Vous êtes sur la page 1sur 41

Iniciação ao conhecimento

acadêmico

Lutecildo Fanticelli1

1
Professor da Universidade de Passo Fundo - UPF
Sumário

O que é uma Universidade?...................................................................................................................................3

Noções fundamentais sobre ciência em sentido acadêmico.................................................................................3

A relação entre ciência e mito................................................................................................................................6

A fronteira entre a teoria e a prática...................................................................................................................10

O método científico: Bacon e Descartes..............................................................................................................12

O positivismo de Augusto Comte.........................................................................................................................15

O marxismo “positivista”.....................................................................................................................................16

AS VARIEDADES DE CONHECIMENTOS....................................................................................................17

O conhecimento científico.....................................................................................................................................17

O conhecimento filosófico....................................................................................................................................22

Conhecimento teológico .......................................................................................................................................24

Conhecimento vulgar............................................................................................................................................25

O conhecimento intuitivo .....................................................................................................................................27

O raciocínio indutivo ............................................................................................................................................28

O raciocínio dedutivo............................................................................................................................................30

................................................................................................................................................................................30

TEORIAS DA CIÊNCIA......................................................................................................................................33

Os critérios do positivismo lógico........................................................................................................................33

O falseacionismo de Karl Popper .......................................................................................................................34

A teoria de Thomas Kuhn ...................................................................................................................................35

A teoria de Paul Feyerabend................................................................................................................................38

A própria ciência como dogma............................................................................................................................39

Referências.............................................................................................................................................................41

2
O que é uma Universidade?

Seja bem-vindo à universidade. Agora você está num curso de graduação, ou seja, está a
fazer uma faculdade. Foi aprovado no vestibular, fez a matrícula na instituição e, portanto é um
acadêmico. Na verdade, existem muitas diferenças entre uma escola de ensino médio e uma
universidade. Agora o aluno se aperceberá da existência de alguns termos antes desconhecidos.
Agora é normal ouvir as pessoas nos corredores falando em departamentos, em centros
acadêmicos, em reitoria, em DCE, em divisões acadêmicas, etc., Há uma série de termos e siglas
com os quais o acadêmico só se familiarizará aos poucos. E, na verdade, não há qualquer pressa
ou exigência para que tudo isso seja aprendido da noite para o dia.
No entanto, vejamos alguns outros pontos mais essenciais sobre uma universidade. Em
principio, é importante salientar que a ela, entre outras coisas, é um foco de pesquisa e ciência, ou
seja, é um lugar onde exatamente as pessoas fazem pesquisa e ciência. De certo modo, pode-se
dizer que as universidades são o refúgio dos cientistas. Se, porventura alguém disser que precisa
encontrar um homem de ciência, podemos lhe dizer para se dirigir a uma universidade. Ela,
portanto, não é meramente um local onde as pessoas fazem um curso superior, é também um
lugar onde se faz ciência. Os professores universitários, por exemplo, não se limitam apenas em
ministrar aulas, preparar provas e corrigi-las. Eles também fazem ciência. Não é de se estranhar
que as pessoas leigas e alheias às universidades não se apercebam disso. Na verdade, a rotina de
um professor universitário, enquanto homem de ciência, não é algo que todos vêem, uma vez que
sua atividade é muitas vezes solitária. Quando não é totalmente solitária, é, no entanto, limitada
entre outros professores e acadêmicos. É óbvio que os professores universitários precisam
também preparar outros cientistas. Estes são obviamente os próprios acadêmicos. No entanto, os
melhores detalhes sobre a atividade de pesquisa dos acadêmicos iremos ver mais adiante quando
falarmos sobre os projetos de pesquisa.

Noções fundamentais sobre ciência em sentido acadêmico

Agora é preferível que falemos mais precisamente sobre a ciência. Contudo, vale ressaltar
desde já que não se pode pensar que a definição de ciência seja uma tarefa fácil. Por isso mesmo
não iremos passar apenas uma definição sucinta. Aliás, ciência é, na verdade, algo sério e
complexo e por isso ela não é passível de ser definida com apenas meia dúzia de palavras. Ela
pode ser definida de diversos modos e mesmo cada um desses modos também acaba por ser
3
subdividido em outros modos. O que nos interessa aqui é, sobretudo a ciência no sentido
acadêmico. No entanto, mesmo em sentido estritamente acadêmico, existem várias maneiras de
definir a ciência. Por isso mesmo teremos que ir por partes e sem qualquer pressa.
Vejamos, então, algumas dessas diversas maneiras. Em princípio, a ciência propriamente
dita é algo atrelado a empiria, ou seja, a experimentos concretos. Isso significa que podemos
rotular como ciência aquelas áreas que estão diretamente ligadas à atividade concreta. As
engenharias e a biologia são, por exemplo, áreas acadêmicas que podem ser rotuladas como áreas
científicas em sentido estrito. No entanto, conforme iremos analisar mais adiante, mesmo as
outras faculdades de cunho mais abstratos também são ciência em algum sentido. Mas é
importante primeiro definir porque a ciência em sentido estrito tem a ver com aquelas áreas
voltadas para o campo empírico. É que esse conceito tem a ver com a própria tradição acadêmica
e tudo remonta ao século XVII.
Diz-se que a ciência nasceu quando Galileu Galilei (1564-1642) resolveu apontar o
telescópio para o céu com intenções de provar a teoria de Nicolau Copérnico (1473-1543): o
heliocentrismo. Esse mérito deve-se ao fato de Galileu haver provado uma tese através de
experimentos concretos. O seu antecessor defendia que a terra não era o centro do universo, mas
apenas pôde provar por meio de argumentos teóricos. Embora ele tivesse boas bases, elas eram
teóricas. A prova mais convincente é, com certeza, aquela que vem por meio dos dados concretos.
Pode-se dizer que a tese de Copérnico era racional, mas não científica. Ou até poder-se-ia dizer
que ela era científica, porém, menos científica que a de Galileu. Ressalte-se que este último
corroborou a tese de Copérnico fazendo uso do telescópio. Ele próprio observou os céus e fez
com que os outros também observassem. O instrumento chave em questão é obviamente o
telescópio, o qual não foi uma invenção de Galileu. O seu mérito foi exatamente usá-lo como
instrumento científico e comprovador. Se todos puderam ver com seus próprios olhos e certificar
que a Terra não é o centro do universo, então, não há o que contestar. O heliocentrismo está
sacramentado como teoria verdadeira e, portanto, Copérnico estava correto. Em síntese, a tese de
Copérnico foi corroborada por Galileu Galilei.
A partir de Galileu, então, todos os progressos no campo empírico passam a ser
considerados ciência em sentido estrito. Entre eles, a descoberta da lâmpada, do telefone, do
oxigênio, etc. A partir daí é fácil compreender que tudo aquilo que se conhece por tecnologia é
ciência em sentido estrito. A invenção e o aperfeiçoamento da tecnologia são normalmente
considerados uma função do cientista. O homem que opera uma máquina numa indústria não é
necessariamente um cientista, mas o que cria e aperfeiçoa essa maquina é, com certeza, um

4
homem de ciência. Os estudiosos que labutam dia e noite em busca de uma vacina contra as
gripes e contra qualquer doença também são cientistas em sentido estrito.
Vimos, portanto, que ciência em sentido mais propriamente dito tem a ver com as áreas
diretamente ligadas aos experimentos e com a empiria. No entanto, conforme já alertamos, ainda
em sentido acadêmico, ciência é muito mais do que isso. Em outros termos, pode-se dizer que em
sentido mais lacônico ciência é também algo que se estende para outros campos também teóricos.
Vejamos, então, aquilo que é científico em sentido lacônico. Por exemplo, o curso de Letras ou
História são ciências? Em sentido não estrito obviamente são ciências. E a Filosofia e a
Matemática são algum tipo de ciência? Afinal, são áreas bastante teóricas e completamente
abstratas. Mas, ao mesmo tempo, são duas áreas curiosas quanto a este caso. É que a primeira é a
mãe da ciência e a segunda é nada mais que uma carreira normalmente conhecida como ciência
exata. A ciência tal como hoje conhecemos no âmbito acadêmico surgiu a partir da filosofia. E a
matemática, por sua vez, é conhecida como uma ciência exata. Dentre todas as disciplinas
teóricas, ela é a mais exata porque é certeira. Não há como negar os resultados dos cálculos
matemáticos. Muitas teorias são refutadas com o passar do tempo, mas os cálculos matemáticos
são inabaláveis.
Para entendermos porque todas as áreas acadêmicas são ciências é preciso levar em
consideração o fato de que todas compreendem cursos regulares e sistemáticos. Ou seja, todos os
cursos de graduação requerem a prática de metodologia. Por exemplo, para se tornar um
assistente social, o aluno do curso de Serviço Social precisa freqüentar o curso de modo
disciplinado e sistemático. Precisa freqüentar as aulas de segunda a sábado, ler os textos
recomendados, elaborar trabalhos e fazer provas. O que pretendemos dizer é que o simples fato de
uma pessoa se aplicar sistematicamente a um estudo faz com que a sua tarefa se torne científica.
A aplicação sistemática e disciplinada a um estudo qualquer envolve o espírito científico.
Eis uma pergunta pertinente e curiosa: a função de um jornalista e a de um advogado são
funções científicas? Ou seja, como é possível enquadrar esses dois profissionais como cientistas
em suas rotinas de trabalho? Na verdade, ambos precisam ser guiados pelo espírito científico a
fim de se legitimarem como bons profissionais. Mas o que nos interessa aqui é falar, sobretudo,
da sua rotina dentro da academia, pois é lá que ambos labutam verdadeiramente como cientistas.
Embora não lidem com frascos, tubos de ensaios ou mesmo com cobaias, eles lidam com tarefas
tão árduas como as daqueles que usam tais ferramentas. O jornalista e o advogado lidam com
ferramentas de outra natureza. Os professores universitários, conforme já o dissemos, também
labutam além das salas de aula.

5
Vejamos então alguns exemplos de ciência exercida por docentes. As produções
científicas mais comuns são as publicações de artigos em revistas científicas, publicações de
livros de natureza acadêmica e coordenação de pesquisas dando assistência a alunos
pesquisadores.
Mas, afinal, o que há de interessante em um artigo publicado por um professor do curso de
Matemática ou por um advogado? Há muitíssimas coisas. Saliente-se que eles publicam artigos
ou livros que são direcionados, sobretudo para a própria academia, ou para um público
profissional. E para tal, eles precisam despender muito tempo numa sala de estudo ou numa
biblioteca. Uma nova teoria matemática é, na verdade, muito útil a toda uma comunidade de
matemáticos. Uma coisa é certa, se não houver essa rotina de pesquisadores científicos nas
universidades, a ciência cessa. Alguém tem de dar conta dessa rotina. As tarefas acadêmicas são,
portanto, tarefas científicas por excelência. Suponhamos um aluno do curso de História que
trabalha com alguma pesquisa coordenada por um professor. O seu trabalho é chamado de
pesquisa científica. Se sua função é pesquisar a história da colonização eslava no norte do Rio
Grande do Sul a sua pesquisa será legitimamente considerada uma atividade científica. É que ele
precisará consultar muitos documentos e livros de maneira sistemática. Enquanto pesquisador de
história ele não poderá trabalhar com a imaginação ou com a fantasia e sim com a razão. Ele terá
que analisar, comprovar e, por fim, registrar.
Observe-se, portanto, como não é possível definir a ciência em poucas linhas. Vamos
então considerar que esta seção serve-nos apenas como noção. É necessário que desdobremos
mais e mais a partir daqui.

A relação entre ciência e mito

A filosofia surge quando o homem rompe com o mito. E esse mérito cabe a Tales de
Mileto (640-580 a.C.). A tarefa desempenhada por ele e que o elegeu como pioneiro foi
simplesmente o fato de ser o questionador do mito. Para ele o Universo não era meramente algo
gerado pelos deuses. Ou se o fosse não bastaria uma simples narrativa mitológica para explicar a
origem do mundo. Ele se apercebeu que o ser humano é capaz de elaborar teorias que também
explicam a origem do mundo. E foi isso que ele próprio se encarregou de fazer. Apresentou,
então, a primeira teoria sobre a origem do cosmos, ou seja, a primeira teoria sobre a origem de
todo o Universo. Para ele a água é a substância primeira, da qual todas as outras coisas surgiram.
No início era tudo água, era só água e dela veio todas as outras coisas que nós hoje conhecemos.

6
Pode-se dizer, então, que todos os elementos químicos da tabela periódica são originários da
água. Mas de onde Tales teria extraído a sua teoria? Como ele raciocinou para supor que tudo
veio da água? Ele simplesmente se apercebeu que boa parte do planeta é composta de água e não
de terra firme. Ele, com certeza, necessitou de algum indício intuitivo para elaborar a sua teoria,
porque uma teoria não pode ser inventada do nada. Toda teoria tem de ser fundamentada e ter
critério. A imensidão dos mares provavelmente serviu de fonte para a sua teoria.
Logo após Tales ainda apareceram outros pensadores com teorias racionais muito
interessantes. No entanto, só poderemos nos ocupar com algumas mais afins à ciência
propriamente dita. Vejamos o caso de Leucipo (Séc. V a.C) e Demócrito (460-370 a.C), ambos
conhecidos como pais do atomismo. A sua teoria é importante porque nos fala exatamente sobre
os átomos. Não se pode dizer que os átomos com os quais trataram eram os mesmos átomos hoje
conhecidos. Mas uma coisa é bem certa: tem muito a ver. O que eram esses átomos dos antigos
gregos? Eram corpos minúsculos que se moviam eternamente. O mundo é composto de átomos,
os quais eram indivisíveis. De acordo com Leucipo e Demócrito qualquer corpo que fosse
dividido não poderia ser dividido ao infinito e sim até certo ponto, o qual é o átomo. Este é eterno
e nunca foi gerado. Suas formas são variadas e ora se colidem ora se separam. Tudo o que hoje
vemos, ou seja, tudo o que existe na natureza é nada mais que fruto de encontro casual de átomos.
Em síntese, no Universo só há duas coisas: os átomos e o vácuo, sendo que os átomos se
movimentam no vácuo.
Outra figura importante entre esses pioneiros é Anaxágoras (499-428 a.C). A sua teoria
sobre a origem do cosmos é normalmente conhecida como as homeomerias. Teoria segundo a
qual todas as coisas estão em todas. Aliás, a conceituada máxima atribuída a esse pensador é:
“Tudo está em tudo”. Com isso ele queria dizer simplesmente que em cada coisa há todas as
outras. Por exemplo, no ouro há prata e cobre. Mesmo no ouro mais puro e refinado também há
cobre. Mas não é só isso, no ouro também há mármore, ferro, carvão, leite, clara de ovos e tudo o
mais. No carvão há algodão, há mármore e todas as substâncias que existem no universo. No
nosso sangue, de igual modo, existe ouro, cobre, sabão, veneno, ferro, neve e tudo o que se possa
imaginar. No entanto, tudo aquilo que não é sangue, mas está em nosso sangue só está presente de
maneira proporcional. Na neve nós só enxergamos o branco, porque nela o que predomina é neve,
a qual é branca. Não enxergamos carvão na neve porque ele só está presente em pouca
quantidade, no entanto, ele lá está. Vejamos isso de outra forma: nós seres humanos comemos os
alimentos, os quais são compostos de uma série de propriedades químicas. Em nosso organismo
esses alimentos se transformam em osso, em cabelo, em unha, em fígado e, enfim, se
transformam em órgãos. Aliás, eles, na verdade, ampliam o tamanho dos órgãos. Afinal, de onde

7
vem toda a nossa massa corporal? Embora os alimentos encontrem o nosso corpo já pronto, são
eles quem, de fato, lhes dão peso e ampliam a massa. Nesse caso, podemos ver que a tese de
Anaxágoras tem algum sentido.
A importância desses pioneiros da ciência tem a ver com o fato de terem sido petulantes e
indagadores. Para saber ou descobrir é necessário questionar. Contudo, não se deve pensar que
com a indagação o cientista necessariamente vá responder toda a verdade. Nenhum desses quatro
pensadores que vimos apresentaram uma teoria absoluta. O que importa é que eles questionaram.
Embora não se possa dar uma resposta acabada e pronta, pode-se dar uma resposta melhor que
aquela existente. Uma coisa é se contentar com a explicação existente, outra é querer se esforçar
por uma melhor. A explicação de que os deuses criaram o universo é falha em muitos pontos. E
embora a explicação racional também tenha falha, ela, no entanto, tem o mérito de querer atingir
a verdade.
Ciência no sentido estrito, ou seja, ciência tal como hoje nós a entendemos é algo muito
recente. Essas teorias que agora abordamos foram apresentadas muito antes de Cristo e, por isso,
não se pode dizer que os seus autores eram cientistas. Os recursos que possuíam eram realmente
parcos. Portanto, todas as suas especulações ou descobertas são merecedoras de aplausos. As
quatro personagens acima são normalmente citadas na história da filosofia e não na história da
ciência. No entanto, naqueles idos não existia ciência. Seria necessário esperar por quase dois
milênios. De qualquer modo, se a filosofia não é ciência, ela é uma precursora da ciência. Sem a
filosofia, com certeza, não existiria ciência. Em sentido estrito só podemos falar em ciência
quando tratamos de experimentos, isto é, de observações empíricas. A ciência propriamente dita
tem a ver com confirmações empíricas.
Outros sucessores de Tales também fizeram algumas especulações interessantes. Entre
eles, Empédocles pode ser considerado como um verdadeiro precursor de Charles Darwin visto
ter sugerido que os seres humanos são resultados de uma evolução. Contudo, ele nada pode
comprovar por meio de experimentos. Tratava-se simplesmente de uma tarefa impossível para a
sua época. Muitos séculos se passariam até que isso fosse confirmado por Charles Darwin. Pode-
se dizer que a teoria de Darwin é muito mais ciência do que a de Empédocles. Embora o legado
de Darwin também seja uma teoria, trata-se de uma teoria que teve uma confirmação empírica. O
fato de Darwin haver viajado por vários países do mundo e ter feito diversas comparações e
observações, a sua teoria parece ter sido confirmada: as espécies evoluem.
Tales de Mileto foi quem, por assim dizer, rompeu com a explicação puramente mitológica
em prol da razão. Galileu rompeu com uma tradição avessa aos experimentos. Quanto ao primeiro
nada sabemos sobre a reação da sociedade, mas quanto a Galileu todos sabemos da batalha que

8
enfrentou diante da intolerância da Igreja Católica. O infeliz simplesmente teve que abnegar a sua
descoberta a fim de salvar a própria vida. Para o clero católico naqueles idos era inaceitável dizer
que a terra não era o centro do universo.
No entanto, não podemos deixar de falar de uma faceta relevante do mito. Não se pode
pensar que uma vez superado pela filosofia e pela ciência o mito seja uma concepção de mundo
totalmente ultrapassada. Embora não seja correto dizer que os contos e as histórias mitológicas
não sejam verdadeiros, não se pode dizer que sejam mentiras. O mito também tem sua
importância e sempre terá, por isso vale a pena fazer algumas observações sobre o caso.
De acordo com o que a ciência contemporânea constatou sobre o mito, pode-se dizer que
ele contém alguma verdade ou que, talvez, o mito no seu começo continha alguma verdade.
Algumas descobertas científicas foram, na verdade, determinantes na valorização do mito em
plena era científica. Entre elas, a confirmação da existência real da cidade de Tróia e de Ur dos
caldeus. Por exemplo, qual iluminista do século XVIII poderia imaginar que a cidade cantada nos
poemas homéricos teria realmente existido? Ou que algumas cidades narradas na Bíblia realmente
existiram num passado muito remoto? E foi exatamente isso que aconteceu, pois a arqueologia
simplesmente descobriu que cidades míticas existiram. Foi, portanto, a própria ciência quem, de
fato, valorizou o mito, pois ficou confirmado a existência de cidades que até então supunham-se
não passar de puras invenções do homem primitivo.
E para concluir citemos a curiosa descoberta da Eva Mitocondrial, que de acordo com a
ciência, foi nada mais do que um ancestral comum dos humanos. Em outros termos, todos somos
descendentes de uma pessoa que viveu há milhares de anos na África. Trata-se de um antepassado
do sexo feminino, mãe de toda raça humana. Uma descoberta dessa envergadura inevitavelmente
aponta para as narrações bíblicas do livro de Gênesis. Isso quer dizer que as mitologias tiveram a
sua razão de ser. O mito em seu início provavelmente foi composto por fatos verdadeiros. É bem
provável que com o passar dos séculos a verdade inicial se modificava.
É importante salientar que, na verdade, não é possível dissociar a ciência totalmente do
mito. Isso nunca será possível. E, além disso, também não é de todo correto afirmar que a ciência
é superior ao mito. Embora até possamos, de certo modo, dar preferência à ciência, uma vez que
somos homens de ciência, é preciso agir com prudência. É que mesmo sendo homens de ciência,
ainda somos humanos e não conseguimos viver apenas da pura razão. Estamos sujeitos a muitos
tipos de sentimentos e emoções. A razão realmente não é mito, mas os cientistas são homens e
estes são racionais e emocionais. E, com certeza, precisamos da razão e também do mito.
Nesse caso, podemos definir o mito como tudo aquilo que não é razão. A emoção, a
religião, a fantasia, a ilusão, o amor, a saudade, a paixão, etc., são exemplos de sentimentos ou

9
coisas que não se enquadram como razão. São coisas que se enquadram melhor no campo mítico.
Mas saliente-se que há outras maneiras de se definir o mito. Aqui em sentido acadêmico a fim de
entendermos bem o espírito científico é, no entanto, preferível que ele seja definido desse modo.

A fronteira entre a teoria e a prática

Fica assim estabelecido que a ciência tem a ver com a prática e a filosofia com a teoria.
Contudo, veremos que é, de certo modo, impossível desprender uma coisa da outra, ou seja, é
impossível desprender a teoria da prática. Imagine-se um homem de ciência totalmente destituído
de conhecimento teórico. Suponha-se um cientista que nunca tenha passado por uma universidade
e nem mesmo pelo ensino médio. Em princípio, poder-se-ia dizer que os demais cientistas teriam
muita dificuldade em dialogar com ele. E tal dificuldade tem a ver com a ausência da linguagem
universal. Para fazer ciência é preciso comunicar-se com o mundo. Isso não significa que todo
cientista precise dominar uma língua universal. No entanto, as técnicas e os métodos são
universais.
Será possível formar um engenheiro civil sem nenhuma teoria? Vamos partir do princípio
de que a atividade de um engenheiro seja uma atividade prática. De fato trata-se de uma atividade
prática uma vez que o engenheiro civil é um profissional que cuida de construção de casas e
prédios em geral. Engenharia Civil não é uma atividade restrita a um escritório ou a um gabinete.
A função do engenheiro é realmente acompanhar uma obra e ser o responsável por ela. E
obviamente estamos a falar em obra realmente concreta, pois a obra que é projetada e
acompanhada pelo engenheiro é uma obra que há de ser habitada e usufruída por alguém. O
engenheiro é formado para isso, para exercer uma atividade pratica e não teórica.
Perguntemos novamente, então se é possível formar um engenheiro civil sem nenhuma
teoria? Em princípio, pode-se assegurar que tal façanha é impossível. É óbvio que existem muitos
prédios construídos sem a participação de um engenheiro. No entanto, a pergunta não é se
podemos ou não construir um prédio sem a participação de um engenheiro? E sim se é possível
formar um engenheiro sem nenhuma teoria?
De uma coisa podemos estar bem certos: os seres humanos na sua maioria são bem menos
atraídos por atividades teóricas do que por atividades práticas. Isso é simplesmente indiscutível. E
é bem verdade que a atividade intelectual e a teórica são tão exaustivas quanto a atividade prática
ou manual. Um cientista fatiga-se tanto quanto um operário. No entanto, um cansa o corpo físico,

10
o outro a mente. Ambos precisarão recorrer ao descanso e ao reabastecimento do organismo para
permanecer em plena forma.
Sabemos muito bem que se pudéssemos não nos extenuaríamos em atividade alguma. No
entanto, o empenho faz parte da vida do homem contemporâneo. Para se atingir o sucesso é
necessário o empenho. O próprio estado de bem estar ou de conforto que todos desejamos, requer
que passemos pela labuta. Se o agricultor não se esforçar para lavrar a terra, semear e colher, ele
simplesmente não terá o que comer. Pode-se dizer a mesma coisa sobre a atividade intelectual ou
teórica. Se um acadêmico não se esforçar ele não terá os rendimentos que precisa. E se o corpo
docente de uma universidade também não se envolver em pesquisa, a universidade deixará de
existir enquanto organismo vivo e enquanto foco da ciência.
Mesmo as áreas acadêmicas mais práticas ou empíricas sempre estarão ligadas à teoria. É,
na verdade, impossível falar em atividade científica e prescindir totalmente da teoria. Um
engenheiro civil ao passar pela universidade, com certeza, se abastece de toda teoria que fará dele
um legítimo engenheiro. Saliente-se que os próprios cálculos matemáticos são pura teoria. Aliás,
matemática é pura teoria, matemática é uma disciplina abstrata por excelência. Nesse caso,
observe-se que é realmente impossível formar um engenheiro prescindindo-o de cadeiras teóricas.
Ao falarmos aqui em atividades empíricas, estamos a falar mais precisamente em atividades
práticas no mundo da ciência. Um engenheiro civil, um cirurgião e um enfermeiro são
profissionais voltados para atividades empíricas, ou seja, suas funções são bem concretas. O
primeiro está envolvido em construção de prédios, o segundo em operar o corpo físico de um
paciente. E um enfermeiro que atua num pronto-socorro, por exemplo, cuida de pacientes reais de
carne e osso que lá chegam em busca de assistência emergencial. Os conhecimentos teóricos de
um profissional estão armazenados em sua mente. Os conhecimentos teóricos de um engenheiro
civil estarão, portanto, sempre lado a lado de suas atividades práticas.
Mas afinal o que é essencialmente a teoria e o que é a prática? As aulas teóricas e as
leituras de um estudante de medicina são teorias, a medicação dos pacientes e a realização de
cirurgias são práticas. Nesse caso, é razoável supor que o conhecimento teórico desse médico está
armazenado em sua mente. Ele não poderia receitar qualquer remédio ou realizar qualquer
cirurgia se porventura não tivesse conhecimento. Observe-se, portanto como é difícil separar a
teoria da prática.
Será que a sofisticação que conhecemos no mundo moderno teria chegado até nós sem a
existência das engenharias? Dificilmente. E seria possível falar em engenharia sem falar em
cálculos, sem aulas de física, ou seja, sem uma formação em disciplinas cuja origem está na
matemática? É impossível. Em síntese, toda prática requer uma teoria. Mesmo as áreas mais

11
supostamente erradicadas de teoria carecem e estão embasadas nela. Outro exemplo: seria
possível formar um advogado sem qualquer conteúdo teórico? É possível um acadêmico se tornar
um criminalista sem conhecer as leis e sem qualquer leitura? Impossível. O preparo de um
profissional liberal nesse sentido é um preparo teórico, silencioso e que requer muita
concentração. Reflexão e raciocínio são imprescindíveis a qualquer profissional liberal de
formação superior.
Embora a separação entre a teoria e a prática não seja uma tarefa fácil, tentamos aqui a
todo custo desprendê-las e mostrar como não podemos prescindir de uma em prol da outra.
Ambas são importantes.

O método científico: Bacon e Descartes

Quando falamos em método científico é preciso mencionar pelo menos duas figuras do
passado: Francis Bacon (1561-1626) e René Descartes (1596-1650). Ambos são importantes na
história da ciência, embora nem um nem outro tenha sido cientista. Conforme já salientamos a
ciência não vive só dos cientistas propriamente ditos, é preciso que haja outros profissionais que
deliberem sobre ela. Tanto Bacon como Descartes foram filósofos e, enquanto tais foram
imprescindíveis para a ciência por causa dos princípios que defenderam. O método científico é,
sobretudo, uma façanha que muito se deve a Descartes. E quanto a Bacon a sua façanha tem a ver
com o fato de ter denunciado a inércia do sistema aristotélico e tomista em prol de uma visão
mais concreta do conhecimento humano.
A fim de entendermos melhor a importância de Bacon vejamos primeiramente a essência
do sistema aristotélico, o qual ele repugnava e considerava um verdadeiro entrave ao progresso da
humanidade. Em princípio, o sistema aristotélico conduzia à inércia científica porque partia da
convicção de que o mundo sublunar é corruptível e o sobre lunar incorruptível, perene e perfeito.
Em outros termos, isso queria dizer que para além da atmosfera, por exemplo, os céus e tudo o
mais é perfeito e imperturbável. Esse princípio criava uma morosidade principalmente na
astronomia e, afinal, como já verificamos, o nascimento da ciência está ligado à astronomia. Na
verdade, a prática vigente nos dias de Bacon era a pura contemplação. Naqueles idos, os poucos
que supunham fazer ciência se limitavam em meras contemplações e especulações teóricas.
Bacon apercebe-se desse fato e, então passa a propugnar uma outra forma de fazer
filosofia. Agora, segundo ele, é preciso voltar-se para a natureza e transformá-la em favor do
próprio homem. É muito mais premente buscar conhecimentos que sejam úteis ao próprio

12
homem. Mas ao falar de benefício, ele visava benefícios realmente práticos. Noutros termos, a
busca de conhecimento, na concepção de Francis Bacon, é a busca por conhecimento cujo fim é a
utilidade prática.
O próprio Bacon, na verdade, não fez qualquer experimento em laboratório. Mas, de
qualquer modo, ele teve o mérito de propugnar com denodo o objetivo prático do conhecimento,
o que significa que ele fez algum tipo de apologia à ciência. Com certeza é importante o fato de
um homem das letras ser um defensor das atividades práticas. E enquanto defensor denodado da
indução, foi exatamente isso que Bacon fez2. Para ele a indução é exatamente o método
apropriado à pesquisa.
A lógica aristotélica, acreditava ele, era, sobretudo dedutiva e não levava a nenhum
descobrimento nem a novidade alguma. Por isso, ele contrapunha o seu método indutivista e
experimentativo ao método dedutivista aristotélico. O método dedutivo tinha por hábito querer
antecipar a natureza sendo que, na verdade, o que precisamos é interpretá-la. É preciso realizar
pesquisa com o fito de controlar a natureza em prol do homem. Mas ao mesmo tempo Bacon
parecia convicto de que a partir dos dados indutivos é também possível atingir um conhecimento
geral, ou seja, um axioma. A partir do qual então é possível extrair uma dedução salutar,
realmente confiável. Observe-se, então, que a partir da indução é possível atingir uma dedução. E
esta enquanto confiável pode servir à pesquisa científica.
Para ilustrar a genuína pesquisa científica Bacon apresenta a natureza da aranha, da
formiga e da abelha, sendo que esta última é o modelo a ser imitado. A aranha tece a teia
extraindo o material de dentro de si, o que alude aos escolásticos. A formiga armazena o material
do modo que o acha na natureza e depois o consome sem nada depurar, o que alude aos
empiristas. Por fim, a abelha para produzir o mel colhe o material de fora e, então o transforma
através de recursos do seu organismo. Observe-se que é preciso realizar um meio-termo, nem
totalmente empirista nem unicamente racionalista. “Também o cientista, por meio da experiência,
deve recolher informação suficiente (o material) e, depois, mediante suas faculdades espirituais (a
razão), deve procurar elaborar noções gerais e leis universais” (MONDIN, 1981, p. 54).
Bacon também fala na importância da salubridade da mente. Para fazer uma pesquisa
científica, é necessário que a mente esteja completamente despojada de preconceitos e de
ideologias. É necessário colocá-la em pleno estágio de tabula rasa. Feito isso, deve-se, então
percorrer todo um caminho indutivo, coletar e descrever o material em questão, coordenar cada

2
Sobre os méritos de Bacon, cf. KÖCHE, J. C. Pesquisa científica: critérios epistemológicos. Petrópolis: Vozes,
2005, p. 45.

13
caso e verificar quantas vezes os fatos se repetem. Bacon sabiamente também sugere a
formulação de uma hipótese, a qual deve ser testada.
De acordo com os historiadores da filosofia, Bacon foi realmente o primeiro a defender
uma sistemática para a ciência, embora o tenha feito de modo bem rudimentar. E, tal como
verificamos, também é dele o mérito de defender energicamente a ciência como obreira do
sucesso experimental. “A meta verdadeira e legítima das ciências não é outra senão esta: que se
cuide de prover a vida humana de invenções e riquezas” (BACON, apud, MONDIN, 1981, p. 57).
Vejamos agora o que a ciência deve a Descartes. Em princípio, pode-se dizer que o seu
método não é indutivo. Até aqui temos dito que a ciência propriamente dita lida com o raciocínio
indutivo, mas conforme veremos o próprio Descartes não é um representante desse tipo de
raciocínio. Ao contrário, ele é por excelência um dedutivista e um representante do racionalismo.
Contudo, o método que ele apresenta no seu famosíssimo livro Discurso sobre o método é
simplesmente imprescindível à ciência. Descartes estava simplesmente convicto que investigar
adotando um método é tarefa fundamental e importante. Ele, ao que parece, pretendia dizer que
para fazer ciência é muito mais premente a existência de um método do que de uma mente
brilhante. Com isso pretendia dizer que uma investigação pode tornar-se muito mais eficiente e
proveitosa quando feita por meio de um método.
Em síntese, o método cartesiano é composto de quatro partes, ou seja, quatro regras às
quais ele não dá nenhum nome, mas “costumam ser designadas pelos estudiosos como intuição,
análise, síntese e enumeração” (MONDIN, 1981, p. 67). Vejamos como o próprio Descartes o
apresenta:

O primeiro era o de nunca aceitar alguma coisa como verdadeira que eu não
conhecesse evidentemente como tal, ou seja, de evitar cuidadosamente a
precipitação e a prevenção e de nada mais incluir em meus juízos que não se
apresentasse tão clara e distintamente a meu espírito, que eu não tivesse motivo
algum de duvidar dele. Segundo, o de dividir cada uma das dificuldades que eu
analisasse em tantas parcelas quantas fossem possíveis e necessárias, a fim de
melhor resolvê-las. O terceiro, o de conduzir por ordem meus pensamentos,
começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para elevar-me,
pouco a pouco, como que por degraus, até o conhecimento dos mais compostos e
presumindo até mesmo uma ordem entre aqueles que não se precedem naturalmente
uns aos outros. E o último, o de elaborar em toda parte enumerações tão completas
e revisões tão gerais, que eu tivesse a certeza de nada omitir (DESCARTES, 2006,
p. 21).

Observe-se que estamos diante de um método realmente interessante e embora seu autor
não o tenha aplicado na ciência propriamente dita, nada nos impede de aplicá-lo. É preciso deixar
bem claro que a importância de um método tem a ver, sobretudo com a eficiência. Afinal, por que

14
não facilitar o próprio trabalho? Suponha-se uma tarefa que normalmente demora em média um
mês para ser concluída. Se alguém inovar uma forma de elaborá-la em cinco dias com qualidade
idêntica à outra, certamente estará a prestar uma grande contribuição.
À primeira vista, o método científico pode não parecer grande coisa, no entanto, a
experiência em pouco tempo mostra como ele é realmente imprescindível. Aliás, não é somente
na ciência que os homens recorrem a métodos com o fito de facilitar os trabalhos. Em outros
campos também os homens fazem uso deles. Quando, por exemplo, ouvimos falar em método
para aprender a tocar instrumentos musicais e método para abandonar um vício, o que se pretende
é nada mais que facilitar a tarefa que se tem em vista. Ou seja, o método visa fazer com que as
pessoas aprendam a tocar instrumentos musicais e a abandonar um vício num tempo menor que o
tempo natural.
E assim sendo, para fazer ciência tanto é primordial adotar um método tipo o cartesiano
como também pensar indutiva e empiricamente como Francis Bacon. Embora o trabalho de
ambos seja, de certo modo, um trabalho incipiente, visto terem vivido em uma época em que a
própria ciência ainda não existia, ambos têm o seu mérito assegurado na história da ciência.

O positivismo de Augusto Comte

Em princípio, podemos definir o positivismo como um pensamento filosófico que exalta a


ciência. Aliás, não é exagero dizer que o positivismo enaltece e louva a ciência com todas as
letras. Por meio da ciência, diziam os positivistas, todos os problemas deste mundo poderão ser
resolvidos. Em síntese, o positivismo, tal como o próprio nome sugere é uma concepção
filosófica otimista. Um positivista, então é um pensador que acredita convictamente que através
da ciência e somente por meio dela a sociedade humana será resgatada de todos os males.
O pai do positivismo tradicional é Auguste Comte (1798-1857), e a convicção na sua
teoria era não só petulante, mas também ingênua e exagerada. Ele supôs haver descoberto uma
grande lei, segundo a qual a sociedade havia caminhado por três estágios: o teológico (fictício), o
metafísico (abstrato) e o positivo (científico). Com isso Comte queria dizer que as sociedades
primitivas haviam passado por um período místico ou supersticioso. E, na verdade, tal como hoje
realmente sabemos, as primeiras sociedades humanas com certeza passaram por um estágio
religioso. Em decorrência da falta de informação e de melhores recursos, os nossos antepassados
tinham como base a superstição e o misticismo para explicação e solução dos problemas. O
estágio metafísico é nada mais que um estágio teológico melhorado, no qual as entidades

15
sobrenaturais são substituídas por entidades abstratas. Os gregos, ao que parece, tiveram
importante papel no estágio metafísico. Aliás, Comte compara a evolução das sociedades com a
evolução da vida humana. Assim como uma pessoa tem um período de infância, um período de
adolescência, de maturidade e de senectude, também o tem a civilização. O homem primitivo
viveu como criança na sua ingenuidade, a sociedade metafísica fora, por assim dizer, uma
sociedade jovial e a contemporânea, por fim, vive em plena maturidade. E esta, ao que parece, é
uma etapa perene. Comte, então, parecia confiar na proeza da ciência. Agora, o homem
contemporâneo de posse da ciência é como alguém provido de uma fórmula certa e garantida. E a
humanidade, por isso tem futuro promissor.
A veneração de Comte pela ciência acaba por tomar uma forma religiosa, visto que sugere
a substituição do amor a Deus pelo amor à Humanidade. E ele toma de empréstimo toda a
estrutura católica como suporte para uma nova religião laica. Em outros termos, aquilo que hoje
conhecemos como igreja católica, deveria existir com a mesma estrutura, mas tendo a ciência
como centro de tudo. Suponha-se, nesse caso, templos laicos e batismo como sinônimo da
iniciação do individuo na vida científica. Poder-se-ia, de igual modo, supor missionários da
ciência e padres que não celebrassem missas e sim que ensinassem a ciência aos homens.
Observe-se como o imaginário de Auguste Comte era realmente interessante e assaz
romântico. Aliás, romântico ao extremo, ao ponto de sua própria teoria poder também ser
enquadrada como uma teoria metafísica. Contudo, é válido e compreensível que ao seres
humanos seja permitido sonhar. E sonhar aqui quer dizer pensar a utopia e, na verdade, nada nos
impede de pensar que num futuro quer distante quer próximo, toda a humanidade possa atingir
essa redenção imaginada pelo pai do positivismo. Afinal, a Europa ocidental e, sobretudo os
países nórdicos atingiram patamares invejáveis quanto ao estado de bem estar social.

O marxismo “positivista”

Denominar o marxismo de positivista poderia ser considerado uma ironia ou mesmo um


desdém, uma vez que ele é, de certo modo, a antítese de positivismo. É, por exemplo, normal
ouvir os intelectuais ou os políticos de inclinação progressista denominar os seus opositores de
positivistas. O que pretendemos denominar de marxismo positivista é no sentido em que o
marxismo é também uma outra teoria otimista. Obviamente não tanto como o positivismo, mas
com certeza o suficiente para fazer discípulos à maneira desejada por Comte. Afinal, o marxismo
arrogava ser uma teoria científica e seus seguidores acreditavam convicta e religiosamente numa

16
espécie de redenção universal da humanidade. Agora podemos falar não somente de uma
redenção e de uma laicização da humanidade e sim de uma ateização. O marxismo leva o nome
de seu fundador Karl Marx (1818-1883), para quem a religião era, de certo modo, uma espécie de
“ópio do povo” no sentido em que contribui para o atraso das sociedades. Na verdade, o
marxismo acabará por tornar-se uma verdadeira prática de vida para milhões de seres humanos. O
século XX foi, com certeza, o século do marxismo. Embora se tratasse de uma teoria científica e
não de uma fé religiosa, o marxismo acaba por tornar-se ele próprio em uma espécie de fé.
Vejamos agora quais as contradições do marxismo enquanto teoria científica. Em
princípio, vale a pena observar que o marxismo era uma teoria determinista. E o casamento do
determinismo com a ciência parece simplesmente algo impossível. Ciência nenhuma pode se
arrogar determinista, porque determinismo tem a ver com dogmatismo e não com ciência. Essa
anomalia existente no marxismo com certeza acarretou a intolerância. Karl Marx e os seus
seguidores eram terminantemente convictos que a sua teoria era científica. E durante algumas
décadas tudo ou quase tudo parecia indicar que se tratava de uma teoria científica. Quando
finalmente ocorreu a desintegração do mundo socialista, a dúvida que pairava sobre a sua
cientificidade se tornou uma certeza. É que de acordo com Marx o mundo caminhava
impreterivelmente em direção ao socialismo mundial. E supunha-se que a URSS era quem
liderava essa caminhada. Contudo, a URSS ruiu e o tal socialismo que se dizia científico entrou
em crise. Nesse caso, vale perguntar: afinal, o marxismo é científico ou não?

AS VARIEDADES DE CONHECIMENTOS

O conhecimento científico

O conhecimento científico apresenta características totalmente peculiares e ausentes em


outros tipos de conhecimento. Uma das mais importantes é a de se opor ao dogma, ou seja, o
conhecimento cientifico é anti-dogmático. Mas antes de tratar mais detalhadamente sobre os
dogmas, apresentaremos as principais características do conhecimento científico e o significado
de cada uma. O conhecimento científico é de espírito humilde, às vezes aporético, é sistemático, é
experimental, é concreto, é objetivo, é verificável, é metódico, é claro, é serio e indutivo. Agora
vejamos, por outro lado, algumas características que não são do conhecimento científico: ele não
é dogmático, não é absoluto, não é completo, nem relativo.

17
A sua principal característica é talvez a de ser verificável e conseqüentemente confirmado
através de modo factual. Vejamos um exemplo bem simples de conhecimento científico: o
conhecimento de que um remédio tal e tal é eficaz na cura de uma doença. Tal conhecimento é
científico pelo mero fato de poder ser testado. Suponhamos que uma pessoa apresente uma vacina
e diz que ela é capaz de imunizar as pessoas de toda e qualquer gripe. Esse seu desafio é um
desafio denodado e os outros cientistas que o ouvirem exigirão uma demonstração dessa
descoberta. Aliás, esse exemplo, é tão simplório que basta pensar que a tal tese só seria científica
se a tal vacina fizesse efeito. E é realmente essa propensão que faz com que as pesquisas nesse
campo possam ser caracterizadas como científicas. Se essa pessoa consegue provar aos colegas da
mesma área que sua vacina é realmente eficaz, o seu trabalho é científico. Todo o seu
conhecimento produzido a partir de uma pesquisa exaustiva poderá muito bem ser classificado
como conhecimento científico. É exatamente por isso que se pode dizer que Galileu foi um
cientista, isto é, porque ele demonstrou por meio de um telescópio a tese que defendia. A teoria
da evolução, embora seja uma teoria, é também um conhecimento científico porque o seu autor
fez boas demonstrações através de dados experimentais. Ele simplesmente pesquisou por muitos
anos e fez diversos testes em diversas partes do mundo. Mas, afinal, por que o conhecimento
científico não é absoluto? Simplesmente porque a ciência é algo que não se consuma de uma vez
por todas. Na verdade, nenhuma tese ou conhecimento científico está livre de ser refutado. Parece
estranho, mas essa é a grande verdade. Para ser um cientista legítimo é preciso alimentar sempre
esse princípio. O verdadeiro cientista não se arroga de qualquer tese, não supõe saber tudo, nem
que esta ou aquela tese é absoluta em todos os tempos. Mesmo que alguns conhecimentos sejam
muitas vezes considerados irrefutáveis e explícitos aos nossos olhos, não devem ser tomados
como realmente irrefutáveis. Sobre eles é preciso que o cientista seja sensato. É que, na verdade,
a história nos mostra como muitos “conhecimentos e teses inabaláveis” foram refutados. Muitos
homens letrados no passado defendiam algumas teses que hoje são simplesmente insustentáveis.
É também com o fito de se livrar de qualquer dogmatismo que o conhecimento científico não
aspira ser absoluto ou irrefutável. Em princípio, se quisermos que a própria ciência seja absoluta,
iremos aniquilá-la, porque o dogma nos desmotiva a pesquisar.
Voltemos ao exemplo de alguém que criou uma vacina anti-gripe. Na, verdade, nada
impede, por exemplo, que daqui a alguns anos surjam outros vírus gripais resistentes a tal vacina.
Nesse caso, é importante ter em mente que a atividade científica está sujeita a muitas vicissitudes.
Ou seja, muitas surpresas e coisas ao acaso surgem a qualquer momento e a ciência fica sempre a
mercê de alguma novidade seja boa ou má.

18
O conhecimento científico é sistemático simplesmente pelo fato de ser praticamente
impossível fazer ciência sem ser sistemático. Normalmente algumas descobertas científicas só
ocorrem após longos anos de pesquisa sistemática. Os medicamentos em geral não são criados ou
descobertos por acaso e sim devido a experimentos e testes consecutivos. Embora seja possível a
uma pessoa descobrir um medicamente por mero acaso, a probabilidade de isso ocorrer é
diminuta. Não seria prudente ou sensato ficar a espera de uma descoberta ao acaso. Os homens de
ciência têm de se empenhar e ir em busca de descobertas, ou seja, eles têm de pesquisar. A
ciência é produto de pesquisas sistemáticas e exaustivas.
O conhecimento científico é sério no sentido em que se contrapõe a qualquer iniciativa
vaidosa ou leviana. Em outros termos, dizer que o conhecimento científico é sério significa que é
um conhecimento que trata com questões que requerem responsabilidade. O homem de ciência é
aquele que de modo algum poderá brincar em serviço, nem visar qualquer sensacionalismo
barato. No entanto, a seriedade da ciência não significa sisudez ou frieza humana e sim
responsabilidade. O verdadeiro pesquisador, por exemplo, não elabora suas pesquisas meramente
com fins egocêntricos, ou comerciais. Seus fins enquanto homem de ciência tem de ser puramente
objetivo, ou seja, seus fins visam alcançar um bem geral.
O conhecimento científico não é relativista porque seria impossível fazer ciência supondo
que a verdade é relativa a cada pessoa. Assim sendo, o conhecimento científico enquanto
objetivista contrapõe-se ao subjetivismo e ao relativismo. Em princípio, é preciso dizer que se A é
verdadeiro implica que B seja falso. Em ciência não se pode querer que A seja verdadeiro para
mim, falso para ele, meio falso e meio verdadeiro para outra pessoa. Se essa visão é aceita entre
as pessoas no dia a dia, para a ciência não o é. Embora seja impossível ao ser humano ser
totalmente objetivo, ele terá de aspirar pela objetividade caso queira ser um homem de ciência.
Na verdade, se o homem de ciência é aquele que trabalha com o conhecimento científico, então
ele tem de aspirar sempre pela objetividade. A teoria do heliocentrismo não era verdadeira para
Galileu e falsa para seus algozes. Embora houvesse um embate sobre o caso, o certo é que seus
algozes não faziam relutância através de demonstrações científicas e sim por meio da
intolerância. Galileu estava certo e a verdade estava do lado dele. Todos sabem que a Igreja em
tempos recentes reconheceu o seu erro e até pediu desculpas à comunidade científica. Questões de
natureza estritamente científicas não podem ser tratadas como questões religiosas e sim com
muita cautela. Enquanto cada credo religioso define deus de uma forma, a ciência não pode
proceder do mesmo modo. Se num determinado credo os seus adeptos afirmam que deus é de
uma forma e num outro credo afirmam que é de outra, isso não afetará a nossa vida em nada. No

19
entanto, se esse relativismo for aplicado na vida científica, muitos problemas poderão surgir. Mas,
como já verificamos, os testes empíricos felizmente se encarregam de amenizar esse problema.
Vejamos um exemplo de conhecimento científico: o conhecimento de que o uso do tabaco
é prejudicial à saúde. É científico porque é um conhecimento que os médicos e os especialistas
em geral só o atingiram após vários experimentos e testes. Para um médico poder afirmar
qualquer coisa ele precisa estar muito seguro. A crença hoje generalizada de que o tabaco é
prejudicial, com certeza, não surgiu por meio de meras hipóteses teóricas e sim através de muitos
testes empíricos. Vários critérios e técnicas implicaram na conclusão de que o tabaco é
prejudicial. Nesse caso, só após muitas corroborações, tal afirmação, pôde ser classificada como
científica. Observe-se que para que algum conhecimento seja considerado científico é preciso que
ele seja verificável. Porque assim sendo ele poderá ser corroborado ou refutado. Caso contrário,
ele passa a ser conhecimento de outra natureza e não científico.
O conhecimento científico é aporético porque sempre é possível que algumas questões
fiquem no ar e sem resposta. Quando se faz uma investigação científica e não se chega a resultado
algum é preciso se contentar com aquilo que se atingiu. Se, por exemplo, após alguns anos
exaustivos em torno de uma questão, um grupo de investigadores nada atinge, o que lhes resta é a
aporia. Nesse caso, os pesquisadores devem ser suficientemente humildes para entender que não
foi possível alcançar a resposta desejada. Uma vez que nada se alcançou, nada pode ser inventado
como alternativa. Esse é um critério natural do espírito científico, visto que não é nada
vergonhoso o fato de não se atingir uma resposta. Na verdade, muitíssimas pesquisas foram feitas
sem atingir os resultados esperados e muito dinheiro foi despendido. Contudo, é preciso entender
que tais pesquisas alguma coisa fizeram em prol da ciência. Algum caminho foi aberto. Os que
irão dar continuidade, com certeza, irão partir com menos ingenuidade e com recomendações
feitas pelos antecessores. Uma aporia é, portanto, um beco sem saída, ou seja, um problema sem
resposta. O fato de alguma pesquisa não obter uma resposta, significa que a questão é aporética. É
por isso que podemos dizer que a ciência é às vezes aporética.
O conhecimento científico é exatamente racional e sério no sentido em que visa um fim
geral e humanitário e nunca meramente vaidoso.
O conhecimento científico é anti-dogmático porque, conforme já havíamos dito
anteriormente, o dogmatismo aniquila a ciência. Afinal, o que é um dogma? Em síntese, dogma é
aquilo que não requer provas ou demonstrações. O conhecimento dogmático, por sua própria
natureza é um tipo de conhecimento que não precisa de provas. O conhecimento religioso é, por
exemplo, tipicamente um conhecimento dogmático e não poderia ser diferente. Alguém que alega
saber que vai para o paraíso após a morte e que Deus é maravilhoso, tem tal crença de modo

20
dogmático. Toda fé religiosa é dogmática visto que aquele que acredita no sobrenatural não tem
qualquer obrigação de provar sua fé. Aliás, além de não ter obrigação, ele sequer consegue provar
a veracidade de sua fé. Um bom cristão, por exemplo, não perde seu tempo em sair por aí
provando que Jesus Cristo é o filho de Deus. Ele sequer teria como dar prova disso por meio de
experimentos científicos. As crenças religiosas são crenças que simplesmente não são passíveis
de provas científicas, pois por natureza elas são dogmáticas. E, portanto, como já o dissemos,
para que algum conhecimento seja científico é necessário que seja passível de verificação. Se
alguém pedir a um cristão para provar a existência de Deus, ele poderá se safar muito bem
simplesmente alegando que crê e pronto. As doutrinas religiosas são apresentadas em nome de
um Deus e pronto. O bom fiel não deve contestar ou questionar a própria fé, pois uma vez que
participa de um grupo religioso é preciso que acate a fé desse grupo. Isso não significa que esse
comportamento seja errado ou intolerante e sim que a natureza das crenças religiosas é realmente
assim e não pode ser diferente. O conhecimento científico, conforme já se pode perceber é
exatamente o contrário, porque requer sempre uma demonstração. É óbvio que um conhecimento
religioso é um conhecimento nada passível de ser provado. Mas não é apenas o conhecimento
religioso que adota o dogma. Há muitos outros e, infelizmente o ser humano tende a dogmatizar
as suas crenças em geral. Nenhuma tese científica pode ser baseada em dogma e sim em
demonstrações. Esse foi o caso da teoria da evolução, da teoria do heliocentrismo, da teoria da
relatividade e outras mais. Uma tese científica, ao contrário de uma tese religiosa, pode ser
contestada. Qualquer pessoa bem munida de argumentos suficientes poderá contestar qualquer
teoria científica. Mais adiante veremos como que algumas teorias científicas foram contestadas e
ainda são nos dias atuais. Esse é, por exemplo, o caso da psicanálise e do marxismo. Este último,
conforme já mostramos, é um exemplo de ciência ou suposta ciência que acabou por se tornar um
dogma absoluto.
Ainda nos resta dizer que o conhecimento científico é um tipo de conhecimento que nos
vem a partir do raciocínio indutivo. A ciência normalmente trabalha com a indução, visto tratar-se
do método que lhe é propício. Uma vez que a ciência é ciência do empírico, então é natural que
ela trabalhe com a indução. Ou seja, com experimentos reais, concretos e singulares. No entanto,
sobre o conhecimento indutivo iremos tratar numa seção à parte. Por ora basta apenas lembrá-lo
como uma das principais características da ciência.
A essa altura o leitor já deve estar mais ou menos convencido de que a questão da ciência
é algo bem complexo e nada fácil de ser definida. Mas aos poucos iremos avançando e no final
será possível atingir uma boa noção.

21
O conhecimento filosófico

O conhecimento filosófico é por excelência um conhecimento teórico. Ele tem muitas


afinidades com o conhecimento científico e, na verdade, por pouco ele não fica também incluído
entre o conhecimento científico. Mas de qualquer modo, em pleno século XXI existem muitas
razões para que ele não seja classificado como conhecimento científico em sentido estrito. É que
além de ser por excelência um tipo de conhecimento estritamente teórico, ele é também de
natureza abstrata, ou seja, a atividade filosófica é uma atividade abstrativa. Afinal, filosofia é
pensamento, é reflexão. No entanto, é pensamento enquanto atividade, visto que a atividade do
filósofo é o pensar. E aquilo que pensa, ele manifesta aos outros. Enfim, ele comunica a outrem
aquilo que refletiu, não restringe apenas a si. Se ele não manifestar aos outros aquilo que pensa, o
seu pensamento nunca poderá ser considerado um conhecimento. No entanto, poder-se-ia
perguntar: desde quando o pensamento pode ser uma atividade? Muito bem! A pergunta tem
fundamento e deve ser respondida com toda boa vontade. Em princípio, o pensamento em sentido
filosófico não se trata de pensamento em sentido vulgar. O pensamento filosófico é devidamente
produzido de modo sistemático, lógico e com muita cautela. Por exemplo, os argumentos
cartesianos expostos em seu livro Discurso sobre o método, foram produzidos após muitas
reflexões. Seus argumentos, com certeza, não surgiram do nada ou de qualquer reflexão leviana.
Ele teve que despender muitos dias e horas consecutivas na elaboração de seu livro. É nesse
sentido que o conhecimento filosófico tem muitas afinidades com o conhecimento científico. É
que ele também trabalha com teses e com demonstrações, embora não com teses e demonstrações
como as das ciências empíricas. Contudo, ele tal como qualquer conhecimento científico, requer o
acompanhamento da razão humana e está sob as leis da lógica. Outrossim, o conhecimento
filosófico também trabalha com metodologia, tal como faz o conhecimento científico. No entanto,
conforme já o dissemos, o filosófico é, por natureza um tipo de conhecimento teórico. Vejamos,
por exemplo, o ramo mais abstrato do conhecimento filosófico: a metafísica. Este ramo, por
assim dizer, tem algumas liberdades de raciocínio que ao campo científico é simplesmente
impossível. A filosofia de Hegel e de Espinosa é um excelente exemplo de metafísica e o
panteísmo é um tipo de tema desse ramo filosófico. Contudo, a metafísica não sendo parte do
nosso programa é preferível acentuar outros pontos do conhecimento filosófico.
Também não se pode esquecer que o conhecimento filosófico é pai do conhecimento
científico. A ciência e os seus métodos, tal como hoje utilizamos, são oriundos do conhecimento
filosófico. Essa paternidade não é tão visível aos olhos de todos, talvez devido aos séculos de
distância entre a ciência contemporânea e o período clássico grego, ou seja, entre o século XXI e
22
o século V a.C. Naqueles idos, a filosofia e a ciência eram, de certo modo, uma só coisa. Os
sábios eram geralmente pessoas com conhecimento enciclopédico e às vezes desempenhavam
funções tanto teóricas como empíricas.
Nesse caso, a forma de fazer ciência que hoje as universidades adotam, remonta à Grécia
do período clássico. A palavra academia, por exemplo, tem a ver com o nome da escola fundada
por Platão (428-347 a.C.) naqueles idos. As gerações que se seguiram acentuaram ainda mais a
maneira sistemática de se produzir conhecimento. Possivelmente Aristóteles e os estóicos foram
os que na Antiguidade mais contribuíram pela sistematização do conhecimento.
Além das características do pensamento filosófico é importante que também falemos da
sua importância na vida acadêmica. Em princípio, podemos assegurar uma coisa: sem o
conhecimento filosófico é impossível haver conhecimento cientifico. Aliás, sem o conhecimento
filosófico não há nem mesmo ciência. Embora a ciência esteja emancipada, ela não está
radicalmente desprendida da filosofia. Aos poucos será possível compreender como esse
desprendimento é impossível. Nenhum cientista, mesmo o cientista das áreas puramente
tecnológicas consegue fazer ciência sem qualquer princípio ou fundamento filosófico.
É nessa altura, então, que poderemos falar num ramo específico da filosofia: a filosofia da
ciência, o ramo que se encarrega de tratar mais especificamente das questões que envolvem a
comunidade científica. E é exatamente de filosofia da ciência que o presente trabalho se ocupa.
Uma vez que somos seres racionais e pensantes, conforme já o dissemos, é impossível viver
alijados de teorias ou fundamentos teóricos. Um biólogo, por exemplo, que faz pesquisas em
ovelhas, embora pesquise animais, não deixa de ser um homem repleto de princípios teóricos. É
óbvio que ele não é um filósofo e sim um biólogo e sua atividade é pratica. No entanto, é preciso
que exista um profissional que trate especificamente da parte teórica da ciência. É preciso que
exista alguém que prescreva e trate dos fundamentos filosóficos. Essa tarefa é normalmente
delegada ao filósofo, pois é ele por natureza o mais indicado. Alguém precisa escrever e deliberar
sobre a ciência e tratar da teoria da ciência. Essa é uma tarefa que não pode ser negligenciada ou
esquecida. Os próprios cientistas sentiriam alguma dificuldade em fazer ciência prática sem um
apoio teórico. Na verdade, a tarefa de legislar, arbitrar, sugerir e, enfim, de refletir sobre a ciência
é normalmente atribuída aos filósofos. Ninguém melhor que eles para cuidar do assunto.
A filosofia é composta de muitas áreas ou campos distintos. As principais grandes áreas da
filosofia são: a ética, a ontologia, a linguagem, a lógica e a epistemologia. E partir destas, muitos
outros campos também aparecem. No entanto, o que nos interessa aqui é falar, sobretudo de
filosofia da ciência e um pouco de epistemologia.

23
Enfim, podemos concluir que o conhecimento filosófico, embora tenha tantas afinidades
com o conhecimento científico ele se difere devido a sua natureza essencialmente teórico-
abstrativa. Melhores detalhes sobre o conhecimento filosófico iremos também analisar aos
poucos.

Conhecimento teológico

Eis uma outra espécie de conhecimento também oriunda da filosofia e com características
parecidas com as do conhecimento científico. Tal como o conhecimento filosófico, o
conhecimento teológico é também totalmente teórico. E isso obviamente o impede de ser um
conhecimento científico. No entanto, vejamos como ele se parece muito com o conhecimento
científico. Ele também trabalha com teses, com demonstrações e muita ponderação. Aliás, um
teólogo pesquisador também utiliza os métodos científicos. Ele é tão sistemático como qualquer
outro pesquisador acadêmico. E assim como um pesquisador da engenharia passa alguns anos a
pesquisar um único tema, o teólogo também passa. Contudo, os objetivos de um teólogo
distinguem-se completamente dos de um engenheiro. Em princípio, lembremo-nos que as teses
teológicas não são passíveis de demonstrações concretas, mas as teses das engenharias
normalmente sim. Mas, afinal, o que é o conhecimento teológico? Que espécie de pesquisa é
realizada por um teólogo? Em principio, a teologia pode ser grosso modo definida como o estudo
das coisas divinas. A teodicéia, a vida após a morte e a escatologia são, por exemplo, temas
teológicos. A teodicéia trata da questão da existência do mal no mundo. Os teólogos e mesmo os
não teólogos se deparam com um problema sério: se Deus é um ser tão bom como normalmente
ouve-se dizer, por que existe o mal no mundo? Em outros termos, por que Deus que é todo-
poderoso consente tantos males sobre suas criaturas?
Nos dias atuais, questões como essas já não são mais tratadas pelo cientista e sim pelo
teólogo. E, afinal, as pesquisas teológicas encontram respostas para essa questão? Já encontraram
várias. Mas nem todas são capazes de convencer definitivamente. É nessa altura que vale a pena
apresentar uma outra característica do conhecimento teológico: o dogmatismo. Embora existam
teólogos que pesquisem sem qualquer pretensão dogmática, o conhecimento teológico de algum
modo prende-se ao dogma. E, além disso, é óbvio que a maior parte dos estudiosos da teologia
tem compromisso com alguma fé. Na verdade, muitos teólogos atuam de modo totalmente
imparcial e sem dogma, pois pretendem ser científicos. Nem todos aceitam a afirmação de que a
teologia é um tipo de conhecimento dogmático.

24
Pode-se, de certo modo, dizer que o conhecimento teológico é um primo irmão do
conhecimento filosófico e imitador do conhecimento científico. Mas o mero fato de ser
puramente teórico faz com que ele não seja científico. No entanto, é importante salientar que o
conhecimento teológico mesmo em pleno século XXI é um conhecimento buscado por muitos.
Mesmo em plena universidade faz-se pesquisa em teologia. Outrossim, o ser humano não é capaz
de viver sem indagar pelo divino e por coisas que deixam transparecer tantos mistérios. Também
é preciso deixar bem claro que o conhecimento teológico não é necessariamente o conhecimento
religioso. Este último é complemente contraposto ao conhecimento científico, o teológico, por
sua vez, tem muita afinidade. Aliás, pode-se, por exemplo, estudar teologia sem necessariamente
ser um religioso ou mesmo sem acreditar em Deus.

Conhecimento vulgar

O conhecimento vulgar é aquele ao qual as pessoas em geral recorrem por hábito e


também por tradição. Alguns fenômenos naturais normalmente prenunciam alguns
acontecimentos, tais como chuvas e doenças. Um agricultor, por exemplo, é capaz de prever dias
chuvosos através de alguns sinais. Isso ele o faz por meio da muita experiência de vida e por
aprender com os mais velhos, os quais também tiveram que aprender por experiência. Um
agricultor não acerta sempre em suas previsões, mas acerta muitas vezes. E é claro que não
estamos a falar de previsões de chuvas em futuros distantes ou de duração das precipitações.
Estamos a falar de previsões próximas, coisas que, normalmente é possível ao homem prever. Na
verdade, muitas técnicas são transmitidas aos homens de modo corriqueiro de geração a geração.
Tais técnicas sendo simples não requerem um treinamento sistemático, elas normalmente são
aprendidas de modo bem natural. Alguns tipos de ervas são, por exemplo, utilizadas como
medicamento pelas pessoas sem a necessidade de corroboração científica visto que a cura
normalmente acompanha a ingestão. A exposição ao frio com muita freqüência provoca o
resfriado é também um conhecimento vulgar e comum a todos. Normalmente não precisamos de
qualquer curso sistemático para aprender que a exposição do corpo humano ao frio acarreta o
resfriado.
O conhecimento vulgar não é o conhecimento intuitivo e sim um conhecimento que
também precisa ser aprendido. Não se trata de aprendizagem que requeira aulas sistemáticas, mas
é uma aprendizagem que tem de ser feita.

25
A essa altura é importante refletir um pouco sobre esse tipo de conhecimento. Se fôssemos
suficientemente longevos, o conhecimento científico também poderia ser adquirido dessa forma.
Se, por acaso, vivêssemos em média quinhentos anos, muita coisa que temos que aprender em
cinco, poderia ser aprendida em cinqüenta. Isso quer dizer que o próprio conhecimento científico
também se tornaria um conhecimento vulgar, visto que não precisaríamos aprender nada de modo
sistemático. É claro que estamos a supor uma vida longeva totalmente utópica. No entanto, muitas
vezes é preciso recorrer à imaginação a fim de compreendermos um conceito. Afinal, por que a
ciência recorre à forma sistemática de aprender? Obviamente uma das razões é o lucro no tempo,
ou seja, a sistematização do ensino visa uma aprendizagem mais rápida. Ao invés de
aprendermos, por exemplo, a leis, os deveres e os direitos em cinqüenta anos, aprendemos em
cinco. Mas para encurtar esse tempo, é preciso seguir uma rotina sistemática tal como hoje
seguimos. Se fôssemos tão longevos não precisaríamos de tanta sistemática para formar, por
exemplo, um advogado ou um médico. Normalmente o conhecimento adquirido aos poucos é
menos maçante que o conhecimento adquirido de maneira muito sistemática. Afinal, quem não
gostaria de aprender brincando. O conhecimento natural de uma língua é, por exemplo, um
conhecimento nada maçante. Nós aprendemos a falar a nossa língua nativa de modo tão distraído
que sequer nos apercebemos que se trata de uma aprendizagem. Por outro lado, basta pensar na
aprendizagem de uma segunda língua durante a vida adulta. Nesse caso, é obviamente preciso
recorrer à disciplina, às técnicas e a algumas sistemáticas, porque o tempo é menor e os objetivos
são outros. Em toda e qualquer cultura ou qualquer povo, as pessoas aprendem a falar de modo
natural e todos se comunicam entre si. Portanto, o conhecimento natural de uma língua é uma
espécie de conhecimento vulgar ou popular e o conhecimento de uma segunda língua é um
exemplo de conhecimento científico. Também vale a pena salientar que o conhecimento vulgar
normalmente não utiliza leituras, nem qualquer teoria como fundamento, pois é todo ele realizado
por meios práticos. Em síntese, o conhecimento vulgar não requer qualquer sistemática.
Existem, com certeza, muitas técnicas caseiras utilizadas pelas donas de casa e também
pelos homens que podem ser classificadas como conhecimento vulgar. A prática da parturição é
também um exemplo de conhecimento vulgar. Mas pelo fato de se tratar de um caso muito
delicado, com certeza, envolve muito mais cuidado do que muitos outros conhecimentos vulgares.
A essa altura é importante deixar claro que não é correto classificar alguns ofícios técnicos
como vulgares. O conhecimento, por exemplo, de um eletricista de residências ou de um torneiro
mecânico não é um conhecimento vulgar porque a sua aprendizagem requer alguma disciplina. E
obviamente não são conhecimentos nada vulgares porque são funções que requerem preparo e

26
não podem ser exercidas por qualquer leigo curioso. Se por um lado não são conhecimentos
científicos também não são conhecimentos vulgares.
Vale a pena salientar que todo e qualquer ser humano precisa e recorre aos conhecimentos
vulgares, mesmo os cientistas. É simplesmente impossível restringir-se deles, pois têm a sua
função nas nossas vidas.

O conhecimento intuitivo

Afinal, o que é intuição? É sinônimo de reflexo ou de extinto? Embora às vezes possa


haver algumas coincidências, a intuição é algo à parte. Ela, com certeza, também é uma espécie
de conhecimento. Em princípio, pode-se assegurar que o conhecimento intuitivo é aquele
conhecimento imediato ou, por assim dizer, um conhecimento abrupto e inevitável. Os dados dos
sentidos são conhecimentos intuitivos. As cores, os odores e os sabores são conhecimentos que
normalmente alçamos por meio da intuição. A cor de uma determinada fruta faz com que por
intuição nós saibamos se ela está madura ou verde. Um determinado aroma pode nos informar
com muita rapidez que algum alimento está passando do ponto de cozimento. Ou seja, alguns
aromas que nos vem da cozinha nos informam que alguma das panelas contém um alimento que
está queimando. São, portanto, a esses tipos de conhecimentos imediatos e automáticos que
normalmente dá-se o nome de conhecimento intuitivo. São casos em que normalmente não se
requer raciocínio, visto que há em nós algum tipo de intuição que nos faz enxergar que
determinada coisa está a acontecer. Se, por exemplo, avistamos três laranjas numa fruteira e
alguém nos pergunta quantas laranjas há, nós não precisamos contá-las. É que por intuição
sabemos que há três laranjas. Na verdade, são poucas laranjas e por isso não é preciso pedir à
pessoa que pergunta para nos dar um tempo para contar. Essa contagem instantânea é então um
tipo de intuição.
Quando falamos em intuições que estão relacionadas com os dados dos sentidos, então
damos o nome de intuição empírica. Cores e aromas são, por exemplo, conhecimentos intuitivos
empíricos. No entanto, há também a intuição racional. Embora muitas vezes o conhecimento
racional seja contraposto ao conhecimento empírico no sentido em que a intuição fica contraposta
ao racional, é bem verdade que também se pode falar em intuição racional. O filósofo Kant
(1724-1804), por exemplo, fazia muita contraposição entre a intuição e a razão, significando que
a intuição é operada pelos sentidos e o raciocínio operado pela mente. No entanto, a própria
mente também intui. Existem, na verdade, algumas verdades ou algumas reações mentais que são

27
simplesmente atingidas por meio de uma espécie de intuição da mente, por isso elas podem ser
chamadas de intuições racionais, mesmo não se tratando de uma operação que implique um
raciocínio propriamente dito. Esse é o caso de quando estamos ocupados com alguns princípios
fundamentais, entre eles, o principio de não contradição: um determinado corpo não pode estar ao
mesmo tempo e sob uma mesma ótica indo para a esquerda e voltando para a direita; e o principio
do terceiro excluído: se uma determinada coisa é falsa, importa que ela não seja verdadeira. No
primeiro caso, um corpo que vai para a esquerda, apenas vai para a esquerda. Se quisermos que
ele esteja simultaneamente a vir, simplesmente estaremos a provocar uma contradição lógica.
Logo, há uma intuição mental que nos faz enxergar que tal fato é impossível. E há alguns casos
em que o principio do terceiro excluído é algo patente e intuitivo. Se uma determinada pessoa
estava em Passo Fundo no dia e na hora tal e tal, ela não poderia estar no mesmo instante na
cidade de Sidney na Austrália. Logo, se a afirmação de que ela estava em Passo Fundo é
verdadeira, a afirmação de que ela estava em Sidney é falsa. A veracidade de uma implica a
falsidade de outra. Trata-se, então, de um tipo de intuição, ou seja, um tipo de conhecimento que
atingimos sem qualquer esforço porque a própria natureza humana dá-nos tal capacidade.

O raciocínio indutivo

Eis o raciocínio que é precisamente o raciocínio aplicado no mundo científico


propriamente dito. Em princípio, podemos definir o raciocínio indutivo como o raciocínio que
parte do singular para o universal. Ou seja, o conhecimento indutivo é aquele que inicia a partir
de dados concretos com o intuito de atingir os objetos gerais. Vamos, então, direto aos exemplos.
Se um cientista, por exemplo, descobre um certo medicamento que resolve o problema da calvície
ele terá que testá-lo em homens reais. Se ele estiver certo que a sua fórmula é verdadeira,
primeiramente terá que prová-la. Nesse caso, far-se-á necessário que ele se utilize de algumas
cobaias humanas. Estas poderão ser qualquer homem que seja calvo. Eu, por exemplo, poderei ser
o primeiro a fazer o teste. Se eu ficar cabeludo após a aplicação do remédio, já é um bom início.
Mas ainda o cientista terá que fazer o teste em outros homens carecas. Com certeza, os critérios
atuais na comunidade científica que trata de medicamentos devem ser bem rigorosos. Esse
cientista terá que fazer teste em diversos homens. Entre eles, alguns muito calvos outros menos, e
ainda outros totalmente calvos. Digamos que após testar em mim e em mais algumas dezenas de
homens o cientista atinja sucesso em todos os casos. Se assim for, ele e toda a comunidade
científica que o assiste poderão chegar a uma conclusão simples: se um grupo de homens passou

28
a ficar cabeludo após a aplicação do medicamento, significa que todos os calvos do mundo
também ficarão cabeludos se o provarem. Esta conclusão é uma conclusão indutiva, ou seja, é um
raciocínio indutivo, porque partiu do concreto e culminou no universal. É que os homens calvos
em questão eram todos homens presentes e reais. No entanto, eram o bastante para assegurar que
todos os homens do mundo que são calvos poderão deixar de ser calvos desde que utilizem a
fórmula criada pelo tal cientista.
É, portanto, dessa forma que a ciência trabalha. Assim, por exemplo, trabalha a indústria
farmacêutica. Um medicamento só pode ir para o mercado após alguns testes bem rigorosos. Só
mesmo após a maior certeza possível é que se pode apresentar um remédio ao publico e dizer que
ele realmente cura. A indução é, com certeza, um tipo de raciocínio muito apropriado para a
ciência. Observe-se, portanto, que não é preciso testar toda a população do mundo a fim de
patentear um produto. Por meio da indução nós normalmente acreditamos que determinadas
coisas se repetem. No exemplo da solução para a calvície, o que nos leva a uma conclusão
universal é o fato de os seres humanos serem todos de constituição semelhante. Um medicamento
que me faz bem, obviamente tende a fazer bem a meu irmão ou ao meu vizinho. A indução é um
tipo de raciocínio que nos poupa tempo e trabalho.
Vejamos outro exemplo muito interessante: o raciocínio aplicado nas pesquisas de
intenções de votos. Nessas pesquisas os entrevistadores apenas abordam uma parcela pequenina
de uma população a fim de obter um conhecimento da polução em geral. Seria, na verdade,
humanamente impossível entrevistar toda a população votante da cidade de Porto Alegre para
saber quais as intenções de voto. Isso é simplesmente impossível. No entanto, os institutos de
pesquisa são detentores de técnicas e critérios muito eficazes para esse tipo de pesquisa. Os
organizadores dessas pesquisas obviamente sabem que é preciso mapear toda uma área e
direcionar os questionários a algumas pessoas em determinados pontos. E tudo tem de ser seguido
de modo muito rigoroso. Uma consulta a uma mera parcela da população pode indicar a opinião
geral e, então, nos dar uma média.
No entanto, é necessário salientar um fato importante sobre esse tipo de raciocínio.
Embora apresente muita eficiência, ele não é totalmente certeiro. Ele, na verdade, não é cem por
cento seguro. Nenhum raciocínio indutivo pode nos garantir um resultado totalmente certeiro.
Mas quanto a isso os pesquisadores estão normalmente cientes. Aliás, o cientista sensato sabe
muito bem que a ciência não é algo perfeito. No caso da fórmula aplicada aos carecas, é natural
que numa população de cem mil pessoas, sobre algumas não haverá efeito. Embora os seres
humanos tenham uma constituição orgânica semelhante, alguns podem apresentar reações
distintas e especiais. No entanto, tais exceções, já estão sempre previstas por aqueles que fazem

29
ciência. No caso da pesquisa eleitoral, as variações podem ser ainda muito mais freqüentes. Aliás,
muitos resultados de pesquisas sobre intenções de votos foram equivocados. Nesse caso, não
estamos nos referindo a pesquisas que erraram porque pretendiam manipular e sim porque
erraram mesmo. Algumas pesquisas de intenções de voto, por exemplo, apontaram vitoria até as
vésperas da eleição para o candidato x, mas a vitoria foi para o candidato y. Para esses casos
existem uma série de fatores que podem influir para que um raciocínio indutivo não seja
realmente certeiro. É óbvio que na maior parte das vezes, a pesquisa acerta. E quando comete
algum erro é preciso considerar que uma pesquisa de intenções de voto é um tipo de pesquisa que
realmente está muito propensa a erros. Saliente-se que tal pesquisa envolve as intenções das
pessoas. Estas estão sujeitas a oscilar de modo abrupto. Uma população de eleitores de uma
cidade pode muito bem migrar seus votos da noite para o dia nas vésperas da eleição. Mas é óbvio
que normalmente sempre há uma causa para que isso aconteça, a qual poderá explicar o resultado
errado.
Em síntese, podemos encerrar esta seção dizendo que o raciocínio indutivo é aquele que
inicia com exemplares particulares e culmina com uma conclusão que vale para os casos gerais. E
embora seja eficiente e muito utilizado na rotina científica ele não é totalmente perfeito. Se a
ciência não é perfeita, então, é óbvio que os seus métodos também não o sejam.

O raciocínio dedutivo

O raciocínio dedutivo é exatamente o contrario do que acabamos de apresentar. Ou seja, o


raciocínio dedutivo parte do universal com o objetivo de atingir o particular. Mas por meio dele é
possível atingir uma conclusão certeira. Embora não se possa dizer que ele seja realmente
absoluto, pode-se dizer que é preciso. No entanto, o raciocínio dedutivo é de natureza formal e
teórica e, por isso, não é um raciocínio típico da ciência. Embora seja um raciocínio sempre
certeiro, os seus acertos não passam de acertos formais. Trata-se de um raciocínio mais
apropriado à lógica e às outras atividades teóricas e não precisamente à atividade científica.
Contudo, é importante salientar que a ciência não subsiste totalmente sem a dedução. O fato de a
indução ser o raciocínio comum nas atividades científicas, não se deve pensar que a ciência pode
banir a dedução.
É muito difícil falar em raciocínio dedutivo sem falar nos silogismos, ou seja, nos modelos
de raciocínios criados por Aristóteles (384-322 a.C.). O mais conhecido de todos chama-se
bárbara e é formado por três premissas:

30
Todos os homens são mortais (premissa maior)
Sócrates é homem (premissa menor)
Logo, Sócrates é mortal (conclusão)

Se todos os homens são mortais e se Sócrates é homem é necessário que Sócrates seja
mortal. Note-se que o raciocínio parte do universal e culmina no singular. “Todos os homens” é
uma expressão que forma uma premissa universal e “Sócrates” é uma pessoa singular e real.
Substituamos Sócrates por Ronaldinho: se todos os homens são mortais e Ronaldinho é homem,
logo Ronaldinho é mortal. Trata-se de algo óbvio e necessário. Uma vez que todos os homens são
mortais e eu sou homem, é impossível que a conclusão negue a minha qualidade de mortal. O
silogismo é, portanto, um raciocínio lógico por excelência. Nesse caso, a conclusão se dá por uma
absoluta necessidade. “Todo o mecanismo silogístico repousa no papel desempenhado pelo
chamado termo médio (homem), que fornece a razão do que é afirmado na conclusão: porque é
homem, Sócrates é mortal” (PESSANHA, 1978: XVII). Isso, portanto, quer dizer que mesmo que
se apliquem proposições falsas, o raciocínio formal não perde o seu valor enquanto formal. Nesse
caso, é correto o raciocino silogístico:

Todos os homens são anjos


Sócrates é homem.
Logo, Sócrates é anjo.

Em sentido formal este raciocínio está correto porque há uma seqüência correta entre as
premissas. No entanto, se o aplicarmos no plano concreto ele perde a sua validade, pois é obvio
que nenhum homem é anjo. Nesse caso, o seu valor nada mais é que um mero valor formal. Uma
vez que ele parte da premissa maior será impossível não concordar com a linha do raciocínio
seqüencial. A sua negação implicaria uma irracionalidade. A premissa maior deste último
silogismo acima é, de fato, uma inverdade, porém, não se leva em consideração a sua veracidade.
O que se observa é o valor da sentença enquanto tal. É que se, de fato, todos os homens fossem
anjos e Sócrates, por sua vez, sendo homem, ele necessariamente, seria anjo. Existem algumas
regras gerais para todos os silogismos, apresentadas pelo próprio Aristóteles: pelo menos uma
premissa precisa ser universal e pelo menos uma precisa ser afirmativa (KNEALE, 1991, p. 77).
É importante observar, no entanto, que esse tipo de raciocínio, de certo modo, nada
acrescenta ao nosso conhecimento. Então para que serve? A sua função é semelhante à função da
matemática. Poder-se-ia também indagar: para que serve a matemática? Que descobrimento
formidável e importante alcançamos através das resoluções de problemas matemáticos? É óbvio

31
que se tais perguntas forem feitas sem qualquer ironia, poderão ser consideradas perguntas bem
indiscretas e impertinentes. A matemática, a lógica e muitas outras atividades teóricas não visam
atingir o mundo empírico de modo imediato. Elas, com efeito, têm em vista a reflexão.
O raciocínio dedutivo, como iremos verificar mais adiante, embora totalmente teórico,
também serve de fundamento para a ciência. Uma vez que seja impossível fazer ciência sem
qualquer teoria, sem leis, sem postulados ou mesmo sem paradigmas, vale a pena salientar que o
raciocínio dedutivo é também relevante para a ciência. A ciência propriamente dita tem a ver com
a indução e, conforme já tratamos, Francis Bacon defendia o método indutivo para a ciência.
Contudo, com o passar dos séculos os próprios cientistas se aperceberam que o raciocínio
dedutivo não deve ser excluído. Enfim, a ciência não subsiste sem ele.

32
TEORIAS DA CIÊNCIA

Os critérios do positivismo lógico

Uma forma habitual de distinguir entre o que é e o que não é ciência é aquela adotada pelo
Círculo de Viena. Os métodos dessa escola também são conhecidos como positivista lógico. O
critério pode ser definido do seguinte modo: uma tese ou teoria é e será científica se e somente se
ela corresponde à realidade empírica. Em princípio, é preciso considerar o seguinte: toda tese ou
teoria que se arroga científica tem de ser passível de verificação. Ou seja, se ela pode ser
verificada através da experiência, de maneira cautelosa tal como é normalmente requerido pela
ciência, então ela há de ser considerada científica. Em função dessa exigência, então esse critério
passa a ser conhecido como verificacionista. Vejamos, por exemplo, a proposição: “Todo cisne é
branco”. Se, de fato, na natureza encontramos apenas cisnes brancos, então a proposição é
verdadeira. Observe-se então que ela só é verdadeira porque realmente tem correspondência.
Assim deverá ser com toda teoria científica: aquela que for passível de verificação e além de
verificada for também corroborada, então deverá ser considerada científica. A teoria de Newton,
por exemplo, só foi classificada como ciência porque foi verificada e corroborada através de
experimentos. Digamos que após verificação se certificou que na natureza há cisnes não brancos.
Se isso ocorresse, a afirmação de que todos os cisnes são brancos não mais seria verdadeira.
Enfim, essa era uma maneira habitual dos positivistas lógicos julgar o que é e o que não é ciência.
Em síntese, uma teoria precisa ser verificável e corroborada, caso contrário, não é ciência. Foram,
sobretudo, os positivistas lógicos quem a partir do início do século XX salientaram essa
metodologia. Esse movimento filosófico, de fato, se preocupou bastante com as questões da
ciência. Uma de suas principais características era o repúdio à metafísica em prol da análise
lógica e da linguagem. Enfim, basta-nos, por ora ter em mente que foi essa escola filosófica que
muito salientou a importância da verificabilidade das teorias científicas. Embora não se possa
dizer que era somente ela quem defendia esse ponto de vista, esse é um ponto que nos remete até
ela. A filosofia, por exemplo, de acordo com essa escola não mais deve se ocupar com metafísica
e sim com proposições verificáveis. É importante observar que com o positivismo lógico a
rigorosidade científica passa a ser ainda maior. Ou seja, o rigor para classificar o que é e o que
não é ciência passar a ser ainda maior.

33
O falseacionismo de Karl Popper

O filósofo austríaco Karl Popper (1902-1994) inova os argumentos do positivismo lógico e


de toda a tradição científica dizendo que a observação não tem de provar ou confirmar nada e sim
de falsear. Conforme já salientamos, até então, para que uma tese seja considerada científica, é
preciso que ela seja passível de testes empíricos e para ser considerada verdadeira ela tem de ser
corroborada.
Vejamos alguns casos bem elementares. A afirmação ou a hipótese de que todos os
homens são mortais, é corroborada pelo fato de que todos os homens morrem um dia. A
afirmação de que o Sol nasce todos os dias é baseada na experiência passada de que o Sol nasceu
e se pôs todos os dias. A afirmação de que todos os corvos são pretos é confirmada pela
existência de corvos apenas pretos. É bem provável que até hoje ninguém tenha encontrado
nenhum homem com mais de trezentos anos, nem se sabe de alguma ocasião em que o Sol não
tenha nascido e nem que se tenha conhecido um corvo branco. No entanto, Popper acredita que
esse critério deve ser reformulado. Para ele, não se deve falar em corroboração e sim em
falseação. É que nada ao certo pode ser corroborado, visto que as observações até o presente não
asseguram as observações futuras. Na concepção de Popper, o fato de todos os corvos observados
até o presente serem pretos não corrobora a tese de que todos os corvos são pretos ou que todos
os corvos que surgirão no futuro hão de ser pretos. No entanto, a existência de apenas um único
corvo branco é capaz de refutar a tese de que todos os corvos são pretos. Em outros termos, os
milhões de corvos pretos conhecidos até o momento não corroboram a negritude absoluta da
espécie, mas um único corvo branco falseia a proposição de que todos os corvos são pretos.
Observe-se, então, que desse modo as circunstancias não nos permitem falar em corroboração,
mas sim em falseação. Por isso a tese de Popper é conhecida como falseacionismo visto que ela
não prescreve qualquer corroboração e sim a falseação.
É importante observar que a falseação de Popper não é uma provocação cética
irresponsável. Poder-se-ia perguntar: qual a razão para falsear? Por que falsear? Os leitores de
Popper até poderão ser induzidos a pensar que a sua tese visa falsear por falsear. Mas não é isso
que ele tinha em mente. Embora tenha assegurado que se uma teoria não for passível de falseação
ela não pode ser científica, a sua intenção não é o mero ceticismo. Isso pode levar-nos a pensar
que todas as teorias devem e deverão impreterivelmente ser falseadas. E se todas são falseáveis,
logo são ou hão de ser falsas mais cedo ou mais tarde. Contudo, o falseável de que nos fala
Popper significa que ela tem de ser passível de teste a fim de verificar a sua veracidade. Aliás, ela

34
tem de ser passível de teste a fim de sabermos se é falseável. É que um teste que corrobora a
veracidade nada nos assegura, mas um teste que falsea, nos assegura que ela é falsa.
De certo modo, também podemos estar sujeitos a pensar que os critérios de Popper são
pessimistas. Contudo, é preferível dizer que eles são realistas, porque visam estabelecer uma
distinção real quanto ao que é e o que não é ciência. Afinal, por que acreditar, por exemplo, que a
existência de apenas corvos pretos até o presente momento corrobora uma proposição, enquanto,
na verdade, nada corrobora? Popper está seguro quanto à sua tese e por isso salienta que é
preferível falar em falseacionismo do que em verificacionismo. Em síntese, nada se corrobora,
mas tudo está sempre sujeito à falseação.
Conforme já salientamos, a ciência propriamente dita não caminha sem a filosofia da
ciência. Esta existe para lhe dar os devidos suportes teóricos. E Popper enquanto filósofo da
ciência faz exatamente isso, elabora a sua filosofia e tenta a todo custo dar o seu contributo
apresentando um suporte teórico e válido à comunidade científica.

A teoria de Thomas Kuhn

Vejamos agora uma questão levantada mais recentemente sobre a ciência: o paradigma.
Trata-se de um conceito cunhado e desenvolvido por Thomas Kuhn (1922-1996). Não se trata de
dogma e sim de paradigma (protótipo ou modelo) científico que os membros da comunidade
científica tomam como base para si. O que difere um paradigma científico de um dogma religioso
é, sobretudo, o fato de ele poder ser suplantado. Eis alguns exemplos de paradigmas: a astronomia
de Ptolomeu, a astronomia de Copérnico, o fixismo de Lineu e a teoria da evolução de Darwin. O
celebérrimo livro de Kuhn no qual ele tratou dos paradigmas da ciência chama-se A estrutura das
revoluções científicas publicado em 1963 e causou um verdadeiro choque entre os teóricos da
ciência. Um paradigma científico, de acordo com Kuhn, é o fundamento que toda uma
comunidade científica acata a fim de fazer ciência. Cada cientista, conscientemente ou não, adota
um paradigma sob o qual exerce a sua função de cientista. Por exemplo: antes de conhecerem A
evolução das espécies de Darwin os cientistas atuaram de acordo com o paradigma de Lineu, a
partir daí começaram aos poucos a trabalhar de acordo com o paradigma de Darwin. De acordo
com Kuhn, um paradigma substitui outro de maneira muito gradativa e nunca de modo abrupto.
Durante o tempo em que um paradigma não é contestado, diz-se que os cientistas atuam numa
ciência normal. A partir do momento em que o paradigma passa a ser contestado por meio de
teses muito contundentes e inovadoras, o paradigma em questão começa então a entrar em crise.

35
Nesse momento inicia um período de revolução científica cujo processo é bem lento. Ao terminar
esse período de crise do velho paradigma, passa-se então a fazer novamente uma ciência normal,
mas agora dentro de um novo paradigma.
E Kuhn ainda tem outra tese muito petulante: a aceitação de um novo paradigma por parte
dos cientistas não tem a ver apenas com provas experimentais. Também tem a ver com a
persuasão e com a propaganda. Nesse caso, então pode-se dizer que a mudança de paradigma por
parte de um integrante da comunidade científica é algo mais ou menos semelhante a uma
conversão. A autoridade de um cientista-chefe ou mesmo de um grupo conceituado de cientistas
tende a se tornar um paradigma mesmo que suas teses não sejam realmente convincentes. Diante
dessa petulância é possível concluir que os paradigmas não são totalmente racionais ou objetivos,
tal como normalmente supomos que sejam. Em outros termos, pode-se dizer que Thomas Kuhn
acreditava que a ciência não é objetivista. Normalmente aprendemos que a ciência aspira pela
objetividade, contudo, Kuhn de maneira petulante e supostamente convincente afirma não ser
bem assim. A sua tese relativista toma como fonte nada mais que a própria história da ciência. Ao
consultar cuidadosamente a história ele irá concluir que nunca houve nenhuma falseação nem
refutação total como os teóricos da ciência normalmente sustentam.
É importante observar que uma das razões para defendermos a objetividade da ciência é a
impossibilidade da busca por duas verdades quando se sabe que só existe uma. Isso, ao que
parece, é um princípio simplesmente indiscutível. O espírito objetivista da ciência normalmente
defendido é parte de uma tradição que remonta aos tempos clássicos, isto é, remonta à Grécia
antiga. Os maiores responsáveis por essa forma de pensar são Sócrates e Platão. E por outro lado,
o representante máximo do relativismo chama-se Protágoras. Entenda-se, nesse caso, o
objetivismo científico como visão contrária à visão relativista. Protágoras foi também o maior dos
sofistas. A sua máxima era: “O homem é a medida de todas as coisas, das que são enquanto são e
das que não são enquanto não são” (Tht.152a.) Os detalhes de seu pensamento pouco nos importa
aqui. Mas importa salientar que o seu relativismo ficou registrado na história como algo nocivo.
A idéia e o padrão predominante para a ciência ou mesmo para a filosofia ocidental foi o
platonismo em detrimento do protagorismo. Thomas Kuhn será então uma espécie de
ressuscitador do velho Protágoras. No entanto, pode-se dizer que o relativismo de Protágoras era
mais um relativismo de indivíduos enquanto o de Kuhn é um relativismo das comunidades. É que
Kuhn fala de comunidades científicas e não necessariamente de indivíduos (CHALMERS, 1993,
p. 139).
Assim sendo, em relação às teorias da ciência anteriores, Kuhn se posiciona totalmente
contrario. Vejamos, por exemplo, como ele se contrapõe ao falseacionismo de Popper. Em

36
princípio, a não resolução de um problema deve, na verdade, ser encarado como um problema do
cientista e não da ciência, ou seja, a não resolução de um problema não deve ser encarada como
um erro do paradigma em questão. Kuhn denomina esses problemas ou dificuldades como
anomalias e não como falseação. Aliás, quaisquer paradigmas contêm anomalias. Um cientista
que acusa um paradigma é, nesse caso, semelhante a um carpinteiro que diante de algum fracasso
acusa as suas ferramentas (CHALMERS. 1993, p. 129; KUHN, 2007, p. 110-111). Thomas Kuhn
diz que a história mostra-nos muito bem que os cientistas não abandonavam os paradigmas
vigentes por causa das anomalias. Noutros termos, não existe qualquer falseacionismo tal como
sugeria Popper. As anomalias isoladas não levaram nenhum paradigma à falência. No entanto,
Kuhn salienta que se as dificuldades num paradigma forem realmente muito grandes, uma
revolução será inevitável. E a história da ciência mostra que, de fato, isso também aconteceu. Por
exemplo, o sistema aristotélico e o ptolomaico foram substituídos pelo de Galileu. Os cientistas
podem se sentir pouco a vontade dentro de um paradigma e, aos poucos migrarem para outro.
Contudo, Kuhn alega que essa migração não ocorre em função de alguma dedução lógica ou por
um convencimento racional. Ele petulantemente alega que por trás da migração há uma
verdadeira persuasão nada objetiva. Aliás, Kuhn chega ao ponto de dizer que os cientistas ao
mudarem de paradigma fazem-no por meio de uma conversão. Com isso ele queria dizer que um
cientista tal e tal não abandona um paradigma em prol de outro em função de razões evidentes.
Ele o faz por meio de uma conversão muito semelhante à conversão religiosa. Para explicar isso,
ele também alega que os partidários de paradigmas diferentes encaram o universo e o mundo de
maneira diferente. Logo é impossível que um deles aceite a do outro. Noutros termos, cada grupo
de cientistas possui convicções tipo religiosas. Se alguns, porventura migram de paradigma,
fazem-no por meio de algum tipo de conversão. Não há outro modo, visto que as leituras de cada
grupo são distintas.
Enfim, Thomas Kunh surge na segunda metade do século XX com uma filosofia da
ciência completamente inovadora e revolucionaria. O conceito de paradigma e a tese de que a
ciência é feita por meio de relativismo constituem, com certeza, um desafio e levou os teóricos da
ciência a muitíssima reflexão. Embora não se possa dizer que Kunh esteja totalmente correto e
que as teorias da ciência anteriores estejam todas erradas, pode-se, com certeza assegurar que
suas teorias merecem muita atenção. Com efeito, é indiscutível que a imagem da ciência é muitas
vezes maculada e que as subjetividades e os preconceitos interferem no processo normal.
Contudo, o abandono total do espírito objetivista da ciência não seria nada recomendável. É
preferível manter-nos sempre como partidários da objetividade plena, embora saibamos que
nunca a atingiremos totalmente.

37
A teoria de Paul Feyerabend

Thomas Kuhn entrou para a história como um relativista, Paul Feyerabend (1924-1994)
por sua vez entrará como um verdadeiro anarquista. A sua ousadia excede a de Kuhn pelo fato de
declarar que o progresso da ciência se deve à violação das normas científicas. A tradição nos
ensina que ciência é algo que se faz por meio da objetividade. Mas em pleno séc. XX alguém
declara que não há normas para fazer ciência, ao contrario, pode-se tudo, ou seja, em ciência vale
tudo, não há regras metodológicas a serem seguidas. E é preciso salientar que aquele que assegura
isso é também uma autoridade. Ou seja, Feyerabend era também uma autoridade e em seu livro
Contra o método publicado em 1975 apresenta argumentos fortes. Afirma que a história da
ciência mostra claramente que para fazer ciência é preciso quebrar as regras e não há necessidade
de metodologia sistemática tal como a academia nos diz. Se seguirmos o que Feyerabend diz,
talvez seja possível supor que a ciência não tenha nenhuma vantagem em relação à magia.
Embora isso não possa ser facilmente admito, a tese desse autor também tem muito sentido e é
digna de muita reflexão. Ela serve-nos como alerta diante da nossa tendência de dogmatizar a
própria ciência. Todos sabem, por exemplo, que as previsões dos videntes sobre o clima é
normalmente cheia de erros. No entanto, as previsões feitas a partir de métodos científicos
também erram. Mas o que Feyerabend tem em vista é a liberdade humana. Na sua concepção, o
Estado, de alguma forma, impõe a fé científica sobre os cidadãos. Com isso ele quer dizer que as
escolas, por exemplo, são órgãos públicos que ensinam em nome da ciência. As crianças, nesse
caso, acabam por ficar destituídas de outras opções, pois apenas a ciência lhes é apresentada. No
mundo ideal de nosso filósofo “o Estado é ideologicamente neutro. Sua função é orquestrar a luta
entre as ideologias para assegurar que os indivíduos mantenham sua liberdade de escolha e não
tenham uma ideologia imposta a eles contra sua vontade” (CHALMERS, 1993, p. 185).
Por outro lado, o vale tudo de que nos fala Feyerabend também pode se tornar pernicioso
visto que se nos alijarmos totalmente da objetividade, a racionalidade poderá estar comprometida.
Embora a racionalidade seja algo árido, ela é a nossa única alternativa e os seus resultados são
salutares. Sócrates nos mostrou muito bem como é impossível fazer ciência ou mesmo ser um
homem justo sem ser racional. E a racionalidade, com efeito, preza pela objetividade. Conforme
já o dissemos, embora não possamos nos alijar totalmente do relativismo, isso não significa que
devemos abraçá-lo de modo incondicional. E se o relativismo pode comprometer a ciência
salutar, o anarquismo pode muito mais. Aos que se interessam pela teoria de Paul Feyerabend,
vale a pena não se limitar apenas em seu livro Contra o método. É importante também consultar
os comentadores e críticos, porque sua teoria como qualquer outra teoria da ciência, requer uma
38
análise séria. É que, na verdade, não há qualquer teoria isenta de equívocos e de exageros. Um
dos críticos de Feyerabend, mas ao mesmo tempo seu admirador é Alan Chalmers. Em sua obra
O que é ciência afinal? ele examina os principais nomes da filosofia da ciência e não deixa de
prestar uma certa admiração pela petulância de Feyerabend.

A própria ciência como dogma

A ciência, tal como verificamos nas primeiras páginas, é algo que se contrapõe
completamente àquilo que se chama dogma. Pode-se dizer que a ciência visa sempre ser anti-
dogmática. É que mesmo aquilo que parece ser muito evidente, pode se tornar ultrapassado.
Muitas teses supostamente evidentes e incontestáveis foram suplantadas. Nada mais exemplar do
que a própria tese do geocentrismo. Afinal, duvidar do movimento do Sol era simplesmente
inadmissível, porque tal fenômeno parecia mais que evidente. Fica, então estabelecido que a
ciência tem características tais e tais, entre as quais a de não ser absoluta. No entanto, surge um
fato curioso: a própria ciência às vezes parece tornar-se absoluta, ou seja, às vezes parece que as
pessoas se referem a ela como algo absoluto. É que a forma pela qual, muitas vezes a comunidade
científica fala em ciência, insinua alguma espécie de dogmatização. Trata-se de uma tendência
comprometedora e funesta. Mas é importante deixar claro que não é a ciência que se degenera ou
se torna absoluta e sim os cientistas. Estes tendem a torná-la um dogma para si. Já se sabe muito
bem que os seres humanos não vivem sem deuses ou sem ídolos. Uma vez destronada a religião, a
própria ciência tendia a se tornar um novo ídolo e a ocupar o lugar da religião. E desse modo o
que se assiste é nada mais que a substituição de um dogma por outro. O evolucionismo e o
marxismo, por exemplo, são teorias supostamente científicas que se tornaram verdadeiros dogmas
em pleno século XX e XXI. Muitos estudiosos e cientistas passaram a crer nessas teorias de
maneira tão radical que em nada se diferenciavam dos crentes religiosos. E isso vale
principalmente para os marxistas. Quando, por exemplo, um cientista crê de maneira impreterível
e absoluta em uma tese suplantada, a sua crença torna-se parecida com a crença religiosa. É que
uma vez suplantada uma tese, a sua validade só permanece por meio de dogmas. E, sobretudo, se
o cientista não mais tem capacidade ou meios de comprovação, o único recurso que lhe resta é o
dogma. Essa tendência dogmatizante da ciência, infelizmente é nada salutar. Não é nada bom ter
a própria ciência como uma espécie de ídolo, nem mesmo como religião substituta. Não há nada
de errado com o fato de um cientista se envolver de corpo e alma nas suas atividades. A sua

39
dedicação normalmente significa um amor pela profissão, o que, aliás, é algo obviamente salutar.
Contudo, a veneração cega com tendência a criar um dogma tão absoluto como o dogma religioso
é motivo de preocupação. A dedicação e o amor por uma causa podem muito bem existir sem a
companhia sinistra de venerações idolátricas. Estas, conforme já sabemos, fomentam a
intolerância e o ódio, os quais acabam por aniquilar a própria ciência.

40
REFERÊNCIAS

CHALMERS, A. F. O que é ciência afinal. São Paulo: Brasiliense, 1993.


COMTE, Auguste. Curso de filosofia positiva. In: Os pensadores. São Paulo: Nova Cultural,
1988.
DESCARTES, R. Discurso do método. Tradução de Ciro Mioranza. São Paulo: Escala
Educacional, 2006.
FEYERABEND, Paul. Contra o método. 3. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1989.
GEWANDSZNAJDER, Fernando; MAZZOTTI, Alda Judith Alves. O método nas ciências
naturais e sociais: pesquisa quantitativa e qualitativa. São Paulo: Pioneira, 2004.
HEGENBERG, Leônidas. Explicações científicas: introdução à filosofia científica. São Paulo:
Herder, 1969.
KNEALE, W; KNEALE, M. O Desenvolvimento da Lógica. 3. ed. Lisboa: FCG, 1991
KÖCHE, J. C. Pesquisa científica: critérios epistemológicos. Petrópolis: Vozes, 2005.
KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 2007.
LEAKEY, Richard. A origem da espécie humana. Rio de Janeiro: Rocco, 1995.
LUCKESI, C.; COSMA, Elói B. J.; BAPTISTA N. Fazer universidade: uma proposta
metodológica. 15. ed. São Paulo: Cortez, 2007.
MONDIN, B. Curso de filosofia: os filósofos do ocidente. Tradução de Benôni Lemos. São
Paulo: Paulinas, 1981. v. 1-3
PAVIANI, Jayme. Epistemologia prática. Caxias do Sul: EDUCS, 2009.
PESSANHA, J. A. M in Aristóteles. Tópicos; Dos argumentos sofísticos. São Paulo: Abril
Cultural, 1978. v. 1.
PLATÃO. Teeteto. Tradução de Nogueira, A. M; Boeri, M. Lisboa: FCG, 2005

REALE, G., ANTISERI, D. História da filosofia. São Paulo: Paulus, 19903. v. 1-3.
ROSSATO, R. Universidade: nove séculos de história. 2. ed. rev. e ampl. Passo Fundo: Editora
da UPF, 2005
SEVERINO, A. J. Metodologia do trabalho científico. 23. ed. rev. e atual. São Paulo: Cortez,
2007.

41

Vous aimerez peut-être aussi