolerância Zero” om
a criminalidade, apresentadas incessantemente pela
cinematografia estadunidenses de segunda linha.
Sem pruridos, extrema insinuações de séries como
“Lei & Ordem” sobre a legitimidade da execução e da
tortura na obtenção de resultados louváveis: a
eliminação do terrorista, a morte do traficante, a
prisão do pedófilo.

Em fins dos anos 1980, o sucesso da sub-literatura


de tema esotérico de Paulo Coelho registrou a crise
geral da confiança nas soluções sociais racionalistas,
devido à vitória mundial da maré neoliberal. No
mundo fantástico do segundo governo Lula da Silva,
enquanto cresce a dilaceração dos laços sociais e
nacionais, os ricos tornam-se mais ricos e as classes
médias viajam ao exterior despreocupadas com a
inevitável ressaca do dia seguinte do real-maravilha.

O sucesso de “Tropa de Elite” registra o


conservadorismo crescente da população nacional,
na esteira da fragilização do mundo do trabalho e
mergulho geral das lideranças populares tradicionais
na corrupção. É enorme vitória dos poderosos que
policiais fardados de preto encarnem a solução da
insegurança nacional, distribuindo a morte entre os
pobres, sob a bandeira da caveira sorridente. “Tropa
de elite, osso duro de roer, pega um, pega geral,
também vai pegar você!” E, se não te cuidares, meu
chapa, vai te pegar, mesmo!
* Mário Maestri, 59, é professor do curso de História e do PPGH da
UPF. E-mail: maestri@via-rs.net

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